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Uso de imóveis privados para tortura une civis e militares na ditadura

Uma casa discreta em um bairro residencial, um sítio usado para churrascos em fim de semana e até uma sala do complexo industrial de uma multinacional, lugares com pouco em comum, além de terem sido usados para tortura e execuções. Ao longo dos anos, pesquisadores e ativistas têm lembrado em diversos momentos que a ditadura que comandou o Brasil entre 1964 e 1985 não era apenas militar, mas foi conduzida também por tentáculos civis. Inclusive a violenta repressão contra os opositores teve participação de agentes sem vínculo direto com os quartéis.

Essas conexões ficam claras na existência de diversos pontos onde eram conduzidos interrogatórios e desaparecimentos forçados fora de qualquer estrutura militar ou governamental. Apesar de conhecidos, o caráter completamente não oficial desses imóveis em relação a estruturas públicas deixou poucas evidências para que seja possível saber exatamente quantos eram e o que se passou nesses locais.

“Esses espaços clandestinos possibilitaram uma articulação exatamente para fora das institucionalidades. E isso acho que dava mais margem para organizações paralelas atuarem nesses espaços. Ao mesmo tempo em que também criava laços de participação da sociedade civil nesses processos”, diz a historiadora e pesquisadora do Memorial da Resistência Julia Gumieri.

A existência desses locais surge em diversas investigações feitas sobre os crimes cometidos pela ditadura ao longo dos anos. A Comissão Nacional da Verdade mapeou a existência de centros de tortura em vários estados, como Rio de Janeiro, Pará e Minas Gerais.

Na comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de São Paulo em 1990, as investigações passaram por um sítio apontado como local de tortura e execuções em Parelheiros, extremo sul paulistano.

Ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo – Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência

O alvo inicial dos trabalhos da CPI era a vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte paulistana, onde foram ocultados os restos mortais de opositores assassinados pela repressão. Porém, os trabalhos também investigaram a existência da Fazenda 31 de Março, na região de Marsilac, no extremo sul da capital paulista, próximo à divisa com Itanhaém e Embu-Guaçu.

Difícil identificação

Havia a suspeita de que esse teria sido o lugar para onde o dramaturgo e militante Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, foi levado ao ser sequestrado pelo regime. Ao depor na Câmara Municipal, Segall não reconheceu o local pelas fotos apresentadas pelos vereadores.

“Estou olhando isto aqui e diria que não é a casa onde estive. Por duas razões: a primeira é que, mesmo vendado – isso me lembro perfeitamente – eu desci uma escadinha de onde o carro estava parado para chegar à entrada da casa. Isso me lembro na ida e na volta. Eu ia meio amparado, porque estava vendado. E aqui, me parece pelo menos, não há possibilidade de ter escada, não tem nada”, respondeu ao ver as fotos do local na investigação feita pelos vereadores em 1990, puxando da memória o que havia passado em 1970.

Escritor e ex-preso político Ivan Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo  – Arquivo Pessoal/Memorial da Resistência

A fazenda era de propriedade do empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, que morreu antes de ser ouvido pela CPI. O escritor e ex-preso político Ivan Seixas disse que o filho de um dos militares que frequentavam o sítio contou que o local também servia de ponto de confraternização para os agentes da repressão. “Tinha o filho de um milico, do capitão Enio Pimentel Silveira, que era funcionário da prefeitura. A gente pediu e ele concordou em ir [até a Fazenda 31 de Março], porque ele ia lá para churrascos. O pai dele e o [delegado Sérgio] Fleury faziam churrascos e levavam os filhos”, disse em entrevista à Agência Brasil. Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade.

É provável que Segall não tenha reconhecido o local porque a equipe do delegado Sérgio Fleury o levou para outro sítio, em Arujá, na Grande São Paulo, a norte da capital. Diversos depoimentos relatam que o delegado, um dos mais conhecidos torturadores da ditadura, tinha a sua disposição uma chácara, que nunca teve localização exata identificada.

Durante o tempo que esteve preso nesse sítio, Segall presenciou a morte de Joaquim Ferreira Câmara, conhecido pelo codinome de Toledo, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Segundo relato de outro conhecido agente da repressão, Carlos Alberto Augusto, chamado de Carlinhos Metralha, após ser capturado no Rio de Janeiro e ficar em cativeiro em diversos locais, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, também teria passado pelo sítio usado por Fleury em Arujá.

“O sítio aparentemente tinha dois quartos, uma sala/cozinha e um banheiro. Os choques elétricos aplicados no pau-de-arara eram gerados num aparelho, acionado por manivela manual”, contou Segall em depoimento à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Também estavam presos no local Viriato Xavier de Mello Filho e Maria de Lourdes Rego Melo.

Durante a tortura, o artista viu um homem, que depois identificou como sendo Joaquim Câmara, com sintomas de um ataque cardíaco. Apesar de ter recebido atendimento médico, o líder da ALN morreu no local, o que fez com que os demais presos fossem levados de volta para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro da capital paulista.

Também pertencente ao empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, dono da transportadora Rimet e da Fazenda 31 de Março, a chamada Casa da Mooca era utilizada para manter presos durante dias opositores da ditadura. O relatório final da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo denuncia que o imóvel localizado na Rua Fernando Falcão, no bairro da Mooca, zona leste paulistana, foi colocado a serviço da repressão na década de 1970. Segundo o documento, o local também pode ter sido usado como cativeiro para Bacuri.

Lugares ainda não revelados

Sair vivo de um lugar como esse não era a regra. “Foram poucos sobreviventes desses espaços de modo geral, exatamente porque, como eles não eram parte das estruturas oficiais, o objetivo não era prender. O objetivo era recolher informações, torturar e executar, porque você não pode ter sobreviventes, testemunhas desses espaços não oficiais”, explica Julia Gumieri.

Sem registros e sem testemunhas, é possível, segundo a pesquisadora, que alguns desses locais não tenham sequer sido mencionados nas investigações feitas até agora. “Imaginando o que se perdeu de documentação não localizada e mesmo de falta de sobrevivente que os próprios colegas de militância não souberam, é muito provável que tenha existido muito mais, que seja uma camada ainda pequena que a gente sabe sobre”, acrescenta a historiadora.

 Sítio 31 de Março, onde teriam sido mortos os militantes Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana – Wikipedia

Na Fazenda 31 de Março, teriam sido mortos em 1973 os militantes da ALN Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana. Na CPI de 1990, o ex-deputado Afonso Celso, único sobrevivente conhecido do sítio, contou sobre o que passou lá. Apesar de vendado, ele se lembrava que atravessou uma linha férrea para chegar ao local. “Fui conduzido para um subterrâneo, ou uma sala subterrânea ou coisa assim, porque existiam quatro degraus. Quatro degraus, não, quatro lances de escada, e lá imediatamente me despiram e passaram a me torturar”, relatou aos vereadores.

“Eu provavelmente desmaiei ou qualquer coisa assim, das sevícias de que fui vítima. Depois acordei e vejo que me botaram já num outro tipo de tortura, que não era mais pau-de-arara”, segue a história contada por Celso. “Me puseram no que eles chamavam ‘piscina’, que era uma espécie de poço, de fundo cimentado, mas cheio de lodo. Eu pisava no lodo, e ali eles brincavam de afogamento. Me sufocavam, me afogavam”, disse na ocasião.

Fazenda em Araçariguama, na Rodovia Castelo Branco, usada para tortura e execução de opositores ao regime – Andréia Lago/Memorial da Resistência

Outros lugares só foram conhecidos por revelações dos próprios agentes da repressão, como Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento que atuou no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Mesmo estando dentro de um dos maiores centros de tortura da ditadura, Chaves negou ter participado desse tipo de violência ou operações de repressão na rua. Fez revelações em diversos depoimentos, tanto a CPI da Vala de Perus, como também a Comissão Nacional da Verdade. Foi o ex-agente da repressão que identificou a Boate Querosene, em Itapevi, e o Sítio em Araçariguama como locais usados para tortura e execução de opositores ao regime.

Em outros casos ainda existem dúvidas e lacunas. Até hoje não se sabe o local onde, em 1978, Robson Luz foi torturado e morto após ser preso acusado de roubar uma caixa de frutas. O processo relativo ao caso, que à época causou indignação e levou à formação do Movimento Negro Unificado, só foi desarquivado em 2022.

Ao analisar a documentação, a pesquisadora Renata Eleutério, do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, diz que as informações são de que ele foi preso no 44º Distrito Policial, de Guaianases, zona leste paulistana. Porém, há indícios de que ele foi levado para outro local no período em que esteve sob poder dos policiais. “No processo, em um dos depoimentos, o rapaz indica que ele foi retirado daquela delegacia e levado para outro lugar. E aí depois foi jogado na delegacia, retirado de lá e jogado em qualquer outro canto”, revela a pesquisadora.

Não há clareza, no entanto, do local onde Luz teria recebido pancadas e choques elétricos. Mas existem diversos indícios de que alguns agentes da repressão à oposição política também atuavam na execução de presos por crimes comuns, como no caso da acusação feita contra Luz. “As estruturas e os executores estavam muito em diálogo, eventualmente eram até os mesmos, como o Esquadrão da Morte [grupo de extermínio], que era um grupo de policiais da Polícia Civil vinculados ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social]”, exemplifica Julia Gumieri.

Boate Querosene, em Itapevi, foi identificada como local de tortura por um agente da repressão  – Cacalos Garrastazu/Memorial da Resistência

Não foi identificado, porém, até o momento que as casas e sítios usados pela repressão tenham abrigado outras atividades. “Eu não posso afirmar que o Esquadrão da Morte se utilizou de um desses espaços. Mas, se o Fleury é um delegado da polícia que é ativo nos processos de extermínio, tortura, e compõe o Esquadrão da Morte, assim, eventualmente, ele pode usar o mesmo espaço”, pondera a pesquisadora.

Essa rede de imóveis sem nenhuma ligação formal com o Estado é um aprofundamento dos procedimentos ilegais e clandestinos que já aconteciam no DOI-Codi e outras instalações militares. O que só era possível devido às diversas formas de apoio de empresários ao regime, com cessão de espaços, veículos, financiamento direto e até vigilância sobre os próprios empregados. A montadora Volkswagen reconheceu que ajudou a repressão a perseguir os próprios funcionários. O ferramenteiro Lúcio Bellentani contou que foi torturado dentro do complexo industrial em São Bernardo do Campo. A empresa fez um acordo de reparação com o Ministério Público Federal.

Doutrina de guerra

A tortura não era uma novidade para as instituições brasileiras. Na ditadura de Getúlio Vargas, os opositores também eram perseguidos e presos. “Durante os outros períodos, a repressão política era uma repressão feita por órgãos oficiais. Prendia, torturava e soltava”, diz Ivan Seixas. A ditadura instaurada a partir do golpe de 1964, no entanto, incorporou uma visão de guerra contra a própria população, baseada, em grande parte, nas guerras coloniais da França na Indochina (Vietnã) e na Argélia.

“A doutrina da guerra revolucionária, como os franceses chamavam, foi um elemento-chave para preparar a organização e a estruturação dos serviços de informação brasileiros, que foram calcados nos serviços de informações franceses durante a Guerra da Argélia [1954 a 1962]”, diz o pesquisador Rodrigo Nabuco de Araújo, autor do livro Diplomates en Uniforme [Diplomatas de Farda], que trata da atuação dos militares franceses a partir dos serviços de diplomacia no Brasil entre 1956 e 1974.

O nome mais conhecido por trazer as expertises francesas para o Brasil é o general Paul Aussaresses. Antes de morrer, em 2013, o oficial reconheceu ter utilizado a tortura para combater a insurgência argelina. “Ele disse que torturou, que matou, que formou torturadores, e por isso ele acabou perdendo tudo. Ele perdeu a patente de general, perdeu o salário de aposentadoria de general. Foi um golpe muito grande que ele levou depois de ter dito tudo o que disse”, contextualiza Araújo antes de afirmar que Aussaresses não foi o principal responsável por trazer as estratégias francesas para o Brasil.

“Tem um outro que é muito mais insidioso do que o que o Aussaresses que é o Yves Boulnois”, destaca o pesquisador. Chegando ao Brasil em 1969, o coronel francês ajudou, segundo Araújo, na estruturação do DOI-Codi e esteve presente nas operações contra a guerrilha comandada por Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. “Ele participou da organização da operação e depois da supervisão, da análise dos dados que foram colhidos durante os interrogatórios, durante as torturas”, detalha Araújo a respeito do papel estratégico de Boulnois.

O coronel chegou ao Brasil em 1969 como adido militar. Em correspondência enviada ao então ministro dos Exércitos da França, Pierre Messmer, Boulnois informava sobre os avanços na estruturação das forças da repressão brasileiras. “Com vários meses de treinamento adequado, cada unidade é, agora, capaz, independente de qual seja a missão específica, de participar de uma operação de guerrilha”, escreveu ao superior em correspondência acessada por Araújo e disponibilizada em seu livro.

 

Hierarquias paralelas

A experiência francesa de enfrentar guerrilhas em um ambiente urbano, como aconteceu na Argélia, influenciou, segundo o pesquisador, na criação da Operação Bandeirante, que reprimiu os grupos armados que lutavam contra a ditadura em São Paulo. “Os militares do 2º Exército em São Paulo se inspiraram amplamente das sessões administrativas especiais, que eram organizações civis e militares na Guerra da Argélia, para estruturar a Operação Bandeirantes e transformar essa experiência da guerra colonial francesa, na Guerra da Argélia, em algo possivelmente utilizável no Brasil”, explica Araújo.

“Se inspirou nessa centralização da informação, que é o caso francês, dessa reunião de civis e militares em um só comando, e da organização das operações, o que eles chamavam de hierarquias paralelas. Quer dizer, que você tinha uma rede de comando, uma hierarquia de comando que vem de cima para baixo, mas você tinha uma hierarquia paralela, uma organização e uma estrutura clandestina”, detalha o pesquisador.

As teorias dos militares franceses surgem também da tentativa de entender a derrota para as forças de libertação das antigas colônias. “Tinha a ver com uma negligência dos militares da dimensão política e psicológica do conflito”, diz a respeito das conclusões dos oficiais o coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Acácio Augusto.

O papel da tortura

“Para essa teoria, a sociedade está dividida em três grupos”, explica o professor. Esse pensamento estratégico parte, segundo ele, do princípio de que há uma minoria ativa, que luta contra a dominação colonial, no caso das ex-colônias francesas, ou contra a ditadura, no caso do Brasil. Há os apoiadores dos processos de dominação e há  “uma grande maioria, que eles chamam de neutra e pacífica, e que está à mercê de ser conquistada pela causa revolucionária, que deve ser disputada pelas forças da ordem”.

Por isso, para além do enfrentamento militar, foi feito, de acordo com Augusto, um esforço para evitar que o conjunto da população simpatizasse ou apoiasse os grupos de resistência. Ao mesmo tempo, os grupos de oposição são tratados como inimigos e desumanizados. “A tortura não era um ato de barbárie, não era um excesso do regime, era a própria forma de atuação do regime, inclusive gerida cientificamente. A ideia da tortura era produzir informação”, enfatiza.

O desaparecimento dos torturados, principalmente os que nunca foram registrados em estruturas oficiais do Estado, serve, segundo Araújo, a alguns propósitos. Por um lado, evita a responsabilização e repercussão pública das mortes, enquanto, por outro desestabiliza os opositores do regime.

“É uma forma de você criar uma incerteza muito grande em torno do que aconteceu com essa pessoa e dessa forma de criar uma impunidade em torno das pessoas que cometeram esses crimes”, diz o pesquisador.

O general francês Aussaresses, que ficou conhecido pelos cursos relacionados a tortura que promovia em Manaus, é também, segundo Araújo, protagonista de um evento que ilustra como a violência era instrumentalizada pelos colonialistas. “Ele solicitou o estádio de futebol da cidade. Ele torturou os presos em frente uns dos outros, depois matou todo mundo. Abriu uma vala comum, jogou todos os corpos ali, jogou cal quente em cima, e em cima disso ele jogou concreto armado. Quer dizer que não tem como saber quem está enterrado ali. Todos desapareceram”, conta o historiador sobre os fatos ocorridos na antiga cidade de Philippeville, atual Skikda, na Argélia.

Frente Parlamentar em Defesa da Vacina une forças ao governo no combate à desinformação

15 de março de 2024

 

O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Vacina, deputado Dorinaldo Malafaia (PDT-AP), defendeu mais envolvimento do Congresso no enfrentamento às fake news sobre vacina. Para ele, a disseminação de informação falsa na área da saúde é crime sanitário. “Isso nós precisamos pautar. Nós queremos que o Parlamento brasileiro possa fazer o debate no sentido de conscientizar que as vacinas são seguras”, ressaltou.

Proposta pune com prisão e multa propagação de notícias falsas sobre vacina
A Frente Parlamentar em Defesa da Vacina reuniu-se nesta quinta-feira (14) com integrantes do comitê do governo federal de enfrentamento à desinformação. “Esse negacionismo em torno das vacinas tem representado concretamente a morte de crianças”, lamentou o deputado.

Dorinaldo Malafaia pretende se reunir com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para alinhar ações mais efetivas em parceria com o ministério no combate à desinformação acerca do Programa Nacional de Imunização.

Política pública

A diretora de Promoção de Liberdade de Expressão da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Samara Castro, integra o comitê e acredita que o combate à desinformação deve ser encarado como política pública, com a integração de vários setores do governo para que a cobertura vacinal seja maior.

O coordenador do comitê de enfrentamento à desinformação e também secretário de Políticas Digitais na Secretaria de Comunicação da Presidência da República, João Brant, alerta que, de 2012 a 2022, houve um declínio na cobertura vacinal. A desinformação, conforme ele, contribuiu para isso e é usada como arma política. “O ano de 2023 já significou uma retomada positiva, uma curva ascendente, mas a gente ainda entende que há um conjunto de fake news, de desinformação que afeta o crescimento e a retomada dessa cobertura.”

Segundo levantamento do Ministério da Saúde divulgado em 2022, os índices de cobertura vacinal, que alcançaram 97% em 2015, caíram a 75% em 2020, o equivalente ao índice de 1987. Em 2023, oito vacinas recomendadas do calendário para as crianças apresentaram aumento de cobertura, comparado a 2022.

João Brant explica que o comitê atua em diversas frentes: comunicação, monitoramento, investigação e capacitação de agentes. Entre as ações está o estabelecimento de diálogo com influenciadores digitais, parceria com as redes sociais para aumentar o impacto da informação pró-vacina e a capacitação de 400 mil profissionais de saúde no tema do combate à desinformação. Outra medida, por meio da atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério da Justiça, é a responsabilização de quem disseminar informação falsa sobre vacina.

Também fazem parte do comitê do governo representantes do Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério da Saúde e da Secretaria de Comunicação da Presidência.

 

Esperança de justiça une mães de vítimas da violência policial no Rio

A longa espera por justiça é uma realidade presente entre as mães de vítimas da violência policial do Rio de Janeiro. Deise Silva de Carvalho, coordenadora e fundadora do Núcleo de Mulheres vítimas da violência do Estado, perdeu o filho Andreu Luiz Silva de Carvalho, em 2008, na época com 17 anos. O adolescente estava internado no Centro de Triagem e Reabilitação (CRT) na Ilha do Governador, zona norte do Rio.

Segundo a mãe, Andreu foi submetido à tortura por uma hora e meia por seis agentes do sistema socioeducativo no CTR na Ilha do Governador.

“Não estou falando de um jovem que se encontrava vulnerável dentro da favela e tomou um tiro [dado] pela PM [Polícia Militar], mas de um jovem que se encontrava sob a tutela do Estado, que veio a óbito com traumatismo craniano, cortes contundentes, mandíbula deslocada, pescoço quebrado, deslocamento da retina dos olhos. Segundo depoimento dos jovens, Andreu foi torturado com um saco plástico sobre seu rosto”, contou Deise, sobre parte da violência sofrida pelo filho morto e pelo qual luta por justiça há 16 anos.

“No Brasil, não vivemos um estado democrático de direito e sim um estado de violação ao direito da dignidade humana desses jovens. Andreu deveria pagar dentro das margens da lei, e não este estado democrático decidir quem vai viver ou morrer”, afirmou. “O Estado cometeu um crime e deve pagar pelo seu ato criminoso”, acrescentou.

Fundadora do Grupo Mães de Manguinhos, Ana Paula luta há 10 anos pela punição dos responsáveis pela morte do filho Johnatha – Tomaz Silva/Agência Brasil

Há quase 10 anos, a fundadora do Grupo Mães de Manguinhos, Ana Paula Oliveira, luta pela punição dos envolvidos no crime que provocou a morte do filho Jhonatha, no dia 14 de maio de 2014, quando voltava da casa da namorada, às 16h30. Na época, o jovem tinha 19 anos e foi baleado com um tiro nas costas.

Segundo Ana Paula, o policial autor do disparo já respondia, naquele momento, por triplo homicídio e duas tentativas de homicídio, além de ter sido preso um ano antes por causa de outros crimes. “Fato é que ele vivia livre, leve e solto com a certeza da impunidade dentro da favela de Manguinhos, fazendo uma nova vítima que infelizmente foi o meu filho”, acrescentou Ana Paula.

O  julgamento do policial no Tribunal de Justiça do Rio estava previsto para 2 de fevereiro, mas foi transferido para 5 de março. “O que eu e minha família esperamos é que haja condenação”, afirmou.

Escuta Popular

Em busca da mudança do cenário de violência que as mães costumam vivenciar, a plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil [Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais], com apoio das organizações filiadas Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e Justiça Global, reuniu integrantes de movimentos sociais, defensores de direitos humanos, pesquisadores e familiares para a Escuta Popular sobre a Letalidade Policial e seus Impactos nas Infâncias Negras. O encontro foi no auditório do Ibase, na sede da Ação da Cidadania, na Gamboa, região portuária da capital.

A ideia era que histórias marcantes como as de Ana Paula e Deise fossem ouvidas. Para isso, segundo a diretora do Ibase, Rita Correia Brandão, mães de vítimas da violência policial foram convidadas a dar depoimento, que, ao fim, resultaram na carta compromisso com propostas para a resolução dos crimes. Rita destacou que o objetivo é implementar tais propostas de forma mais incisiva, mais comprometida.

Crianças correm atrás de bala, não são balas que correm atrás de crianças, diz Benilda Brito, do Coletivo de Mulheres Negras – Tomaz Silva/Agência Brasil

Como seguidora do Candomblé do Ketu, Benilda Brito, do Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte, que integra a plataforma Dhesca, evocou Ogum, orixá guerreiro e forte, para proteger o encontro. “É sob a proteção de Ogum que a gente está abrindo essa escuta para nós e para qualquer outra religião que as pessoas queiram”, enfatizou.

“Na nossa concepção africana, as crianças são as ibejis. As crianças correm atrás de bala, para chupar bala e comer doce, não são as balas que correm atrás de nossas crianças como a gente está vivendo hoje”, afirmou.

Benilda definiu a entidade como uma plataforma que denuncia violações e destacou que, na gestão atual, o coletivo tem sete mulheres negras na administração. “A gente vem adubando esperança em tanto tempo de morte. Sou Benilda Brito, mulher negra, lésbica, do axé, sou quilombola e venho carregando no meu corpo todas as violências ‘cotidiárias’ do racismo. É por isso que a gente está junto, por isso, que a gente luta tanto e conhece tanto a dor umas das outras. A gente sabe o que é ser mulher negra neste país”, desabafou.

Na defesa de que os casos de violações não podem ser esquecidos, Benilda lembrou um ditado africano. “‘A pessoa só morre quando é esquecida’. Nossos mortos têm voz e história e não serão esquecidos”, afirmou.

Lembrança

No início do encontro, antes da apresentação, que emocionou os presentes, o artista Dudu Neves, integrante do coletivo Nós da Rua, pediu a participação de todos, para que durante um minuto, aplaudissem e cada um lembrasse os nomes de vítimas da violência policial. Logo depois, por meio da poesia Conto Ancestral, falou de ancestralidade, de violência contra corpos pretos, de violação de direitos, da morte da vereadora Marielle Franco e de povos originários do Brasil.

“Querem me silenciar, minha história apagar, minha ancestralidade ocultar. Querem me botar para trabalhar, salário mínimo ganhar, pra mim tentar me sustentar, na crise desse país. Bara [orixá mensageiro divino, guardião dos templos, casas e cidades], que zele pela minha vida, me livre da dura da viatura, do homem do saco, do capitão do mato e das balas perdidas. É que assim se foram tantas vidas, sonhos mutilados, por causa da melanina!”, disse Dudu Neves, citando um dos versos do poema.

Relatos

Dentro da programação da Escuta Popular, Ana Paula e Deise atuaram como porta-vozes de outras mães, transmitindo aos presentes os depoimentos delas e dos pais de vítimas da violência policiais. Um dos depoimentos foi o de José Luiz Faria da Silva, pai de Maicon, que há 28 anos busca por justiça pela morte do filho de apenas 2 anos. A criança brincava na porta de casa em Acari, zona norte do Rio, quando foi baleada.

Deise contou que nenhum dos policiais militares envolvidos foi levado à Justiça e que o caso do menino foi registrado na época como auto de resistência. “O termo é usado por policiais que alegam estar se defendendo de matar alvo suspeito em trocas de tiros nas favelas e periferias. Maicon tinha 2 anos de idade e entrou no chamado auto de resistência, onde o poder judiciário, o Ministério Público e os nobres representantes da lei encontraram essa brecha. Estamos falando de uma criança de apenas 2 anos de idade”, ressaltou Deise.

Ela acrescentou que, no Brasil, o crime já prescreveu mas está em avaliação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que “infelizmente para a dor e desespero desta família ainda não deu uma sentença condenatória ao Brasil por este crime hediondo”.

Outro caso apresentado foi o de Sandra Gomes, mãe de Matheus Gomes, que junto a mais 27 pessoas, perdeu a vida no dia 6 de maio de 2021, na mais letal operação policial do Rio, conhecida como Chacina do Jacarezinho, na zona norte da cidade. Segundo testemunhas, no momento em que foi baleado, Mateus estava sentado em uma cadeira porque estava tendo uma convulsão. Se Matheus estivesse vivo, teria completado 24 anos na quarta-feira (21).

Sandra conta que a vida de outro filho, Felipe, de 17 anos, se transformou com a tragédia. Felipe sofre com as lembranças da morte do irmão, que viu ferido, e há três anos não passa da 1ª série do ensino médio. A preocupação com o filho mais novo, João Paulo, de 10 anos, também é grande.

Como outras mães de vítimas da violência policial, Sandra vive fazendo tratamento de saúde e, além das questões psicológicas, sofre com o agravamento da diabetes. Além disso, depois da chacina, ela viu diminuir o movimento de sua atividade comercial, com a venda de churrasquinho, que tinha com o marido. Agora, restou apenas um trailer.

“Dentro de mim, eu tenho esperança de justiça, e a gente vem porque não pode deixar que esse sistema, que nos oprime todos os dias, nos silencie. A gente vem para continuar a dar voz para nossos filhos”, disse Sandra à Agência Brasil.

Melisanda Trentin, da da área de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, durante evento sobre letalidade policial – Tomaz Silva/Agência Brasil

Segundo a coordenadora da área de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, Melisanda Trentin, além da presença de familiares das vítimas, o encontro da escuta popular teve participação de representantes do poder legislativo do Rio, do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública, o que é importante para o surgimento de medidas que possam alterar o andamento lento e muitas vezes sem resultado dos processos na Justiça.

“Essa escuta faz parte de uma missão da plataforma Dhesca, assim como a gente já fez outras missões. O objetivo é a denúncia mesmo, para que se chegue à resolução desses casos, na reparação, no acesso à Justiça. Enfim, tratar isso não como casos individuais ou isolados, mas como um fenômeno que acontece no Rio de Janeiro, muito marcado pelo racismo nas favelas”, enfatizou.

Melisanda Trentin disse que o que unifica, desde a chacina da Candelária, que já tem 30 anos, e a de Acari, com 33 anos, até casos do ano passado e deste ano, é justamente a política aplicada, que ela chama de “genocida e racista” da polícia do Rio de Janeiro. “A gente espera mudança na abordagem policial. Tudo isso é resultado da falida guerra às drogas, do racismo, e a gente espera que a polícia tenha outro tipo de atuação, sem blindados [veículos das polícias], sem helicópteros [que fazem voos rasantes sobre as comunidades], que as investigações tenham prosseguimento e de fato se chegue à justiça.”

Ao fim do encontro, realizado terça-feira, foi divulgada uma carta compromisso com propostas de medidas para mudar a forma de tratamento dos crimes. “É uma carta ampla, que abarca todas as possibilidades que cada um dos casos, cada uma das chacinas apresentarem”, observou a diretora do Ibase, Rita Correia Brandão.

UNE lamenta assassinato de estudante no Maranhão por lesbofobia

A União Nacional dos Estudantes (UNE) lamentou nesta terça-feira (19) o assassinato da estudante Ana Caroline Capelo, no último dia 10, no município de Maranhãozinho, distante 283 km da capital maranhense, São Luís. A jovem, de 21 anos, foi encontrada morta após ter desaparecido quando voltava do trabalho. 

O corpo teve a pele do rosto, couro cabeludo, olhos e orelhas retirados. Para a UNE, a morte da estudante é um caso de lesbofobia.

“Toda nossa solidariedade à família e amigos de Ana Caroline Capelo, estudante maranhense vítima de lesbofobia na última semana. Seu assassinato não é um caso isolado, é resultado da cultura machista e lgbtfobica que transforma em vítimas diariamente mulheres em todo o país. Justiça por Carol”, disse a organização estudantil em uma rede social. 

O caso está sendo investigado pela Superintendência de Polícia Civil do Interior (SPCI). De acordo com a Polícia Civil, não há suspeitos do crime.

O desaparecimento da jovem foi comunicado à Polícia Militar pelo tio da vítima. A Polícia Civil do Maranhão disse que Ana Caroline trabalhava em uma loja de conveniência de um posto de combustível e que ela havia se mudado para a cidade para morar com uma companheira, que não foi identificada.

No domingo (17), a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, comentou em uma rede social a morte de Ana Caroline, também chamando o crime de lesbofobia. “Recebi com dor e revolta a notícia do crime bárbaro que interrompeu a vida de Ana Caroline Sousa Campêlo, 21 anos, no último domingo, em Maranhãozinho, no Maranhão, onde ela ia morar com a namorada. Um crime de ódio contra as mulheres: lesbofobia”, disse a ministra.