Skip to content

EUA: democratas e republicanos têm política externa semelhante

Os reflexos da eleição que definirá, nesta terça-feira (5), quem será o futuro presidente dos Estados Unidos (EUA) vão muito além das fronteiras norte-americanas, tamanha influência que a maior potência militar do mundo tem no cenário externo.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil avaliam que tal influência não se restringe às atuais áreas de conflito na Europa e no Oriente Médio. Brasil, América Latina e China também aguardam ansiosamente o desfecho da disputa entre a democrata Kamala Harris, atual vice-presidente dos EUA, e o republicano Donald Trump, que presidiu o de 2017 a 2021, para traçar, de forma mais precisa, seus planos estratégicos na relação com o próximo governante norte-americano.

O pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os EUA (Ineu) e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Goulart Menezes, explica que, para o Brasil, efeitos mais significativos poderão ocorrer caso o vencedor das eleições seja o republicano.

Risco Trump

“Trump, se eleito, será um presidente de extrema direita que tenderá a reforçar laços e vínculos com a extrema direita de países latino-americanos. Algo preocupante, pois não ocorre há uns 15 anos, é o risco de ele promover, na região, candidaturas contrárias à democracia, tanto na América da Sul como na América Latina em geral”, disse à Agência Brasil o pesquisador, que tem doutorado em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).

Professor do Departamento de História da UnB, Virgílio Caixeta Arraes avalia que, independentemente de quem vencer a eleição, a relação com o Brasil será a mesma: “teremos importância secundária para os EUA”, disse Arraes. “Com exceção de poucos países da América Latina e Caribe, como México, Venezuela, Colômbia ou Cuba, por motivos diferentes, a atenção de Washington para a região é menor que a de outras localidades do planeta, como o Oriente Médio ou o sudeste asiático.”

China

Para Goulart Menezes, do Instituto Nacional de Estudos sobre os EUA, é possível que os Estados Unidos façam maior pressão nos países portuários da América do Sul, a fim de dificultar a entrada de produtos chineses e, consequentemente, a ampliação da influência política chinesa na região.

A tendência é que, independentemente de quem for o vencedor, seja mantida a política de pressão sobre a China, disse o professor.

Nesse sentido, diante dos avanços da China na América Latina e, e especial, na América do Sul, os EUA têm considerado arriscada a presença daquela potência na região. Portanto tenderá a fazer pressão em países portuários como Brasil e Peru, na tentativa de afastar os chineses comercial e politicamente”, disse o pesquisador.

Retórica da segurança

Segundo Goulart Menezes, todas essas questões – econômica, comercial, política e até mesmo ambiental – resumem-se à mesma tese argumentativa, por parte dos norte-americanos: riscos à própria segurança.

“O tema que mais mobiliza os EUA ainda é o da segurança. Até porque eles costumam pegar temas que nada têm a ver com segurança e tratam de criar uma associação. É o caso, por exemplo, da migração e das drogas. Ao abordarem os temas dessa forma, os EUA sempre responsabilizam outros governos e, de alguma forma, dizem que implicam riscos à segurança do país”, argumentou Menezes.

“No caso da relação com o Brasil, que tem como tema chave de suas políticas a questão ambiental, esta também vira uma questão de segurança. Se o Trump vencer, retomará a retórica negacionista, associando a pauta ambiental à economia. Portanto, de segurança para os EUA. Veja bem: ele [Trump] não trata o tema ambiental como uma questão de sobrevivência ou de crise climática, mas como meio para aumentar o potencial econômico dos EUA”, acrescentou.

Na avaliação do historiador Caixeta Arraes, a China é uma pedra no sapato dos EUA. A forma de lidar com a situação, tanto da candidata democrata Kamala quanto do republicano Trump, é uma questão de intensidade a ser aplicada em cada situação a ser enfrentada.

“Com a China, apesar de os dois países vivenciarem meio século de aproximação, o quadro não é animador porque o avanço de Pequim no mercado internacional e na geopolítica regional incomodam Washington, haja vista aliados como Tóquio, ou Seul, ou Taipé, por exemplo”, disse o historiador.

“Contudo, nenhum dos dois partidos tem de fato política efetiva de contenção ao crescimento da China. Ora apela-se a direitos humanos, ora à questão ambiental, ou ainda a regras comerciais internacionais, ou então à tensão militar. A diferença entre os dois partidos é na calibragem dos componentes do poderio à disposição”, disse o historiador.

Guerras

Dois conflitos chamam de forma mais intensa a atenção na política externa estadunidense: o de Israel, parceiro estratégico dos EUA, contra a Palestina e contra o Líbano; e aquele entre Rússia e Ucrânia.

“No Oriente Médio, a política dos EUA é uma política de Estado. Não de governo. Portanto, não se alterará nenhuma linha geral, a despeito do partido político vencedor”, destacou Caixeta Arraes.

Opinião semelhante sobre o conflito no Oriente Médio tem Goulart Menezes. Segundo o pesquisador, com relação a esse conflito não há nenhuma diferença entre Republicanos e Democratas. “O apoio norte-americano a Israel é incondicional”, enfatizou.

“Em maio de 1948, Israel se declara Estado. Os Estados Unidos, de imediato, reconhecem. Desde então, os palestinos foram perdendo territórios. Não falo isso de um ponto de vista ideológico. Basta comparar os mapas da época e o de agora”, disse o professor.

Ele explicou que, atualmente, o que há de diferente é o fato de Israel viver um momento em que sua margem de autonomia em relação aos EUA está maior. “Israel sempre foi dependente de fornecimento de armas vindas dos EUA. Ao dar esse apoio, os EUA conseguiam direcionar certas ações de Israel. Atualmente, eles ainda têm alguma rédea, mas em parte, ela não tem mais efeito”, disse Menezes.

O pesquisador acrescentou que essa perda, ainda que sutil, de influência sobre as ações militares de seu parceiro estratégico é percebida, inclusive, em meio às ameaças dos EUA de suspender a ajuda em caso de ataque de Israel a civis palestinos e libaneses. “Vemos que, mesmo assim, as tropas israelenses continuam fazendo seus ataques, e que o apoio dos EUA no Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas] se mantém”.

Menezes citou como exemplo o veto norte-americano à proposta de paz apresentada pelo Brasil para o conflito. “Foi uma proposta muito boa que, inclusive, recebeu sinal de apoio da Inglaterra e da França, ainda que na forma de abstenção. “O que vemos é os EUA continuando a enviar armas e dinheiro para apoio militar a Israel. Apoio este que se deve à relação histórica entre os dois países, bem como ao lobby israelense na política e nas eleições norte-americanas. Vale lembrar que é bem forte presença de judeus de diversas nacionalidades no sistema financeiro”, explicou Menezes.

Há, portanto, “certa pressão por meio do poder econômico”, acrescentou o professor, ao lembrar que, por outro lado, há também muitos judeus, tanto nos EUA como em outros países, com posicionamento crítico em relação à postura de Israel neste e em outros conflitos. “Essa pressão está cada vez maior nos EUA”.

Rússia x Ucrânia

Quanto à guerra entre Rússia e Ucrânia, as expectativas são diferentes entre republicanos e democratas. “Caso Trump retorne à Casa Branca, a política externa poderá mudar no Leste da Europa. O aspirante republicano disse que, caso vença, vai reduzir de maneira gradativa o socorro financeiro e militar e, por conseguinte, a inclinação política. Em caso de vitória da democrata, o apoio à Ucrânia mantém-se no mesmo patamar”, afirmou Caixeta Arraes.

Na avaliação de Menezes, caso Trump vença a disputa, a postura do republicano nesse conflito será oposta à dos democratas. “Ele já acenou com a retirada de apoio à Ucrânia. Não sabemos se ela será gradual ou abrupta, mas sabemos que, com isso, a guerra tomará outro curso.”

Exercício da Otan simulará confronto com rival de poder semelhante

As manobras militares anunciadas nesta quinta-feira (18) pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) vão simular um confronto contra um “adversário de dimensão comparável”. Foi essa a expressão utilizada pelo general norte-americano Christopher Cavoli, na conferência de imprensa que anunciou o exercício.

Não houve menção à Rússia, maior ameaça aos membros da Otan atualmente. O exercício militar ocorre próximo do aniversário de dois anos da invasão da Ucrânia pelas tropas de Vladmir Putin. A Suécia, que pleiteia uma vaga na aliança militar, sob forte oposição da Rússia, também participará das manobras, programadas para maio.

“Será uma demonstração clara da nossa unidade, da nossa força e da nossa determinação para nos protegermos mutuamente, para proteger os nossos valores e a ordem internacional assente em normas”, disse Cavoli, que é o comandante supremo das Forças Aliadas na Europa. Serão 90 mil militares, na maior manobra da Otan em décadas.

Efetivo

Participarão cerca de 50 navios de guerra, 80 aviões e 1.100 veículos de combate de todos os tipos. Trata-se do maior “jogo de guerra” desde o exercício “Reforger” em 1988, em plena Guerra Fria entre a União Soviética e a Aliança Atlântica.

“É um recorde em termos de número de soldados”, sublinhou, na mesma conferência de imprensa, o almirante holandês Rob Bauer. Ele é  chefe do comitê militar da Otan, organismo que reúne os chefes de Estado-Maior dos 31 países membros da organização.

O Reino Unido vai enviar 20.000 soldados do Exército, da Marinha e da Força Aérea para as manobras militares, confirmou na última segunda-feira (15) o secretário da Defesa britânico, Grant Shapps.

Shapps revelou que cerca de 16.000 soldados, com tanques, artilharia e helicópteros, serão enviados pelo Exército britânico para toda a Europa de Leste no âmbito dessas manobras militares da Aliança, que funcionarão como preparação para repelir uma potencial agressão russa.

Desde o início da ofensiva russa em grande escala na Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, a Aliança Atlântica reforçou consideravelmente as suas defesas na frente oriental, enviando para lá milhares de soldados.

Segundo Bauer, as forças terrestres russas sofreram pesadas perdas em solo ucraniano. Ele sublinhou, contudo, que a Marinha e a Força Aérea russas continuam a ser forças “consideráveis”.

“Os combates intensos” prosseguem, mas “embora os ataques russos sejam devastadores, não são significativos do ponto de vista militar”, sustentou.

* Com informações da Agência Lusa