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Exposição homenageia trajetória de mulheres na saúde

A exposição Dona Ivone Lara e Mulheres da Saúde, inaugurada nesta terça-feira (23), no Ministério da Saúde, em Brasília, tem como proposta enaltecer o legado de trajetórias femininas importantes para a construção da saúde pública no Brasil. Durante o evento, foi lançado ainda o Espaço Cultural Dona Ivone Lara, sambista carioca, enfermeira e antiga servidora do ministério.

Estruturada como um desfile de escola de samba, a exposição apresenta as origens e o ambiente familiar da trajetória de Ivone Lara (foto) na saúde e em sua carreira musical, com enfoque em composições, parcerias e participações na agremiação Império Serrano, escola de samba do Rio de Janeiro. A sambista dedicou 37 anos de sua vida em defesa de tratamentos humanizados nos serviços psiquiátricos.

Foram homenageadas, ainda, outras 10 mulheres negras, brancas e indígenas cujas trajetórias marcaram a história da saúde pública brasileira, incluindo as enfermeiras Wanda Horta, Roseni Rosangela de Sena, Anna Nery, Simone Maria Leite Batista, Isabel dos Santos e a médica Fatima Oliveira.

Em maio, a exposição terá uma segunda etapa, que vai celebrar a trajetória de mulheres vivas e atuantes.

Quem foi Ivone Lara

Primeira mulher brasileira a assinar um samba-enredo, Ivone Lara era enfermeira por formação e atuou como servidora do Ministério da Saúde por 37 anos, período em que se especializou como terapeuta ocupacional e lutou pela humanização do tratamento psiquiátrico. No Instituto de Psiquiatria do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, foi pioneira ao oferecer uma abordagem musical para tratar e acolher pacientes.

Em 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou lei que cria o Dia Nacional da Mulher Sambista, comemorado em 13 de abril – data do nascimento de Ivone Lara da Costa, nome de batismo da compositora. Ela morreu em 2018 aos 96 anos.

Mostra em São Paulo percorre trajetória da fotógrafa Claudia Andujar

Começa nesta quarta-feira (3), no Itaú Cultural de São Paulo, uma exposição sobre as experimentações e a trajetória da artista e fotógrafa Claudia Andujar. As imagens remontam à carreira da fotógrafa no fotojornalismo da revista Realidade, passando pelo fortalecimento da fotografia como arte, além do trabalho de registro e denúncia de violação de direitos feito junto aos indígenas yanomami.

O curador da mostra Claudia Andujar – cosmovisão, Eder Chiodetto, define a artista como filha “legítima” da geração de 1968.

Mostra gratuita começa nesta quarta-feira, 3 de abril – Claudia Andujar/divulgação

“É uma geração que vai mudar bastante o comportamento. E claro que tudo isso impactou muito o campo da arte. É um momento em que os artistas estão tentando deslocar a arte de novo – como tinha acontecido no surrealismo – nessa virada dos anos 60 para os anos 70, com a pop art, etc. Ela é filha legítima desse movimento.”

As séries de fotografias expostas revelam como Claudia tensiona a linguagem fotográfica, forçando os limites da fotografia tradicional para fazer uma representação mais legítima daquilo que ela almejava.

“Essa exposição é para surpreender, traz uma Cláudia que poucas pessoas conhecem. Eu mostro todo esse trajeto das experimentações dela ao longo da carreira, ela manipulando a fotografia de todo jeito possível, ou seja, expandindo o repertório narrativo da fotografia.”

As 135 obras estão divididas em 11 séries, expostas em dois andares do espaço Itaú Cultural. Entre as experimentações, Claudia utilizava filmes fotográficos infravermelhos, cromos riscados, filtros monocromáticos, imagens refotografadas com distorções e mutações de luzes e cores, justaposições e duplas exposições.

Ao longo da carreira, Claudia revisita seu acervo e trabalha as imagens de acordo com as intenções de determinado momento ou projeto. “É uma artista que nunca vai pensar a fotografia que sai da câmera como algo pronto. Em geral, depois que fotografa, ela vai fazer outras etapas de processamento, até chegar onde ela precisa.”

Logo no início da mostra, o público vai conhecer duas séries de fotografias que apresentam uma parte menos conhecida da sua produção, em trabalho para a revista Realidade. Uma delas é um conjunto de fotografias feitas para reportagem sobre homossexualidade, na década de 60, que acabou censurada na época.

“Essa daqui era para uma matéria que saiu com o título ‘homossexualismo’, ainda pensando como patologia. É 1967 isso, sob ditadura militar. E aí a reportagem sai só com o texto e as fotos são vetadas pela censura”, lembrou o curador.

Entre as imagens, estão duas mãos entrelaçadas, pessoas desfocadas e o uso da sombra em que se revela mais as silhuetas do que as identidades, além de uma cantora se apresentando.

“Dentro do viés da exposição, mesmo dentro de uma reportagem, que seria um documental tradicional, um fotojornalismo, ela já tem um jogo de cintura enorme para usar os desfoques, ela usa muito bem a sombra, os ângulos.”

Chiodetto relata que, no final do ano passado, essas mesmas fotografias foram expostas no museu de etnografia em Budapeste, na Hungria, que está sob o comando de um governo de extrema-direita.

“Essas fotos estavam num espaço lá. O ministro da Cultura da Hungria mandou parar a exposição, vetar, colocar isso tudo em uma sala fechada, proibir a entrada de menores de 18 anos e demitiu o diretor do museu por causa disso. Imagina, quase 60 anos depois, umas fotos dessas que você está vendo [aqui]”, contou.

Curadoria da mostra Claudia Andujar – cosmovisão é de Eder Chiodetto – Claudia Andujar/divulgação

Também extrapolando a linguagem tradicional, a segunda série foi feita a pedido da revista Realidade para representar pesadelos. “E é maravilhoso, ela fotografa o gato dela, uma escultura que ela tinha, uma boneca. Tudo isso aqui dentro do apartamento dela. Só que ela vai fazer fusão de imagem, uso de sombra, aqui é uma técnica que ‘frita’ a gelatina do negativo e se cria esse ruído [na imagem], para chegar na representação do pesadelo, que é algo não visível”, conta o curador.

Yanomami

Ainda na revista, ela faz os primeiros registros dos yanomami, na década de 1970, uma época em que a etnia estava sendo submetida a um contato externo mais intenso no contexto dos projetos de desenvolvimento do período da ditadura militar.

“Ela começa a perceber a inteligência dos yanomami no trato com a natureza e a espiritualidade deles, que é muito elevada, ela percebe a sofisticação desse povo.”

“Nessa viagem, ela tem o primeiro contato com os yanomami, que vai mudar a vida dela por completo de novo”, conta Chiodetto, acrescentando que a artista “faz uma relação análoga com o que aconteceu com os judeus: um grupo hegemônico atacando um grupo minoritário”.

Nascida na Suíça em 1931, de família judia, ela e a mãe fugiram do nazismo na Europa após verem grande parte da família ser levada para campos de concentração e assassinada.

Claudia faz os primeiros registros dos yanomami na década de 1970 – Claudia Andujar/divulgação

Claudia ficou muito próxima dos yanomami e, em 1976, ela se desloca até a aldeia. Ela atravessa de São Paulo até Roraima em 13 dias, em viagem com um fusca preto. A mostra apresenta uma série de retratos de indígenas, com as cores representando o verde da mata e o azul do céu, aponta o curador.

Outro conjunto de fotografias, já em outro ponto da mostra, ilustra o sofrimento dos yanomami diante das invasões de seu território: “a essa série ela dá o nome de Malencontro, pós contato dos indígenas com os brancos, a invasão do garimpo, a tragédia que se arrasta até hoje. Então, ela volta para as imagens de arquivo dela e, de novo, vai refotografar para criar uma atmosfera, uma tensão de como esse ‘malencontro’ estava sendo péssimo para os indígenas.”

As imagens correspondem a fotografias registradas na década de 1970 e submetidas a técnicas de processamento para uma exposição feita no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1989, intitulada Genocídio do yanomami: morte do Brasil.

“Já era um manifesto contundente. Ela pega as imagens, ilumina com luz de vela e abajur e fotografa. Para ter esse tom dourado, que é o tom do ouro, da busca do ouro pelo homem branco que está garimpando e jogando mercúrio na água, levando muitos indígenas à morte.”

Novo trabalho

Exposição termina no final de junho – Claudia Andujar/divulgação

Aos 92 anos, Claudia Andujar faz uma releitura de uma série sua, em parceria com Eder Chiodetto, especialmente para esta exposição. Durante a viagem que fez a bordo do seu fusca preto, junto ao missionário Carlo Zacquini, ao encontro dos yanomami, ela fez um diário de viagem por meio de fotografias, sem sair do carro. “Ela fotografa e sempre tem a janelinha do fusca, a janela de trás, as laterais, da frente, como se fosse um outro visor. É uma série em preto e branco.”

Em alguns trabalhos, no passado, Andujar fez sobreposição de acrílicos coloridos nas fotografias. E foi isso que fizeram, desta vez, na série de imagens de sua viagem. “Levei a série fotográfica ampliada [até ela]. Para simular o acrílico, levei um monte de celofane colorido das cores que ela costumava usar e lá ela falava ‘vamos tentar aqui’, eu cortava ali com a tesoura na hora, enfim rolou. Ela fez dez peças novas”, contou o curador.

O nome da série é O voo de Watupari, o que remete à chegada dela ao território indígena. “Quando ela chega com o fusca na aldeia, os indígenas cercam ela, porque, primeiro, eles quase nunca viam um carro, era uma coisa muito rara. E eles começam a rir um monte e falam ‘mas, Claudia, você veio aqui a bordo de um urubu, de um watupari?’”, relatou. Watupari é como os yanomami chamam o urubu.

Principal trabalho

Sonhos Yanomami, a série mais importante da artista, segundo Chiodetto, materializa em imagens o universo da espiritualidade daqueles indígenas a partir das experimentações da artista. Em um de seus rituais, os indígenas entram em transe, têm miragens e depois relatam as visões que tiveram. “Claudia ficava encantada com as imagens que eles descreviam verbalmente e ficava incrédula que ela não podia traduzir isso em imagem. Era uma frustração dela.”

Décadas depois, em 2002, novamente revisitando seu acervo, ela sobrepõe sem querer imagens registradas em cromo. “E então ela começa a fazer isso propositalmente, e aí tem um êxtase, uma catarse, que vai gerar essa série aqui que se chama Sonhos Yanomami. Antes de mostrar para qualquer pessoa, ela manda para a aldeia e pergunta se isso tem alguma relação com essas imagens que eles descrevem quando voltam do transe. E eles ficaram enlouquecidos em como ela conseguiu isso”, contou Chiodetto.

“É a série mais importante dela: quando ela conseguiu materializar isso, fundindo o corpo dos indígenas, com a paisagem, com o céu, com o rio, com as árvores, com as rochas. Porque é muito da crença yanomami, de que rocha e fêmur e outras substâncias são feitas do mesmo átomo e tudo isso é uma energia cósmica e ela consegue sintetizar essa série Sonhos”, contou.

A mostra fica em cartaz até 30 de junho, no Itaú Cultural, localizado na Avenida Paulista, 149. Visitação ocorre de terça-feira a sábado, das 11h às 20h; domingos e feriados, das 11h às 19h, com entrada gratuita.

Filme revisita história do Brasil a partir da trajetória de PC Farias

Um personagem que chegou às alturas do poder encoberto pelas sombras é o tema do documentário Morcego Negro. O filme, que entra em cartaz nesta quinta-feira (21), reconta a história de Paulo César Farias, empresário e tesoureiro da campanha que levou Fernando Collor de Mello à Presidência da República em 1989.

“Ele não é uma figura pública. O PC se torna público por meio da CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]. Ninguém da população em geral sabia quem era PC Farias, o que fazia, o que falava, o que comia, o que pensava”, comenta Cleisson Vidal, que dirige o longa-metragem ao lado de Chaim Litewski.

Impeachment

Collor foi o primeiro presidente eleito por votação direta desde o golpe que instaurou a ditadura militar em 1964. O empresário alagoano deixaria o Palácio do Planalto após sofrer processo de impeachment no Congresso Nacional, no segundo ano de governo, em 1992. A perda do mandato ocorreu  devido a escândalos de corrupção, em que PC, apontado como figura central, foi investigado em CPI ao longo daquele mesmo ano.

“É um período muito turbulento”, diz o diretor, lembrando que enquanto o Brasil vivia a redemocratização, o mundo encarava o fim da União Soviética e a polarização da Guerra Fria. “É um período de transição no mundo”, enfatiza.

“É uma coisa de olhar a história de novo, entender quem são essas figuras, esses personagens, qual o papel que foi dado a eles e o que de fato representaram”, explica Vidal sobre as motivações do filme, que tem depoimentos de figuras-chave à época, como o próprio Collor e o então líder do governo no Congresso, Renan Calheiros. “A gente tinha o compromisso de tentar falar com essas pessoas numa perspectiva histórica, já com certo distanciamento, com a vida delas em outro momento”, acrescenta o diretor.

Vilão

A ascensão de Collor ao poder fez com que PC também chegasse às alturas em influência na política nacional. Um elemento que ilustra material e simbolicamente esse momento é o jato particular adquirido pelo empresário. A aeronave, batizada por ele de Morcego Negro, foi alvo de investigações e especulações até depois de sua morte.

A construção de PC como vilão é um dos pontos explorados pelo filme. Os depoimentos mostram que a personificação dos escândalos no tesoureiro misturava conveniência e preconceito. Até a aparência física do empresário teria sido apropriada para essa construção.

Careca, com bigode definido como “grande demais” por um dos entrevistados, com gosto por roupas extravagantes, além da origem nordestina, são elementos citados como propícios para compor essa imagem. “Ali você tinha o interesse de criar uma imagem negativa daquela pessoa. E, por sua vez, atingir o presidente da República. Então, onde você pega? Você pega nos estereótipos”, diz Vidal.

Em contraponto, o filme traz elementos menos lembrados a respeito do tesoureiro, apresentado por diversas vezes como pessoa simpática, culta e que valorizava os momentos em família. Faltam, no entanto, gravações em que PC teve a oportunidade de falar sobre si mesmo, por isso o registro da CPI ganha importância.

“Ele pede a palavra ao Congresso e fala: ‘deixa eu contar a minha história’. Porque, até então, a história dele estava sendo contada pelos jornais e revistas. Ali, de fato, ele se torna uma figura pública. Você não tem registro do PC antes, de áudio ou filmagem. Por isso que a gente entende que aquilo ali seja a melhor peça sobre o PC”, explica o diretor sobre a importância do registro.

Religiosidade

Um aspecto íntimo que emerge e se mistura à vida pública do tesoureiro é a religiosidade. Mãe Mirian, uma das matriarcas das religiões de matriz africana de Alagoas, é uma das entrevistadas para o filme. Para Vidal, a ialorixá antecipou o destino trágico que esperava PC. “Ela acerta tudo que fala. Os búzios dela acertam tudo. Ela contou ao PC algumas coisas, ou intuiu ou direcionou”, comenta o diretor. “A esposa do PC é uma mulher muito espiritualizada. São esses elementos ricos que tornam as figuras dos personagens brasileiros tão complexas”, complementa.

A própria natureza da atividade política, na visão de Vidal, acaba atraindo a necessidade de ferramentas que vão além do racional. “Política é uma coisa muito aberta, de muita energia, não dá para confiar só nas pesquisas de mercado. Também precisa da proteção do não visível, da energia cósmica humana que se traduz por meio da religião”, afirma.

Fuga e morte

Após a saída de Collor da Presidência, PC foge do país. O documentário mostra que durante o período em que esteve na clandestinidade no exterior, o empresário teve a ajuda de autoridades estrangeiras em alguns países. Ao retornar, passa algum tempo na prisão.

Já em liberdade, em junho de 1996, PC Farias é assassinado junto com a namorada Suzana Marcolino. A primeira versão é de que ela teria matado o empresário e se suicidado depois. Exames periciais posteriores descartam a hipótese de suicídio. Quatro policiais militares que faziam a segurança da casa em que o casal foi morto chegaram a ser julgados pelo crime em 2013, sendo absolvidos ao final.