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Projeto melhora atendimento de pacientes cardiológicos do SUS

O projeto Boas Práticas Cardiovasculares, parceria que reúne instituições privadas e o Ministério da Saúde, tem melhorado o atendimento de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Participam do projeto o Hospital do Coração (HCor), a Beneficência Portuguesa (BP) e o ministério, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS).

A iniciativa é um projeto de qualificação em serviço. A parceria entre o HCor e a pasta da Saúde, por meio do Proadi-SUS, começou em 2009 com o projeto de eletrocardiografia (Tele-ECG), que disponibilizou pontos para realização de eletrocardiogramas em unidades de pronto atendimento (UPAs 24h) e serviços de atendimento móvel de urgência (Samu) em nível nacional.

Segundo a gerente de Projetos de Assistência e Saúde Digital de Responsabilidade Social do HCor, Patricia Vendramim, desde o início do projeto, o fornecimento do laudo do eletrocardiograma por meio de conexões interativas e plataformas a distância permitiu a qualificação do serviço. “O tempo inteiro, a gente qualifica os profissionais que estão na linha de frente nesses serviços de urgência e emergência que são UPAs, no país inteiro”, disse Patricia à Agência Brasil.

O Boas Práticas começou em 2009 só com atuação cardiovascular na síndrome coronariana aguda e, ao longo dos últimos 15 anos, vem se ajustando de acordo com a demanda atual do cenário da saúde, por meio da implementação de melhorias.

“A gente seleciona alguns serviços, dos quais faz uma tutela, ensina a coletar indicadores, torna o protocolo mais atualizado para que seja usada a melhor prática possível, disponível no momento. O tempo inteiro, a gente está qualificando em serviço e, assim, coletando os indicadores”, explicou.

No momento, o projeto tem 735 unidades pelo HCor, mais 150 pela BP, totalizando 885 unidades do SUS. O projeto disponibiliza um aparelho de eletrocardiografia em cada serviço, capilarizado no país inteiro. O paciente chega com uma dor torácica ou com algum sinal de problema cardiovascular, faz o eletrocardiograma, e o médico, no serviço do HCor ou da BP, em São Paulo, faz o laudo e o devolve em cerca de 3 minutos, em média.

De acordo com Patricia, se o laudo estiver alterado com arritmia grave ou infarto grave, o médico entra em contato com o profissional da UPA onde o paciente está e o auxilia no atendimento. Os dois itens são considerados qualificação em serviço.

Resultados positivos

Patricia disse que a Beneficência Portuguesa, que entrou no projeto no triênio passado, “engrossou” o time de qualificação do serviço nas UPAs. Com isso, diminuiu-se o tempo em que o paciente chega à UPA e faz o eletrocardiograma, porque, quanto antes se fizer o diagnóstico da pessoa que chega com uma dor torácica, melhor para ela.

“Conseguimos, na implementação de melhorias, diminuir 44% na taxa de mortalidade das UPAs que participaram desse grupo mais seleto. Na adesão de terapia medicamentosa, houve  aumento de 33, e o tempo de realização do eletrocardiograma diminuiu 59%.

Os resultados positivos permitiram que, desde 1º de abril, houvesse expansão do olhar não somente para a síndrome coronariana aguda, o infarto, mas também para o acidente vascular cerebral ou derrame, e a sepse, que seriam infecções com grande repercussão clínica, para que também as boas práticas nas unidades de pronto atendimento estejam estabelecidas enquanto protocolo clínico, proporcionando maior estrutura e apoio na condução do caso clínico, afirmou a coordenadora de Projetos da Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP), Camilla Nicolino.

Camila ressaltou que, entre as UPAs que o projeto abrange, 86% são habilitadas junto ao Ministério da Saúde.

Exames

Desde 2009, foram realizados mais de 2 milhões de exames. Em 2019, o projeto passou a oferecer serviços de teleconsultoria cardiológica por telefone, contabilizando mais de 19 mil atendimentos no consolidado HCor e BP. De 2021 para 2022, houve expansão para uma plataforma online (Teams).

“Só no triênio 2021/2023, foram emitidos mais de 750 mil laudos de eletrocardiogramas que proporcionaram uma discussão clínica e identificação precoce de pacientes com arritmias e infartos, resultando em redução de mortalidade e aumento de medidas que previnem eventos isquêmicos, o que é um grande diferencial quando se fala de saúde pública, de complexidade assistencial e trabalhando nesse âmbito de rede”, informou.

Camilla acrescentou que o projeto foi agregando valor e expertise. Nos próximos 32 ou 33 meses, já que o Boas Práticas se estenderá até 31 de dezembro de 2026, prevê-se o estabelecimento de todas as unidades ativas com esse serviço e qualidade assistencial garantida. A previsão inclui centro laudador de referência e ampliação das unidades de pronto atendimento, que terão tutoria, consultoria para implementação de boas práticas para a síndrome coronariana, acidente vascular cerebral e sepse, bem como avaliação na classificação de risco, por meio da metodologia healthscare, do plano de capacidade plena e do fluxo de pacientes.

“Como essas unidades lidam com situações de aumento de fluxo, de demanda, em todos os cenários de endemias, e aumentos sazonais que ocorrem dentro das unidades,  trabalham o fluxo de pacientes para garantir menos tempo de passagem, ou seja, que o paciente fique na UPA o menor tempo possível, evitando retrabalho e também algum impacto na decisão clínica”, complementou Camilla Nicolino.

Ministério dá aval para recriar comissão sobre desaparecidos políticos

O Ministério da Justiça e Segurança Pública ratificou nesta sexta-feira (26) parecer pela reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. O documento foi encaminhado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

Criada em 1995 e extinta no final de 2022, no governo de Jair Bolsonaro, a comissão tem como atribuição tratar de desaparecimentos e mortes de pessoas em razão de atividades políticas no período de setembro de 1961 a agosto de 1979. Entre outros pontos, cabe à comissão mobilizar esforços para localizar os restos mortais das vítimas do regime militar e emitir pareceres sobre indenizações a familiares.

No início de 2023, o ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania adotou medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento da comissão. Um parecer pela reinstalação já havia sido elaborado pela Consultoria Jurídica do MJSP, ainda na gestão do ex-ministro Flávio Dino. Mas, a pedido da Casa Civil, o processo foi retomado, sob o argumento de que houve troca no comando da pasta.

“Reexaminada a questão, em apertada síntese, a Nota Jurídica no 00550/2024/CONJUR- MJSP/CGU/AGU conclui que não houve inovação quanto aos documentos já analisados, tendo o processo retornado em razão da troca de tularidade do MJSP, tão somente para nova anuência e raficação” diz o ofício assinado pelo ministro interino da pasta, Manoel Carlos de Almeida Neto. O titular, Ricardo Lewandowski, está fora do país.

Cobrança

Em julho do ano passado, a Coalizão Brasil por Memória Verdade Justiça Reparação e Democracia, grupo formado por dezenas de entidades de defesa dos direitos humanos, já havia cobrado do governo federal ações efetivas de políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação, entre elas a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

“A Comissão pode envidar esforços concretos para a ampliação do conceito de desaparecimentos políticos no Brasil. Por outro, ela reúne uma importante expertise técnica que pode ser colocada à disposição para o esclarecimento das graves violações aos direitos humanos de outros períodos históricos, inclusive das que seguem sendo perpetradas no presente”, diz o texto do documento. 

Em março, o Ministério Público Federal no Distrito Federal também recomendou ao governo federal que reinstalasse em 60 dias, no máximo, a comissão. A recomendação foi encaminhada ao MDHC.

Até hoje existem 144 pessoas desaparecidas na ditadura militar. Na recomendação, o MPF disse que a continuidade dos trabalhos da comissão é fundamental, especialmente em relação ao reconhecimento de vítimas, busca de restos mortais e registros de óbito. O órgão também orienta que sejam destinados recursos humanos e financeiros para o funcionamento da comissão, “além de medidas que garantam a permanência da instância colegiada até que todas suas competências legais sejam finalizadas”.

Embrapa propõe políticas para reaproveitamento de pastagens degradadas

O Brasil tem pelo menos 28 milhões de hectares (ha) de áreas de pastagens em degradação com potencial para conversão em agricultura, reflorestamento, aumento da produção pecuária ou até para produção de energia. O volume de hectares equivale ao tamanho do estado do Rio Grande do Sul.

O cerrado é o bioma com o maior número de áreas em degradação. Os estados com as  maiores áreas são o Mato Grosso (5,1 milhões de ha), Goiás (4,7 milhões de ha), Mato Grosso do Sul (4,3 milhões de ha), Minas Gerais (4,0 milhões de ha) e o Pará (2,1 milhões de ha).

Para ter uma ideia das possibilidades de reaproveitamento, se toda essas áreas fossem usadas para o cultivo de grãos (arros, feijão, milho, trigo, soja e algodão) haveria uma aumento de 35% a área total plantada no Brasil (comparação com a safra 2002/2023).

A extensão do problema e as diferentes possibilidades de reaproveitamento econômico dessas áreas fizeram o governo federal a criar no final do ano passado o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (Decreto nº 11.815/2023).

Para implantar o programa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa, publicou em um livro mais de 30 sugestões de políticas públicas, que o país tem experiência e tecnologia desenvolvida para implantação.

Planejamento 

Apesar da expertise acumulada, a efetivação é um desafio. Cada área a ser recuperada exige estudo local. O planejamento das ações “deve levar em consideração informações sobre o ambiente biofísico, a infraestrutura, o meio ambiente e questões socioeconômicas. Além disso, é preciso avaliar o histórico de evolução pecuária no local e entender quais fatores condicionam a adoção dos sistemas vigentes”, descreve o livro publicado pela estatal.

A partir do planejamento, é necessário criar condições para o reaproveitamento das áreas: crédito, capacitação dos produtores e assistência. “É preciso integrar políticas públicas, fazer com que os produtores rurais tenham acesso ao crédito, ampliar o serviço de educação no campo, e dar assistência técnica e extensão rural para a estruturação de projetos e para haja um trabalho contínuo e não uma coisa pontual”, assinala o engenheiro agrônomo Eduardo Matos, superintendente de Estratégia da Embrapa.

Nesta sexta-feira (26), a empresa faz 51 anos de funcionamento. A cerimônia de comemoração, nesta quinta-feira (25), contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um exemplar do livro foi entregue à comitiva presidencial.

No total, as áreas de pastagem ocupam 160 milhões de hectares, sendo aproximadamente 50 milhões de hectares formados por pasto natural e o restante pasto plantado. A área de produção de grãos totaliza 78,5 milhões de hectares, e as florestas plantadas para uso econômico ocupam uma área aproximada de 10 milhões de hectares.

De acordo com o IBGE, a atividade agropecuária ocupa mais de 15 milhões de pessoas no Brasil. Um terço desses empregos são na pecuária bovina (4,7 milhões). O país é o segundo maior produtor de carne bovina do mundo e o maior exportador (11 milhões de toneladas).

Fundo Phoenix compra estatal de energia de São Paulo por R$ 1 bilhão

A Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), última estatal de energia do estado de São Paulo, foi arrematada na tarde desta sexta-feira (19) pela empresa Phoenix Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia, que ofereceu R$ 70,65 por ação, com um ágio de 33,68% sobre o valor inicial mínimo pedido pelo governo de R$ 52,85. 

O grupo arrematou toda a fatia que o estado tem na companhia. No total, a empresa arrematou 14,7 milhões de ações da Emae, numa transação que somou mais de R$ 1 bilhão.

O lance foi oferecido em leilão realizado na sede da B3, em São Paulo, e marcou a primeira desestatização do governo Tarcísio de Freitas.

A Emae foi disputada por três empresas: a Phoenix, que apresentou uma oferta inicial de R$ 58,15; a EDF Brasil Holding, com uma oferta inicial de R$ 56,30; e a Matrix Energy Participações, que ofereceu R$ 52,85 por ação. Mas depois dos lances iniciais, o certame seguiu para propostas em viva-voz, quando as proponentes vão aumentando seus lances ao vivo. E foi só após uma grande disputa lance a lance com a empresa EDF, em um total de 53 propostas em viva-voz, que a Phoenix acabou adquirindo a Emae.

“Quem assume a empresa hoje está pegando uma empresa bacana, com dinheiro em caixa e que tem apresentado resultados. Para nós, o resultado desse leilão foi extraordinário”, disse o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao elogiar o certame, acrescentado que “o ágio superou nossa expectativa”.

“É uma grande honra participar do processo de desestatização da Emae, uma empresa sem passivos financeiros e com grandes projetos de geração de energia, que servirão de suporte de desenvolvimento para o estado de São Paulo”, disse o diretor-presidente da Emae, Marcio Rea. 

“Ao abrir suas operações para investidores privados haverá acesso a novas expertises e recursos adicionais para enfrentar os desafios do futuro”, acrescentou.

O leilão foi realizado na modalidade de venda em lote único, com a oferta de 14,7 milhões de ações da empresa, controlada pelo estado. Para o leilão, as ofertas por ação não poderiam ser inferiores a R$ 52,85.

De economia mista, a Emae tinha sua composição acionária dividida entre o governo de São Paulo, a Companhia Metropolitana de São Paulo (Metrô), a Eletrobras e uma parcela minoritária com outros acionistas.

De acordo com o governador de São Paulo, outras empresas do estado serão concedidas ou vendidas ao setor privado. “Não vamos parar. Tem muita coisa vindo por aí. Tem outros projetos sendo estruturados. Tem o leilão da Sorocabana, da Nova Raposo, tem túnel Santos-Guarujá, tem PPP de habitação e de educação, tem loteria, tem o trem Intercidades Sorocaba-São Paulo, tem as linhas da CPTM e do Metrô. Queremos atrair investimentos e chegar à marca de R$ 220 bilhões de investimentos contratados. Nossa gestão quer diminuir despesas de custeio para que tenhamos mais capital e mais fôlego”.

Emae

A empresa foi criada em 1998 com origem na Light (The São Paulo Railway, Light and Power Company Limited) após o processo de cisão da Eletropaulo. A principal atividade é a geração de energia por meio de quatro usinas hidrelétricas, localizadas em São Paulo, Salto, Cubatão e Pirapora do Bom Jesus. 

No ano passado, as usinas operadas pela Emae geraram 1.663 gigawatt-hora (GWh) de energia, o suficiente para abastecer uma média de 825 mil residências na Grande São Paulo. A Emae tem ainda oito barragens e duas usinas elevatórias.

Outro papel importante da Emae é o controle dos níveis dos rios Tietê e Pinheiros, ajudando a prevenir alagamentos em épocas de chuva, com o bombeamento das águas do rio para o Reservatório Billings.

A empresa também opera o serviço de travessia de balsas na Represa Billings. Diariamente, transporta pessoas e veículos nas travessias Bororé, Taquacetuba e João Basso. A cada mês, são transportados gratuitamente cerca de 161 mil passageiros e 158 mil veículos. Segundo o governo, esse serviço continuará sendo oferecido de forma gratuita mesmo com a privatização da empresa.

Até o fim de 2023, a Emae gerou receita líquida de R$ 603 milhões e atingiu um valor de mercado de R$ 2,3 bilhões, segundo o governo de São Paulo.

Brasil integra rede da OMS para monitoramento de coronavírus

O Brasil passa a fazer parte de um grupo internacional para monitorar os diferentes tipos de coronavírus e identificar novas cepas que possam representar riscos para a saúde pública além de buscar se antecipar a uma nova pandemia. A chamada CoViNet é um desdobramento da rede de laboratórios de referência estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no início da pandemia de covid-19. O país é representado pelo Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

A rede reúne 36 laboratórios de 21 países com expertises em vigilância de coronavírus em humanos, animais e ambiente. “Nós temos que ter uma rede que tenha pessoas capacitadas, com bastante expertise, não só na saúde humana, mas também animal e ambiental de coronavírus. E essa rede, então, foi desenvolvida, justamente para dar apoio, não só ao seu país de origem, mas globalmente. O que a gente quer é se antecipar a uma nova pandemia. Isso é um grande desafio no momento no qual os governos, junto com a OMS, estão trabalhando”, diz a chefe do Laboratório , Marilda Siqueira.

Este não é o primeiro grupo do qual o Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais participa. Desde 1951, segundo Siqueira, o laboratório é referência para o vírus influenza, que é o vírus da gripe, para a OMS. Em 2020, com a pandemia, o laboratório foi convidado a participar também do grupo voltado para o SARS-CoV-2, vírus causador da covid-19. A intenção inicial era a capacitação para o diagnóstico por meio do exame PCR em tempo real, que foi a metodologia escolhida para a detecção laboratorial do vírus. O laboratório torna-se, então, referência na América do Sul e Caribe.

No final de 2023, a OMS decide ampliar e consolidar a rede formada durante a pandemia e lança uma chamada para laboratórios de todo o mundo. O laboratório do IOC/Fiocruz foi um dos selecionados para compor a CoViNet. “Nós temos que continuar fazendo esse trabalho, agora já com uma rede global estruturada dentro de determinados procedimentos para que a gente possa, por exemplo, entender como esse vírus vai evoluindo e o que isso pode ou não influenciar na composição da cepa vacinal”, explica Siqueira.

Monitoramento constante

O trabalho do grupo, como explica Siqueira, é principalmente monitorar não apenas o SARS-CoV-2, mas outros coronavírus, buscando identificar qualquer mutação que ofereça risco para a saúde pública. Isso inclui monitorar também animais que possam transmitir esses vírus e outras mudanças na natureza, principalmente do avanço do ser humano na natureza, que possam favorecer a contaminação por novos vírus. “Quando a gente fala de uma nova pandemia, pergunta-se, quando isso vai acontecer? Não sei, pode ser amanhã, pode ser daqui a um ano, pode ser daqui a 50 anos. É imprevisível. Mas, a gente tem que estar preparado, certo?”, diz a chefe do laboratório.

Além disso, a rede está atenta a mutações que possam surgir e ao avanço das que já estão em circulação, com a intenção de saber, por exemplo, o impacto disso nas vacinas, isto é, a necessidade de produção de novas vacinas, assim como as necessidades do sistema de saúde se adaptar para atender a população.

“O que nós sabemos é que nós temos que estar melhor preparados do que nós estivemos para a última. Então, para isso, a gente tem que trabalhar em rede, trabalhar trocando informações com frequência”, diz Siqueira. No âmbito da CoViNet, ela conta que participa de reuniões regulares. “Nós temos uma reunião online a cada três semanas em que nós discutimos como é que está a evolução viral do SARS-CoV, porque isso pode impactar em ter novas epidemias de SARS-CoV, em ter um aumento do número de casos, o que impacta o número de leitos hospitalares, certo? Impacta na vacina que é disponibilizada, dessa vacina ser ou não mais a vacina que deve ser dada para a população, porque o vírus pode mudar muito. Se essa vacina não adianta, tem que rapidamente fazer uma nova”, diz.

Preparo brasileiro

Segundo a pesquisadora, a pandemia por um coronavírus foi algo que pegou o mundo de surpresa. O monitoramento constante que era feito era com o vírus da gripe, o influenza. “Porque influenza já causou várias pandemias no século passado, inclusive aquela gripe espanhola, então isso fica na memória. O coronavírus, na verdade, foi meio uma surpresa, porque a gente estava todo mundo se preparando para a influenza, e veio o coronavírus”, diz.

O Brasil, inclusive conta com manuais e guias para o caso de uma pandemia por influenza. Então, de acordo com Siqueira, nesse momento, o país está também revisando os manuais e guias. “Com a pandemia de covid-19, nós tivemos muitas lições aprendidas, certo? Então, foram muitas estratégias que deram certo e muitas que não deram certo. Ninguém pode sofrer o que todo mundo sofreu, o impacto em saúde humana, o impacto social, o impacto emocional, o impacto financeiro, sem tirar nenhuma lição disso”, ressalta. 

Ela explica que a chave para se combater uma próxima pandemia é detectá-la o mais rapidamente possível. “É uma preocupação pelo que nós chamamos de saúde única, que é uma saúde que envolve não só a saúde humana, mas também a saúde animal e a saúde ambiental, porque nós somos interdependentes”, diz e acrescenta: “Existe uma preparação tanto a nível nacional quanto a nível internacional”.

Segundo o IOC/Fiocruz, os dados gerados pelo CoViNet irão orientar o trabalho dos Grupos Técnicos Consultivos sobre Evolução Viral (TAG-VE) e de Composição de Vacinas (TAG-CO-VAC) da Organização, garantindo que as políticas e ferramentas de saúde global estejam embasadas nas informações científicas mais recentes e precisas.

PF e AGU firmam parceria com TSE para combater fake news nas eleições

A Polícia Federal (PF) e a Advocacia-Geral da União (AGU) fazem parte, a partir desta quarta-feira (3), do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde). Criado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o grupo tem o objetivo de combater a divulgação de conteúdos falsos e as chamadas deepfakes, em especial durante os períodos eleitorais.

Segundo o TSE, o Ciedde promoverá, durante o período eleitoral, cooperações entre Justiça Eleitoral, órgãos públicos e entidades privadas, inclusive com a participação das plataformas de redes sociais e de serviços de mensagens instantâneas privadas.

A utilização irregular da inteligência artificial (IA), tecnologia que permite, por exemplo, a criação de vídeos falsos utilizando voz e imagem de personalidades públicas (deepfakes), é também uma preocupação do grupo para as eleições municipais de 2024.

Para lidar com esse problema, o Ciedde contará, em tempo real, com uma rede de comunicação envolvendo os 27 tribunais regionais eleitorais (TREs). Também caberá ao centro integrado desenvolver campanhas publicitárias de educação contra desinformação, discursos de ódio e antidemocráticos e em defesa da democracia e da Justiça Eleitoral.

Expertise e braço jurídico

Durante a cerimônia de assinatura do convênio que incluiu as duas entidades no grupo, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, disse que, no caso da PF, a corporação poderá contribuir significativamente por meio da expertise que tem na área cibernética, “tanto na prevenção quanto na rápida repressão, quando houver necessidade.”

“A AGU será o braço jurídico do Ciedde, para fazer cumprir as resoluções e as determinações do TSE, quando não houver esse cumprimento imediato. Teremos um contato; um link direto com a AGU”, disse Moraes. “Se comunicadas, as plataformas que não retirarem imediatamente [a notícia falsa ou a deepfake] terão, além das sanções administrativas, ações pecuniárias”, acrescentou.

O ministro disse, ainda, que as redes sociais não podem ser instrumentalizadas e capturadas “para realizar uma verdadeira lavagem cerebral do mal nos eleitores e nas eleições”, e que o Ciedde será um órgão eminentemente preventivo, de forma a evitar que haja necessidade da repressão.

“Quando acionado, atuará para descobrir aqueles que estão tentando manipular a vontade do eleitor. Vamos combater este que é o mal do século 21:  a desinformação e a utilização da inteligência artificial para criar deepfakes e atrapalhar a vida dos eleitores”, completou.

AGU

Também presente no evento, o advogado-geral da União, Jorge Messias, disse que democracia é princípio continente, sem o qual não existe Estado de Direito. “Hoje não se pode falar de democracia sem falar em combate à desinformação”, afirmou.

“A desinformação – o que eu tenho chamado de desordem informacional – é uma forma de corrupção do processo eleitoral. Esta é uma forma de corrupção do processo democrático porque tira do eleitor as condições necessárias para exercer com liberdade o seu direito ao voto, que é um direito sagrado previsto na nossa Constituição”, acrescentou.

Segundo Messias, percebe-se no Brasil e no mundo a ascensão de ferramentas desinformativas. “Mas nós sabemos exatamente quem opera esta máquina que é não apenas de desinformação, mas também de ódio programado para dividir as famílias e a sociedade brasileira, com interesses eleitorais.”

“Sabemos que isso não é algo desinteressado nem ingênuo. Trata-se de uma ação monetizada, profissional e extremamente sofisticada. Para combater esta iniciativa, o Estado brasileiro também precisa se profissionalizar e ter estruturas de inteligência integradas e bem equipadas. Este é o nosso propósito”, complementou.

Escolas de samba foram espaço de resistência à repressão da ditadura

 

Consideradas território de alegria, diversão e preservação cultural, as quadras das escolas de samba já foram locais de dor e sofrimento. Durante os anos do regime militar, algumas agremiações acabaram se transformando em espaços de resistência da cultura e das liberdades sociais para se contrapor às ações de agentes do governo federal.

A repressão e a censura se impuseram às atividades dos sambistas. Até aquele momento as batidas policiais que sofriam eram por discriminação porque os sambistas eram considerados uma categoria marginalizada da sociedade. Com a ditadura, a situação se agravou. Escolas como Vai-Vai, Camisa Verde e Branco e Unidos do Peruche, em São Paulo, e Império Serrano, no Rio de Janeiro, além de verem suas quadras invadidas, tiveram que buscar meios para manter seus enredos e as atividades em comunidade.

Aos 77 anos, o jornalista Fernando Penteado, atual diretor cultural da Vai-Vai, considerado um griô ou griot do samba, que na cultura africana é a pessoa que mantém viva a memória do grupo, contando as histórias e mitos daquele povo, lembrou que na década de 1960 o samba era meio marginalizado e não tinha a aceitação pública que tem atualmente. Mas, durante o regime militar a perseguição ficou maior, especialmente, contra compositores que eram mais de esquerda política. Segundo Penteado, o Bixiga, onde a escola foi fundada, era um bairro contestador, o que a tornou mais visada pela repressão.

Diretor cultural da Vai-Vai, Fernando Penteado lembra a perseguição a sambistas no regime militar – Rovena Rosa/Agência Brasil

“O samba na época era marginalizado, então, o ensaio, independentemente se era na época da ditadura ou não, quando a gente via uma viatura de polícia chegar no domingo à tarde ou em uma quinta-feira, sabíamos que eles iam reprimir”, contou à Agência Brasil, relatando ainda que, no fim da década de 1960, quando componentes da escola faziam um ensaio, em um domingo, em uma praça da região da Bela Vista, a polícia chegou com violência.

“Entraram para dentro, furaram os instrumentos. Isso era em um domingo. Na quinta-feira, nós estávamos lá de novo ensaiando com os instrumentos que eles furaram, e a gente encourou [botar peça de couro no instrumento] outra vez. Assim foi. Alguns compositores, que eram presos por causa de samba-enredo, eram presos de noite e soltos de dia e iam fazer samba outra vez. A contestação sempre houve”, disse.

De acordo com Penteado, outra forma de resistência foram os encontros de samba que algumas escolas começaram a realizar. O primeiro foi da Camisa Verde e Branco, que recebia estudantes de uma universidade próxima. “Eles não iam mais para os bares porque eram fechados e começaram a vir para o sambão. Aí foi criado o samba universitário.”

“A nossa resistência [na escola Vai-Vai] era fazer o que não podia. Diziam ‘não pode ensaiar na Rua 13 de Maio’, era lá que a gente ia ensaiar. Sabe aquele moleque malcriado, que na minha época, já estou com 77 anos, era buliçoso. Sempre tinha alguém para nos defender, principalmente jornalistas. A gente escrevia letras de enredos com outras palavras e aí passava [na censura]”, disse o diretor cultural.

Ainda conforme Penteado, quando a Vai-Vai se transformou de cordão carnavalesco para escola de samba, teve a integração do compositor Geraldo Filme, que era do Peruche. Ele, o jornalista Dalmo Pessoa e a escritora e artista plástica Raquel Trindade formaram o departamento cultural. “Pessoas da ultraesquerda formaram, aqui na Bela Vista, no Vai-Vai, o primeiro departamento cultural de uma escola de samba. Isso foi em 72, 73, dentro do regime militar. Eles começaram a fazer enredo no Vai-Vai com essa perspicácia de maquiar o enredo”, descreveu.

O compositor Cláudio André de Souza, do Peruche, contou que teve de passar por momentos de apreensão na infância. “Evitavam levar crianças nos ensaios justamente com receio desses enfrentamentos entre componentes e polícia. A gente ia a ensaios à tarde, mas tinha um distanciamento com as crianças. Quando a gente dizia que queria ir à escola diziam ‘sozinho você não vai’. “Mas porquê?’ ‘Porque tem muita briga e polícia’. Foi dessa forma que a gente acompanhou quando criança”, recordou.

Cláudio André, diretor do Peruche, diz que compositores foram reprimidos pelo regime militar – Rovena Rosa/Agência Brasil

Em 1972, a escola escolheu o enredo Chamada aos Heróis da Independência, de autoria de Geraldo Filme, e teve que passar pelo crivo da censura. “O seu Carlão era presidente na época, fizemos o enredo que foi um sucesso na avenida no carnaval, e os dois foram convidados entre aspas a comparecerem ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social] para explicarem o enredo que eles achavam subversivo e que o Peruche estava incitando o povo a se rebelar contra o regime. Ficaram uns dias lá respondendo perguntas. Não falaram que estavam presos, mas para averiguações”, relatou o compositor.

“Os compositores foram reprimidos e tiveram que ficar um tempo afastados do Unidos do Peruche porque não podiam mais fazer samba, não podiam escrever”, apontou.

Simone Tobias, neta de Inocêncio Tobias, um dos fundadores da Camisa Verde e Branco, e filha de Carlos Alberto Tobias, que foi presidente da escola, lembrou o que passou. “Eu era criança, mas lembro de pararem ensaio, furarem instrumentos e nem tinha um volume grande de gente como hoje tem. Para eles, independia se tinha criança, mulher, idoso, eles chegavam com truculência e desciam pauladas. Era uma época muito tensa. Tenho na memória as cenas”, relatou à reportagem.

“A gente tinha que fazer o desenvolvimento do tema, do enredo, das alegorias, e aí era submetido a um auditor fiscal. Se eles achassem que tinham alguma coisa que não estava a contento, que não fosse a favor do governo e fosse algum protesto, não podia e tinha que mudar”, acrescentou.

Simone contou que,  embora em 1982 a perseguição aos temas da escola tenha começado a ficar menos intensa, os compositores ainda precisaram fazer mudanças na letra do enredo daquele ano, Negros Maravilhosos, Mutuo Mundo Kitoko. As alterações, no entanto, não foram seguidas na avenida, e os componentes cantaram o samba original.

“Óbvio que nós não ganhamos o carnaval. Meu pai acabou tomando uns petelecos. Acho que foi a primeira grande guinada para que a gente pudesse expressar realmente. Não era só o Camisa, eram todas as escolas. A gente não podia falar de temas que eles achassem polêmicos”, relatou Simone.

“Foi um período bem difícil. Para quem viveu aquilo à flor da pele e quando se fala ‘temos que voltar com a ditadura’, chega a arrepiar a alma. As pessoas realmente não têm noção do que uma ditadura é capaz de fazer”, apontou Simone, lembrando que a Nenê da Vila Matilde também foi uma escola de samba de resistência durante o regime militar.

Carnaval carioca

No Rio de Janeiro, em plena vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o Império Serrano escolheu um tema que se contrapunha à ditadura. Em 1969, desfilou com o enredo Heróis da Liberdade, composto por Silas de Oliveira, Mano Décio e Manoel Ferreira, que defendia a liberdade por meio de manifestações populares. Por isso, teve que se explicar aos agentes da censura, e os compositores tiveram que alterar a letra do samba.

Escola de Samba Império Serrano desfilou com o enredo Heróis da Liberdade em 1969, em meio à vigência do AI-5 – Império Serrano/YouTube

“Houve, sim, repressão aos compositores do Império Serrano. Eles sofreram perseguição e proibições do regime muito mais por uma atitude focada nesta resistência individualizada do que um processo mais organizado de repressão à escola como um todo”, contou à Agência Brasil o jornalista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Chico Otávio.

O professor de história Leandro Silveira, mestre pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), lembrou que, antes de ser enredo do campeonato da Mangueira em 1998, o cantor e compositor Chico Buarque tinha sido escolhido para tema da escola Canarinhos da Engenhoca, de Niterói, na região metropolitana do Rio. A presença do homenageado causou confusão com a presença da polícia. Hoje a escola não existe mais.

“Ele [Chico Buarque] veio, e a polícia foi atrás. Foi uma coisa bem tensa”, revelou Silveira, um dos autores do livro Antigamente É que Era Bom: a Folia Niteroiense entre 1900-1986.

O professor destacou que, durante o regime militar, as escolas de Niterói precisavam negociar com os agentes até os locais de ensaio. “Escola de samba ensaiar nos grandes clubes aqui em Niterói, só se tivesse alguém que fizesse uma ponte com o censor. Elas conseguiam driblar um pouco a censura nos bairros, porque a censura não costumava entrar na favela para reprimir”, relatou.

Outra repressão lembrada por Leandro Silveira nas escolas das duas cidades tinha como alvo o material de desfiles. “Muitos croquis e desenhos de fantasias eram literalmente proibidos, censurados e tinham que fazer de novo. O que eu vejo tanto para Niterói, quanto para o Rio, é que as escolas quando foram reprimidas tiveram que desfocar as temáticas. Tem um período em que a repressão foi maior de 69 a 76 e os enredos não versam muito sobre nada progressista”, apontou o historiador, acrescentando que “o Império Serrano nunca perdeu a marca da resistência”.

Escola Em Cima da Hora levou para a avenida no carnaval de 1976 o samba-enredo Os Sertões – Cola na História

Além do Império Serrano, Silveira lembrou que a escola de samba Em Cima da Hora montou em 1976 o enredo Os Sertões, composto por Edeor de Paula. Inspirado no clássico do escritor Euclides da Cunha, o samba destacou as dificuldades enfrentadas pelo povo no Nordeste: “O Homem revoltado com a sorte/ do mundo em que vivia/ Ocultou-se no sertão espalhando a rebeldia/ Se revoltando contra a lei/ Que a sociedade oferecia.”

“São dois momentos em que a temática é mais progressista, as escolhas conseguem furar um pouco essa bolha, porque no Rio e em Niterói tem muito enredo falando de ufanismo, de Brasil, do futuro ou de folclore”, disse Silveira, destacando que as agremiações só retomaram os enredos mais progressistas depois da abertura do regime no governo do general João Figueiredo.

“Gradativamente vai aparecer a crítica social e aí vai ter a Caprichosos de Pilares e Cabuçu, no Rio, e, em Niterói, a Souza Soares, do bairro de Santa Rosa. A escola União da Ilha da Conceição, já extinta hoje, na virada da abertura ganhou um carnaval com um enredo sobre favela e critica tudo, inclusive a censura. Aí já em 85”, comentou o historiador.

“As escolas eram vigiadas. Quem tinha mais garrafas para vender [em Niterói] eram Cubango e Viradouro porque de certa forma tinham um trânsito maior com essa estrutura de poder”, disse ele.

Ufanismo

Ao mesmo tempo em que algumas escolas enfrentavam a repressão e a censura, outras no Rio faziam enredos ufanistas e de apoio ao governo militar. Uma delas foi a Beija-Flor de Nilópolis que levou para a avenida enredos como O Grande Decênio, de 1975, no qual reverenciava programas sociais do governo militar como o Programa de Integração Social (PIS), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).

“Ela comemorou o Grande Decênio na avenida, os dez anos do golpe”, pontuou Silveira, indicando que a Azul e Branco de Nilópolis ainda fez os enredos ufanistas Educação para o Desenvolvimento e Brasil Ano 2000, como a nação do futuro. “O samba dizia o ‘Funrural que ampara o homem do campo com segurança total’, quer dizer a ideia de que o homem do campo está bem com o governo. O interessante é que, no ano seguinte, a Em Cima da Hora consegue burlar e faz uma denúncia, via Os Sertões”, observou Silveira.

Trocas de interesses

A aproximação das escolas com o regime militar, segundo o professor Chico Otávio, era de interesse das duas partes. O governo buscava mais apoio popular, e as agremiações que tinham como patronos contraventores do jogo do bicho queriam evitar a identificação com o crime e possíveis prisões.

“O regime, no momento em que já começava a entrar em declínio, precisava da popularidade das escolas de samba para se reafirmar junto à população. Então, foi uma espécie de troca de interesses. Eu não te incomodo e você me deixa pegar carona no prestígio e popularidade das escolas de samba na avenida”, disse Chico Otávio, autor do livro Os Porões da Contravenção Jogo do Bicho e Ditadura Militar: a História da Aliança que Profissionalizou o Crime Organizado.

A ramificação do jogo do bicho na cidade favorecia o “trabalho” extenso que colaborava com a repressão. “Eles ajudavam, contribuíam com informações para que a ditadura pudesse prender subversivos. Os bicheiros de certa forma contribuíram para isso. Tinham muita presença nas ruas e formaram uma rede de espiões para abastecer a ditadura de informações a respeito dos inimigos do sistema”, completou Chico Otávio.

Para o professor, mais uma ligação de militares e contravenção ocorreu quando o governo Ernesto Geisel começou a abertura política para encerrar o regime militar. Naquele momento, agentes da repressão que não concordaram com esse processo se aliaram aos bicheiros do jogo do bicho. “À contravenção interessava ter gente que tinha essa expertise de torturar, matar, espionar, então foi um bom negócio para ambas as partes. Os agentes militares que encontraram essa acolhida e continuaram a ter poder, via bicheiros, eram seguranças de bicheiros ou muito mais que isso, viraram capos também”, afirmou o professor da PUC-Rio.

Em 1971, bem diferente da linha de enredos que vinha apresentando, a Mangueira levou para a avenida Modernos Bandeirantes, uma homenagem à Aeronáutica Brasileira.

“As escolas fizeram isso espontaneamente. Eles foram colaboradores do regime sem precisar sofrer qualquer pressão para isso. Fizeram de bom grado. Tinham interesses estratégicos de agradar o regime. Os bicheiros estavam no processo de legitimação da sua atividade criminosa junto à população através do carnaval”, concluiu Chico Otávio.

Uso de imóveis privados para tortura une civis e militares na ditadura

Uma casa discreta em um bairro residencial, um sítio usado para churrascos em fim de semana e até uma sala do complexo industrial de uma multinacional, lugares com pouco em comum, além de terem sido usados para tortura e execuções. Ao longo dos anos, pesquisadores e ativistas têm lembrado em diversos momentos que a ditadura que comandou o Brasil entre 1964 e 1985 não era apenas militar, mas foi conduzida também por tentáculos civis. Inclusive a violenta repressão contra os opositores teve participação de agentes sem vínculo direto com os quartéis.

Essas conexões ficam claras na existência de diversos pontos onde eram conduzidos interrogatórios e desaparecimentos forçados fora de qualquer estrutura militar ou governamental. Apesar de conhecidos, o caráter completamente não oficial desses imóveis em relação a estruturas públicas deixou poucas evidências para que seja possível saber exatamente quantos eram e o que se passou nesses locais.

“Esses espaços clandestinos possibilitaram uma articulação exatamente para fora das institucionalidades. E isso acho que dava mais margem para organizações paralelas atuarem nesses espaços. Ao mesmo tempo em que também criava laços de participação da sociedade civil nesses processos”, diz a historiadora e pesquisadora do Memorial da Resistência Julia Gumieri.

A existência desses locais surge em diversas investigações feitas sobre os crimes cometidos pela ditadura ao longo dos anos. A Comissão Nacional da Verdade mapeou a existência de centros de tortura em vários estados, como Rio de Janeiro, Pará e Minas Gerais.

Na comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de São Paulo em 1990, as investigações passaram por um sítio apontado como local de tortura e execuções em Parelheiros, extremo sul paulistano.

Ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo – Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência

O alvo inicial dos trabalhos da CPI era a vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte paulistana, onde foram ocultados os restos mortais de opositores assassinados pela repressão. Porém, os trabalhos também investigaram a existência da Fazenda 31 de Março, na região de Marsilac, no extremo sul da capital paulista, próximo à divisa com Itanhaém e Embu-Guaçu.

Difícil identificação

Havia a suspeita de que esse teria sido o lugar para onde o dramaturgo e militante Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, foi levado ao ser sequestrado pelo regime. Ao depor na Câmara Municipal, Segall não reconheceu o local pelas fotos apresentadas pelos vereadores.

“Estou olhando isto aqui e diria que não é a casa onde estive. Por duas razões: a primeira é que, mesmo vendado – isso me lembro perfeitamente – eu desci uma escadinha de onde o carro estava parado para chegar à entrada da casa. Isso me lembro na ida e na volta. Eu ia meio amparado, porque estava vendado. E aqui, me parece pelo menos, não há possibilidade de ter escada, não tem nada”, respondeu ao ver as fotos do local na investigação feita pelos vereadores em 1990, puxando da memória o que havia passado em 1970.

Escritor e ex-preso político Ivan Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo  – Arquivo Pessoal/Memorial da Resistência

A fazenda era de propriedade do empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, que morreu antes de ser ouvido pela CPI. O escritor e ex-preso político Ivan Seixas disse que o filho de um dos militares que frequentavam o sítio contou que o local também servia de ponto de confraternização para os agentes da repressão. “Tinha o filho de um milico, do capitão Enio Pimentel Silveira, que era funcionário da prefeitura. A gente pediu e ele concordou em ir [até a Fazenda 31 de Março], porque ele ia lá para churrascos. O pai dele e o [delegado Sérgio] Fleury faziam churrascos e levavam os filhos”, disse em entrevista à Agência Brasil. Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade.

É provável que Segall não tenha reconhecido o local porque a equipe do delegado Sérgio Fleury o levou para outro sítio, em Arujá, na Grande São Paulo, a norte da capital. Diversos depoimentos relatam que o delegado, um dos mais conhecidos torturadores da ditadura, tinha a sua disposição uma chácara, que nunca teve localização exata identificada.

Durante o tempo que esteve preso nesse sítio, Segall presenciou a morte de Joaquim Ferreira Câmara, conhecido pelo codinome de Toledo, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Segundo relato de outro conhecido agente da repressão, Carlos Alberto Augusto, chamado de Carlinhos Metralha, após ser capturado no Rio de Janeiro e ficar em cativeiro em diversos locais, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, também teria passado pelo sítio usado por Fleury em Arujá.

“O sítio aparentemente tinha dois quartos, uma sala/cozinha e um banheiro. Os choques elétricos aplicados no pau-de-arara eram gerados num aparelho, acionado por manivela manual”, contou Segall em depoimento à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Também estavam presos no local Viriato Xavier de Mello Filho e Maria de Lourdes Rego Melo.

Durante a tortura, o artista viu um homem, que depois identificou como sendo Joaquim Câmara, com sintomas de um ataque cardíaco. Apesar de ter recebido atendimento médico, o líder da ALN morreu no local, o que fez com que os demais presos fossem levados de volta para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro da capital paulista.

Também pertencente ao empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, dono da transportadora Rimet e da Fazenda 31 de Março, a chamada Casa da Mooca era utilizada para manter presos durante dias opositores da ditadura. O relatório final da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo denuncia que o imóvel localizado na Rua Fernando Falcão, no bairro da Mooca, zona leste paulistana, foi colocado a serviço da repressão na década de 1970. Segundo o documento, o local também pode ter sido usado como cativeiro para Bacuri.

Lugares ainda não revelados

Sair vivo de um lugar como esse não era a regra. “Foram poucos sobreviventes desses espaços de modo geral, exatamente porque, como eles não eram parte das estruturas oficiais, o objetivo não era prender. O objetivo era recolher informações, torturar e executar, porque você não pode ter sobreviventes, testemunhas desses espaços não oficiais”, explica Julia Gumieri.

Sem registros e sem testemunhas, é possível, segundo a pesquisadora, que alguns desses locais não tenham sequer sido mencionados nas investigações feitas até agora. “Imaginando o que se perdeu de documentação não localizada e mesmo de falta de sobrevivente que os próprios colegas de militância não souberam, é muito provável que tenha existido muito mais, que seja uma camada ainda pequena que a gente sabe sobre”, acrescenta a historiadora.

 Sítio 31 de Março, onde teriam sido mortos os militantes Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana – Wikipedia

Na Fazenda 31 de Março, teriam sido mortos em 1973 os militantes da ALN Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana. Na CPI de 1990, o ex-deputado Afonso Celso, único sobrevivente conhecido do sítio, contou sobre o que passou lá. Apesar de vendado, ele se lembrava que atravessou uma linha férrea para chegar ao local. “Fui conduzido para um subterrâneo, ou uma sala subterrânea ou coisa assim, porque existiam quatro degraus. Quatro degraus, não, quatro lances de escada, e lá imediatamente me despiram e passaram a me torturar”, relatou aos vereadores.

“Eu provavelmente desmaiei ou qualquer coisa assim, das sevícias de que fui vítima. Depois acordei e vejo que me botaram já num outro tipo de tortura, que não era mais pau-de-arara”, segue a história contada por Celso. “Me puseram no que eles chamavam ‘piscina’, que era uma espécie de poço, de fundo cimentado, mas cheio de lodo. Eu pisava no lodo, e ali eles brincavam de afogamento. Me sufocavam, me afogavam”, disse na ocasião.

Fazenda em Araçariguama, na Rodovia Castelo Branco, usada para tortura e execução de opositores ao regime – Andréia Lago/Memorial da Resistência

Outros lugares só foram conhecidos por revelações dos próprios agentes da repressão, como Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento que atuou no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Mesmo estando dentro de um dos maiores centros de tortura da ditadura, Chaves negou ter participado desse tipo de violência ou operações de repressão na rua. Fez revelações em diversos depoimentos, tanto a CPI da Vala de Perus, como também a Comissão Nacional da Verdade. Foi o ex-agente da repressão que identificou a Boate Querosene, em Itapevi, e o Sítio em Araçariguama como locais usados para tortura e execução de opositores ao regime.

Em outros casos ainda existem dúvidas e lacunas. Até hoje não se sabe o local onde, em 1978, Robson Luz foi torturado e morto após ser preso acusado de roubar uma caixa de frutas. O processo relativo ao caso, que à época causou indignação e levou à formação do Movimento Negro Unificado, só foi desarquivado em 2022.

Ao analisar a documentação, a pesquisadora Renata Eleutério, do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, diz que as informações são de que ele foi preso no 44º Distrito Policial, de Guaianases, zona leste paulistana. Porém, há indícios de que ele foi levado para outro local no período em que esteve sob poder dos policiais. “No processo, em um dos depoimentos, o rapaz indica que ele foi retirado daquela delegacia e levado para outro lugar. E aí depois foi jogado na delegacia, retirado de lá e jogado em qualquer outro canto”, revela a pesquisadora.

Não há clareza, no entanto, do local onde Luz teria recebido pancadas e choques elétricos. Mas existem diversos indícios de que alguns agentes da repressão à oposição política também atuavam na execução de presos por crimes comuns, como no caso da acusação feita contra Luz. “As estruturas e os executores estavam muito em diálogo, eventualmente eram até os mesmos, como o Esquadrão da Morte [grupo de extermínio], que era um grupo de policiais da Polícia Civil vinculados ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social]”, exemplifica Julia Gumieri.

Boate Querosene, em Itapevi, foi identificada como local de tortura por um agente da repressão  – Cacalos Garrastazu/Memorial da Resistência

Não foi identificado, porém, até o momento que as casas e sítios usados pela repressão tenham abrigado outras atividades. “Eu não posso afirmar que o Esquadrão da Morte se utilizou de um desses espaços. Mas, se o Fleury é um delegado da polícia que é ativo nos processos de extermínio, tortura, e compõe o Esquadrão da Morte, assim, eventualmente, ele pode usar o mesmo espaço”, pondera a pesquisadora.

Essa rede de imóveis sem nenhuma ligação formal com o Estado é um aprofundamento dos procedimentos ilegais e clandestinos que já aconteciam no DOI-Codi e outras instalações militares. O que só era possível devido às diversas formas de apoio de empresários ao regime, com cessão de espaços, veículos, financiamento direto e até vigilância sobre os próprios empregados. A montadora Volkswagen reconheceu que ajudou a repressão a perseguir os próprios funcionários. O ferramenteiro Lúcio Bellentani contou que foi torturado dentro do complexo industrial em São Bernardo do Campo. A empresa fez um acordo de reparação com o Ministério Público Federal.

Doutrina de guerra

A tortura não era uma novidade para as instituições brasileiras. Na ditadura de Getúlio Vargas, os opositores também eram perseguidos e presos. “Durante os outros períodos, a repressão política era uma repressão feita por órgãos oficiais. Prendia, torturava e soltava”, diz Ivan Seixas. A ditadura instaurada a partir do golpe de 1964, no entanto, incorporou uma visão de guerra contra a própria população, baseada, em grande parte, nas guerras coloniais da França na Indochina (Vietnã) e na Argélia.

“A doutrina da guerra revolucionária, como os franceses chamavam, foi um elemento-chave para preparar a organização e a estruturação dos serviços de informação brasileiros, que foram calcados nos serviços de informações franceses durante a Guerra da Argélia [1954 a 1962]”, diz o pesquisador Rodrigo Nabuco de Araújo, autor do livro Diplomates en Uniforme [Diplomatas de Farda], que trata da atuação dos militares franceses a partir dos serviços de diplomacia no Brasil entre 1956 e 1974.

O nome mais conhecido por trazer as expertises francesas para o Brasil é o general Paul Aussaresses. Antes de morrer, em 2013, o oficial reconheceu ter utilizado a tortura para combater a insurgência argelina. “Ele disse que torturou, que matou, que formou torturadores, e por isso ele acabou perdendo tudo. Ele perdeu a patente de general, perdeu o salário de aposentadoria de general. Foi um golpe muito grande que ele levou depois de ter dito tudo o que disse”, contextualiza Araújo antes de afirmar que Aussaresses não foi o principal responsável por trazer as estratégias francesas para o Brasil.

“Tem um outro que é muito mais insidioso do que o que o Aussaresses que é o Yves Boulnois”, destaca o pesquisador. Chegando ao Brasil em 1969, o coronel francês ajudou, segundo Araújo, na estruturação do DOI-Codi e esteve presente nas operações contra a guerrilha comandada por Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. “Ele participou da organização da operação e depois da supervisão, da análise dos dados que foram colhidos durante os interrogatórios, durante as torturas”, detalha Araújo a respeito do papel estratégico de Boulnois.

O coronel chegou ao Brasil em 1969 como adido militar. Em correspondência enviada ao então ministro dos Exércitos da França, Pierre Messmer, Boulnois informava sobre os avanços na estruturação das forças da repressão brasileiras. “Com vários meses de treinamento adequado, cada unidade é, agora, capaz, independente de qual seja a missão específica, de participar de uma operação de guerrilha”, escreveu ao superior em correspondência acessada por Araújo e disponibilizada em seu livro.

 

Hierarquias paralelas

A experiência francesa de enfrentar guerrilhas em um ambiente urbano, como aconteceu na Argélia, influenciou, segundo o pesquisador, na criação da Operação Bandeirante, que reprimiu os grupos armados que lutavam contra a ditadura em São Paulo. “Os militares do 2º Exército em São Paulo se inspiraram amplamente das sessões administrativas especiais, que eram organizações civis e militares na Guerra da Argélia, para estruturar a Operação Bandeirantes e transformar essa experiência da guerra colonial francesa, na Guerra da Argélia, em algo possivelmente utilizável no Brasil”, explica Araújo.

“Se inspirou nessa centralização da informação, que é o caso francês, dessa reunião de civis e militares em um só comando, e da organização das operações, o que eles chamavam de hierarquias paralelas. Quer dizer, que você tinha uma rede de comando, uma hierarquia de comando que vem de cima para baixo, mas você tinha uma hierarquia paralela, uma organização e uma estrutura clandestina”, detalha o pesquisador.

As teorias dos militares franceses surgem também da tentativa de entender a derrota para as forças de libertação das antigas colônias. “Tinha a ver com uma negligência dos militares da dimensão política e psicológica do conflito”, diz a respeito das conclusões dos oficiais o coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Acácio Augusto.

O papel da tortura

“Para essa teoria, a sociedade está dividida em três grupos”, explica o professor. Esse pensamento estratégico parte, segundo ele, do princípio de que há uma minoria ativa, que luta contra a dominação colonial, no caso das ex-colônias francesas, ou contra a ditadura, no caso do Brasil. Há os apoiadores dos processos de dominação e há  “uma grande maioria, que eles chamam de neutra e pacífica, e que está à mercê de ser conquistada pela causa revolucionária, que deve ser disputada pelas forças da ordem”.

Por isso, para além do enfrentamento militar, foi feito, de acordo com Augusto, um esforço para evitar que o conjunto da população simpatizasse ou apoiasse os grupos de resistência. Ao mesmo tempo, os grupos de oposição são tratados como inimigos e desumanizados. “A tortura não era um ato de barbárie, não era um excesso do regime, era a própria forma de atuação do regime, inclusive gerida cientificamente. A ideia da tortura era produzir informação”, enfatiza.

O desaparecimento dos torturados, principalmente os que nunca foram registrados em estruturas oficiais do Estado, serve, segundo Araújo, a alguns propósitos. Por um lado, evita a responsabilização e repercussão pública das mortes, enquanto, por outro desestabiliza os opositores do regime.

“É uma forma de você criar uma incerteza muito grande em torno do que aconteceu com essa pessoa e dessa forma de criar uma impunidade em torno das pessoas que cometeram esses crimes”, diz o pesquisador.

O general francês Aussaresses, que ficou conhecido pelos cursos relacionados a tortura que promovia em Manaus, é também, segundo Araújo, protagonista de um evento que ilustra como a violência era instrumentalizada pelos colonialistas. “Ele solicitou o estádio de futebol da cidade. Ele torturou os presos em frente uns dos outros, depois matou todo mundo. Abriu uma vala comum, jogou todos os corpos ali, jogou cal quente em cima, e em cima disso ele jogou concreto armado. Quer dizer que não tem como saber quem está enterrado ali. Todos desapareceram”, conta o historiador sobre os fatos ocorridos na antiga cidade de Philippeville, atual Skikda, na Argélia.

MPF denuncia 8 pessoas por fraude em compra de blindados da PRF

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou, à Justiça Federal, oito pessoas acusadas de fraudar licitações e contratos referentes à compra de 15 viaturas operacionais blindadas (caveirões) consideradas inservíveis, em procedimentos que tiveram a empresa Combat Armor Defense como vencedora. Os veículos foram destinados à Superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) do Rio de Janeiro no período da gestão do então superintendente da PRF, Silvinei Vasques, um dos denunciados. O prejuízo aos cofres públicos ultrapassa R$ 13 milhões.

O MPF destacou que os blindados entregues pela Combat não possuem capacidade operacional plena, tanto de forma mecânica, ao não serem capazes de subir ladeiras, quanto pelo aspecto da segurança operacional, pois a blindagem não é condizente com a ofertada.

“O MPF constatou que houve fraude no processo licitatório em pelo menos R$ 13 milhões. Como a gente concluiu que havia a participação de agentes públicos federais e de empresários, apresentamos a denúncia ontem [20] na 4ª Vara Federal”, disse o procurador da República Eduardo Benones, que assina a denúncia.

“O Silvinei Vasques exercia funções diretivas desde o início do contrato. Ele tem uma escalada na carreira na PRF durante essa licitação e na análise dos autos ficou provado que em vários momentos existia uma ingerência do cidadão Silvinei Vasques com relação a essa licitação”, acrescentou o procurador.

Procurador da República Eduardo Benones explica denúncia do Ministério Público Federal de fraude na compra de blindados da PRF – Fernando Frazão/Agência Brasil

A denúncia também tem como alvos os empresários e sócios da Combat Armor Defense do Brasil (Daniel Junot de Maria e seu filho Kauê de Glória Gonzaga Junot de Maria). O MPF pediu a prisão preventiva de ambos.

Também foram denunciados dois policiais rodoviários responsáveis por iniciar e dar continuidade à licitação, elaborando os estudos técnicos preliminares e o próprio Documento de Oficialização de Demanda. Os policiais elaboraram o termo de referência do pregão realizado em 2020, tendo estabelecido prazos exíguos para a apresentação de protótipo e a entrega dos veículos.

Foram denunciados também o pregoeiro que aprovou a proposta inicial da Combat Armor Defense e que deu continuidade ao procedimento licitatório, mesmo sabendo que não havia outros licitantes, e o fiscal técnico do contrato, que assinou relatórios de conformidade e termos de recebimento definitivo. Segundo as investigações, as licitações eram caracterizadas pelos mesmos concorrentes e propostas irreais acima do preço, nas quais a Combat ganhava, na maior parte dos casos, pela modalidade “maior desconto”, ainda que não existisse tabela pré-fixada de valores para o julgamento das propostas.

A empresa também foi investigada pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro. De acordo com as apurações, entre as transações suspeitas realizadas pela Combat, houve pagamentos em favor de Antonio Ramirez Lorenzo, ex-chefe de gabinete do ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, e de empresa de consultoria administrada por ele. Lorenzo também foi denunciado pelo MPF.

Conforme destaca a denúncia, a materialidade dos crimes é comprovada, especialmente, considerando relatórios técnicos elaborados pelo Grupo de Trabalho dos Blindados Operacionais da PRF e 22 relatórios técnicos resultantes da colaboração prestada pelo Centro de Avaliações do Exército. Os documentos confirmam que a Combat frequentemente descumpria prazos e entregava produtos e serviços abaixo dos padrões acordados, ferindo a integridade dos contratos e colocando em risco a vida dos policiais.

Histórico

Em tomadas de contas do Tribunal de Contas da União (TCU), foi detectado que havia indícios de que a Combat Armor, constituída nos Estados Unidos, não possui nenhuma atuação no ramo de blindados. No entanto, a Combat Armor Defense do Brasil venceu três pregões eletrônicos realizados pela Superintendência da Polícia Rodoviária Federal no Rio de Janeiro, em dezembro de 2020, quando Silvinei Vasques ocupava o cargo de superintendente regional da PRF no Rio. Os pregões tinham por objeto a implementação de proteção balística parcial de viaturas, a aquisição de veículos novos blindados e a transformação em veículos blindados de viaturas já integrantes do patrimônio da PRF.

“Até onde é sabido, a Combat não teria capacidade operacional para atender todos os contratos firmados com a administração, sobretudo por sua falta de capilaridade aparente e expertise a nível Brasil. Isso traz dúvidas sobre como conseguiria atender Rio de Janeiro, Distrito Federal, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Paraná, Pará e Bahia concomitantemente”, disse o procurador da República.

Em nota, a PRF informou que colabora com todos os órgãos responsáveis pelas investigações das circunstâncias que envolveram a compra dos veículos blindados na gestão passada.

A empresa Combat Armor Defense não respondeu, até o momento, ao e-mail enviado pela reportagem.

Saúde vai integrar dados sobre acidentes, lesões e violência no país

No Brasil, lesões e a violência têm sido classificadas como a terceira ou quarta principal causa de morte da população, superadas apenas por doenças cardiovasculares, câncer e doenças respiratórias, segundo dados do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).

O Projeto Trauma – Tecnologia de Rápido Acesso de Dados Unificados para Mitigação da Acidentalidade -, idealizado pelo epidemiologista da equipe de Trauma do Hospital Israelita Albert Einstein, Bruno Zocca, entra agora na fase de aperfeiçoamento, até 2026, quando a principal ferramenta – um banco de dados integrado – será instalada no Ministério da Saúde (MS). A ferramenta permitirá acesso a dados integrados sobre acidentes e lesões ocorridos em todo o país.

O projeto foi desenvolvido dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), no qual são usados valores de isenção tributária para desenvolver avanços para o SUS. O médico Bruno Zocca explicou à Agência Brasil, na última quarta-feira (13), que o objetivo é fazer vigilância em saúde.

No primeiro triênio, experimental, compreendido entre 2021 e 2023, foram acessados dados de alguns locais que viraram parceiros do projeto, para testar tecnologia, sistema e ver se o objetivo pode ser alcançado. “O nosso objetivo é ter a capacidade de contar a história de um acidente ou violência com um mínimo de esforço e recurso possível, só usando os sistemas de informação já ativos e em uso pelo Ministério da Saúde.

A ideia é trazer os dados de vários sistemas de informação diferentes para um banco de dados integrado. Nesse banco integrado, serão normalizados e organizados alguns conceitos como homem e mulher, feminino e masculino, padronizando-os. Outra coisa é identificar a mesma pessoa em sistemas diferentes.

Ferramenta

O médico afirmou que se trata de uma iniciativa “diferente de tudo que o Ministério da Saúde já fez”.  O projeto terminou o primeiro triênio com uma ferramenta funcional que vai se desenvolver em dois grandes eixos.

O primeiro é continuar aperfeiçoando a ferramenta. “Trazer mais locais e mais dados para continuar testando se a ferramenta responde às nossas necessidades. O segundo eixo é passar essa ferramenta efetivamente para dentro do ministério”, disse Bruno Zocca.

De acordo com o Proadi-SUS, atualmente, as informações são disponibilizadas para o SUS por meio de vários sistemas de informação distintos e que não estão conectados. O projeto vai mudar essa realidade e, a longo prazo, vai apoiar na redução da morbidade e da mortalidade associadas às lesões.

Quando estiver instalado no Ministério da Saúde, os dados serão acessados de forma centralizada pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus) e ficarão disponíveis para todo o Brasil. De acordo com o idealizador o bando integrado poderá ser acessado por gestores nos níveis municipal, estadual e federal.

“O gestor municipal poderá ver que existe uma esquina com muito acidente de trânsito e colocar um semáforo; o gestor estadual poderá ver que tem um quarteirão ou bairro com muitos casos de violência graves ou não graves, e colocar uma viatura de polícia ali. E o governo federal poderá usar a ferramenta tanto para avaliar suas políticas vigentes como para desenhar novas políticas públicas. Por isso, nossa expectativa é que o projeto Trauma, apesar do nosso parceiro ser o governo federal, o Ministério da Saúde, seja uma ferramenta útil para todos os níveis de gestão, para pesquisa, para organizações não governamentais (ONGs), para quem tiver interesse em acessar os dados integrados.”

Internalização

O médico destacou que o projeto vai apoiar o ministério em sua internalização, com os devidos acordos institucionais e buscas por financiamento. Há uma série de fatores positivos secundários que vão ocorrer por meio do projeto. “O ministério faz auditorias, internações, investigação de óbito para ver se a causa registrada está adequada. O Trauma pode apoiar muitas iniciativas secundárias”.

O objetivo principal é a vigilância em saúde. “É um banco de dados muito grande e poderoso. Temos conversado com muitos parceiros dentro e fora do ministério sobre outros potenciais usos”. Secretarias de Segurança Pública poderão usar os dados, bem como equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e dos bombeiros para melhorar a adinâmica do atendimento pré hospitalar e de ambulância, entre outros segmentos.

A ferramenta estará pronta para ser instalada no Ministério da Saúde em 2026.

“Nosso objetivo é que, ao final do triênio, já esteja pronta a versão final, instalada dentro do ministério, para uso aberto de todos os entes interessados no banco de dados. Quem precisar desses dados vai ter entrada na ferramenta. Inclusive estamos desenhando diferentes entradas para diferentes usuários. Uma das nuances, e que é também um dos desafios, é tomar cuidado com a segurança das informações. Por isso, na hora da liberação para acesso público, deverão ser tomados muitos cuidados com a segurança das informações para manusear os dados e conduzi-los de um lado para outro. Essa continuará sendo uma das preocupações”, disse  Zocca.

Segundo o especialista, a intenção é que todo o país tenha o acesso à ferramenta nos próximos anos para produção de análises de situação em saúde, de modo a permitir, a longo prazo, o monitoramento de 12 milhões de internações, 4 bilhões de atendimentos ambulatoriais e mais de 1,5 milhão de óbitos para cada ano.

Investimento

Bruno Zocca informou que a fonte de financiamento para desenvolvimento do Projeto Trauma é o próprio Proadi-SUS, que reúne seis hospitais sem fins lucrativos, considerados referência em qualidade médico-assistencial e gestão. São eles o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a Beneficência Portuguesa de São Paulo, HCor, Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Moinhos de Vento e Hospital Sírio-Libanês. Os recursos do Proadi-SUS advêm da imunidade fiscal dos hospitais participantes.

No primeiro triênio de desenvolvimento do projeto, os investimentos alcançaram R$ 6,5 milhões. Para a segunda etapa, de 2024 a 2026, a previsão de gastos é de R$ 7,9 milhões.

Proadi-SUS

O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS) foi criado em 2009 com o propósito de apoiar e aprimorar o SUS por meio de projetos de capacitação de recursos humanos, pesquisa, avaliação e incorporação de tecnologias, gestão e assistência especializada demandados pelo Ministério da Saúde.

Os projetos levam à população a expertise dos hospitais em iniciativas que atendem necessidades do SUS. Entre os principais benefícios do programa, destacam-se a redução de filas de espera; qualificação de profissionais; pesquisas do interesse da saúde pública para necessidades atuais da população brasileira; gestão do cuidado apoiada por inteligência artificial e melhoria da gestão de hospitais públicos e filantrópicos em todo o Brasil.

Lesões e a violência têm sido classificadas como a terceira ou quarta principal causa de morte no país, superadas apenas pelas doenças cardiovasculares e pelo câncer até 2015, pelas doenças respiratórias entre 2016 e 2019, e pela covid-19 durante a pandemia. Em 2021, ocorreram 149.322 mortes atribuídas a lesões no Brasil, o que equivale a cerca de 70 mortes por 100 mil brasileiros. Dentre essas causas, prevaleceram os homicídios (30,5%), seguidos pelos acidentes de trânsito (23,5%), outras causas acidentais (23,2%) e suicídios (10,4%). Dados fornecidos pelo Proadi-SUS, por meio de sua assessoria de imprensa, destacam a importância das lesões entre jovens e homens na mortalidade prematura e incapacidades, o que as torna uma questão prioritária no país.