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Casa da Tia Ciata faz campanha para cobrir prejuízos de dois furtos

A Casa da Tia Ciata, centro de memória que tem exposição permanente para manter vivo o legado da matriarca do samba e importante liderança do candomblé no Rio, está fazendo uma campanha para repor os objetos que foram levados em duas invasões consecutivas que ocorreram no espaço cultural de pouco mais de 20 metros quadrados, localizado na área chamada de Pequena África, na região portuária da capital fluminense. Em página para doações, a campanha tem o objetivo de arrecadar R$ 30 mil reais.

“A gente faz a campanha com o período de 15 dias para adquirir alguns itens que são primordiais para os nossos projetos, tipo os cabeamentos que a gente faz a roda de samba. Vai começar um outro projeto que precisa do projetor e a gente não tem. A gente não sabe se vai reaver e se vai reaver o que foi furtado. Então a gente começou essa campanha”, disse à Agência Brasil, a presidente da Casa da Tia Ciata, Gracy Mary Moreira.

No último dia 22, foram furtados eletrodomésticos como fritadeiras, um micro-ondas, um fogãozinho cooktop e caixas térmicas, além de equipamentos como projetores, refletores, caixas de som e chromecasts, aparelhos que ao serem conectados a uma TV permitem que ela reproduza conteúdos de outras mídias digitais, entre eles, vídeos ou músicas de diversas plataformas.

A equipe do centro de memória ainda não tinha se recuperado do furto, quando quatro dias depois, em uma nova invasão foram levados itens da geladeira, cartilhas impressas recentemente com informações do espaço cultural, móveis e equipamentos utilizados na Roda de Samba da Cabaça, que o espaço cultural organiza na Feira Cultural Empreendedores Tia Ciata, próximo ao Cais do Valongo, principal ponto de desembarque de africanos escravizados nas Américas, também na área da Pequena África.

“Eles levaram até os nossos livretos. A sorte é que a gente ainda tinha alguns guardados. Levaram tudo. É uma coisa muito louca”, contou Gracy Mary, destacando que apesar de quem fez os furtos ter quebrado algumas coisas dentro do centro de memória, pelo menos, não houve danos à exposição sobre Tia Ciata.

Os registros das invasões foram feitos na 4ª Delegacia de Polícia, no centro da cidade. A polícia fez perícia no local, mas ainda não há informações sobre as investigações e nem sobre os resultados da perícia. A presidente disse acreditar que o trabalho da polícia deve durar cerca de 30 dias.

Entre os objetos furtados há inclusive uma porta de alumínio. Pelo tipo de material levado,  a suspeita é de que quem roubou seja dependente químico, que usa qualquer tipo de produto para vender e comprar droga.

Somente na última terça-feira (2) é que o espaço cultural teve condições de voltar a funcionar para receber os visitantes. “A gente não tinha condição de funcionar porque precisou fazer uma obra que durou alguns dias para evitar que alguém passe de novo pela tubulação de ar. Ainda tivemos este gasto de R$ 4,5 mil, um dinheiro que a gente não estava esperando gastar”, apontou Gracy. O custo aumentou porque o espaço cultural contratou um sistema de alarmes que não existia. 

A próxima Roda de Samba da Cabaça vai ser no dia 14 de abril. Gracy adiantou que está negociando com a empresa responsável pelo sistema de som para que alugue o cabeamento para a equipe do centro de memória pagar mais adiante pelo material usado no encontro.

Campanha

Na página da campanha, a equipe do centro cultural manda um pedido de ajuda. “Não sobrou quase nada, só a nossa resiliência e certeza de que vamos nos reerguer, e para isso, contamos com você!”

No texto de apresentação da campanha, a equipe lembrou que a sede é cedida pela Prefeitura do Rio e que no espaço de pouco mais de 20m² já foram realizadas grandiosas ações, com pouco ou nenhum incentivo. “Ao longo dos anos, conquistamos nossos equipamentos e sabemos que vamos continuar”, acreditam.

A equipe destacou ainda que a Casa da Tia Ciata está localizada em uma área estabelecida pela Unesco na zona de amortecimento de patrimônio mundial do Cais do Valongo, e que esse espaço precisa ser cuidado e protegido.

Gracy Mary reivindicou mais policiamento para a área e revelou que a sede do Afoxé Filhos de Gandhi, na mesma região, também foi furtada e do local foi levada comida que seria servida em encontros do grupo.

Casa Tia Ciata é alvo de ladrões pela segunda vez em uma semana

A Casa Tia Ciata, na Rua Camerino 5, no centro do Rio de Janeiro, na região conhecida como Pequena África, foi alvo de ladrões duas vezes em uma semana. Criminosos invadiram o local e roubaram dinheiro, eletrodomésticos como micro-ondas e cooktop, cabos, refletores de LED, retroprojetor e até uma porta de alumínio.

“Ninguém merece ser assaltado, invadido. A gente quer mais tranquilidade no nosso ir e vir no território chamado Pequena África, que é conhecido pelo Cais do Valongo, patrimônio da humanidade”, disse Gracy Mary Moreira, presidente da Casa Tia Ciata.

No Instagram, há cinco dias, a Casa Tia Ciata se pronunciou sobre o primeiro assalto. “A nossa região da Pequena África tem sofrido com violências variadas, que vão de furtos e assaltos a invasões. Precisamos que o poder público olhe para esse território de potência com o cuidado necessário, trabalhando sempre em conjunto para pensar ações que interrompam o ciclo de violências na cidade na sua raiz”, diz a postagem.

O espaço cultural abriga a memória de Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata. A atuação de Tia Ciata é considerada especialmente importante na formação do samba em terras cariocas. Entre tantas pessoas, ela recebia em sua casa, que era também o seu terreiro, a chamada santíssima trindade do samba, composta por Donga, Pixinguinha e João da Baiana. Foi onde se juntou o estilo da musicalidade do Rio com o samba de roda da Bahia.

História de Tia Ciata reforça resistência cultural do povo preto

Neste sábado (13) faz 170 anos que Hilária Batista de Almeida nasceu em Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano. Conhecida no Rio de Janeiro como Tia Ciata, em abril faz cem anos que ela faleceu, após vida de intensa participação na preservação da cultura brasileira, especialmente, da população preta e no fortalecimento do candomblé contra a intolerância religiosa.

A atuação de Tia Ciata é considerada especialmente importante na formação do samba em terras cariocas. Entre tantas pessoas, ela recebia em sua casa, que era também o seu terreiro, a chamada santíssima trindade do samba, composta por Donga, Pixinguinha e João da Baiana. Foi onde se juntou o estilo da musicalidade do Rio com o samba de roda da Bahia.

Tia Ciata é homenageada em muro do Largo João da Baiana, na Pedra do Sal, zona portuária do Rio de Janeiro, tradicional reduto do samba.- Tomaz Silva/Agência Brasil

“Enquanto na casa de Tia Ciata tinha os rituais de candomblé, depois, como acontece até hoje, é o samba que graça. Primeiro tem as obrigações religiosas, depois tem a festa. Todo mundo samba e todo mundo dança. É a confraternização. É aquilombamento com nossas músicas de base africana”, comentou a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em filosofia e em história comparada, Helena Theodoro, em entrevista à Agência Brasil. A especialista destaca que esse envolvimento musical de Tia Ciata resultou ainda na criação das escolas de samba com os primeiros desfiles na Praça Onze, próximo a casa dela.

“Quando fazia isso, protegia essas duas expressões importantes da nossa cultura ancestral”, completou à Agência Brasil, o babalawo Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR) e doutor em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Candomblé

A religiosidade sempre foi muito presente na vida de Tia Ciata. Filha de Oxum, aos 16 anos já participou da fundação da Irmandade da Boa Morte, em Cachoeira, também uma cidade do recôncavo baiano. A irmandade continua até hoje graças à resistência das seguidoras. No candomblé, Hilária foi iniciada na casa do babalawo Bámgbósé Òbítíkò, da nação Ketu. Chegou ao Rio com uma filha quando tinha 22 anos e foi na cidade que se tornou Mãe-Pequena de João de Alabá, função que dá suporte ao líder do terreiro, também chamado de barracão. Na continuidade dos preceitos da religião, se tornou uma ialorixá, uma mãe de santo.

Na cidade, se casou com o funcionário público João Baptista da Silva e a família cresceu com mais 14 filhos. Morou em diversos endereços na região central do Rio, como a Pedra do Sal, ponto de referência na área conhecida como Pequena África; no Beco João Inácio; nas ruas da Alfândega, General Pedra e dos Cajueiros. Mas foi na casa da Rua Visconde de Itaúna que o encontro da cultura com a religião ficou mais forte. O casarão histórico não existe mais. Toda a área foi demolida para a construção da Avenida Presidente Vargas, uma das vias mais movimentadas da capital fluminense.

Na casa da Rua da Alfândega, onde hoje é uma loja de roupas femininas, nasceu em 1909 o músico e compositor Bucy Moreira, neto de Tia Ciata e pai de Gracy Mary Moreira, a presidente da Casa Tia Ciata, um ponto de cultura na Rua Camerino, 5, que permite ao visitante conhecer a história desta importante personagem brasileira.

Entevista com Gracy Mary Moreira, bisneta de Tia Ciata e sambista, presidente do espaço cultural Casa da Tia Ciata – Fernando Frazão/Agência Brasil

“Eu vejo que a força da Tia Ciata está representada em vários locais. Não é só no samba, mas em outros lugares. A gente pode dizer que ela atuou também como assistente social. Independente das festas, onde tinha muita comida, ela oferecia comida para as pessoas que batiam a sua porta”, apontou a bisneta à reportagem da Agência Brasil, acrescentando que Tia Ciata ainda ajudava a localizar as famílias de negros que chegavam no porto do Rio.

“Quando a gente fala dela, a gente fala na pluralidade e na diversidade que ela conseguiu colocar na casa dela. Com isso, Heitor dos Prazeres, vendo aquelas pessoas, os islâmicos, os judeus, ciganos descendentes de África, começou a dizer que a casa de Tia Ciata era a capital de uma África pequena que depois ficou como a Pequena África”, refletiu a bisneta.

Gracy contou ainda que a bisavó tinha um meio de burlar a repressão policial que havia contra os sambistas. “A polícia batia na casa de Tia Ciata e ela tinha uma expertise de mudar o gênero musical. Dizia que ali não estava tocando samba e estava tocando choro, que não era proibido. Meu pai falava isso direto. Tia Ciata foi uma mulher plural e à frente do seu tempo”, contou.

Economia

Na visão de Helena Theodoro, Tia Ciata liderou um movimento econômico informal, que assegurou renda para mulheres quituteiras. Tudo começou quando, vestida de baiana, ela montou um tabuleiro no centro do Rio para vender acarajés e foi se juntando a outras mulheres que com o trabalho passaram a garantir a renda da família. O lugar é o Largo da Carioca, que a partir daquele momento começou a ser chamado também de Tabuleiro da Baiana. “O que traz com Tia Ciata é a independência econômica e cultural das mulheres pretas do Rio de Janeiro”, afirmou a professora.

“Ela consolidou realmente um espaço de empoderamento da mulher negra, um espaço de bom convívio”, pontuou Gracy.

Segundo Helena Theodoro, além dessa força, as mulheres passam a influenciar a política. Tia Ciata foi procurada por assessores do presidente Wenceslau Braz para ver se ela poderia curar uma ferida que ele tinha na perna e não fechava nunca. Ela foi ao Palácio do Catete, na época sede da presidência da República do Brasil.

“Depois de um jogo [de búzios para consulta aos orixás] ela fez uma infusão de ervas e foi ao Palácio do Catete. Ela banhou as pernas do presidente e falou que em três dias ia secar e ele ia ficar curado. E foi isso que aconteceu”, relatou Gracy.

Em agradecimento, o presidente determinou que a polícia deixasse de fazer operações de repressão no reduto de sambistas que era a casa de Tia Ciata. “O marido dela ganhou um emprego e ela teve autorização para tocar os seus atabaques e fazer seus encontros de samba”, disse Helena Theodoro.

“Ela foi uma estrategista brilhante. Já naquele período difícil de um código criminal que mandava prender e tomar os utensílios religiosos, ela criou esta rede de proteção, a partir da sua influência com pessoas importantes atendidas por ela. Ela fazia isso como proteção para essas culturas, tanto espiritual, como a do samba e a das comidas”, apontou Ivanir dos Santos.

Espaço cultural Casa da Tia Ciata – Fernando Frazão/Agência Brasil

Preservação

Para a bisneta, a força da sua ancestral alimenta atualmente o desejo de preservação do seu legado, que é notado em uma vasta região do Rio.

“A reafirmação desse território da Pequena África é muito importante e Tia Ciata está inserida nisso. Você passa em qualquer lugar aqui, tanto no Largo da Prainha, tem imagem da Tia Ciata, na Pedra do Sal, no Morro da Conceição, no Morro da Providência. As pessoas abraçando e reconhecendo todas as atitudes e expressões que Tia Ciata trouxe. Esse é o legado dela”, indicou.

A professora Helena Theodoro lembrou que Tia Ciata também costumava se reunir com estivadores, muitos eram escravizados libertos, e que os encontros deram origem ao primeiro sindicato do Rio formado pela categoria, considerada forte nas reivindicações. “São os primeiros trabalhadores que criam o sindicato da resistência. Era uma categoria muito forte e eram todos jongueiros [que dançavam jongo de origem africana], inclusive por isso o Império Serrano é visto como uma escola sindicalista”, concluiu.

Oralidade

Tia Ciata passou os seus conhecimentos para pessoas da família, integrantes do candomblé e do samba. E foi por meio da oralidade que o legado foi passado para o neto e chegou à bisneta. “Ela conseguiu que o meu pai aprendesse para passar para as futuras gerações”, comentou Gracy, que teve dificuldade em explicar o sentimento de estar à frente da Casa Tia Ciata, guardando a memória da bisavó.

“Não tenho nem palavras para expressar. É um amor, é um carinho tão grande de mostrar essa bagagem cultural que a Tia Ciata nos deixou e trazendo isso de um modo verdadeiro para que as pessoas entendam todo o processo. É muita responsabilidade”, disse emocionada.

Espaço cultural Casa da Tia Ciata – Fernando Frazão/Agência Brasil

O visitante da Casa Tia Ciata pode também contratar um passeio guiado, no qual vai percorrer todos os pontos importantes da região da Pequena África, que segundo o babalawo, era originalmente uma área muito maior do que se mostra atualmente, porque ia desde a região portuária até o bairro do Estácio, na região central do Rio.

“Tia Ciata tem uma importância enorme. Ela representa a mulher independente, trabalhadora, religiosa, dona do seu nariz e administradora com liderança comunitária”, concluiu Helena Theodoro.

O espaço cultural Casa da Tia Ciata vai contar com programação especial em comemoração à data de nascimento da “matriarca do samba”.