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Só 6,9% das áreas urbanas do país são cobertas por vegetação

Apenas 6,9% das áreas urbanas das cidades brasileiras são cobertas por vegetação. Isso equivale a 283,7 mil hectares – metade da extensão territorial do Distrito Federal. Os dados fazem parte de um estudo divulgado pelo MapBiomas, rede ambiental que envolve universidades, organizações não governamentais (ONGs) e empresas de tecnologia.

De acordo com o coordenador da Equipe Urbano do MapBiomas, Julio Pedrassoli, essa proporção de verde nas áreas urbanas do país é insuficiente. Ele cita a recomendação da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana de 15 metros quadrados (m²) por habitante como proporção ideal. No cálculo do pesquisador da Universidade Federal da Bahia, os dados apurados pelo MapBiomas apontam média de 13m² por habitante.

“Se lembrarmos que a distribuição dessa vegetação é desigual, o cenário pode ser ainda pior”, diz Pedrassoli, o que indica uma consequência direta da baixa cobertura de vegetação.

São Paulo. Parque Ibirapuera – Rovena Rosa/Agência Brasil

“Estudos mostram que áreas urbanas com menos de 30% de vegetação com cobertura do solo experimentam um aumento crescente de temperaturas locais”, acrescenta.

Para o coordenador do MapBiomas, a vegetação urbana “regula o microclima, contribui para os sistemas de drenagem e fornece habitat para a fauna urbana”. Além disso, “é um importante fator no bem-estar humano, proporcionando espaços verdes para lazer e prática de atividades físicas”, ressaltou.

Imagens de satélites

Os pesquisadores chegaram aos dados por meio da análise de imagens de satélites. Eles identificaram dentro de áreas urbanas manchas de ao menos 1 mil m² de vegetação rasteira, trepadeiras e árvores de pequeno, médio e grande porte. Os dados são referentes a 2022.

Essas vegetações foram localizadas em parques e praças, unidades de conservação, Áreas de Preservação Permanente (APP), jardins, cemitérios, campos esportivos, hortas, calçadas e canteiros, telhados e paredes verdes, além de áreas abandonadas.

A delimitação de áreas urbanas foi feita a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Biomas

O levantamento do MapBiomas revela que o bioma Mata Atlântica, presente na costa brasileira, abriga 61,5% da vegetação em áreas urbanas do país. Em seguida figuram o Cerrado (22%), Amazônia (6,6%), Caatinga (5,7%), Pampa (4%) e Pantanal (0,2%).

Os dados também mostram que as praças e parques estão presentes em 88% dos municípios brasileiros, sendo 55% em área de Mata Atlântica.

Estados

O Rio de Janeiro é o estado com maior proporção de área urbana coberta por vegetação. São 39,7 mil hectares, o que equivale a 13,1% da área urbana fluminense. O Distrito Federal tem cobertura de 10,1% e São Paulo, 7,8%.

Os piores índices ficam no Norte, com Amapá (2,6%), Roraima (3%) e Rondônia (3,1%).

Eixo Rodoviário de Brasília,  mais conhecido Eixão – Agência Brasil

Três cidades brasileiras com maior parcela de vegetação em área urbana estão no Rio de Janeiro: Mesquita (65,99% da extensão), Nilópolis (48,38%) e Nova Iguaçu (35,68%). São municípios abrangidos pelo Parque do Mendanha, um maciço coberto por Mata Atlântica.

Em termos absolutos, a cidade do Rio, que tem parques naturais como o da Pedra Branca e o Parque Nacional da Tijuca, é a cidade com mais área de Mata Atlântica, 12,3 mil hectares.

Dos dez municípios com maior parcela de cobertura verde em área urbana, sete estão no Sudeste. As menores são em Lizarda, no Tocantins, e Jerônimo Monteiro, no Espírito Santo, com apenas 1,002%.

Só nove municípios têm mais de 1 mil hectares (equivalente à área de 1,4 mil campos de futebol) de praças e parques no país. Brasília encabeça o ranking, seguida por São Paulo. Sorocaba, na 3ª posição, é a única cidade desse grupo que não é capital.

Mudanças climáticas

O pesquisador Julio Pedrassoli considera que a baixa cobertura de vegetação nas cidades brasileiras dificulta a adaptação exigida pelas mudanças climáticas. Ele defende o esforço para, além de preservar as áreas verdes existentes, promover a distribuição de forma equânime.

“Não basta apenas ter uma grande área verde em um ponto e imaginar que aquilo vai ter o mesmo efeito na cidade toda. É preciso também pensar na distribuição espacial e aumentar a quantidade de vegetação por habitante para parâmetros mínimos”, disse à Agência Brasil.

Ele adiantou que o MapBiomas trabalha na criação de uma série temporal para acompanhar o comportamento da cobertura por vegetação nos municípios. “Poderemos verificar não apenas a quantidade da área de vegetação que se perdeu ou ganhou, mas o ritmo desse processo e qual foi o uso [do solo] dado para uma área de vegetação urbana que sumiu”, disse.

“Associar essa mudança ao longo do tempo com áreas de risco, prejuízos causados por eventos extremos etc., vai dar um retrato do que as cidades estão perdendo por não tratarem as áreas verdes como infraestrutura essencial”, conclui.

Intervenções urbanas mostram Brasília além da oficial

“Vai se amar. Vai se amar. Vai se amar”. “Meu útero é sagrado. Mas é laico”. “A água toma a forma do corpo”. “Obedeça às paredes”. “Paulo, te amo”. “Rebeca, saudades”. “Lembra do meu beijo?”. “Democracia já”. “Não deixe o futuro repetir o passado”. Os passos apressados fazem os olhares misturarem as palavras, as formas e os pensamentos no andar de baixo do Eixo Rodoviário de Brasília, a principal avenida que interliga as asas do Plano Piloto. 

Além das histórias oficiais, que remetem a uma paisagem arquitetônica diferenciada, outro olhar pode ser explorado a partir de um cenário de intervenções urbanas. Brasília, a jovem que completa 64 anos neste domingo (21), também pode ser encontrada na multiplicidade de expressões que buscam definir belezas e desigualdades sob o mesmo céu.

O andar de baixo

Sob o mesmo céu, ou sob o mesmo teto. As passagens por baixo do Eixão são verdadeiras galerias artísticas de grafites, pichações e recados, de amor ou de dor. “Mas, moça, se dores fossem flores, quão florido seria teu coração?”, questiona um verso sem assinatura na passagem próxima à quadra 207, na Asa Norte. A babá Carolina Sales, de 33 anos, olhou para os versos e teve a certeza de que o coração estaria repleto de margaridas, rosas e azaleias. Ela é moradora da cidade de Santo Antônio do Descoberto (GO), no Entorno do Distrito Federal, a duas horas de ônibus de onde trabalha.

Na rotina dela, o caminhar apressado pelas passagens subterrâneas é apenas uma parte do percurso. Precisa correr para pegar o ônibus. No caminho, pensa nos quatro filhos que deixou em casa para poder trabalhar e cuidar de outras duas crianças na casa de uma família que não é a sua. “Fico com o coração apertado sim.  Faço esse mesmo caminho há cinco anos e sempre passo por aqui. Não consigo ler ou ver tudo. Mas acho bom. Além disso, não vou me arriscar a atravessar aqui por cima, pelo Eixão”

Ela tem razão de ter o receio. Segundo o Detran-DF, de 2020 a 2023, oito pedestres e um ciclista morreram ao tentar atravessar a avenida, que tem velocidade máxima de 80 quilômetros por hora. Porém, de acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal, mais de 45% dos entrevistados que moram nas redondezas da avenida, têm medo de insegurança. “Por isso que sempre ando rápido”, diz a babá, que sonha ter uma clínica de massagista. Ela acha triste, à noite, haver pessoas em situação de rua que escolhem as passagens como teto e dormitório. 

Na mesma caminhada por essa passarela de intervenções urbanas, a auxiliar de limpeza Jane Silva, de 54 anos, diz que faz o mesmo caminho desde 2019. Ficou pensativa diante do grafite de um animal do cerrado. “Eu já tentei decifrar. Ainda não consegui entender que bicho é esse. Mas, como é na ponta da escada, conforme vou chegando perto do desenho significa que estou perto do meu ponto de ônibus”. Ela mora na região administrativa de Samambaia, a uma hora do trabalho.

Olhares para cima

Sob a luz do céu de Brasília, parte do centro comercial pode ser admirado, como os dormentes do viaduto da Galeria dos Estados que são como molduras de telas. Grafites de diferentes autores e temáticas emolduram também o sonho da desempregada Cristina Carvalho, de 41 anos de idade. 

Com uma placa que ergue com uma das mãos, pede qualquer ajuda. Com a outra mão, segura a vasilha para que alguém compre um docinho. Ela deseja conseguir algum dia adquirir um carrinho para vender açaí. Atualmente, mora de favor com dois filhos na casa de um parente em uma quitinete na Asa Sul. O viaduto da Galeria dos Estados foi pintado por mais de 100 artistas em 2021, durante evento de grafite. As pinturas deslumbram quem passa pelo local. 

Cristina é mãe solo e pensa que precisa sozinha construir sua própria paisagem. “Fico aqui em pé por três horas. Essas obras me fazem companhia. Me fazem refletir sobre a minha vida”. Imagens de animais do cerrado, grafites, versos de amor… “Eu também queria escrever um livro. Já sonhei ser pedagoga. Hoje, queria ter um trabalho fixo como doméstica. Mesmo assim, eu amo Brasília. É a minha cidade. Mesmo quando estou com problemas, esses desenhos me fazem bem”. 

Envolvimento

Uma das artistas grafiteiras que trabalha com cenários de paisagem é Brixx Furtado. Ela começou a pintar com 13 anos de idade. “Eu sempre fui muito tímida. Eu vi no grafite uma possibilidade de poder me aproximar de outras pessoas”. Diz que, ao pintar na rua, se envolver com as pessoas é inevitável. Ela começou com a prática em 2010. “Passei a conhecer outros artistas. O grafite acabou abrindo portas para que eu pudesse estar em outros espaços. Fui convidada para participar de exposições e entrei no cenário da arte de outra forma”, afirma. 

Brixx entende que a cidade pode ser uma grande tela, já que as galerias de artes plásticas nem sempre são acessíveis. “A arte urbana é muito democrática. Como sempre fui uma mulher periférica, a rua é onde me reconheço”. Um dos lugares para reconhecer o trabalho da artista é a W3 Sul, uma avenida que, antes dos shopping centers da cidade,  funcionava como um dos mais importantes pontos comerciais da capital. “Era um lugar muito fácil para eu poder estar. E a W3 tem muita porta de comércio. Hoje, quase todas as portas são grafitadas. Mas era um espaço muito tranquilo para pintar”.

Ela recorda que a avenida era ponto onde muitos grafiteiros gostavam de ir pintar em dia de domingo de manhã. “Um lugar com baixo policiamento. Então, a W3 ficava bem deserta”. Mas aponta que, nos últimos anos, os grafiteiros passaram a ser mais hostilizados pela polícia. “Eu já tive situações onde chegaram apontando a arma. E fui levada no camburão. Apesar de o grafite ter se popularizado e passado a ser visto como menos marginal, apesar de ser completamente ilegal, existem muitas pessoas com o pensamento reacionário”.

Multiplicidade

Foi um pensamento da grafiteira que deu título à pesquisa de doutorado da professora, historiadora e museóloga Renata Almendra: “A cidade toda é minha”. “Eu chamo de grafite todo tipo de intervenção visual, escrita, desenhada, rabiscada, colada, na cidade. Então entra aí realmente essa arte urbana, mas também entra a pichação, os cartazes colados, nesse intuito artístico”, afirmou a professora. 

A pesquisadora entende que Brasília é uma cidade muito diferente das demais, que têm configuração urbana mais tradicional, como São Paulo e o Rio de Janeiro. “Essas cidades têm ruas, esquinas, praças, e, portanto, mais paredes e muros para grafitar”.

Renata entende que é impossível demarcar perfis específicos para as artes e os artistas. “São vários tipos e estilos convivendo ao mesmo tempo. É uma loucura, é um barato. A gente vê a W3 Sul, que é considerada a grande avenida de Brasília. A dinâmica da W3 em relação a essas intervenções urbanas é muito interessante”. Ela lembra que há proprietários de casas e de comércios que pedem a grafiteiros para pintar, a fim de coibir pichações.

A “galeria” W3

Viajar pela avenida W3 seria, então, uma experiência diferente, já que, em alguns trechos da via, tornou-se um corredor artístico nas paredes. “Há uma multiplicidade de estilos também, tanto do lado das casas quanto do lado das lojas”, disse a pesquisadora que, para o trabalho, entrevistou 23 grafiteiros. Ela conta que os artistas dizem que preferem ir para o Plano Piloto, a fim de apresentar seus trabalhos porque têm mais visibilidade, como ocorre na W3.

É na avenida que árvores são cobertas por crochês e, na altura da quadra 707, da Asa Sul, uma série de obras figurativas nos muros, de colorido que ajudam a iluminar a noite, deixa os moradores curiosos. 

No ponto de ônibus, a estudante Rilei Silva, de 18 anos, espera o transporte para Samambaia e admira as obras. Ela lamenta que está desempregada, mas queria arrumar logo uma chance para alcançar o desejo de cursar fisioterapia. “Às vezes, espero o ônibus por 50 minutos. Vejo esses desenhos de [Roberto] Burle Marx (1909 – 1954), ou o [Oscar] Niemeyer (1907 – 1912). Queria saber mais sobre eles”. 

Aula na rua

Entre os artistas mais conhecidos no grafite da capital, Daniel Moraes, o Daniel Toys, de 33 anos, expõe suas obras há mais de 20 anos. Graças ao seu trabalho, já foi convidado para estar em mais de 11 países. 

“A arte mudou a minha vida. Eu pintei nas ruas aos 13 anos de idade. Eu gosto de levar meu trabalho para lugares que sejam carentes de arte, particularmente nas periferias. Quero espelhar sonhos”. O artista gosta de ressignificar lugares e proporcionar motivações, até em espaços de lixo. “As ruas são minha principal escola”, diz o artista.

Ainda na W3, a desempregada Ana Marques, de 35 anos, concorda com o artista, e diz que a arte a estimula a continuar na luta por um emprego. Ela reclama que os grafites deveriam ter mais espaço e que poderia haver mais fiscalização para não haver pixação. “Agora de noite, poderia ter mais luz para a gente saber mais”, disse.

Tensões

Para a professora de arquitetura Maria Fernanda Derntl, da Universidade de Brasília (UnB), as intervenções urbanas expressam o modo como diversos grupos sociais expressam os fatos do Brasil. “Essa cidade preservada, tal como ela foi pensada, também tem problemas. As grandes distâncias entre o Plano Piloto e as outras regiões são parte deles”.

Ela considera que as manifestações do grafite e de outras artes são eloquentes ao traduzir tensões na cidade. “Uma das questões é a gente ver o quanto está disposto a entender que o espaço público é lugar problemático e de conflitos. E podem ser expressão da diversidade”, afirmou. 

Mãos dadas

Um desses conflitos ocorreu na Vila do IAPI, em 1971, onde residiam trabalhadores da construção civil da capital. Eles foram removidos para aquela área que se tornou a maior região do  Distrito Federal, a Ceilândia. Inspirado nessa história, um artista da região, Gustavo Santos, o Gu da Cei, de 27 anos, tem, entre suas obras, uma escultura no local intitulada “Sonho de Morar”, que está no meio do mato, já crescido. A forma é de uma mãe de mãos dadas com o filho. “A missão  da arte é incomodar e propor reflexões. As intervenções servem para isso mesmo”, afirma. 

Segundo a vendedora Geiciane dos Santos, de 29 anos, que é mãe solo de duas crianças e mora com familiares na região do IAPI, a escultura faz com que reflita sobre a própria vida. Ela recebe um salário mínimo e tem esperança de um dia ter a própria casa. Com um dos seus meninos no colo, olhou para a imagem e se reconheceu. “Essa sou eu, né?”.