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Transferir a estados legislação sobre armas pode favorecer criminosos

O projeto de lei (PL) aprovado nessa quarta-feira (23) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que transfere para os estados e o Distrito Federal a possibilidade de legislar sobre posse e porte de armas de fogo, deve fragilizar o controle de armas no Brasil, além de facilitar o acesso de armamentos por organizações criminosas, avaliaram três especialistas no tema ouvidos pela Agência Brasil.

O policial federal e Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Roberto Uchôa, diz que a medida copia o exemplo dos Estados Unidos, onde cada estado legisla sobre o tema.

“Em Nova York, que tem legislação mais restritiva de acesso a arma de fogo, armas são adquiridas, por exemplo, na Flórida, onde é muito mais permissivo e são levadas para serem usadas em crimes em Nova York. Quer dizer, você cria dentro do país uma conexão entre esses mercados legal e ilegal muito forte”, destacou.

A CCJ aprovou a medida por 34 votos contra 30. Ela permite que as unidades da federação legislem sobre armas para defesa pessoal, práticas desportivas e controle de espécies exóticas invasoras. A proposta ainda precisa ser analisada no plenário da Câmara.

A gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Natália Pollachi, alertou que, se os estados facilitarem o acesso às armas, o crime organizado se aproveita.

Natalia Pollachi/Arquivo Pessoal

 “O crime organizado compra pessoas pra serem fontes de armas legais. A gente viu dezenas de casos nos últimos anos de pessoas laranjas. A pessoa compra já com a intenção de fazer esse desvio para receber um pagamento para emprestar seu CPF”, comentou.

Avaliação semelhante fez a professora da Fundação Getúlio Vargas do Rio (FGV-Rio), a advogada criminalista Maíra Fernandes, que alertou que o projeto é perigoso por permitir ampliar o número de armas em circulação, facilitando o trabalho das organizações criminosas.

“Facilitaria [o acesso às armas por facções criminosas]. Vão ter legislações que vão autorizar com mais facilidades esse acesso a armas. Então, basta o sujeito comprar a arma num estado que facilite”, disse Maíra, lembrando que dois em cada três assassinatos no Brasil são via armas de fogo.

Além disso, os especialistas alertaram que a medida fragiliza o controle de armas de fogo no Brasil. “A gente sabe que a fiscalização dessas armas já é difícil no Brasil. Ela já sofre com uma série de precariedades. Se a gente tiver essa heterogeneidade de normativas, isso vai ser ainda mais difícil e ainda mais precário de fiscalizar”, explicou Natália, do Sou da Paz.

Já Uchôa destacou que o fluxo para o mercado ilegal vai crescer. “O efeito é muito ruim porque você não consegue mais ter um controle sobre a circulação de armas de fogo no país. Você não consegue evitar o fluxo dessas armas do mercado legal para o ilegal”, comentou.

Apoiadores

O projeto de lei complementar em tramitação na Câmara é de autoria da presidente da CCJ, a deputada federal Caroline de Toni (PL-SC). A parlamentar diz que a medida é necessária porque o atual governo federal vem restringindo a acesso as armas de fogo se comparado com o governo anterior. 

“O novo Governo Federal vem impondo fortes limitações a este segmento de armas de fogo, sinalizando com outras séries de restrições a serem implementadas, todas as iniciativas para evitar este retrocesso normativo são bem-vindas”, destacou.

De acordo com o relator, deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), cada estado deve legislar de acordo com sua própria realidade. “Um país de dimensões continentais e grandes peculiaridades regionais, dadas pela própria natureza, deve ser tratada de maneira diferenciada a legislação que versa sobre o acesso às armas de fogo”, disse.

A medida tem apoio da chamada bancada da bala, que tem defendido no Brasil a redução das restrições para o acesso à armas de fogo. Para esses parlamentares, mais armas nas mãos da sociedade traz mais segurança.

“O projeto simplesmente dá o direito a cada cidadão responsável, de bem, a estar, sim, armado para defender não só a sua vida, a da sua família, o seu patrimônio, inclusive contra as ditaduras que estão implantando neste país”, disse o deputado Éder Mauro (PL-PA).

O projeto enfrenta questionamentos quanto a sua constitucionalidade já que o artigo 22 da Constituição diz que compete privativamente à União legislar sobre “material bélico”. Os deputados contrários prometem recorrer ao Supremo se a medida for aprovada.

O relator Bilynskyj sustenta que o parágrafo único do mesmo artigo permite que lei complementar autorize os estados a legislar “sobre questões específicas das matérias relacionadas nesse artigo [Art. 22]”.

Bilynskyj diz ainda os estados devem legislar apenas “residualmente” sobre o tema, acrescentando que as autorizações concedidas só valerão no próprio território de cada estado.

Armas e Segurança

Os três especialistas ouvidos pela reportagem questionam a tese de que mais armas trazem mais segurança. Para criminalista Maíra Fernandes, da FGV Rio, essa é uma falsa sensação de segurança.

Ter arma é falsa sensação de segurança, diz Maíra Fernades/Arquivo Pessoal

“Não faltam pesquisas para mostrar essa falsa relação entre ter arma e ter mais segurança. Na verdade, a probabilidade de uma pessoa morrer até por estar armada é muito maior. Tem pesquisas nesse sentido. Então, de modo geral, repito, quanto mais acesso a armas por parte da população, maiores serão os índices de mortes violentas, inclusive mortes acidentais”, destacou.

O policial federal e doutorando na área de segurança Roberto Uchôa disse quase todas as pesquisas indicam uma relação direta entre aumento das armas e aumento da violência.  

“Nas pesquisas internacionais, a esmagadora maioria comprova que a maior circulação de armas de fogo aumenta o número de mortes por armas de fogo e aumenta o número de crimes cometidos por armas de fogo, principalmente pela facilitação do acesso a esse instrumento”, disse.

Uchôa citou uma pesquisa feita pela Universidade de Stanford, dos Estados Unidos, que avaliou 17,6 milhões de pessoas da Califórnia por mais de 12 anos para comparar aqueles que vivem em residências com armas de fogo com aqueles que vivem em casas sem armas de fogo.

“Eles comprovaram que em lares onde existia armas de fogo, a pessoa tinha duas vezes mais chances de ser vítima de homicídio, três vezes mais chances de ser vítima por homicídio com a utilização da arma de fogo de casa, e sete vezes mais chances de ser vítima de violência doméstica com a utilização de arma de fogo”, destacou.

A representante do Instituto Sou da Paz Natália Pollachi diz que não é raro que pessoas com armas legais cometerem crime. Além disso, ressaltou que quem tem arma legal vira alvo dos criminosos.

“Essa arma pode ser roubada, furtada ou desviada para o mercado ilegal, para as organizações criminosas. A pessoa descobre quem está frequentando o clube de tiro e vai até essa casa. No governo federal anterior as pessoas podiam comprar até 60 armas de fogo. Então, a gente tem verdadeiros arsenais que o crime organizado pode ter como alvo para poder se abastecer”, ponderou.

Estados Unidos

Os Estados Unidos são o grande exemplo para os defensores do acesso mais amplo às armas de fogo uma vez que o país tem uma legislação que facilita o armamento da população, quando comparado com outras nações.

Uma pesquisa de 2015 publicada na revista científica The American Journal of Medicine comparou as taxas de homicídio por 100 mil habitantes dos Estados Unidos com outros 22 países de renda alta, como Austrália, Canadá, Alemanha, França, Itália, Espanha e Reino Unido.

“Os americanos tem dez vezes mais probabilidade de morrer como resultado de uma arma de fogo em comparação com residentes desses outros países de alta renda”, diz o estudo, acrescentando que “nos Estados Unidos, a taxa de homicídios por armas de fogo é 25 vezes maior, a taxa de suicídio por arma de fogo é 8 vezes maior e a taxa de morte involuntária por arma de fogo é mais de 6 vezes maior. De tudo mortes por armas de fogo em todos esses países, mais de 80% ocorrem em os Estados Unidos”.

Dados mais recentes indicam que a diferença continua. A reportagem comparou as taxas de mortes violentas, de mortes violentas por armas de foto e morte de mulheres por arma de fogo entre Estados Unidos e países de renda alta, incluindo o Brasil para comparação. Os dados da tabela abaixo são da Small Arms Survey, organização que sistematiza dados de violência de todo o mundo.

Equador: 329 detidos e cinco mortos após fuga e ataques criminosos

11 de janeiro de 2024

 

Na quarta-feira, as forças armadas do Equador divulgaram que 329 indivíduos foram presos e cinco mortos em respostas aos ataques criminosos no país.

O almirante Jaime Vela informou em uma coletiva de imprensa que durante operações 41 reféns foram libertados e 28 fugitivos foram recapturados. Os detidos são membros dos grupos Tiguerones, Lobos e Choneros.

Isso acontece enquanto o Equador tenta retomar a normalidade, um dia após o governo declarar “conflito armado interno” contra criminosos fugitivos.

Em uma entrevista à rádio privada Canela, o presidente Daniel Noboa afirmou que seu governo está comprometido em “lutar pela paz e contra os grupos terroristas”, que, segundo ele, têm mais de 20 mil membros.

Na quarta-feira, um juiz emitiu uma ordem de prisão preventiva para onze pessoas que invadiram o canal TC Televisión. Dois menores de 15 e 17 anos estavam entre os criminosos. Militares e policiais continuam vigiando a infraestrutura do governo e alguns meios de comunicação de Quito e Guayaquil.

 

Equador declara estado de emergência após fuga de criminosos

Noboa em novembro de 2023

9 de janeiro de 2024

 

Desde a manhã de segunda-feira, presos amotinados detiveram um número indeterminado de agentes penitenciários em pelo menos cinco prisões no Equador, além de atearem fogo em colchões de outra delas.

Os atos ocorreram em prisões de diversos pontos do país, como Machala, Loja, Cuenca, Riobamba e Latacunga.

Os acontecimentos ocorrem um dia após a fuga do famoso traficante de drogas Adolfo Macías, vulgo ‘Fito’, que estava detido numa prisão em Guayaquil, a segunda maior cidade do país.

As autoridades equatorianas afirmaram que os respectivos protocolos de segurança já foram ativados para restaurar a normalidade.

“Neste momento não foram registados feridos, nem quaisquer atos que violem a segurança entre reclusos ou funcionários penitenciários”, afirmou o SNAI.

O Equador vive uma espiral de violência levada a cabo pelos cartéis do narcotráfico e uma situação política que teve o seu pior momento quando o candidato presidencial Fernando Villavicencio foi assassinado em plena campanha, em agosto de 2023.

No ano passado, a polícia e o exército intervieram em operações para impedir o uso de armas, explosivos e munições em vários centros de detenção do país.

À tarde, o novo presidente do país, Daniel Noboa, declarou o estado de emergência no país através de um decreto presidencial. As Forças Armadas foram implantadas em todo o país.

“Não vamos negociar com terroristas, nem descansaremos até devolvermos a paz a todos os equatorianos”, afirmou Noboa num comunicado distribuído à imprensa.