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HPV: quem tem uma dose está plenamente vacinado, diz ministério

Crianças e adolescentes com idade entre 9 e 14 anos que receberam apenas uma dose da vacina contra o HPV passam a ser classificados pelo Ministério da Saúde, a partir de agora, como plenamente vacinados. A afirmação é do diretor do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde, Eder Gatti.

Em entrevista à TV Brasil, ele explicou que a mudança no esquema vacinal anunciada pela pasta foi embasada por estudos recentes sobre o desempenho da dose e recomendada pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) como estratégia de combate ao câncer de colo de útero, diretamente associado à infecção por HPV.

“O Brasil fez uma discussão técnica considerando as recomendações do comitê técnico assessor, composto por representantes da sociedade científica, de sociedades médicas. Ouvimos nossos especialistas e, diante das evidências, houve a recomendação do Ministério da Saúde passar a recomendação para uma dose,” explicou.

Para Eder, a estratégia em dose única simplifica o esquema e facilita a adesão, contribuindo para ampliar a cobertura vacinal contra o HPV no Brasil. “Com uma dose, certamente, a nossa cobertura vai subir e permite que a gente otimize os estoques das vacinas que o ministério tem – inclusive, vai permitir fazer o resgate de pessoas que não foram vacinadas ainda”.

Como parte da estratégia, a pasta pede que estados e municípios façam uma busca ativa por crianças e adolescentes de 9 a 19 anos que não tenham recebido nenhuma dose da vacina. “Teremos um quantitativo maior de doses à nossa disposição. É uma medida que garante segurança e efetividade para aquelas pessoas que foram e que serão vacinadas”.

“O ministério vai oficializar essa medida com a publicação de uma nota técnica que sai hoje. A partir da publicação, as pessoas que receberam uma dose já estão plenamente vacinadas e não precisarão receber a segunda dose. E as pessoas que forem procurar o posto para se vacinar a partir de agora, com apenas uma dose, vão estar plenamente vacinadas.”

O diretor lembrou que a imunização contra o HPV é considerada vacinação de rotina. As doses, portanto, estão disponíveis em todos os postos de saúde do país de forma permanente. Estratégias como campanhas de multivacinação, voltadas para atualização da caderneta, além de campanhas nas escolas, contribuem para intensificar a adesão.

“Existe, infelizmente, no nosso país, de forma crescente, a disseminação de notícias falsas relacionadas a vacinas tendo como alvo a confiança das pessoas na vacinação. A vacinação contra a covid-19 foi um dos principais alvos dessas fake news. A vacina do HPV também é alvo de muitas notícias falsas que acabam levando as pessoas a se sentirem desestimuladas a se vacinar.”

“Apesar de serem alvo, a gente trabalha muito pra recuperar a confiança das pessoas nas vacinas. Crianças e adolescentes de 9 a 14 anos, meninos e meninas, devem se vacinar contra o HPV. É uma vacina segura, uma vacina que salva vidas, uma vacina que evita câncer e verrugas, está disponível no SUS e é de graça”, concluiu.

*Colaborou Michelle Canes, da TV Brasil.

Desinformação: Fiocruz e UFF lançam guia para profissionais de Saúde

O guia Desinformação sobre saúde: vamos enfrentar esse problema, voltado para profissionais de saúde, foi lançado por um consórcio de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e de três Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC) e Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI). A publicação tem como objetivo preparar os trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) para o diálogo com os usuários sobre temas controversos e com potencial de impactar o bem-estar da sociedade.

O manual alerta para conteúdos nocivos à saúde da população que circulam em grupos de WhatsApp e nas redes sociais, como Instagram, Facebook, Tik Tok e YouTube. Falsos medicamentos, campanhas contra as vacinas, tratamentos milagrosos sem comprovação científica e receitas mágicas para emagrecer são alguns dos conteúdos prejudiciais que são divulgados pelas redes sociais. O guia traz uma curadoria de cursos de educação midiática, indica espaços para checagem de informação de notícias sobre saúde e sugere uma lista de fontes confiáveis sobre o tema.

Segundo a publicação, a desinformação sobre saúde tem potencial de impactar diretamente o bem-estar físico, mental e coletivo. Ela pode influenciar a opinião de uma pessoa e afetar as suas escolhas na busca equilibrada pela saúde. Conforme as informações enganosas se propagam, elas afetam a sociedade ao estimular a falta de confiança na ciência e em políticas de saúde. A desinformação também pode causar confusão e pânico na população, dificultando respostas a crises sanitárias.

O guia aponta que a desinformação sobre as vacinas contra a covid-19 é um exemplo do impacto dessas informações falsas sobre saúde. Os imunizantes foram usados para reduzir os danos da pandemia, mas muitas pessoas acreditaram em conteúdos que questionavam a sua eficácia e não se vacinaram. As vacinas são recursos historicamente usados para enfrentar doenças infecciosas e foram essenciais para o fim da pandemia.

Os profissionais de saúde podem enfrentar a desinformação esclarecendo dúvidas com uma linguagem acessível ao cidadão, com objetivo de desmistificar informações repassadas sem embasamento científico para que tenha escolhas confiáveis na busca por mais saúde e direitos. Ainda segundo a publicação, os profissionais de saúde podem colaborar nessa desmistificação com a oferta de informações corretas, baseadas no conhecimento científico, além de indicar fontes confiáveis para busca de informações sobre saúde.

Subsídios da UE favorecem pecuária em detrimento da agricultura

Um estudo publicado esta semana na Nature Food, concluiu que a União Europeia alocou mais de 80% do dinheiro público da Política Agrícola Europeia para criação de animais e investiu muito menos no cultivo de plantas. Com isso, há um impacto na transição alimentar, pois torna as dietas poluentes “artificialmente baratas”.

“Mais de 80% da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia (UE) apoia produtos de origem animal com emissões intensivas” – é esta a conclusão do mais recente estudo que analisa o impacto dos subsídios agrícolas no sistema alimentar do bloco europeu.

Os investimentos da PAC “favorecem os alimentos de origem animal, que utilizam 82% dos subsídios agrícolas da União Europeia, dos quais 38% diretamente e 44% para alimentação animal”, explica-se na análise.

Esta opção política está pagando mais às explorações agrícolas que ocupam maior área. O gado ocupa mais espaço do que as plantas e é alimentado de forma ineficiente com culturas que poderiam ter ido para as pessoas.

Esta gestão desencadeia “resultados perversos para uma transição alimentar”, sobretudo quando há planos para tornar a Europa o primeiro continente climaticamente neutro até 2050, explica o estudo.

“A maioria deste montante destina-se a produtos que estão nos levando ao limite”, sublinha Paul Behrens, investigador de alterações ambientais na Universidade de Leiden, nos Países Baixos, e coautor do documento, em declarações citadas na pelo jornal britânico The Guardian.

Para produzir a mesma quantidade de proteína, a carne bovina requer 20 vezes mais terra do que nozes e 35 vezes mais do que grãos.

Acrescenta que “os mesmos alimentos de origem animal estão associados a 84% das emissões de gases de efeito estufa incorporadas na produção alimentar da UE, ao mesmo tempo que fornecem 35% das calorias da UE e 65% das proteínas”.

“Estamos incentivando o pior cenário”, afirma Behrens.

Cálculos

Para determinar o somatório dos subsídios da UE aos produtos de origem animal, os investigadores associaram os registros de subsídios a uma base de dados acadêmica sobre fluxos alimentares e rastrearam o dinheiro público ao longo da cadeia de abastecimento durante o ano de 2013, o último para o qual havia dados de abastecimento.

Na política agrícola comum, embora tenha sido reformulada duas vezes nos últimos dez anos, a divisão dos subsídios diretos – antes de ter em conta os fluxos comerciais – manteve-se praticamente constante para os alimentos de origem animal e vegetal.

Foi então identificado que 12% dos subsídios foram incorporados em produtos enviados para fora da UE, principalmente para países de rendimento médio-alto e alto. “A China consumiu mais subsídios agrícolas da UE do que os Países Baixos, enquanto os EUA consumiram mais do que a Dinamarca”, observou o estudo.

Para quem não esteve envolvido no estudo, como Mario Díaz Esteban, ecologista do Museu Nacional de Ciências Naturais da Espanha, estes resultados são interpretados como “tão sólidos e claros quanto devastadores”.

Florian Freund, economista agrícola da Universidade de Braunschweig, reitera que “o estudo ilustra que a maioria dos subsídios não apoia uma transição urgentemente necessária para dietas saudáveis e sustentáveis”.

Outros especialistas alegam que há que ter cautela ao valor dos subsídios estimados dirigidos aos produtos de origem animal. Alan Matthews, professor emérito de política agrícola europeia no Trinity College Dublin, argumenta que a investigação simplificou excessivamente os mecanismos econômicos em funcionamento porque assumiu-se que os “subsídios estavam totalmente refletidos nos preços”, o que está “longe de ser o caso”.

Políticas verdes X agricultores

Na reforma da PAC para 2023-27, a UE decidiu alocar um quarto dos pagamentos diretos a “regimes ecológicos”, o que implica incentivos dirigidos ao cultivo “amigo do ambiente”.

Esta alteração foi introduzida porque a pecuária está descrita como a causadora da maioria das mortes no mundo selvagem em todo o planeta e é responsável por 12% a 20% dos poluentes que aquecem a Terra.

Porém, a nova estratégia de introdução de várias políticas verdes não foi bem recebida pelos agricultores, que desencadearam uma onda de manifestações por toda a Europa.

Este estudo é revelado no momento em que oito países acabaram de retirar o apoio a uma legislação que ajudaria a restaurar a natureza e os Estados-membros da UE concordaram em atrasar algumas das obrigações que os agricultores devem cumprir para receber subsídios.

STF tem maioria de votos contra “poder moderador” das Forças Armadas

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou nesta segunda-feira (1º) maioria de 6 votos a 0 contra a interpretação de que as Forças Armadas podem exercer “poder moderador” no país.

A maioria foi formada com o voto proferido pelo ministro Gilmar Mendes. Faltam os votos de cinco ministros. 

Ao se manifestar contra a tese do poder moderador, Mendes disse que a Corte está “reafirmando o que deveria ser óbvio”. “A hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição. A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quartéis e tampouco a Constituição de 1988 o admite”, afirmou. 

O Supremo julga uma ação protocolada em 2020 pelo PDT para impedir que o Artigo 142 da Constituição seja utilizado para justificar o uso do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para interferir no funcionamento das instituições democráticas. 

A tese do “poder moderador” foi alardeada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para justificar eventuais medidas contra outros Poderes durante seu governo. 

Entenda o julgamento

Os ministros julgam a ação da forma definitiva. Em junho de 2020, o relator do caso, ministro Luiz Fux, concedeu a liminar para confirmar que o Artigo 142 não autoriza intervenção das Forças Armadas nos Três Poderes. Pelo texto do dispositivo, os militares estão sob autoridade do presidente da República e se destinam à defesa de pátria e à garantia dos poderes constitucionais. 

Até o momento, prevalece o voto de Fux, relator do caso. Para o ministro, o poder das Forças Armadas é limitado e exclui qualquer interpretação que permita a intromissão no funcionamento dos Três Poderes e não pode ser usado pelo presidente da República contra os poderes. 

“A missão institucional das Forças Armadas na defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou. 

Além de Fux, os ministro Luís Roberto Barroso, André Mendonça, Edson Fachin, Flávio Dino e Gilmar Mendes também votaram no mesmo sentido. 

Em seu voto, Dino afirmou que não existe no país um “poder militar”.

“Lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um poder militar. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna”, concluiu. 

O julgamento é realizado no plenário virtual, modalidade na qual os ministros inserem os votos no sistema eletrônico da Corte e não há deliberação presencial. A votação será finalizada no dia 8 de abril. 

STF tem cinco votos contra “poder moderador” das Forças Armadas

O Supremo Tribunal Federal (STF) registrou nesta segunda-feira (1º) cinco votos contra a interpretação de que as Forças Armadas podem exercer “poder moderador” no país.

O entendimento dos ministros é formado no julgamento virtual de uma ação protocolada em 2020 pelo PDT para impedir que o Artigo 142 da Constituição seja utilizado para justificar o uso do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para interferir no funcionamento das instituições democráticas.

Os ministros julgam a ação da forma definitiva. Em junho de 2020, o relator do caso, ministro Luiz Fux, concedeu a liminar para confirmar que o Artigo 142 não autoriza intervenção das Forças Armadas nos Três Poderes. Pelo texto do dispositivo, os militares estão sob autoridade do presidente da República e se destinam à defesa de pátria e à garantia dos poderes constitucionais.

A suposta tese do “poder moderador” foi alardeada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para justificar eventuais medidas contra outros poderes durante seu governo.

Até o momento, prevalece o voto de Fux. Para o ministro, o poder das Forças Armadas é limitado e exclui qualquer interpretação que permita a intromissão no funcionamento dos Três Poderes.

“A missão institucional das Forças Armadas na defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou.

Além de Fux, os ministros Luís Roberto Barroso, André Mendonça, Edson Fachin e Flávio Dino também votaram no mesmo sentido. Faltam os votos de seis ministros.

Em seu voto, Dino afirmou que não existe no país um “poder militar”.

“Lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um poder militar. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do Artigo 142 da Carta Magna”, concluiu.

O julgamento é realizado no plenário virtual, modalidade na qual os ministros inserem os votos no sistema eletrônico da Corte e não há deliberação presencial. A votação será finalizada no dia 8 de abril.

STF tem seis votos contra “poder moderador” das Forças Armadas

O Supremo Tribunal Federal (STF) registrou nesta segunda-feira (1º) seis votos contra a interpretação de que as Forças Armadas podem exercer “poder moderador” no país.

O entendimento dos ministros é formado no julgamento virtual de uma ação protocolada em 2020 pelo PDT para impedir que o Artigo 142 da Constituição seja utilizado para justificar o uso do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para interferir no funcionamento das instituições democráticas.

Os ministros julgam a ação da forma definitiva. Em junho de 2020, o relator do caso, ministro Luiz Fux, concedeu a liminar para confirmar que o Artigo 142 não autoriza intervenção das Forças Armadas nos Três Poderes. Pelo texto do dispositivo, os militares estão sob autoridade do presidente da República e se destinam à defesa de pátria e à garantia dos poderes constitucionais.

A suposta tese do “poder moderador” foi alardeada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para justificar eventuais medidas contra outros poderes durante seu governo.

Até o momento, prevalece o voto de Fux. Para o ministro, o poder das Forças Armadas é limitado e exclui qualquer interpretação que permita a intromissão no funcionamento dos Três Poderes.

“A missão institucional das Forças Armadas na defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou.

Além de Fux, os ministros Luís Roberto Barroso, André Mendonça, Edson Fachin, Flávio Dino e Gilmar Mendes também votaram no mesmo sentido. Faltam os votos de cinco ministros.

Em seu voto, Dino afirmou que não existe no país um “poder militar”.

“Lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um poder militar. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do Artigo 142 da Carta Magna”, concluiu.

O julgamento é realizado no plenário virtual, modalidade na qual os ministros inserem os votos no sistema eletrônico da Corte e não há deliberação presencial. A votação será finalizada no dia 8 de abril.

* Texto atualizado às 20h41 para acréscimo do voto do ministro Gilmar Mendes. 

Ditadura bloqueou reversão da desigualdade no Brasil

 

Em agosto de 1968, no quarto ano da ditadura militar (1964-1985), a revista Realidade (editora Abril) trazia a reportagem Eles estão com fome, do jornalista pernambucano Eurico Andrade (1939-2005). A matéria, que venceu o Prêmio Esso daquele ano, tratava da situação de subsistência dos trabalhadores rurais da Zona da Mata de seu estado, localizada no mapa da fome das Nações Unidas e onde viviam 1,5 milhão de brasileiros.

O primeiro personagem do texto é um lavrador chamado Berto Miranda, 45 anos, pai de cinco filhos. Era o começo do dia e ele estava se preparando para ir trabalhar no canavial de um engenho da região, quando a esposa o interpela: “Berto, tu vai levar essa farinha de cuia?” Ele responde devolvendo a indagação: “E eu vou comer o que de almoço?” A mulher encerra o diálogo da penúria: “É que só tinha esse restinho em casa, deixei para os meninos, o que é que se faz?”

Segundo o repórter Eurico Andrade, Berto Miranda deixou a cuia de farinha em casa. Sem levar a sua enxada, caminhou para o mato. “Antes do meio-dia, os outros lavradores trouxeram o cadáver: Berto se enforcara.”

No ano daquela reportagem, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 9,8%. O desempenho extraordinário abriu o chamado “milagre econômico brasileiro”, que durou seis anos e teve uma taxa média de crescimento de 11,2% ao ano. O Brasil da prosperidade econômica fenomenal era o mesmo do flagelo da indigência, mas o progresso miraculoso não chegava a lugares como a Zona da Mata de Pernambuco.

Antes da tragédia de Berto Miranda e da opulência do PIB, o Brasil já era um país de grandes desigualdades socioeconômicas. O período da ditadura militar, no entanto, tornou superlativas essas disparidades.

Em 1960, os 5% dos brasileiros mais ricos concentravam 28,3% da renda. Em 1972, a mesma proporção de ricos se apropriava de 39,8% da riqueza produzida no país. Os dados são tirados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do censo populacional no início dos anos 1960 e da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar de 1972.

Naquela período, o índice de Gini pulou de 0,497 para 0,622. O indicador, inventado pelo estatístico italiano Corrado Gini, vai de 0 a 1. Hipoteticamente, o índice em 0 corresponde a nenhuma desigualdade de renda entre as pessoas. O indicador em 1 significa que em tese toda riqueza está concentrada em uma única pessoa. Atualmente, o Gini nacional é 0,492 (renda individual), segundo a Carta de Conjuntura do quarto trimestre de 2023, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Política salarial

Para o sociólogo e economista Marcelo Medeiros, técnico do Ipea e professor visitante na Universidade Columbia (Estados Unidos), “é difícil dizer que a desigualdade atual seja um legado da ditadura militar”.

“Uma parte da desigualdade é herdada da ditadura, mas existe uma parte da desigualdade que a precede. O que a ditadura fez foi bloquear os mecanismos de reversão dessa desigualdade”, afirma Marcelo Medeiros.

“É difícil dizer que a desigualdade atual seja um legado da ditadura militar”, afirma o sociólogo e economista Marcelo Medeiros – UnB Notícias/Divulgação

De acordo com o especialista, o regime de arbitrariedade inaugurado em 1º de abril de 1964 “bloqueou as negociações trabalhistas na época”. “Bloqueou todas as organizações sociais, criou mecanismos, por exemplo, para desvalorizar o salário mínimo e não deixou os trabalhadores se queixarem disso pelos mecanismos que tinham. Eles destruíram sindicatos. O que a ditadura fez foi desbloquear as condições de reversão da desigualdade.”

O diagnóstico de Medeiros é semelhante ao do economista Luiz Aranha Correa do Lago, professor pleno da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Em artigo publicado no livro A Ordem do Progresso (editora Elsevier, 2014), ele detalha: “Após 1964, quando ocorreram numerosas intervenções nos sindicatos existentes e o movimento sindical perdeu suas características reivindicatórias, as negociações coletivas com relação a salários passaram a depender, de forma crescente, da aprovação governamental.”

O resultado da desmobilização forçada dos trabalhadores foi a contenção das remunerações. O poder aquisitivo do salário mínimo caiu em 42% no estado de São Paulo, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Economista Luiz Aranha Correa do Lago diz que, após 1964, negociações salariais passaram a depender da aprovação governamental – Companhia das Letras/Divulgação

“No período de 1967-1973, a política salarial e a política de relações trabalhistas do governo tiveram como resultado uma contenção dos níveis de salário real […] favorecendo a acumulação de capital via manutenção de elevada taxa de lucro e possibilitando uma política de remuneração seletiva para o pessoal de nível mais elevado”, acrescenta Correa do Lago.

O bolo cresceu

A acumulação do capital em alguns setores da economia era propósito perseguido pelo governo militar. Para o historiador Jorge Luiz Ferreira, professor da Universidade Federal Fluminense, “as empresas tiveram ganho de produtividade, mas não foi repassado aos trabalhadores”.

“O bolo cresceu, como dizia o Delfim [Netto – ministro da Fazenda de 1967 a 1974], mas ele não foi repartido, ou foi repartido de maneira muito desigual”, destaca o historiador. Conforme Ferreira, “o objetivo era industrializar o país, fazer o país crescer, mas não tinha uma política de redistribuição de renda.”

O historiador lembra que “havia muitos trabalhadores disponíveis nas cidades que vieram do campo.” A disponibilidade de mão de obra depreciava os salários, e “os empresários demitiam e contratavam outro com facilidade.” O êxodo rural gerou inchaço nas cidades, crescimento das favelas, pauperização da população e deterioração do quadro social. “Aí começam a surgir nas ruas crianças vendendo limão e crianças abandonadas.”

Para o cientista político Thiago Aparecido Trindade, há semelhanças entre o golpe militar e o impeachment de Dilma Rousseff – UnB/Divulgação

A abundância de mão de obra nas cidades é reflexo da falta de reforma agrária como previam as reformas de base pretendidas pelo ex-presidente João Goulart, deposto em 1964. O cientista político Thiago Aparecido Trindade, professor da Universidade de Brasília (UnB), assinala que a reforma agrária é uma necessidade ainda presente no Brasil.

Ele também aponta semelhanças entre o golpe militar contra Jango e o impeachment da presidente Dilma Rousseff. “É muito parecido. Em ambos casos, havia tendência de redução da desigualdade. No fundo, a gente percebe que as decisões que foram tomadas, tanto num caso como no outro, foram elementos decisivos para concentrar a riqueza.”

O antropólogo Piero Leirner, professor da Universidade Federal de São Carlos e especializado em militares, aponta que a concentração de riqueza seguiu após o milagre brasileiro e o retorno da inflação no crepúsculo da ditadura. “A Inflação, na verdade, foi um mecanismo de concentração de renda. O sistema financeiro protegeu as pessoas mais ricas, que conseguiam, deixar o dinheiro em aplicações, naquelas coisas tipo overnight e tal.”

A inflação foi uma herança deixada pela ditadura que só foi contornada depois da redemocratização do país no Plano Real. Assim como o endividamento externo. Ambos processos agravaram as desigualdades socioeconômicas. “Contraímos dívida para beneficiar alguns grupos sociais, mas é uma dívida que teve de ser paga por todos. O que foi o endividamento? Foi uma socialização da concentração de renda”, descreve o sociólogo e economista Marcelo Medeiros.

Para ele, passados quase 40 anos de redemocratização, a desigualdade segue como um problema desafiando o Estado e a sociedade brasileira. “Enfrentar desigualdade implica enfrentar diretamente o conflito distributivo, que significa que algumas pessoas vão perder todas as posições que elas têm hoje. E essa perda de posições, ela gera reações. É óbvio que tem reações de natureza política de várias pessoas – não é só dos ultrarricos. Reações de vários grupos que vão tentar manter suas posições. Antes de tudo, a desigualdade é um problema de natureza política.”

Anvisa autoriza registro de vacina que previne bronquiolite em bebês

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o registro da vacina Abrysvo, da farmacêutica Pfizer. A dose combate o vírus sincicial respiratório (VSR), causador de infecções no trato respiratório, como a bronquiolite. A resolução foi publicada nesta segunda-feira (1º) no Diário Oficial da União.

Em nota, a Anvisa destacou que a bronquiolite é uma inflamação dos brônquios que acomete com bastante preocupação crianças pequenas e bebês. O imunizante é indicado para a prevenção da doença do trato respiratório inferior em crianças desde o nascimento até os seis meses de idade por meio da imunização ativa em gestantes.

“Isso significa que, para a proteção das crianças, a aplicação da vacina deve ser feita nas mães, durante a gestação. A vacina não é aplicada diretamente nos bebês”, reforçou a agência. A dose também foi autorizada para a prevenção da doença do trato respiratório inferior em pessoas com 60 anos ou mais, população também considerada de risco para a doença.

A vacina

A vacina Abrysvo é descrita como bivalente, já que é composta por dois antígenos da proteína de superfície F do VSR. A administração é intramuscular e em dose única. Segundo a Anvisa, o imunizante deve ser aplicado durante o segundo ou terceiro trimestre da gestação.

“Como todo medicamento, foram observados alguns efeitos colaterais na administração do imunizante, sendo os mais comuns: dor no local da vacinação, dor de cabeça e dor muscular”, destacou a agência. “Ainda assim, a totalidade das evidências apresentadas à Anvisa foi capaz de demonstrar que os benefícios da vacina são superiores aos seus riscos.”

A Anvisa já havia autorizado o registro da vacina Arexvy, da farmacêutica GlaxoSmith Kline, também destinada à prevenção de doenças causadas pelo VSR, porém, com indicação restrita à população com idade superior a 60 anos.

Golpe: debate deve ir além da academia, diz responsável por arquivos

Arte/Agência Brasil

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, a diretora de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo (DPT) do Arquivo Nacional, Gabrielle Abreu, promete expandir, para além das universidades, as parcerias do projeto Memórias Reveladas, que reúne os arquivos sobre os anos de chumbo no Brasil (1964-1985), envolvendo também escolas de educação básica, meios de comunicação e movimentos sociais.  

Empossada no início deste mês, a mestre em história comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ressaltou que é comprometida com a luta pela memória sobre a ditadura civil-militar brasileira e que o período é chave para compreender o presente e o futuro do país.

“Esse é um tema muito caro para mim, é a agenda da minha vida”, revelou a historiadora. Gabrielle atuou nos últimos anos na área de Memória e Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog, organização não-governamental que leva o nome do jornalista da TV Cultura assassinado pela ditadura.

Criado em 2009, o projeto Memórias Reveladas coloca à disposição do país os arquivos que contam a história das lutas de resistência à ditadura militar durante as décadas de 1960 a 1980. A historiadora afirmou que o projeto foi esquecido pelo governo Bolsonaro e reconhece que falta pessoal, já que apenas dois servidores estão lotados no programa. Por outro lado, lembrou que o projeto virou uma Divisão, ganhando importância institucional dentro do Arquivo Nacional.

Entre as iniciativas previstas para este ano está a retomada do Prêmio Memórias Reveladas, que valoriza iniciativas que promovam a memória sobre a ditadura brasileira. A última edição do prêmio foi de 2017.

Segundo Gabrielle, o objetivo é “premiar produções acadêmicas, artigos científicos sobre a temática, mas também projetos educacionais, valorizando o que tem sido feito no chão da escola sobre esse tema, e também produtos comunicacionais”.

Devido à proximidade temporal da última ditadura, a diretora destacou que ela ainda produz efeitos no presente. “A maneira como os ditadores, os militares especialmente, conduziram esse processo faz com que hoje a gente ainda viva com muitas reverberações desse período”, avaliou.

Confira a entrevista completa:

A diretora de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo do Arquivo Nacional, Gabrielle Abreu. Foto: Ascom Arquivo Nacional

Agência Brasil: Qual a importância de revelar as memórias sobre a ditadura civil-militar (1964-1985)?
Gabrielle Abreu: É importante uma compreensão total da nossa história, enquanto nação, algo que no Brasil é muito negligenciado. Infelizmente, somos um país com pouco apreço à nossa memória, com dificuldades de conhecer a nós mesmos.

Nesse sentido, nenhum período se sobrepõe em relação a outro, mas eu acho que a história da ditadura militar brasileira acaba sendo um período muito chave para a compreensão dos acontecimentos mais recentes. Por isso, jamais, por parte da gestão do Arquivo Nacional, vai haver uma movimentação no sentido de esvaziar essa pauta dentro do órgão.

Tal como outros períodos históricos, é um período chave para uma compreensão do nosso presente, porque há muitas continuidades, muitos desdobramentos desse período. É um período chave para uma compreensão do presente e até mesmo do futuro.

Agência Brasil: Como é essa conexão da ditadura com o presente e o futuro?
Gabrielle Abreu: Não dá para abrir mão de uma reflexão crítica sobre o passado. E isso a partir de qualquer período histórico. Se a gente for pensar a linha do tempo histórico, a ditadura ocorreu muito recentemente. Dada essa proximidade temporal, a gente ainda vai viver certos efeitos dela.

A ditadura militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985 tinha um elemento muito específico se comparado aos outros regimes autoritários que ocorreram em países vizinhos ao Brasil no mesmo período. Aqui se tentou mascarar o caráter ditatorial e dar certa legitimidade ao regime.

As ditaduras não se sustentam só com repressão e violência. Parece paradoxal, mas existia também a construção de um conjunto de valores, de ideologias, que foram pensadas para dar musculatura a esse regime e fez com que ele vigorasse por tanto tempo, por 21 anos. A maneira como os ditadores, os militares especialmente, conduziram esse processo faz com que hoje a gente ainda viva com muitas reverberações desse período.

Agência Brasil: Você assumiu recentemente a Diretoria responsável pelo Memórias Reveladas. Quais novas ações e medidas serão tomadas para fortalecer esse projeto?
Gabrielle Abreu: O que está sendo pensado para o Memórias Reveladas já vinham sendo pensadas antes da minha chegada, obviamente, mas ganham um novo fôlego a partir da minha aproximação.

No finalzinho do ano passado, houve uma reestruturação e o Memórias Reveladas passou a ser uma divisão dentro da estrutura do Arquivo Nacional. Ele é reposicionado também na Diretoria de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo (DTP), diretamente vinculada ao gabinete dessa diretoria, o que também fortalece institucionalmente o programa.

Nesse ano, temos os 15 anos de Memórias Reveladas no dia 13 de maio. Nosso intuito é que a gente possa reverberar as ações da divisão ao longo de todo o ano, pautando a memória da ditadura militar brasileira, a reflexão e o conhecimento das lutas por direitos e como os arquivos se relacionam com o fortalecimento democrático. A gente tem a previsão de realizar a 5ª edição do Prêmio Memórias Reveladas de maneira renovada, agregando a multiplicidade dos segmentos que têm refletido sobre o tema. O Prêmio, nos últimos anos, esteve focado em produções acadêmicas monográficas. A gente sabe que a universidade é um palco muito importante para esse tema. Isso é um fato. Mas existem outros setores, outros segmentos que também estão tratando da ditadura de forma muito central.

Eu estou falando das escolas, dos veículos de comunicação, da sociedade organizada, dos movimentos sociais, dos movimentos de vítimas do período. A gente quer colocar o Prêmio na rua dando conta dessa multiplicidade de vozes e formatos, especialmente nas escolas, na educação básica, em como podemos fortalecer esse tema nos currículos, por exemplo.

O Prêmio Memórias Reveladas vai premiar produções acadêmicas, artigos científicos sobre a temática, mas também projetos educacionais, valorizando o que tem sido feito no chão da escola sobre esse tema, e também produtos comunicacionais.

Prêmio de Pesquisa Memórias Reveladas, por Arquivo Nacional

Agência Brasil: Os servidores do Arquivo Nacional têm reclamado da falta de estrutura para tocar o projeto, que teria sido abandonado pela gestão anterior, que era simpática à ditadura no Brasil. Apesar de você não estar na área no ano passado, mas caso já tenha sido possível se atualizar, como estava a situação do projeto e como recuperar ele?
Gabrielle Abreu: Quando a atual gestão do Arquivo Nacional assumiu o órgão, o que ocorreu foi um grande susto em relação ao estado que se encontrava o Memórias Reveladas. É como se o Memórias Reveladas sequer existisse. Ele não estava visível na estrutura regimental do Arquivo Nacional.

Agora, o Memórias Reveladas aparece no regimento, ganha nova musculatura, se tornando uma divisão. Com a minha aproximação, a gente começa a fazer uma movimentação interna de recomposição dessa equipe. Hoje, apenas dois servidores estão dedicados às atividades do Memórias Reveladas. Isso é muito pouco. Desde o meu 1º dia no órgão, trabalho para reforçar o expediente do Memórias Reveladas.

Agência Brasil: Nessa semana, um estudo inédito do pesquisador da UnB e ex-preso político Gilney Viana apontou 1.654 camponeses assassinados pela ditadura. O número é muito superior ao identificado pela Comissão Nacional da Verdade, que é de 434 vítimas fatais. Como o Memórias Reveladas dialoga com essas pesquisas feitas por particulares?
Gabrielle Abreu: Essa pesquisa do Gilney, essas novas estatísticas, só mostra o quanto esse ainda é um tema muito vivo e dinâmico. É muito importante que nós estejamos próximos da rede de pesquisadores que lidam com essa temática, fortalecendo essas pesquisas com a documentação que a gente mantém hoje no órgão. O principal objetivo é fortalecer essas pesquisas a partir da documentação que nós temos para que a gente um dia, quem saiba, possa chegar numa estatística, num dado mais fidedigno, mais próximo da realidade em relação a esse número, principalmente de vitimados pela ditadura militar.

STF julga os limites da atuação e subordinação das Forças Armadas

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, na última sexta-feira (29), os limites da atuação das Forças Armadas e sua hierarquia em relação aos Três Poderes da República. Neste domingo (31), o ministro Flávio Dino depositou seu voto no plenário virtual da Corte e afirmou que “a função militar é subalterna” e que não existe, no regime constitucional brasileiro, um “poder militar”.

“O poder é apenas civil, constituído por três ramos [Executivo, Legislativo e Judiciário] ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente”, escreveu Dino, lembrando que o dia de hoje marca os 60 anos do golpe militar no Brasil, “um período abominável da nossa História Constitucional”, ocorrido em 31 de março de 1964.

“Há 60 anos, à revelia das normas consagradas pela Constituição de 1946, o Estado de Direito foi destroçado pelo uso ilegítimo da força”, afirmou o ministro.

O julgamento trata da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6457, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em junho de 2020, sobre a Lei Complementar 97 de 1999, que regulamentou o Artigo 142 da Constituição, relacionado à atuação das Forças Armadas. A lei também foi alterada em 2004 e 2010.

O dispositivo afirma que as Forças Armadas são “instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

O PDT questionou a atuação das Forças Armadas como um poder moderador e a “autoridade suprema” do Presidente da República para utilizar as forças militares e pediu ao STF a interpretação sobre o dispositivo constitucional. Na ocasião, em junho de 2020, o relator da ação, ministro Luiz Fux, concedeu liminar esclarecendo que o Artigo 142 da Constituição Federal não autoriza a intervenção das Forças Armadas sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo.

Voto do relator

Em seu voto no plenário virtual, na última sexta-feira, Fux manteve o entendimento e afirmou que as Forças Armadas são instituições de Estado, e não de governo, “indiferentes às disputas que normalmente se desenvolvem no processo político”. Para ele, a missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não prevê “qualquer espaço à tese de intervenção militar, tampouco de atuação moderadora das Forças Armadas” entre os Três Poderes.

“O emprego das Forças Armadas para a ‘garantia da lei e da ordem’, embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais poderes, na forma da Constituição e da lei”, escreveu.

O ministro explicou que a “garantia dos poderes constitucionais”, prevista no artigo 142 da Constituição, se refere à proteção de todos os poderes “contra ameaças alheias”. Portante, é uma forma de defesa das instituições democráticas contra “ameaças de golpe, sublevação armada ou movimentos desse tipo”.

Para Fux, a chefia do Presidente da República sobre as Forças Armadas é “poder limitado” e não é possível qualquer interpretação que permita o uso militar para “indevidas intromissões” no funcionamento dos outros poderes. “A prerrogativa do presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas […] não pode ser exercida contra os próprios poderes entre si”, escreveu, explicando que o líder do Executivo exerce o poder de supervisão administrativo-orçamentária dos organismos militares.

Segundo ele, a autoridade do presidente sobre as Forças Armadas está relacionada à hierarquia e à disciplina da conduta militar, como o regramento sobre sua organização e nomeação de comandantes.

Pela modalidade virtual, os ministros inserem os votos no sistema eletrônico e não há deliberação presencial. O julgamento é aberto com o voto do relator e, em seguida, os demais ministros passam a votar até o horário limite estabelecido pelo sistema. Essa sessão de julgamento ocorre até o próximo dia 8.

Além de Luiz Fux, relator da matéria, e Flávio Dino, o ministro Luís Roberto Barroso se manifestou acompanhando o voto do relator, atendendo de forma parcial aos pedidos do partido.

Limitações

Entre outras solicitações, o PDT pediu que o STF limite o uso das Forças Armadas nas destinações previstas no artigo 142 da Constituição aos casos de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio. O relator, entretanto, não viu razão para essa limitação.

“Caso assim agisse, estaria o Supremo Tribunal Federal a realizar recorte interpretativo que a própria Constituição não pretendeu efetuar. Por outro lado, a semântica dos artigos 1º e 15 da Lei Complementar 97/99 pode ser melhor aclarada em conformidade com a Constituição, no afã de eliminar eventuais interpretações que não possuem guarida na sistematicidade de suas normas”, escreveu, sugerindo uma atualização da lei que regulamentou o Artigo 142 da Constituição.

Para o ministro, também aplicar restrição do alcance da atuação de “defesa da pátria” “esvaziaria a previsão constitucional do artigo 142 e reduziria a eficácia dos dispositivos constitucionais que tratam da atuação internacional do país”, como as possibilidades de uso das Forças Armadas para proteção das faixas de fronteiras e dos espaços aéreos e marítimos. “Exemplificativamente, cito as missões de controle do fluxo migratório na fronteira com a Venezuela”, diz Fux.

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Flávio Dino acrescentou que a decisão seja enviada ao ministro da Defesa para que seja difundida para todas as organizações militares, inclusive escolas de formação, aperfeiçoamento e similares. “A notificação visa expungir desinformações que alcançaram alguns membros das Forças Armadas – com efeitos práticos escassos, mas merecedores de máxima atenção pelo elevado potencial deletério à Pátria”, escreveu Dino em seu voto.