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Comunicadores indígenas: trabalho deve ser revestido de ativismo

“Awiti mãsa”. A transmissão de, no mínimo, duas horas de duração começa com uma saudação em língua tukano que poderia ser traduzida como “olá, tudo bem?”. Ao vivo, direto do Acampamento Terra Livre (ATL), no centro de Brasília, o comunicador indígena João Paulo Sampaio, da Rede Wayuri, da etnia piratapuia, e residente em São Gabriel da Cachoeira (AM), não para nunca. Ele tem a preocupação de contar as novidades do evento na capital do Brasil. Por isso, entra ao vivo na rádio e nas redes sociais, fotografa, filma e escreve. “As pessoas da minha comunidade estão esperando pelas novidades daqui”.

Brasília – José Paulo Sampaio, da rede Wayuri, fala sobre a comunicação social dos indígenas – Foto Joédson Alves/Agência Brasil

Comunicadores indígenas como ele, em diferentes idiomas, e inclusive em português, são como enviados especiais ao ATL para um trabalho que vai além da cobertura midiática. Eles são também ativistas, de forma a garantir a visibilidade e a memória das reivindicações das comunidades. Para eles, a comunicação deve ser revestida de ativismo. Os equipamentos eletrônicos, de câmeras profissionais a pequenos aparelhos de celular, estão a esse serviço, combinando com as vestimentas e adereços diversos que marcam a pluralidade do evento.

“Nosso arco e flecha”

O antropólogo Edgar Kanaykõ Xakriabá, de 33 anos, presente no evento, está grudado à máquina fotográfica profissional. Ele recorda que a paixão pela imagem começou na aldeia em que vive, na cidade de São José das Missões (MG), na década passada, quando surgiu a energia elétrica para a comunidade.

“Surgiram, com a energia, também os pequenos aparelhos de imagem. Passei a fotografar as coisas da minha aldeia, a mata, os movimentos culturais”. A experiência inspirou o rapaz a cursar o mestrado e pesquisar o que a imagem significava para o seu povo. “Fotografia é uma arma com lente. É nosso novo arco e flecha”, compara.  

Brasília – Edgar Komyko Xacriaba fala sobre a comunicação social dos indígenas – Foto Joédson Alves/Agência Brasil

Ele tem, como público-alvo, 33 aldeias e cerca de 11 mil pessoas. Edgar Kanaykõ Xakriabá lembra ainda que a imagem era vista antes como perigo. Hoje, a visão nas comunidades mudou, já que foi compreendido que a imagem garante visibilidade para as pautas que desejam debater, como a demarcação de territórios. Trinta mil seguidores acompanham diariamente as imagens do pesquisador e fotógrafo. Além da divulgação, Edgar faz oficinas de comunicação e fotografia e explica como os celulares podem agilizar a comunicação.

Multiplicação de saberes

Também agarrado à sua máquina, o estudante de jornalismo Duiwe Orbewe, de 21 anos, do povo xavante, do território indígena de Parabubure, em Campinápolis (MT), atua como videomaker e fotógrafo. Ele diz que se apaixonou pela imagem aos 5 anos de idade, em sua aldeia, quando assistiu ao filme O mestre e o divino, dirigido por um indígena (Divino Tserewahu).

Atualmente, ele atua para a Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) e fica orgulhoso com o retorno que o seu povo traz em relação ao seu trabalho. Voltado a levar mais conhecimento à comunidade, passou no vestibular da Universidade de Brasília (UnB) e está, desde o ano passado, na capital. “Mas volto sempre que posso para a comunidade”.

Brasília – Duiwe Orebewe Xavante fala sobre a comunicação social dos indígenas – Foto Joédson Alves/Agência Brasil

Garantia de vozes

Enquanto o jovem está atrás da lente, a jornalista Mara Barreto Sinhosewawe, de 39 anos, atua para o jornal Bolívia Cultural. Ela é da Aldeia Wederã, na Terra Indígena Pimentel Barbosa, em Ribeirão Cascalheira (MT). Mara entende que a função de repórter indígena é também de ativista.

 “É uma forma de militância, de garantir voz a quem não tem chance. De dar espaço a protestos, às causas indígenas e às mulheres”. Por isso, desde que chegou ao acampamento, não parou. “São muitas histórias e estamos aqui para isso”. O gravador e o microfone são extensões desses ideais.

Cooperativismo inclui pequenos produtores no mercado, diz ex-ministro

O cooperativismo rural foi um dos temas centrais dos debates do primeiro Encontro de Líderes Rurais que ocorre esta semana na Costa Rica, promovido pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). “É uma solução extraordinária para incluir no mercado produtores pequenos e até médios que, individualmente, seriam expulsos e excluídos do mercado”, defendeu o coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, Roberto Rodrigues, que participou do encontro de forma remota.

No Brasil, de acordo com a Organização das Cooperativas Brasileiras, Sistema OCB, 54% da produção agrícola vêm de cooperativas. O país é considerado um modelo nesse quesito. Isso não significa, no entanto, que todos os problemas estejam resolvidos e que não haja desafios tanto de produção e organização quanto burocráticos. A conversa com Rodrigues foi uma das mais aguardadas, pois em toda a América, de acordo com os líderes que participam do encontro, sobretudo para os pequenos produtores, as cooperativas apresentam-se como forma de organização.

Rodrigues define o cooperativismo como “doutrina que visa corrigir o social por meio do econômico”. A cooperativa rural é associação de produtores para que possam, juntos, comercializar os produtos e ter acesso a serviços e mesmo a máquinas que, sozinhos, não conseguiriam. “A cooperativa oferece ao cooperado condições que individualmente não teria condições de resolver”, diz Rodrigues. “As cooperativas agregam pequenos, transformando-os, em conjunto, em produtor que compete com grandes”, acrescenta.

As situações são diferentes nos países, mas um ponto comum é que o cooperativismo não é tarefa fácil. Para a secretária de Agricultura Familiar de Betânia, no Piauí, Francisca Neri, uma das líderes que representam o Brasil no encontro, o cooperativismo é a solução para a região onde vive, mas é preciso que os mais jovens aprendam e também se entusiasmem sobre a forma de organização. “Como nós vamos fazer as pessoas entenderem que o associativismo e o cooperativismo são os negócios do futuro, que estão acontecendo no presente e que a gente enquanto agricultor não pode ficar de fora?”, questiona. Ela defende que o cooperativismo seja ensinado nas escolas.

Em Honduras, segundo a líder Eodora Méndez, o desafio é que os produtores permaneçam na cooperativa. “Muita gente pensou que cooperativismo era organizar-se e receber benefícios. É mais que isso, é trabalhar em conjunto, aglutinando a produção e poder comercializar. Muita gente se retirou e somos poucos os que estamos em cooperativa. Muita gente jogou a toalha, mas estamos lutando sempre para que as cooperativas se mantenham”, diz.

San José – Cooperativismo inclui pequenos produtores no mercado, defende ex-ministro – Foto IICA/Divulgação

Eodora pertence ao povo originário Lenca e vem de uma família que se dedica ao cultivo de grãos e hortaliças. Foi presidente da Empresa Campesina Agroindustrial de Reforma Agrária de Intibucá (Ecarai), uma organização rural com visão empresarial que representa comunidades de uma das zonas do Departamento Intibucá. Seu trabalho impacta 325 pequenos agricultores. “Quando nos organizamos, temos alternativas de produção, podemos vender a preços melhores e é preciso que isso funcione para que sigamos ativos”, defende.

A líder brasileira Simone Silotti, defende que sejam criadas formas de facilitar a participação dos próprios associados e a articulação entre cooperativas. Ela sugere a criação de uma plataforma “para dar transparência à cooperativa, acompanhar as contas a pagar e a receber sem ter que esperar a prestação de contas. Podemos ter outras abas nessa plataforma para levar conhecimento e formação, inclusive para líderes de cooperativas que quase sempre são pequenos produtores”, afirma.

Silotti é uma pequena produtora rural, de Quatinga, Mogi das Cruzes, São Paulo, e é criadora do Faça um Bem Incrível, projeto que começou em 2020, em meio à pandemia, que busca reduzir o desperdício rural, direcionando os alimentos que seriam descartados para pessoas em situação de vulnerabilidade. O projeto acabou transformando-se em cooperativa. Ela aponta a burocracia como um dos principais desafios e conta que foram mais de dois anos para que conseguissem se formalizar e acessar políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) do Ministério da Educação.

San José – Costa Rica – Líderes rurais discutem cooperativismo – Foto IICA/Divulgação

Roberto Rodrigues apresentou aos líderes as condições para que sejam formadas as cooperativas. Uma delas, segundo ele, é que é necessário que as elas surjam do interesse dos próprios produtores, por isso também é preciso que a sociedade conheça e saiba o que é cooperativismo. “Tem que vir de baixo para cima, como desejo do povo. Toda vez que governos tentaram impor, quando terminou o governo terminou o cooperativismo”, disse. Além disso, acrescentou, cooperativas são como empresas, precisam ser viáveis e é preciso comprometimento dos associados.

Apesar das dificuldades apresentadas, Rodrigues incentivou os participantes: “Temos que lutar todos os dias. Eu dava aula e diziam que eu estava repetindo sempre a mesma coisa. Eu dizia: olha, os padres, nas igrejas, há 2 mil anos falam a mesma coisa. É preciso repetir, repetir”.

O primeiro Encontro de Líderes Rurais promovido pelo IICA na Costa Rica reúne 42 produtores rurais presencialmente e remotamente, que foram reconhecidos pela organização como líderes rurais por causa do trabalho que desenvolvem em suas regiões. Eles representam praticamente todos os países americanos. O encontro ocorre ao longo da semana, promovendo visitas técnicas, consultorias e o intercâmbio de experiências entre as lideranças.

*A repórter viajou a convite do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).

Referendo aprofunda militarização e controle dos EUA sobre Equador

O referendo realizado no Equador no domingo (21) aumenta a militarização da sociedade, permite maior controle dos Estados Unidos sobre a política interna do país, além de não abordar os temas fundamentais para o combate ao narcotráfico: o sistema financeiro e o setor exportador equatoriano. Essa é a avaliação da socióloga equatoriana Irene León, diretora da Fundação de Estudos, Ação e Participação Social do Equador (Fedaeps).

Além de concordar com o aumento da militarização do país, o antropólogo Salvador Schavelzon, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em política na América Latina, acrescentou que o referendo é parte de uma estratégia do presidente Daniel Noboa de consolidar um modelo político semelhante ao do presidente de El Salvador, Nayib Bukele.

Para Schavelzon, Noboa e o referendo deslocam a discussão dos problemas econômicos e sociais do Equador para uma pauta de combate à criminalidade e à corrupção, modelo esse que vem sendo copiado em outros países latino-americanos.

O atual presidente equatoriano convocou o referendo após uma onda de violência colocar o país nas manchetes mundiais, em janeiro deste ano, com grupos criminosos promovendo sequestros, explosões e até a invasão de um telejornal ao vivo. As medidas aprovadas na consulta popular ainda precisam passar pelo Legislativo.

A socióloga Irene León argumentou que as mudanças propostas pelo governo de Daniel Noboa são mais midiáticas que efetivas, pois a legislação atual do Equador permite combater a criminalidade. Para ela, o resultado principal da consulta é a maior militarização da sociedade.

“As perguntas que foram colocadas amplificam essa possibilidade de que os militares possam atuar sem responsabilidade frente às leis do país. Amplia a capacidade deles também de atuação em questões que são civis”, destacou.

Entre as perguntas em que o “sim” venceu, estão as que permitem que as Forças Armadas atuem como força complementar às políticas no combate à criminalidade e que os militares façam o controle das vias de acesso aos presídios do país.

O governo de Daniel Noboa defende que as medidas da consulta popular são necessárias para aumentar a segurança do país, combater o narcotráfico e a impunidade. Para o governo, o endurecimento das regras contra o crime organizado é o que vai permitir reduzir os alarmantes índices de violência que o Equador tem experimentado nos últimos anos. Após a última crise de segurança, em janeiro, o governo enquadrou os grupos criminosos como terroristas.

Para a socióloga Irene León, militarização aprofundada pelo referendo prejudica a soberania equatoriana – Arquivo pessoal

Controle dos EUA

A socióloga Irene León destacou que a militarização aprofundada pelo referendo prejudica a soberania equatoriana, uma vez que acordos militares firmados com os Estados Unidos dariam a Washington poder sobre o país sul-americano.

“Porque está ligada a acordos internacionais que os governos, especialmente o último, vêm fazendo com os Estados Unidos. Esses acordos dão aos Estados Unidos o direito de controlar a terra, o mar, o ar, o ciberespaço, e mesmo de ter tropas no Equador com o status diplomático, e regidas pelo status político do governo dos Estados Unidos”, completou.

Em 15 de fevereiro de 2024, o presidente Noboa ratificou dois acordos militares com os EUA, que tinham sido construídos pelo governo anterior de Guillermo Lasso. As parcerias permitem operações conjuntas entre os dois países para combater atividades ilegais, como narcotráfico, mas o governo não publicou o conteúdo dos acordos, segundo informações da Reuters.

“A cada dia é muito visível a presença militar estadunidense, e de Israel também, para diferentes categorias que têm a ver com a sociedade, a política, e não com o argumento que eles têm da segurança contra a delinquência e a luta contra o narcotráfico”, afirmou.

Para Irene, há uma estratégia de se usar o Equador como centro de controle dos Estados Unidos. “Até onde nós conhecemos, esta lei [dos EUA] e outros acordos militares de segurança que têm sido desenvolvidos com o Equador têm o propósito de fazer do país um centro de controle para o hemisfério das Américas e a zona do Pacífico”, afirmou.

Neoliberalismo e segurança

O professor Salvador Schavelzon lembrou que o Equador teve grandes mobilizações populares em 2019 e em 2021 que pautaram os problemas sociais e econômicos do país, com críticas ao modelo neoliberal de máxima liberdade para empresas e mínima intervenção do Estado. Para o antropólogo, a crise na segurança, que é real, permitiu deslocar a agenda social e econômica para a de segurança.

“Essas agendas sociais, críticas dos efeitos do neoliberalismo, foram ficando de fora no Equador já na última eleição, inclusive com o assassinato de um candidato. Duas eleições atrás, em 2021, foram predominantes as pautas da riqueza nacional, do extrativismo, da defesa das florestas, da questão indígena e da questão social”, destacou o antropólogo.

Antropólogo Salvador Schavelzon destaca apelo midiático da pauta da segurança – Arquivo Pessoal/Servindi

Schavelson acrescentou que a pauta da segurança, com imagens de militares, policiais e prisões, tem um eficaz apelo midiático. “São as forças políticas eleitas democraticamente as que pautam essas reformas com apoio popular e vão criando um modelo mais militarizado, com precarização do trabalho e encarcerador”, acrescentou.

Outra pauta prioritária do atual governo destacada pelo especialista é do combate à corrupção, que também rende frutos midiáticos. A corrupção, inclusive, foi uma justificativa usada pelo governo Noboa para invadir a Embaixada do México em Quito e prender o ex-vice-presidente do país Jorge Glas. A medida foi duramente criticada por diversos países, como o Brasil.

Finanças e exportações

A socióloga Irene León questionou ainda a efetividade das medidas de segurança aprovadas no referendo por elas não abordarem o sistema financeiro nem o setor exportador.

“Os atores do crime organizado não foram tocados. É tocada a população de jovens pobres, empobrecidos, mas não o capital financeiro, que é um dos principais atores do fluxo dos capitais ilícitos. A banca onde se lava o dinheiro do narcotráfico não sofreu qualquer medida”, observou.

Isso também ocorre com o setor exportador, segundo a socióloga. Irene lembrou que o Equador não é grande produtor de droga, ao contrário dos seus vizinhos Peru e Colômbia, e que o país apenas serve como corredor exportador dos entorpecentes.

“Seria importante ter transparência sobre as exportações para que o país saiba se as exportações de suas corporações estão limpas, mas não tem acontecido isso”, disse ela. 

IICA quer debater criação de selo de agricultura familiar das Américas

O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) quer discutir a criação de um selo comum de agricultura familiar das Américas. A proposta foi uma das apresentadas pelo diretor-geral do IICA, Manuel Otero, ao final das reuniões plenárias, a 42 lideranças rurais que participaram do primeiro Encontro de Líderes Rurais, promovido pela organização, na Costa Rica.

“Obviamente há países, e o Brasil é um claro exemplo, que têm avançado nisso. Mas, temos o direito de sonhar com um selo da agricultura familiar. Não é algo simples, mas temos o direito de sonhar”, disse Otero em entrevista à Agência Brasil.

No Brasil, o Selo Nacional da Agricultura Familiar (Senaf) identifica os produtos da agricultura familiar e é uma espécie de garantia aos consumidores de como aqueles produtos foram produzidos e da qualidade deles. Com o selo, os produtos passam a integrar um catálogo, que busca dar mais visibilidade a essa produção. A ideia é que haja um selo único para todos os países americanos, dando também visibilidade e facilitando o comércio. Isso esbarra, no entanto, nas legislações de cada país.

Além de discutir a criação desse selo comum, o IICA comprometeu-se a debater a formação de uma rede de bancos de sementes e de materiais genéticos de espécies de plantas nativas dos países americanos. Segundo Otero, aos bancos atuais estão mais dedicados a cultivos tradicionais como milho e trigo, mais deixam de fora espécies que crescem apenas nas Américas e que podem ser importantes para o futuro da humanidade.

Outro compromisso é a criação de um banco de experiências e soluções dadas principalmente por pequenos agricultores a desafios no campo como a falta de água, a seca, o desequilíbrio do solo e o combate a pragas. Cada um dos líderes foi escolhido justamente por ter experiências exitosas, que podem ser replicadas. “Acredito que o IICA pode fazer uma contribuição significativa sistematizando essas experiências”, disse Otero.

A organização comprometeu-se também a prestar apoio às lideranças rurais, a fortalecer a rede formada ao longo dos dias de encontro, assim como conectar esses produtores e suas comunidades a entidades e com financiamentos que possam ajudá-los a desenvolver a região. Outro compromisso é a atenção ao cooperativismo, que segundo Otero, necessita de ajustes, capacitação e melhoras normativas nos países.

“As reuniões são importantíssimas como ponto de encontro para nos energizarmos. Agora, vem o dia seguinte e temos que avançar com passos concretos, senão muitos desses esforços não dão em nada e, como diretor do IICA, não devo permitir isso”, acrescentou o diretor-geral.

Agricultura nas Américas

Na entrevista à Agência Brasil, Otero comemorou o encontro inédito. O IICA é uma organização chefiada pelos ministros e secretários de Agricultura dos 34 países das Américas que o compõem. “O IICA se relaciona com empresários e com acadêmicos de alto nível, com diretores de organizações não governamentais mas, às vezes, falta nos relacionarmos com as bases, com o campo. Para reparar essa falta, decidimos, há três anos, instituir o prêmio Alma da Ruralidade e começamos o trabalho de identificar esses líderes que hoje nos acompanham”, ressaltou.

Até o momento, 43 lideranças receberam esse título em quase todos os países americanos. Dessas, 36 participaram do primeiro Encontro de Líderes Rurais de forma presencial e seis, remotamente. “Essa reunião mostra a força do nosso continente à nível das comunidades rurais e a diversidade de realidades dessas comunidades”, destacou Otero. O encontro, que começou na terça-feira (16), tem como objetivo promover a troca de experiências e conta, além das reuniões plenárias, com visitas técnicas a empreendimentos sustentáveis na Costa Rica. A agenda termina no sábado (20).

Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) promove o primeiro Encontro de Líderes Rurais, na Costa Rica – IICA/Divulgação

Para Otero, os governos precisam dar atenção à agricultura familiar e viabilizar formas de tornar a vida no campo atrativa para as comunidades. “Nossos governos têm que entender que as comunidades rurais, os pequenos agricultores são peça fundamental em qualquer estratégia de desenvolvimento”, enfatizou.

Segundo dados apresentados pelo vencedor do Prêmio Mundial de Alimentação de 2020, Rattan Lal, que participou do evento por meio de gravação, a América Latina e o Caribe têm uma área florestal de 1 bilhão de hectares, que representa 28% do total mundial, e uma biodiversidade que representa 36% das espécies alimentares e industriais do mundo. Nessa região, 38% do uso da terra é agrícola.

Na América Latina, existem quase 15 milhões de pequenas propriedades agrícolas, dos quais 10 milhões são voltadas para a subsistência. A área voltada para a agricultura familiar é de 400 milhões de hectares.

De acordo com Otero, a América é o continente que está passando pelo maior processo de urbanização do mundo e a projeção é que, em 2050, 86% da população esteja vivendo nas cidades. No entendimento dele, isso é “uma péssima notícia para o mundo, porque as pessoas deixam de ser produtoras e passam a ser consumidoras”.

Os produtores, para ele, “São atores centrais, que nós dizemos que dão a vida para a ruralidade”. “Aí está a nossa preocupação. Em meio a um contexto de cenários turbulentos, marcados por guerra, por pandemia, pela mudança climática, eles são a variável de ajuste. Temos que defender a viabilidade dos agricultores familiares”, defendeu

*A repórter viajou a convite do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).

Flup homenageia este ano historiadora e ativista Beatriz Nascimento

 As múltiplas identidades de Beatriz Nascimento – historiadora, professora, escritora, intelectual e ativista pelos direitos humanos de negros e mulheres – serão lembradas pela Festa Literária da Periferia (Flup), em diferentes atividades ao longo de 2024. No dia 11 de maio, será realizado no Rio de Janeiro o evento que apresenta a agenda anual. O legado deixado por Beatriz será reverenciado na mesa de abertura, quase dez anos após sua morte.

“Nesta 14ª edição, o festival celebra uma obra que despertou outro imaginário brasileiro e se desdobrou numa nova geração de intelectuais e escritoras que transformam o cenário cultural. A escritora Conceição Evaristo e a filósofa Helena Theodoro farão parte da homenagem à amiga e companheira de ativismo”, diz nota divulgada nessa segunda-feira (15) pelos organizadores.

Desde 2012, quando começou, a Flup é realizada todos os anos. O festival, que já liderou a publicação de mais de duas dezenas de livros de autores das periferias do Rio de Janeiro, foi destaque em 2020 no Prêmio Jabuti, a mais tradicional premiação literária do país. A Flup venceu na categoria Fomento à Leitura. No ano passado, uma lei foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro declarando o festival patrimônio cultural imaterial.

Os organizadores costumam levar as atividades para territórios tradicionalmente excluídos dos programas literários. Já passou, por exemplo, pelo Morro dos Prazeres, por Vigário Geral e pela Ladeira do Livramento. O evento que apresenta a agenda anual de 2024 será no Circo Crescer e Viver, espaço criado em 2021 na região central do Rio, onde são desenvolvidos projetos que valorizam a arte como ferramenta pedagógica e que beneficiam crianças, adolescentes e jovens.

A programação é gratuita e começará às 12h com uma feijoada. A mesa de abertura está prevista para 13h. Ao longo da tarde, mesas irão debater temas variados. Antes de cada uma delas, haverá o Sarau Beatriz Nascimento, no qual serão recitados poemas autorais e da homenageada. Para fechar as atividades, o Pagode da Gigi promoverá uma roda de samba formada integralmente por mulheres.

Homenageada da edição, Beatriz Nascimento é autora de diversos textos em que reflete sobre questões relacionados com o feminismo, o racismo, a luta quilombola e a resistência cultural negra, entre outros temas. Pela sua autuação, foi agraciada com o título de Mulher do Ano 1986, concedido pelo Conselho Nacional de Mulheres no Brasil (CNDM), órgão criado pela Lei Federal 7.353/1985. Ela também se aventurou no cinema, tendo integrado a equipe que lançou o longa-metragem Ôrí, em 1989. O documentário, dirigido por Raquel Berger, traz discussões sobre o movimento negro e foi produzido com base na pesquisa de Beatriz. A historiadora também atua como narradora.

Nascida no Sergipe em 1942, Beatriz Nascimento fez graduação em história no Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na capital fluminense, desenvolveu a carreira até perder a vida em um crime brutal. Em janeiro de 1995, ela foi baleada na frente de testemunhas em um bar no bairro de Botafogo, na zona sul da cidade. O assassino era o ex-companheiro de uma amiga, a quem Beatriz havia aconselhado a separação após ouvir suas reclamações de violência doméstica. Julgado, ele foi condenado a 17 anos de prisão.

“Ao homenagear Beatriz Nascimento, a Flup traz o conceito de quilombo agregação, comunidade e luta como fundamento da sua programação anual”, afirmam os organizadores. Eles também anunciaram que a programação anual abrirá espaço para uma rede de 100 mulheres acadêmicas negras, criada pelas pesquisadoras Thaís Alves Marinho e Rosinalda Simoni. Ao longo de 2024, essas intelectuais participarão de outros eventos que ocorrerão em espaços periféricos da cidade do Rio. Também será lançado um livro com a história de cada uma dessas 100 mulheres, com o título Dicionário Biográfico: Histórias Entrelaçadas de Mulheres Afrodiaspóricas. 

MST vê intimidação em ação policial em assentamento no norte do Rio

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criticou, nesta segunda-feira (15), a abordagem da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ) durante operação em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. Uma imagem compartilhada nas redes sociais mostra a presença de sete policiais em uma área rural, aparentemente conversando com dezenas de homens e mulheres.

Segundo a postagem, foram mobilizadas mais de dez viaturas que cercaram o Assentamento Josué de Castro, regularizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desde 2007. De acordo com o MST, houve intimidação de famílias assentadas, além do uso de drones e de bloqueadores de sinal de celular.

O episódio ocorre apenas três dias após o Ministério Público Federal (MPF) anunciar que está apurando a existência de ações policiais desproporcionais em assentamentos de reforma agrária localizados no município de Campos dos Goytcazes.

A dirigente do MST e atualmente deputada estadual Lucia Marina dos Santos (PT), conhecida como Marina do MST, lamentou a situação. “Estou tentando contato com as famílias no assentamento em Campos, mas, quem diria, não se consegue falar. Sinal bloqueado. Por que motivo a PM não quer deixar uma deputada (nem ninguém) se comunicar com as famílias?”, questionou a deputada em suas redes sociais.

Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Estado de Polícia Militar confirmou, em nota, que uma operação foi deflagrada hoje em Campos dos Goytacazes, mais especificamente na região do Morro do Coco. Segundo a secretaria, o objetivo foi garantir a segurança e a ordem na região diante da possibilidade de invasões ilegais a propriedades locais.

“Participam equipes do 8º Batalhão de Polícia Militar e da 146ª Delegacia da Polícia Civil, munidas de dados estratégicos compartilhados que norteiam a estratégia de atuação”, diz o texto. Até o momento, a PM não informou se houve  alguma detenção. Também não foram divulgados resultados da operação, que ocorre no dia em que o MST anunciou o início da Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária.

A jornada, realizada anualmente em  abril, lembra o Massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido em 1996. Na ocasião, 21 trabalhadores rurais foram mortos pela Polícia Militar do Pará. Conforme postagem feita pelo MST em suas redes, a jornada engloba diversas ações em todo o país para enfatizar a necessidade da reforma agrária como forma de garantir segurança alimentar, proteção ambiental e a democratização da terra.

Uma dessas ações foi em Campos dos Goytacazes e teve início hoje de manhã. Cerca de 300 famílias fizeram uma ocupação às margens da BR-101, pedindo a conclusão do processo de regularização do assentamento Cícero Guedes, que beneficiará trabalhadores rurais que vivem no local há mais de 20 anos. Além disso, os manifestantes criticaram a atuação dos agentes de segurança pública na região, acusando-os de agir em aliança com proprietários rurais. Segundo nota divulgada pelo MST, os agentes tentavam impedir o direito de reunião, a liberdade de associação e o cooperativismo.

“Ignoram que a reforma agrária é uma política pública constitucional’, diz o grupo. De acordo com o Ministério da Cidadania, dados do Cadastro Único mostram que, no ano passado, havia 236.525 pessoas em estado de vulnerabilidade social em Campos dos Goytacazes. “[No município] há dezenas de processos de desapropriação paralisados no Poder Judiciário, que poderiam se tornar novas áreas de assentamento e de produção de vida e comida de verdade.”

Ofícios

Na última sexta-feira (12), o MPF informou que estava apurando denúncias sobre ações policiais desproporcionais em assentamentos de reforma agrária localizados naquele município. Ofícios solicitando esclarecimentos e providências foram enviados às secretarias de Estado de Segurança Pública e de Polícia Militar.

Foram citadas denúncias de intimidação policial contra os assentados rurais. As duas pastas devem responder em um prazo de dez dias. De acordo com o MPF, será investigado se existem milícias rurais atuando para coibir o direito de reunião no campo.

Um dos casos teria ocorrido no último dia 6, durante evento de um projeto da Defensoria Pública do Rio de Janeiro no Assentamento Dandara dos Palmares, também regularizado pelo Incra. Os episódios foram relatados em representação do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Luiza Mahin, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O documento cita abordagens policiais agressivas e tentativas de intimidação contra membros de movimentos sociais que estavam conduzindo atividades de conscientização sobre a reforma agrária.

Também foram mencionadas queixas de famílias do Assentamento Josué de Castro, que expressaram preocupação com a “presença ostensiva da PM na região nos últimos dez dias, incluindo o sobrevoo de helicópteros durante o evento da Defensoria Pública, supostamente como um sinal de intimidação”, diz nota divulgada pelo Ministério Público Federal.

Ailton Krenak toma posse na ABL e diz representar pluralidade indígena

O ambientalista, filósofo e poeta Ailton Krenak tomou posse nesta sexta-feira (5) na Academia Brasileira de Letras, em cerimônia realizada na sede da organização no Rio de Janeiro. Ele herdou a Cadeira 5, que pertencia antes ao historiador José Murilo de Carvalho, morto em agosto de 2023.

Participaram do evento os ministros dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, e da Cultura, Margareth Menezes. E tiveram destaque nos ritos de posse, os membros da ABL Heloísa Teixeira, Arnaldo Niskier, Fernanda Montenegro e Antonio Carlos Secchin. A comissão de entrada foi formada por Edmar Lisboa Bacha, Joaquim Falcão e Ruy Castro. A comissão de saída por Ana Maria Machado, Geraldo Carneiro e Antônio Torres.

Krenak falou da pluralidade indígena que ele representa ao tomar posse na instituição.

“Desde que me convidaram ou me animaram para ocupar essa cadeira número cinco, eu me perguntava: ‘Será que nessa cadeira cabem 300?’. Como dizia Mario de Andrade, eu sou 300. Olha que pretensão. Eu não sou mais do que um, mas eu posso invocar mais do que 300. Nesse caso, 305 povos, que nos últimos 30 anos do nosso país, passaram a ter a disposição de dizer: ‘Estou aqui’. Sou guarani, sou xavante, sou caiapó, sou yanomami, sou terena”, disse Krenak.

Ailton Alves Lacerda Krenak nasceu em Itabirinha, Minas Gerais, em 1953, na região do vale do Rio Doce. Aos 17 anos, mudou-se com a família para o Paraná, onde trabalhou como produtor gráfico e jornalista.

É ambientalista, filósofo, poeta, escritor e doutor honoris causa pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Tem trajetória marcada pelo ativismo socioambiental e de defesa dos direitos dos povos indígenas. Participou da fundação da Aliança dos Povos da Floresta e da União das Nações Indígenas (UNI).

Entre 2003 e 2010, Ailton Krenak foi assessor especial do governo de Minas Gerais para assuntos indígenas, nas gestões de Aécio Neves e António Anastasia. Em 2014, foi palestrante do seminário internacional Os Mil Nomes de Gaia, realizado no Rio de Janeiro.

Tem mais de 15 livros publicados, dentre os quais: A vida não é útil (2020), Futuro ancestral (2022) e Ideias para adiar o fim do mundo (2019). Alguns deles foram traduzidos para mais de 13 países. Conquistou o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano, da União Brasileira dos Escritores (UBE), em 2020. Atualmente, vive na Reserva Indígena Krenak, no município de Resplendor, em Minas Gerais.

Exames revelam presença de mercúrio em amostras de cabelo de yanomamis

Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que a contaminação por mercúrio afeta quase toda a população de nove aldeias yanomamis situadas em Roraima. Os resultados, divulgados nesta quinta-feira (4), foram obtidos a partir da análise de amostras de cabelos colhidas em outubro de 2022. De acordo com os pesquisadores, o estudo mostra uma situação preocupante e contribui para aprofundar o conhecimento sobre os impactos do garimpo ilegal de ouro na região.

“Existem metais, como o zinco, o ferro e o selênio, que tem uma importância para o organismo. Eles estão envolvidos no metabolismo do ser humano. O ferro, por exemplo, faz parte da formação da hemoglobina. Mas o mercúrio não desempenha nenhum papel no metabolismo humano. Por isso, ele é considerado um contaminante químico. E a ciência vem desde os anos 1950 acumulando de evidências sobre seus efeitos deletérios para a saúde”, explica Paulo Basta, pesquisador da Fiocruz.

O estudo, intitulado Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente, teve o apoio da organização não governamental Instituto Socioambiental (ISA) e mobilizou duas instâncias da Fiocruz: a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. As aldeias envolvidas no estudo situam-se na região do Alto Rio Mucajaí e reúnem yanomamis do subgrupo ninam.

 

PF e ICMBio desativam garimpos ilegais  – Polícia Federal/divulgação

Ao todo, foram examinadas 287 amostras de cabelo de indivíduos de variadas faixas etárias, incluindo crianças e idosos. Em 84% delas, foram encontrados níveis de mercúrio acima de 2,0 microgramas de mercúrio por grama de cabelo (µg/g). Nessa faixa já é obrigatória a notificação dos casos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), através do qual são produzidas estatísticas oficiais que balizam as medidas a serem adotadas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Além disso, chama atenção que, em 10,8% das análises, os níveis ficaram acima de 6,0 µg/g. A pesquisa indica a necessidade de atenção especial com essa parcela da população. Os pesquisadores apontam que os maiores níveis de exposição foram detectados em indígenas que vivem nas aldeias localizadas mais próximas aos garimpos ilegais.

A Terra Yanomami ocupa mais de 9 milhões de hectares e se estende pelos estados de Roraima e do Amazonas. É a maior reserva indígena do país. Os resultados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que mais de 27 mil indígenas vivem nessa área.

A presença do garimpo ilegal nesse território é um problema de décadas. O mercúrio é usado no processo de separação do ouro dos demais sedimentos. Sendo uma atividade clandestina, que busca driblar a fiscalização, geralmente não são adotados cuidados ambientais. O mercúrio acaba sendo despejado nos rios e entra na cadeia alimentar dos peixes e de outros animais. Além da contaminação, o avanço do garimpo ilegal tem sido relacionado com outros problemas de saúde enfrentados pelas populações yanomamis, tais como a desnutrição e o aumento de diferentes doenças, sobretudo a malária.

Em janeiro do ano passado, a repercussão da crise humanitária vivenciada nessas aldeias gerou uma comoção nacional. Segundo dados do Ministério dos Povos Indígenas, apenas em 2022, morreram 99 crianças yanomamis com menos de cinco anos, na maioria dos casos por desnutrição, pneumonia e diarreia. Então recém-empossado, o governo liderado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva anunciou uma série de ações governamentais, incluindo o combate às atividades clandestinas. No entanto, passados mais de um ano, o garimpo ilegal continua ocorrendo no território.

De acordo com Paula Basta, a presença de mercúrio no organismo pode afetar qualquer local do corpo humano e qualquer órgão. Há relatos de danos, por exemplo, aos rins, ao fígado e ao sistema cardiovascular, gerando aumento da pressão arterial e risco de infarto. Mas o maior afetado geralmente é o sistema nervoso central. Paulo Basta observa que os sintomas geralmente começam brandos e evoluem e que, muitas vezes, há dificuldade para reconhecer que eles estão associados à exposição ao mercúrio.

“No cérebro, ele provoca lesões definitivas, irreversíveis. Adultos submetidos à exposição crônica podem ter alterações sensitivas que envolvem alterações na sensibilidade das mãos e dos pés, na audição, no paladar. Pode envolver também insônia e ansiedade. Também pode haver alterações motoras, que incluem problemas de tontura, de equilíbrio, de marcha. Pode ter sintomas semelhantes à Síndrome de Parkinson. E há também alterações cognitivas, incluindo perda de memória, dificuldade de articulação de raciocínio. Pode chegar a um quadro similar ao da doença de Alzheimer”, diz o pesquisador.

Ele observa, porém, que os mais vulneráveis são crianças e mulheres idade fértil, sobretudo gestantes. O mercúrio pode gerar má formação do feto e até levar ao aborto. Já as crianças podem apresentar problemas no desenvolvimento motor e no aprendizado. Os pesquisadores chegaram a realizar um teste de coeficiente de inteligência envolvendo 58 crianças.

“O que se espera de uma população normal é que o coeficiente de inteligência médio seja em torno de 100 pontos. E o que verificamos com as crianças yanomamis foi um coeficiente de inteligência médio de 68. Mais de 30 pontos abaixo da média que era esperada. Isso denota um déficit cognitivo. E os indícios nos sugerem que esse déficit tem relação com a exposição ao mercúrio, sobretudo no período pré-natal”, afirma Paulo Basta.

Recomendações

Os pesquisadores fazem uma série de recomendações com base no cenário encontrado durante os estudos. Como ações emergenciais, mencionam interrupção imediata do garimpo e do uso do mercúrio, desintrusão de invasores e a construção de unidades de saúde em pontos estratégicos da Terra Yanomami. Além disso, o estudo também indica como necessárias ações específicas para as populações expostas: rastreamento de comunidades afetadas, realização de diagnósticos laboratoriais, elaboração de protocolos de tratamento de quadros de intoxicação e criação de um centro de referência para acompanhamento de casos crônicos ou com sequelas reconhecidas.

Agentes do SUS prestam socorro aos Yanomamis. – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

“Não adianta apenas interromper o garimpo. É a primeira coisa a ser feita. Mas não é suficiente, porque o mercúrio já está presente no ambiente. Mesmo que nunca mais seja despejado mercúrio no território, o que já está lá vai permanecer por 120 anos”, destaca Paulo Basta.

A Convenção de Minamata, aprovada em 2013 pela Organização das Nações Unidas (ONU), reconheceu os riscos associados à exposição ao mercúrio e fixou medidas para controlar sua disposição. Foram estabelecidas diversas restrições de uso que forçaram mudanças, por exemplo, na indústria de lâmpadas, de carvão mineral, de equipamentos de saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que níveis acima de 6 µg/g podem trazer sérias consequências à saúde, principalmente a grupos vulneráveis.

Paula Basta observa que, no caso da Terra Yanomami, a ausência de indústrias nos permite afirmar que o responsável pela presença do mercúrio é o garimpo ilegal. Chama atenção que o estudo não detectou contaminação nas 14 amostras de água analisadas. Por outro lado, as 47 amostras de peixe registraram alta concentração de mercúrio, sobretudo em espécies carnívoras apreciadas na Amazônia como mandupé e piranha.

“O mercúrio tem uma densidade muito mais elevada com a água. Então ele não se mistura com a água com facilidade. Ele vai se depositar no fundo, se misturar com a lama. E lá ele vai sofrer um processo que envolve bactérias e vai se transformar no metilmercúrio. Esse metilmercúrio é o que vai ingressar na cadeia alimentar. Ele vai ser absorvido pelas algas, por pequenos crustáceos, por peixes, por jacarés. E o ser humano se alimentando principalmente do pescado acaba se contaminando também”, explica o pesquisador.

Outros problemas

Também foram realizados testes para estimar a prevalência de doenças infecciosas e parasitárias. Mais de 80% dos participantes relataram ter tido malária ao menos uma vez na vida, com uma média de três episódios da doença por indivíduo. Em 11,7% dos indivíduos testados, foi possível identificar casos sem manifestações clínicas evidentes, características comuns em áreas de alta transmissão da doença. De acordo com os pesquisadores, a abertura de cavas pelos garimpeiros favorece o surgimento de reservatórios para larvas de mosquitos. Dessa forma, nota-se um crescimento de casos não apenas de malária, mas também de leishmaniose e de outras arboviroses.

Operação Ágata prende 18 garimpeiros ilegais em território Yanomami. Foto: Ministério da Defesa/Divulgação

Outro dado alarmante é referente à cobertura vacinal. Apenas 15,5% das crianças estavam com a caderneta de imunização em dia. Além disso, mais de 25% das crianças menores de 11 anos tinham anemia e quase metade apresentaram desnutrição aguda. Em 80%, foram constatados déficits de estatura para idade, o que sugere, de acordo com os parâmetros da OMS, um estado de desnutrição crônica.

Paulo Basta destaca que o garimpo ilegal opera com máquinas pesadas. Usam retroescavadeira, balsas, helicópteros e outros equipamentos. “A primeira providência do garimpo é a devastação da floresta, a mudança do curso dos rios, a escavação da terra. Isso provoca alterações no sistema local. Animais de grande porte considerados alimentos para os povos indígenas, como a anta e a paca, fogem dessas regiões. As áreas destinadas ao plantio, à coleta, ao extrativismo são afetadas. Esse processo traz escassez de alimentos para as populações tradicionais”, diz Paula Basta. 

Falta de recursos e violência armada são desafios de ativistas no Rio

Dificuldade de acessar recursos e violência armada são os dois desafios centrais enfrentados pelas iniciativas de defesa de direitos lideradas por mulheres nas favelas e periferias da região metropolitana do Rio de Janeiro. Esse é um dos resultados da pesquisa “Mulheres, Ativismo e Violência: a luta por direitos nas favelas e periferias do Rio de Janeiro”, divulgada nesta quarta-feira (3) pelo Observatório de Favelas.

Realizada através do Programa de Direito à Vida e Segurança Pública do Observatório de Favelas, a sondagem foi desenvolvida em duas etapas. Na primeira, foram mapeadas 115 iniciativas existentes de defesa de direitos lideradas por mulheres em periferias da região metropolitana, mas somente 23,5% delas tinham algum tipo de apoio para realização de suas atividades, apesar de o trabalho desenvolvido ser essencial para a garantia de direitos no território.

Do total de iniciativas, 70% estão situadas na capital, em especial na zona norte da cidade; 19% na Baixada Fluminense; 10% na região da Grande Niterói (Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá); e 1% tem abrangência metropolitana.

“O que a gente vê é que, entre as (iniciativas) que têm apoio, predominava o financiamento privado ou coletivo. Nesse sentido, é fundamental que a gente possa avançar em uma estratégia que potencialize a democratização do financiamento público que garanta a continuidade e o fortalecimento dessas ações territoriais de defesa de direitos”, disse à Agência Brasil a diretora do Observatório de Favelas, Raquel Willadino, coordenadora da pesquisa.

Desafio contundente

Por outro lado, confirmou que a violência armada aparece como um dos desafios mais contundentes na atuação dessas organizações. Do grupo de 115 experiências envolvidas na primeira etapa do levantamento, 60% relataram que tinham suas atividades impactadas por confrontos armados. As operações policiais foram responsáveis por 50,8% dos confrontos armados que causaram a interrupção dos trabalhos das organizações, sendo a razão mais frequente para esse tipo de situação.

Essas informações foram aprofundadas depois com a realização de entrevistas com mulheres ativistas que desenvolvem ações territoriais e com representantes de instituições públicas e organizações da sociedade civil que atuam na proteção de defensoras e defensores de direitos humanos.

As organizações e coletivos mapeados atuam em temas como educação, cultura, igualdade étnico-racial, segurança alimentar, gênero e sexualidade, saúde, geração de trabalho e renda, segurança pública e acesso à justiça. Eles são voltados de forma prioritária para defesa de direitos de mulheres, pessoas negras, crianças, adolescentes, jovens, pessoas LGBTQIA+, idosos e familiares de vítimas de violência.

Na segunda etapa da pesquisa, foi feito mapeamento de diferentes dinâmicas relacionadas à violência armada que impacta o cotidiano dessas organizações. Nesse sentido, Raquel destacou a violência policial como uma das questões centrais, além de confrontos relacionados à disputa entre grupos armados e práticas que articulam de alguma forma a violência armada com grupos políticos, muito especialmente a partir da atuação de milícias em territórios da periferia da região metropolitana.

Mecanismos

Outro ponto de destaque no estudo é a questão dos mecanismos de proteção para essas mulheres ativistas de direitos. Aí, as violências que aparecem como mais recorrentes no contexto urbano da região metropolitana e que fazem com que as atividades de periferias precisem acionar mecanismos de proteção são a violência policial, a violência relacionada a grupos armados, a violência política de disputas relacionadas à luta por terra e território.

“Esses são os temas que aparecem com mais ênfase como violências que, em algum momento, geram a necessidade de acionamento de mecanismos de proteção”, apontou a diretora do Observatório de Favelas. Do total de iniciativas que participaram do mapeamento, 37,4% afirmaram ter sido vítimas de algum tipo de violência praticada em função de sua atuação no território. Dentre as violências apontadas pelas organizações por conta de sua atuação, a violência policial foi a mais recorrente. Há relatos de ameaças, intimidações, agressões físicas, casas invadidas, sedes alvejadas por tiros durante operações, equipamentos apreendidos ou quebrados em retaliação a denúncias, entre outros.

Raquel Willadino destacou que quando se olha os caminhos para o fortalecimento dessas organizações, dentro das estratégias de defesa de direitos que elas desenvolvem no seu território, é muito importante não só a ampliação das fontes, mas estratégias que democratizem o acesso às possibilidades de financiamento público e privado, de modo a garantir não só a criação, mas a continuidade e o fortalecimento dessas iniciativas.

“A gente fez a escuta de ativistas que atuam em favelas e periferias da região metropolitana, mas também ouviu instituições estatais e da organização da sociedade civil que atuam no campo de proteção a defensores. Foram identificadas algumas fragilidades ainda dentro dessa política”. Para enfrentar os impactos da violência armada na atuação do trabalho dessas ativistas, Raquel afirmou que é fundamental que se criem estratégias que possam superar os desafios que foram mapeados relacionados a especificidades territoriais de gênero, sexualidade e raça, vendo como é possível avançar em estratégias que levem em conta especificidades dessas ativistas que estão lutando por direitos em favelas e periferias.

Fragilidade

“A primeira coisa que a gente constata é que ainda são muito frágeis as medidas que levem em conta essas especificidades relacionadas a gênero, sexualidade e raça”, disse Raquel. Entre os desafios apontados destaque para a falta de reconhecimento dessas ativistas como defensoras de direitos humanos, o que dificulta que acessem mecanismos de proteção. Outro ponto relevante é a forte presença de agentes do estado em casos de violência contra essas defensoras; o controle territorial exercido por grupos armados e os vínculos púbico-políticos, caso das milícias. Esses elementos fazem com que as análises de risco e a construção de medidas protetivas sejam mais delicadas.

A pesquisa identifica que é muito importante avançar no aperfeiçoamento de medidas de proteção que possam produzir respostas à proteção dessas defensoras para além da retirada do território. “Porque um dos princípios fundamentais da política de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos é que as pessoas possam seguir com suas lutas no território de origem e, muitas vezes, a única resposta possível tem sido o deslocamento dessas pessoas para fora do seu território de atuação, para garantia do seu direito à vida”.

Raquel comentou ainda que mulheres negras e mulheres LGBTQIA+, que atuam tanto como ativistas territoriais, como na política institucional, têm sido principais vítimas dos processos de violência contra defensores de direitos humanos no contexto que foi pesquisado.

A pesquisa será lançada nesta quarta-feira (3), às 14h, no Observatório de Favelas, durante ato do qual participarão organizações parceiras que atuam nesse campo, como Justiça Global e Instituto Marielle Franco. O objetivo é que os resultados do estudo possam contribuir para fortalecimento de políticas de proteção a defensores de direitos humanos, em especial mulheres negras e LGBTQIA+ “que estão colocando seus corpos à disposição da luta por direitos nos seus territórios e na política institucional”, explicou Raquel Willadino.

Corregedoria diz não haver indícios de corrupção na fuga em Mossoró

Após um mês e meio apurando as circunstâncias da fuga de dois detentos da Penitenciária Federal em Mossoró (RN), a corregedoria-geral da Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, informou não ter encontrado qualquer indício de corrupção.

Segundo o ministério, em seu relatório sobre a responsabilidade de servidores da penitenciária, a corregedora-geral, Marlene Rosa, aponta indícios de “falhas” nos procedimentos carcerários de segurança, mas nenhuma evidência de que servidores tenham, intencionalmente, facilitado a fuga.

Ainda de acordo com o ministério, três Processos Administrativos Disciplinares (PADs) já foram instaurados para aprofundar as investigações sobre as falhas identificadas. Dez servidores são alvos desses procedimentos. Outros 17 servidores assinarão Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), se comprometendo com uma série de medidas, como, por exemplo, passar por cursos de reciclagem e não voltarem a cometer as mesmas infrações.

“A corregedora ainda determinou a abertura de uma nova investigação preliminar sumária para continuar as apurações referentes às causas da fuga, com foco nos problemas estruturais da unidade federal”, informou a pasta, em nota em que explica que a íntegra do relatório não será divulgada a fim de não prejudicar a nova investigação e os procedimentos correcionais que estão sendo instaurados.

Fuga

Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento escaparam da penitenciária em 14 de fevereiro deste ano, Quarta-Feira de Cinzas. A fuga foi a primeira registrada no sistema penitenciário federal desde que este foi criado, em 2006, com o objetivo de isolar lideranças de organizações criminosas e presos de alta periculosidade.

A unidade potiguar estava passando por uma reforma interna. Investigações preliminares indicam que Mendonça e Nascimento usaram ferramentas que encontraram largadas dentro do presídio para abrir o buraco por onde fugiram de suas celas individuais. Quatro dias após a fuga inédita, o próprio presidente Luís Inácio Lula da Silva cogitou que os dois detentos tenham recebido algum tipo de ajuda para deixar a unidade, considerada de segurança máxima. 

“Queremos saber como esses cidadãos cavaram um buraco e ninguém viu. Não quero acusar, mas teoricamente parece que houve a conivência de alguém do sistema lá dentro. Como não posso acusar ninguém, sou obrigado a acreditar que a investigação que está sendo realizada pela polícia local e pela Polícia Federal nos indique o que aconteceu”, disse Lula, durante coletiva de imprensa. No mesmo dia, policiais penais rechaçaram a hipótese de corrupção. 

“Findadas as apurações, se tiver algum policial penal federal envolvido, cortaremos a própria carne sem qualquer corporativismo, pois o nosso maior orgulho sempre foram os números estatísticos de zero fuga, zero rebelião, zero celular”, assegurou, na ocasião, a Federação Nacional dos Policiais Penais Federais (Fenappf), em um comunicado à imprensa. “Os foragidos não tiveram apoio externo, ou seja, não havia logística externa, eles não possuíam veículo para fuga, celulares, casa de apoio e nem rota de fuga, o que nos leva a acreditar que não houve planejamento prévio e sim uma oportunidade que foi aproveitada e obtiveram êxito”, acrescentou a entidade.