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Câncer infantil muda rotina de pais e crianças em busca da cura

Flora, de 9 anos, garante que é tagarela somente fora da escola. A menina tem muito o que falar. Na escola, fica quietinha porque gosta de matemática e até acha fácil. Adora as aulas de português, de redação e também de inglês. As palavras se misturam ao olhar doce e sorridente. Em casa, devora os gibis da turma da Mônica. Diverte-se também em contar as suas histórias, das amigas da escola, das viagens que fez para o Nordeste e dos filmes e desenhos que assiste na TV. A tagarela também sabe que está em um longo tratamento para cuidar de um “dodói”, como os pais explicam.

A mãe, Cris Pereira, e o pai, Guto Martins, ambos músicos de Brasília e pais também da jovem Poema, de 15 anos, aprenderam que é necessário falar e dar visibilidade a esse dodói. “É fundamental falar sobre o câncer infantil”, diz a mãe, sambista. Além disso, fazem questão de divulgar que os sistemas públicos de saúde, desde o diagnóstico, e de educação têm sido fundamentais na luta por Flora.

Primeiros sinais

Cris solta a voz porque sabe que pode ajudar outras pessoas a prestarem atenção em sinais que podem fazer toda a diferença no tratamento. “Não pode haver tabu”, diz Guto. Cris recorda que o primeiro sinal em Flora foi aos seis meses, um pequeno estrabismo do olho esquerdo. Eram os primeiros sinais do astrocitoma pilocítico, um tumor na cabeça que, no caso de Flora, pressiona a parte anterior ao olho.

Depois da menina apresentar outros momentos de indisposição, e de tentarem encontrar o que estava ocorrendo, um ano depois, o casal recebeu a notícia que ninguém queria receber. O dia era 3 de outubro de 2016, uma sexta-feira, quando pediram que fosse feito um exame mais detalhado em função do olhinho estar um pouco mais saltado. O casal, quando se viu rodeado por diferentes profissionais, sabia que algo havia sido descoberto.

“Foi como se a gente tivesse passado por um portal e que nunca nada seria como antes”, recorda a mãe. O tumor na cabeça da criança já tinha seis centímetros. Três dias depois a criança passou pela primeira cirurgia.

Um mundo de pensamentos surgiu. Mas, inicialmente, descobriram que era necessário se resignar e lutar. “Foi muito importante não nos sentirmos sozinhos. Eu conto essa história que foi vivida em 72 horas em que tudo mudou”. Inclusive o olhar deles para outras pessoas. Ao observar a vida hospitalar, conheceram histórias de pessoas em situações ainda mais delicadas.

Vivendo depois do “portal”

A primeira cirurgia seria apenas o começo de uma jornada intensa que está no caminho de completar uma década. Em novembro daquele ano começaram as sessões de quimioterapia. Os ciclos foram acompanhados, inicialmente, com muita surpresa para os pais. A rotina fez com que eles parassem de contabilizar quando chegou ao número 120. “Entendemos que os protocolos são para fragilizar o tumor a ponto que essas células parem de se produzir”.

Cris e Guto aprenderam a viver a rotina de cuidados da filha Flora. A menina trata um astrocitoma pilocítico desde os primeiros anos de vida. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O casal, no caminho, decidiu que era necessário divulgar o que ocorria na família. Até uma página no Instagram (@mamaetocomcancer) foi criada. No canal, dividem experiências com outras famílias, falam das pequenas vitórias de todos os dias ou compartilham os desafios que aparecem.

Ao longo desse processo, não foi raro para o casal ver mães abandonadas com seus filhos doentes. Mulheres que, literalmente, vivem em hospitais. Guto vê menos homens acompanhando os seus filhos em tratamento. “Acho muito triste isso. A gente sempre se revezou muito. Há mulheres cuidando de crianças sem nenhuma rede de apoio, são pessoas em vulnerabilidade real sem dinheiro para fazer um lanche”.

Os dias são diferentes uns dos outros, mas acostumaram-se que é necessário viver com pragmatismo e intensidade cada momento. Atualmente, por causa da agressividade do tumor, Flora passa por um tratamento chamado de “terapia-alvo”, feito através de mapeamento genético. Medicamentos custam caro. São necessárias duas caixas por mês (cada uma custa cerca de R$ 6 mil). Atualmente, a família tem sido atendida por decisão judicial que garante o pagamento por parte do plano de saúde.

Diagnóstico precoce

Segundo o neurocirurgião pediátrico Márcio Marcelino, do Hospital da Criança de Brasília – que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – é muito importante a iniciativa de trazer visibilidade e falar sobre o câncer infantil. Principalmente porque as primeiras manifestações podem passar despercebidas e não se pode fugir dessa possibilidade.

“Essa família ficou frequentando emergências e emergências de diversos hospitais. Não é só no Brasil. A gente tem documentado inúmeras iniciativas fora do país de conscientização e de alerta dos serviços de saúde para isso”, afirma o especialista.

Ele explica que o diagnóstico precoce pode fazer toda a diferença. O motivo é simples: quando se encontra uma lesão nas fases iniciais, há três benefícios para a criança. “O primeiro é que o tumor tem uma dimensão menor”. Isso facilita o procedimento cirúrgico, se for o caso. O segundo benefício é que diminui a possibilidade de encontrar uma doença já com disseminação. O terceiro motivo é que evita situações em que a criança passe meses mais debilitada. Isso não quer dizer, conforme destaca, que não exista tratamento se houver diagnóstico tardio.

O especialista explica que o avanço da ciência é fantástico no que diz respeito ao tratamento do câncer. “Nós estamos conseguindo diferenciar dentro de um mesmo tipo de tumor os vários subtipos. E com esses subtipos geneticamente determinados desses tumores, a gente está conseguindo definir melhor quais são os prognósticos e qual o melhor tratamento”, argumenta.

Esse avanço da ciência tem se mostrado revolucionário, segundo Márcio Marcelino. O diagnóstico precoce é o início da caminhada. “Pode ser um baque para a família. Mas é importante que eles saibam que nunca estão sozinhos”. No caso de Flora, o médico já foi responsável por quatro cirurgias. “Estamos na luta. A última cirurgia foi o que ajudou muito na lesão dela”.

Nesse caminho de Flora, a mãe ensina a ser intensa em todas as horas. Os dias de internação até serviram de inspiração para compor um hino de levante feminista. Entre os versos está: “resistência em mim se acendeu”. Mas a menina também ensina, mesmo com o dodói e tão criança, que é necessário tagarelar, sorrir e lutar a cada dia.

G20 muda a rotina do Rio de Janeiro

O esquema de segurança montado no primeiro dia da reunião da Cúpula de Líderes do G20 que ocorre no Rio de Janeiro será repetido nesta terça-feira (19), segundo dia do encontro. Como a prefeitura do Rio decretou feriado nos dois dias do evento, o trânsito e os meios de transporte estão com movimento reduzido.

Hoje, cinco estações do Metrô permanecem fechadas, em função da reunião de chefes de Estado e de Governo no Museu de Arte Moderna (MAM), no Aterro do Flamengo. As estações Uruguaiana, Carioca, Cinelândia, Glória e Catete estarão fechadas das 8 às 19h. As outras estações das linhas 1 e 2 seguem funcionando normalmente.

O Aterro do Flamengo permanece fechado devido ao deslocamento das comitivas das autoridades. Por medida de segurança, o Aeroporto Santos Dumont, na região central da cidade, permanece fechado pelo segundo dia. Os voos da ponte aérea foram transferidos para o Aeroporto Internacional do Rio/ Galeão, na Ilha do Governador.

O fechamento da orla da zona sul e do Aterro vai até a próxima quarta-feira (20), feriado nacional da Consciência Negra, devido ao retorno das comitivas das autoridades com destino a seus países.

Tecnologia de ponta

O Centro Integrado de Controle Móvel (CICC Móvel) da Polícia Militar foi instalado nas proximidades do MAM para dar suporte logístico e operacional ao G20, que reúne chefes de Estado das maiores economias do mundo, mais a União Africana e União Europeia

A estrutura reúne os mais avançados recursos tecnológicos, permitindo dar uma resposta rápida e eficaz a qualquer incidente.

“O CICC Móvel é um veículo que reúne o que há de melhor e mais avançado em recursos tecnológicos, proporcionando agilidade às ações, garantindo mais segurança a grandes eventos, como o G20. Ele foi um grande aliado da segurança no réveillon, no show da cantora Madonna, e desta vez não será diferente”, disse o governador do Rio, Cláudio Castro.

O caminhão é equipado com drone, câmera de alta capacidade de zoom e térmica, acoplada a mastro telescópico e câmeras de reconhecimento facial.  “Podemos observar tudo que acontece no nosso entorno e recebemos ainda imagens de câmeras instaladas em vias públicas, que também são compartilhadas com o CICC. Desta forma, é possível tomar decisões imediatas em caso de qualquer emergência” explicou o major Maicon Pereira, porta-voz da Polícia Militar.

Toda a movimentação da cidade é acompanhada também em tempo real, com equipamentos que possuem sistemas de reconhecimento facial e de leitura de placas de automóveis instaladas em vias expressas, como as Linhas Vermelha, Amarela e Avenida Brasil. Até o feriado desta quarta-feira (20), mais de 15 mil agentes da Polícia Militar estarão mobilizados para reforçar a segurança em pontos estratégicos do Rio.

G20 muda rotina da cidade do Rio, que entra em Estágio 2

A cidade do Rio de Janeiro entrou em Estágio 2 às 12h desta quarta-feira (13), em função da realização de uma série de eventos relacionados ao G20, desde esta quinta-feira (14) ao dia 19, o que mobilizará inúmeros órgãos municipais e mudará a rotina da cidade. 

O Estágio 2 é o segundo nível em uma escala de 5 e significa que há riscos de ocorrências de alto impacto na cidade. Os estágios são classificados em função de chuva, grandes eventos e/ou outros fatores.

A partir desta quinta-feira até o dia 17 de novembro, na região da Praça Mauá e zona portuária, acontecerão o G20 Social, o Festival Aliança Global e o U20. Já nos dias 18 e 19, será a Reunião de Cúpula do G20, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM).

De acordo com o Centro de Operações da Prefeitura do Rio de Janeiro, no período entre 15 a 20 de novembro não serão implantadas as áreas de lazer no Aterro do Flamengo e na orla da zona sul da cidade, mas as pistas do Aterro e de acesso às praias da zona sul permanecerão abertas.

Equipes operacionais permanecerão de prontidão no Centro de Operações e vão monitorar os deslocamentos das comitivas que estão na cidade para o G20, o que exigirá fechamento momentâneo das vias para a passagem dos comboios das autoridades nacionais e internacionais.

As principais vias onde haverá fluxo frequente das delegações são Linha Vermelha, Avenida Brasil, Via Expressa do Porto (antiga Avenida Rodrigues Alves), Túnel Marcelo Alencar, Enseada de Botafogo, Avenida Princesa Isabel, Avenida Atlântica, Rua Francisco Otaviano, Avenida Vieira Souto, Avenida Delfim Moreira, Avenida Niemeyer, Auto-Estrada Engenheiro Fernando Mac Dowell (Autoestrada Lagoa-Barra), Avenida Ministro Ivan Lins, Avenida Lúcio Costa, Avenida Ayrton Senna e Linha Amarela.

Lula está apto a exercer sua rotina de trabalho, diz boletim de saúde

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou exames, nesta terça-feira (22), em Brasília, e, de acordo com o boletim médico do Hospital Sírio-Libanês, o quadro é estável e Lula está apto a exercer sua rotina de trabalho. O boletim, entretanto, não menciona a possibilidade de viagens, mas diz que novo exame de controle será feito em 72 horas.

No último sábado (19), Lula sofreu uma queda no banheiro da residência oficial, no Palácio da Alvorada, bateu a cabeça e precisou levar cinco pontos na região da nuca. Na ocasião, os exames de imagem mostraram uma pequena hemorragia no cérebro e a equipe médica recomendou, por precaução, evitar viagens de longa distância, como a que Lula faria para participar da Cúpula de Líderes do Brics, em Kazan, na Rússia.

“O exame de imagem está estável em comparação ao anterior, com a programação de realizar novo exame de controle em 72h. Encontra-se apto a exercer sua rotina de trabalho”, diz o boletim.

O presidente permanece sob acompanhamento da sua equipe médica, aos cuidados do seu médico pessoal, Roberto Kalil Filho, e da médica da Presidência, Ana Helena Germoglio.

No retorno da Rússia, estava prevista a participação do presidente em atos de campanha no estado de São Paulo, por ocasião do segundo turno das eleições municipais, no domingo (27), além do voto em São Bernardo do Campo, domicílio eleitoral de Lula. O presidente tem também viagem marcada para Cali, na Colômbia, onde ocorre a conferência das Nações Unidas sobre biodiversidade até o próximo dia 1° de novembro.

A Agência Brasil entrou em contato com a Secretaria de Comunicação da Presidência para esclarecer sobre a previsão de viagens e aguarda informações.

 

Sete a cada dez estudantes usam IA na rotina de estudos

Sete a cada dez estudantes universitários ou que têm interesse em cursar uma faculdade utilizam frequentemente ferramentas de inteligência artificial (IA) na rotina de estudos. Uma porcentagem um pouco maior, 80%, conhecem as principais ferramentas, como ChatGPT e Gemini.

Os dados fazem parte de da pesquisa Inteligência Artificial na Educação Superior, realizada pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), em parceria com a Educa Insights, divulgada nesta terça-feira (6). Segundo o levantamento 29% dos entrevistados utilizam as ferramentas nos estudos diariamente e 42%, semanalmente, totalizando 71% que usam a IA frequentemente.

Inteligência Artificial – Ciência, Tecnologia; Pesquisa. Foto: Rawpick/Freepick – Rawpick/Freepick

A pesquisa foi feita em julho de 2024 com 300 estudantes universitários que ingressaram na faculdade entre o fim de 2023 e início de 2024 e com estudantes que têm interesse em uma graduação particular, com idades entre 17 e 50 anos, das cinco regiões do país.

O levantamento mostra ainda que houve um aumento em relação ao uso de IA constatado na primeira pesquisa, realizada em 2023. Em 2024, houve um aumento de 11 pontos percentuais na quantidade de universitários e futuros universitários que afirmaram conhecer ferramentas de IA. Em 2023, eram 69%. Além disso, houve um aumento de 18 pontos percentuais naqueles que fazem uso frequente na vida acadêmica. Essa porcentagem era 53% em 2023.

Entre os benefícios da IA citados pelos participantes estão a possibilidade de aprender a qualquer momento em qualquer lugar (53%); o acesso a informações e conteúdos mais atualizados e diversificados (50%); e, melhora na eficiência e rapidez na resolução de dúvidas e problemas (49%).

Já os principais desafios na utilização de IA na educação mencionados pelos entrevistados são a falta de interação humana (52%); a dependência excessiva em tecnologias que podem falhar ou ficar obsoletas rapidamente (49%); e, a possibilidade de erros nas avaliações e correções realizadas por inteligências artificiais (41%).

Substituição por IA

Cerca da metade dos participantes (56%) acredita que as ferramentas estão cada vez mais confiáveis em atividades acadêmicas a ponto de 84% considerarem que, futuramente, a IA poderá substituir parcialmente a atuação dos professores em sala de aula, seja na estruturação das aulas ou no auxílio à correção dos trabalhos e provas.

Quando se trata do mercado de trabalho, no entanto, embora 45% dos entrevistados considerem alto o impacto que a automação da rotina laboral pode ter, apenas 14% acreditam que serão totalmente substituídos por máquinas em suas profissões.

Outros 41% disseram que a substituição dependerá do ramo de atuação e 37% responderam que não haverá substituição, mas que as ferramentas serão um apoio na realização do trabalho.

Diante desse cenário, 74% dos estudantes que participaram do levantamento consideram importante ou muito importante que as instituições de ensino superior invistam em IA e incorporem as ferramentas no ensino.

Novo Ensino Médio mudará rotina da comunidade escolar

A aprovação da reforma do ensino médio pela Comissão da Educação do Senado representa mais um passo para mudanças bastante significativas não apenas na rotina de profissionais da educação e de alunos, mas também para as famílias desses estudantes e para as comunidades. Para que seja de fato implementado e garanta a qualidade e equidade na educação, será necessário o empenho e articulação dos entes federados, assim como da comunidade escolar e de universidades, visando a formação de professores para o novo currículo.

Como o texto aprovado do PL 5.230/23 na comissão é um substitutivo, ele terá de retornar à Câmara dos Deputados, caso se confirme a aprovação no plenário do Senado. O texto aprovado prevê a ampliação da carga horária mínima total destinada à formação geral básica (FGB), das atuais 1,8 mil horas para 2,4 mil. A carga horária mínima anual do ensino médio passa de 800 para 1 mil horas distribuídas em 200 dias letivos.

Há a possibilidade de essa carga ser ampliada progressivamente para 1,4 mil horas, desde que levando em conta prazos e metas estabelecidos no Plano Nacional de Educação (PNE), respeitando uma distribuição que seja de 70% para formação geral básica e 30% para os itinerários formativos – disciplinas, projetos, oficinas e núcleos de estudo a serem escolhidos pelos estudantes nos três anos da etapa final da educação básica.

Segundo o substitutivo aprovado, da relatora do PL no Senado, Dorinha Seabra (União-TO), a partir de 2029, as cargas horárias totais de cursos de ensino médio com ênfase em formação técnica e profissional serão ampliadas, de 3 mil horas para 3,2 mil; 3,4 mil; e 3,6 mil quando se ofertarem, respectivamente, cursos técnicos com carga específica de 800 horas, 1 mil  horas e 1,2 mil horas.

Língua espanhola

Entre os destaques apresentados pela parlamentar no relatório figura a inclusão da língua espanhola como componente curricular obrigatório, além do inglês. Outros idiomas poderão ser ofertados em localidades com influências de países cujas línguas oficiais sejam outras, de acordo com a comunidade escolar (professores, técnicos administrativos, estudantes e pais ou responsáveis).

A ampliação da carga horária e a inclusão da língua espanhola entre as disciplinas a serem ministradas são pontos positivos da reforma, segundo a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Catarina de Almeida Santos. Ela chama atenção para alguns problemas que podem decorrer da forma como serão implementadas.

“O texto aprovado pela comissão do Senado apresenta alguns avanços, ainda que insuficientes, na comparação com o texto enviado pela Câmara”, disse a educadora à Agência Brasil. “Trazer o espanhol de volta é algo positivo, se levarmos em consideração nossa identidade continental. Mas é preciso estabelecermos uma divisão clara das cargas horárias, uma vez que horas dedicadas a espanhol são horas a menos para outros conteúdos”, disse ela ao destacar ser necessário, também, que haja clareza, no novo ensino médio, com relação não apenas à carga horária de cada disciplina, mas também aos conteúdos que serão apresentados.

Segundo a educadora, o substitutivo manteve brechas especialmente relativas à educação profissional, uma vez que não ficou claro quais seriam as disciplinas que vão compor tais áreas. “É preciso dizer as áreas do conhecimento e, dentro delas, definir disciplinas e carga horária. A nova legislação precisa apresentar e detalhar isso; pegar as áreas de conhecimento e dizer o que vai compor em termos de disciplinas”.

Diretor de Políticas Públicas da ONG Todos Pela Educação, Gabriel Corrêa diz que a obrigatoriedade da língua espanhola no ensino médio será provavelmente um ponto de discordância, quando a matéria retornar à Câmara.

“É possível que a Câmara não acate todas mudanças feitas pela senadora Dorinha no texto. Antevejo discordância de alguns com relação à obrigatoriedade do espanhol no ensino médio. O problema, talvez, seja colocá-lo na parte comum, como mais uma disciplina obrigatória, porque implicaria na diminuição da carga horária de outras disciplinas importantes”, disse.

A solução, segundo ele, seria a de colocar o espanhol como disciplina opcional, em vez de obrigatória. “Se as escolas já funcionassem em tempo integral, não haveria esse problema, porque a carga horária seria maior”, complementou ao lembrar que essa obrigatoriedade foi publicamente criticada pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação – o que certamente será usado como argumento pelos contrários.

Itinerários formativos

Criados com o objetivo de aprofundar áreas de conhecimento ou de formação técnica profissional – levando em conta a importância desses conteúdos para o contexto local e as possibilidades do sistema de ensino –, os itinerários formativos terão carga horária mínima de 800 horas nos três anos de ensino médio.

Na avaliação de Catarina de Almeida, da UnB, o aumento da carga horária do técnico profissionalizante acabaria por resultar na diminuição da formação básica, o que, segundo ela, não seria bom.

“Levando em consideração o atual quadro de professores e a infraestrutura limitada das escolas, o correto seria não fazer essa divisão [entre áreas de conhecimento e técnico profissionalizante], e sim focar exclusivamente em uma formação básica, comum a todos. Isso, na verdade, significa os dois tipos para todos. Ao separar o processo, teremos estudantes com menos informação do básico”, argumentou.

Se for para implementar com essa divisão, que seja, na avaliação dela, aumentando a carga horária total. Nesse caso, ela sugere que se postergue a implementação das novas regras. “A pressa pode atrapalhar a perfeição. Se o Brasil está atrasado nessa reformulação, ficará ainda mais com a necessidade de, depois, ter de fazer mais uma reforma. Isso prejudicaria mais gerações. O melhor é centrar esforços em uma reforma robusta que possa ficar por muito tempo”.

Com relação aos itinerários formativos, a grande preocupação manifestada por parlamentares durante a tramitação do texto foi a de resultarem em conteúdos e atividades de pouca relevância para a formação do estudante. Foi inclusive citado o caso de uma aula dedicada a ensinar estudantes a prepararem brigadeiro gourmet.

A ideia proposta prevê que os itinerários têm de estar articulados com as quatro áreas de conhecimento previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC): linguagens e suas tecnologias, integrada pela língua portuguesa e suas literaturas, língua inglesa, artes e educação física; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias, integrada pela biologia, física e química; e ciências humanas e sociais aplicadas, integrada pela filosofia, geografia, história e sociologia.

As diretrizes nacionais que aprofundarão cada uma das áreas do conhecimento ficarão a cargo do Ministério da Educação (MEC), em parceria com os sistemas estaduais e distrital de ensino.

Tempo integral

O projeto em tramitação no Senado aponta para a importância do tempo integral, e isso certamente constará na lei, segundo Gabriel Corrêa, da ONG Todos pela Educação. Enquanto isso não acontece, o Senado propôs a ampliação da carga diária atual, de 5 horas, no caso dos estudantes que optarem por curso técnico. Já a Câmara defende cargas horárias iguais para os dois grupos – técnico profissionalizante e áreas de conhecimento.

“Há alguns problemas com relação ao tempo integral. Um deles é que as redes [de ensino] das secretarias de educação terão de ofertar estrutura para alunos ficarem mais tempo na escola, o que resulta em mais trabalho, recursos e contratações de professores. Outro ponto está relacionado ao risco de os estudantes optarem por uma frente, apenas pelo fato de ficarem menos tempo em sala de aula. Em outras palavras, desestimularia a escolha pelos cursos técnicos, caso a carga horária diária deles seja maior”, argumentou o diretor.

A ONG Todos pela Educação defende que não haja essa distinção entre as duas frentes, até porque mais carga atrapalha a oferta do poder público para a expansão da rede. “O ideal é que todos tenham a mesma carga horária, independentemente do caminho a ser escolhido. Com isso, a escolha é em função da vocação e dos interesses, e não da preguiça de fazer menos aulas. Por fim, isso pode confundir os estudantes, levando-os a acreditar que uma maior carga horária indicaria maior relevância”.

Notório saber

Um outro ponto polêmico do texto substitutivo aprovado na comissão do Senado é o que trata da possibilidade de algumas aulas serem ministradas por pessoas sem diploma de licenciatura específico para a disciplina, mas que tenham notório saber e experiência comprovada no campo da formação técnica e profissional. Algo similar já ocorre, por exemplo, quando engenheiros dão aula de matemática.

Segundo a relatora Dorinha Seabra, a atuação desses profissionais de notório saber será “em caráter excepcional, mediante justificativa do sistema de ensino e regulamentação do Conselho Nacional de Educação (CNE).”

Essa possibilidade preocupa a educadora Catarina de Almeida Santos, da UnB. Segundo ela, esse tipo de situação implica risco de, ao autorizar aulas ministradas por pessoas de notório saber, a nova legislação coloca à frente das salas de aula pessoas leigas, em vez de profissionais habilitados da área. “A meu ver, notório saber não tem relação com saber prático”.

Essa possibilidade foi também criticada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). “Um ponto considerado negativo foi a permanência do notório saber, embora o texto aponte para a normatização nacional e excepcional da contratação desses profissionais para atuarem no itinerário da formação técnico-profissional”, ponderou a entidade.

Esforço conjunto

A relatora Dorinha Seabra disse à Agência Brasil que, para ser implementada de forma adequada, a nova proposta vai requerer esforço do estado e do governo federal, para melhorar a estrutura das escolas. Em especial, as estruturas de laboratórios e bibliotecas.

“Será necessário um aprofundamento em relação às disciplinas básicas. Quando se trata da educação profissional, requer uma estrutura ainda maior de investimento em laboratórios e livros; em atividades extras. Temos um grande desafio, a exemplo dos profissionais e de funcionamento das escolas”, disse.

Dorinha acrescentou que o aumento de carga horária vai requerer mais dedicação também de alunos e professores. “O tempo integral fica no foco de todo conjunto, [passando por] ampliação da carga horária e permanência na escola”.

Ainda segundo a senadora, o olhar do novo do ensino médio tem que estar cada dia mais inserido no seu espaço; na sua localidade. “Requer a participação da comunidade nesses espaços coletivos de formação e leituras em relação ao meio em que está inserido, bem como aos espaços no mundo do trabalho.”

A ONG Todos pela Educação alerta que “sem o apoio do governo federal ao estado, e dos estados às escolas, o abismo entre escolas públicas e privadas permanecerá mesmo com o país tendo sua legislação melhorada.”

A aprovação pelo Legislativo, segundo Corrêa, é apenas um primeiro passo para novos desafios. “Na sequência teremos outros desafios, até que consigamos, de forma gradual, fazer as mudanças que melhorarão o ensino médio do país. Será uma fase complexa e não rápida, tomando pelo menos os anos de 2025 e 2026”, afirmou.

Segundo ele, os desafios para a implementação das novas regras passam pela preparação de infraestruturas, profissionais, materiais e pelas avaliações que são necessárias para identificar o que pode ser melhorado.

“Além disso, será necessário estabelecer uma nova comunicação [das autoridades] com estudantes e famílias sobre as mudanças que virão. Apoiar os estudantes inclusive para que eles apoiem a escola. Não adianta o poder público se preparar e as comunidades não se apropriarem desse modelo”, complementou.

Além de campanhas midiáticas, será necessária muita atuação no ambiente escolar, no sentido de preparar professores e diretores. “Serão momentos de debates sobre projetos de vida e opções disponibilizadas pelo ensino médio. Não é apenas o governo chegar e expor suas intenções. Será necessário ouvir, dialogar e envolver o jovem nesse processo de escolha. Não será algo fácil. Por isso precisaremos de uma coordenação muito boa entre MEC e secretarias estaduais/distrital de educação”.

Aulas noturnas

Outra sugestão apresentada no relatório da parlamentar é a obrigatoriedade de os estados manterem pelo menos uma escola com ensino médio regular noturno em cada município, caso haja demanda comprovada.

O relatório prevê, ainda, formação continuada de professores, de forma a garantir que eles estejam preparados para as novas diretrizes e metodologias, “com foco em orientações didáticas e reflexões metodológicas, assegurando o sucesso das transformações propostas para o ensino médio.”

Ministro

O ministro da Educação, Camilo Santana, comemorou pelas redes sociais a aprovação do substitutivo na comissão do Senado. Em tom de agradecimento aos parlamentares, ele destacou, entre os avanços, a manutenção das 2,4 mil horas, conforme proposto pelo governo federal, para a formação geral básica e fortalecimento da formação técnica de nível médio.

Segundo ele, esta foi uma vitória para a educação e para a juventude do Brasil. “Prevalece o interesse maior, que é comum aos que trabalham por um país de mais oportunidades: a construção de um ensino médio capaz de contribuir para tornar a escola pública mais atrativa, gratuita e de qualidade para todas e todos”, disse.

Após um mês de calamidade, gaúchos não conseguem retomar rotina

A catástrofe climática no Rio Grande do Sul ainda está longe de terminar para o povo gaúcho, que vive agora os efeitos prolongados da devastação causada pelas enchentes e inundações. No dia em que o decreto que reconheceu a calamidade pública completa um mês, ainda há 37,8 mil pessoas em abrigos e mais de 580 mil fora de casa. Quem conseguiu voltar para casa encontrou um cenário de absoluta destruição e perdas inestimáveis.

A catadora de material reciclável Claudia Rodrigues, 52 anos, que mora na região da Vila Farrapos, zona norte de Porto Alegre, voltou há menos de dois dias para casa. Antes, ela passou quase quatro semanas acampada à beira da rodovia Freeway, que corta a cidade pela zona norte, em uma cena que se tornou comum na região metropolitana. A rua ainda está alagada na altura dos calcanhares, mas dentro de casa a água baixou completamente, revelando um ambiente repleto de lama, ratos mortos, móveis revirados, eletrodomésticos perdidos.

“A dor que eu estou sentindo não tem como explicar, uma mágoa. Olhar para o teu próprio lar e ver um nada. A gente se vê na escuridão. Mas eu creio que vai dar certo e que isso é passageiro, só que até as coisas se ajeitaram é complicado”, desabafa.

Moradora da Vila Farrapos, zona norte de Porto Alegre, Claudia Rodrigues perdeu móveis e o fogão na inundação. Foto: Claudia Rodrigues/Arquivo Pessoal

Ela só conseguiu voltar para casa porque o terreno tem um desnível e a parte do quarto, que fica acima, não foi alcançada pela água, preservando apenas a cama e o guarda-roupas. Com tanta sujeita e camadas de lama e entulho acumulada, a limpeza deve levar vários dias. Outro problema é o comprometimento da estrutura do imóvel. Claudia notou que as paredes estão com rachaduras e a laje está se soltando. Sem o fogão, destruído pela inundação, ela está dependendo da doação de quentinhas para se alimentar. A energia no bairro só foi religada na manhã deste sábado (1º).

Em Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, a autônoma Andressa Pires, 31 anos, mãe solo de três filhos, ainda não conseguiu voltar para casa. Ela vive com os filhos, os irmãos, uma cunhada e os pais em um terreno grande com três casas, no centro da cidade. Eldorado do Sul teve praticamente 100% da área urbana inundada.

“Tá tudo muito úmido em casa, o pátio ainda está sujo e com muita lama para conseguir levar meus pais e as crianças de volta ao lar”, conta. A reportagem da Agência Brasil esteve com Andressa no dia 22 de maio, quando ela estava já no quarto dia de limpeza da casa. Outro problema, segundo ela, é que nem todo o comércio da cidade voltou ao normal, então não há padarias, farmácias nem mercados próximos. Andressa e os familiares fazem parte da estatística das pessoas desalojadas. Eles estão na casa de parentes em Charqueadas, município vizinho.

Vale do Taquari

No Vale do Taquari, que sobreviveu a três enchentes, sendo a do mês passado a pior de todas, o momento ainda é de recuperação do básico. Um dos epicentros da tragédia foi o pequeno município de Muçum, com seus 4,8 mil habitantes. Cerca de 80% da área urbana foi inundada. A prefeitura calcula que vai precisar realocar cerca de 40% dessa área para outros locais seguros contra enchentes e deslizamentos, que também causaram danos e bloqueios de estradas.

“O município de Muçum está no momento ainda de limpeza urbana, de desobstrução de vias e de condições de trafegabilidade, principalmente para o pessoal do interior [zona rural]. A gente destaca que algumas propriedades do interior do município ainda não têm energia elétrica e que o trabalho é intenso para poder devolver essa condição para esses moradores, que é o mínimo que eles podem ter para conseguir restabelecer sua produção. [Aqui] tem muitos produtores de leite que estão, infelizmente, tendo que jogar fora sua produção por falta de condições e também de acesso. E isso tem sido o foco principal do nosso trabalho”, explica o prefeito do município, Mateus Trojan (MDB), em entrevista à Agência Brasil.

Segundo Trojan, a continuidade das chuvas, mesmos após a baixa do Rio Taquari, que chegou a subir mais de 25 metros, acabou prejudicando os esforços de recuperação da infraestrutura.

O Vale do Taquari compreende dezenas de municípios na região central do Rio Grande do Sul, com forte presença da agricultura familiar e uma agroindústria pujante. Um dos desafios é conseguir reter empresas e empregos na região, que começa a sentir os efeitos da devastação. “O processo, agora, é gradativo pela recuperação das empresas, do comércio, do setor primário como um todo. As lavouras foram muito prejudicadas sem os acessos, gerando custos maiores de produção, mas são coisas que também ao longo das semanas a gente vai buscando amenizar os impactos, buscando alternativas de linhas de crédito e de incentivos para que a gente possa reverter essa situação e recuperar todo o nosso setor produtivo”, acrescentou Trojan.

Região Sul

Enquanto a água das inundações no Vale do Taquari e na região metropolitana de Porto Alegre baixaram, na Região Sul do estado os alagamentos ainda persistem. Em Pelotas, por exemplo, cerca de 4 mil moradores da Colônia Z, uma comunidade de pescadores artesanais às margens da Lagoa dos Patos, estão com as casas inundadas.

“A água estabilizou, não encheu mais, o que é um bom sinal. E começa a baixar. As coisas vão se normalizar, mas vai levar um tempo. Tem muita gente em abrigo, na casa de parentes, cerca de 70% dos moradores desalojados”, estima o presidente do Sindicato dos Pescadores da Colônia Z3, Nilmar Conceição. A preocupação segue sendo uma crise econômica prolongada para o setor pesqueiro de toda a região sul do estado, que abrange municípios como Pelotas, Rio Grande, São José do Norte e São Lourenço, já que a perspectiva dos pescadores artesanais é que a lagoa não renda mais pesca este ano, mesmo após o período do seguro-defeso.

O município de Muçum, no Vale do Taquari, foi devastado pelas águas. Cerca de 40% da área urbana terá que ser realocada. Foto: @andreconceicaoz_ / @colli.agenciacriativa

A Lagoa dos Patos recebe as águas que vêm do Lago Guaíba, em Porto Alegre, e de outros afluentes. No último dia 29 de maio, o nível da água estava 2,20 metros, mais baixo do que medições anteriores. Já o canal São Gonçalo, um canal natural de 76 quilômetros (km) que liga a Lagoa dos Patos à Lagoa Mirim, passando pela área urbana de Pelotas, estava com inundação de 2,86 metros, bem abaixo dos 3,13 metros que havia chegado na semana passada, o maior volume da história. O canal é fonte de preocupação porque há um dique de 3 metros protegendo cerca de cinco bairros com mais de 40 mil pessoas.

Serra Gaúcha

Outra região do estado atingida pelas enchentes também tenta se recuperar após um mês da tragédia. Gramado, na Serra Gaúcha, que registrou deslizamentos de terra, bloqueio de estradas e mais de 1 mil desabrigados, retomou a atividade turística. A cidade é o principal destino turístico do Rio Grande do Sul.

“Todos os atrativos reabertos. Muitos hotéis com boa ocupação. Ainda não é o normal, estamos um pouco longe disso, mas é um respiro em meio a isso tudo”, disse à Agência Brasil o secretário de Turismo do município, Ricardo Bertolucci Reginato.

Ações de reconstrução

No dia 17 de maio, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, anunciou a criação do Plano Rio Grande, iniciativa estadual destinada a reparar os danos causados pelas enchentes.

O plano prevê ações em três frentes. A primeira, com ações focadas no curto prazo, prioriza a assistência social; a segunda envolve ações de médio prazo, como empreendimentos habitacionais e obras de infraestrutura; e a terceira prevê ações de longo prazo, como um plano de desenvolvimento econômico mais amplo.

Já o governo federal, entre liberação de recursos, antecipação de benefícios e outras ações destinou até o momento R$ 62,5 bilhões. Entre outras medidas para prestar assistência às famílias, foi criado o Auxílio Reconstrução, que pagará R$ 5,1 mil a cada família em parcela única. Também foi anunciado o adiantamento do Bolsa Família para os beneficiários, a liberação do FGTS para 228,5 mil trabalhadores em 368 municípios, além da restituição antecipada do imposto de renda para 900 mil pessoas.

Cidade sitiada: brasileiro e haitiano contam rotina em Porto Príncipe

Com dezenas de conhecidos assassinados ou sequestrados em Porto Príncipe, o brasileiro Werner Garbens, de 37 anos, e há 12 anos no Haiti, relatou à Agência Brasil como é viver na cidade, controlada quase que completamente por gangues fortemente armadas.

“São dezenas de pessoas que conheço que, ou foram vítimas fatais, ou foram sequestradas. Só de pessoas de um circuito de conhecidos mais próximo, conheço umas dez que foram sequestradas. De amigos mesmo, tenho três que foram sequestradas”, revelou. O sequestro é umas das principais atividades dos grupos criminosos da região.

O haitiano Bruno Saint-Hubert, também de 37 anos, advogado e pequeno agricultor, vive no centro da capital com a mulher e o filho de 3 anos. Ele milita no movimento de pequenos agricultores haitianos Tèt Kole Ti Peyizan Ayisyen que, em português, significa A Cabeça do Pequeno Camponês Haitiano.e também fala sobre a vida na capital.

Porto Príncipe (Haiti) – Mobilização de camponeses em Porto Príncipe, cidade sitiada pelas gangues.- Fotos Arquivo Pessoal

“As gangues aterrorizam a população, roubam algumas coisas, dinheiro, telefone, laptop, e também estupram mulheres e meninas. A população vive com grande medo. As populações não saem. As escolas, as universidades estão fechadas. A vida do capital é muito difícil”, contou Bruno.

O haitiano Bruno Saint-Hubert aprendeu a falar português quando veio ao Brasil, em 2013, fazer um curso de agroecologia com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Paraná. Bruno já perdeu amigos e familiares para a violência, diz que é preciso estocar comida para não precisar sair de casa e relata que, em muitos pontos da cidade, as gangues andam exibindo suas armas.

“A liberdade de circular em Porto Príncipe está quase perdida. Posso dizer que a cidade interna tem gangues. É uma capital quase paralisada”, comentou. Desde o agravamento da crise das últimas semanas, que levou à renúncia do então primeiro-ministro Ariel Henry, o aeroporto e o porto da cidade estão fechados.

Sitiada, a população civil de Porto Príncipe aguarda enquanto o novo Conselho Presidencial de Transição, criado há pouco mais de uma semana, dá os primeiros passos para tentar reorganizar o país e convocar eleições, agora prometidas para 2025. O país está há sete anos sem realizar eleições.

O haitiano

Bruno Sant-Hubert atua na formação política da organização que reúne 80 mil camponeses haitianos. Diz que muitos companheiros e familiares já sugeriram a imigração do país, mas que está decidido a continuar no Haiti.

Porto Príncipe (Haiti) – O haitiano Bruno Saint-Huber fala sobre a vida na capital haitiana, cidade sitiada por gangues – Foto Arquivo Pessoal.

“Tenho que ficar no Haiti para fazer militância, para lutar, para ajudar o país a sair dessa situação difícil. Porque se todo mundo migrar, quem vai resolver esse problema?”, questionou, acrescentando que espera ajudar na organização dos camponeses “para maior consciência de classe e para defender a categoria de trabalhadores”.

Sant-Hubert acredita que, para o Haiti sair dessa situação, é preciso que a comunidade internacional pare de interferir no país. “Porque o problema do Haiti, na verdade, é a comunidade internacional que, em cada momento, interfere. Tem que parar de interferir”, afirma.

“Sobre a questão militar, nós precisamos do apoio técnico para a polícia. Mas não precisa de intervenção militar. Porque o Haiti já tomou várias intervenções militares. Isso não muda nada”, lamentou.

Bruno acrescentou que a população civil quer combater as gangues, mas diz que falta vontade política das autoridades para combatê-las. Ele ainda comentou sobre as brigadas de autodefesa presentes em algumas comunidades. São grupos armados que, diferentemente das gangues, atuam na defesa das comunidades.

“Há alguns bairros que têm grupos de autodefesa para fazer resistência contra as gangues. E as gangues, quando sabem que têm grupos de autodefesa, não podem ir”, completou.

O brasileiro

O brasileiro Werner Garbers é professor, pesquisador, jornalista e diretor do Centro Cultural Brasil-Haiti, ligado à embaixada do Brasil no país caribenho. Ele foi ao país porque esse era seu principal tema de pesquisa. “Percebi que para estudar o Haiti precisava viver aqui”, disse.

Nascido em São Paulo, Garbers relatou que a violência é generalizada na cidade e que,  há uns 15 dias, houve um massacre de jovens a 300 metros da sua casa. “Eram vários jovens e eu sabia que eles pediam dinheiro na rua”.

Porto Príncipe (Haiti) – O brasileiro Werner Garbens conta rotina na capital haitiana – Fotos Arquivo Pessoal

O brasileiro vive em Petion-Ville, cidade na região metropolitana de Porto Príncipe, que fica a cerca de 15 minutos de carro do centro da capital. Ele disse que o local já foi considerado “de elite”, mas que hoje se popularizou. Segundo Werner, o local em que mora tem gangues, mas não é das mais perigosas.

Ainda assim, ele participa de seis grupos de aplicativo de mensagem só de segurança. “Algumas vezes, passo mais de dez dias sem sair de casa aqui em Petion-Ville. Até para comprar comida ali no mercado pode ser perigoso, são 500 metros daqui”, disse, acrescentando que está há mais de dois meses e meio sem ir ao centro de Porto Príncipe.

O brasileiro lembrou que antes não era assim e que a situação vem piorando gradativamente desde 2018. “Eram gangues localizadas em três regiões, uma coisa muito simples. Hoje não, está muito pior. Hoje, perto daquilo é um pandemônio”, destacou.

“O centro da cidade nesses dias está terrível. O coração da cidade, que sempre frequentei sem grandes receios, tem prédios públicos fundamentais do país, tudo abandonado, sem ninguém, ruas vazias”, completou.

O Centro Cultural Brasil-Haiti, que Werner coordena, promove eventos culturais para a comunidade local. Ele disse que, mesmo com as dificuldades, fez 35 eventos no ano passado, reunindo, ao todo, cerca de 4,5 mil pessoas.

“O Centro Cultural Brasil do Haiti é uma das cinco instituições na área da cultura mais agitadas da capital. Isso faz com que várias pessoas busquem o nosso espaço. Tem curso de danças brasileiras e haitianas. Então, as pessoas vêm até por uma questão de saúde mental. A gente tematiza depressão, ansiedade, luto e medo”, detalhou.

O Brasil no Haiti

Tanto o brasileiro, quanto o haitiano reconhecem que o Brasil goza de prestígio entre a população local, principalmente devido ao futebol que, desde Pelé, encanta o povo haitiano.

Porto Príncipe (Haiti) Brasileiro e haitiano contam rotina em Porto Príncipe, cidade sitiada por gangues – Foto Arquivo Pessoal

Por outro lado, eles afirmam que o país perdeu parte do prestígio que tinha após liderar a Minustah, a última intervenção militar internacional feita no Haiti sob o controle da Organização das Nações Unidas (ONU). A missão durou 13 anos, acabando em 2017.

Bruno Sant-Hubert destacou que a missão deixou muitas lembranças ruins, principalmente por causa da epidemia de cólera que vitimou milhares de pessoas e pelos supostos abusos cometidos pelos militares. As denúncias vão desde massacres contra civis desarmados até estupros.

“Lembro-me de muitas coisas ruins que a Minustah fez durante a intervenção. Morrem cerca de 15 mil pessoas de cólera. E também estupraram meninas e meninos. Deixaram muitos, muitos, muitos filhos sem pai”, afirmou.

A ONU não reconhece que a cólera foi trazida pela missão, mas acredita que teria sido causada por uma “confluência de circunstâncias”.

Apesar das lembranças ruins, Bruno diz que o povo haitiano “ama o povo brasileiro, muito por causa do futebol. E também no Haiti há muitas pessoas que gostam do presidente Lula”. Porém, o pequeno agricultor acredita que Lula tem uma dívida “moral e histórica” com o Haiti pelos resultados ruins da Minustah.

“Acho também que Lula não deve deixar esse mandato sem pagar essa dúvida moral e histórica com o Haiti. Por isso, o presidente deve forçar as Nações Unidas a assumir a responsabilidade sobre a questão da cólera”, acrescentou. 

Nessa semana, em visita à Colômbia, o presidente Lula conversou sobre o Haiti com o presidente colombiano, Gustavo Petro. Eles discutiram como os dois países poderiam ajudar a nação caribenha. 

Para o brasileiro Werner Garbers, o povo haitiano enxerga no Brasil o país de negros que deu certo e, desde Pelé, tem grande admiração pelo futebol da seleção. Ele cita também o Jogo da Paz, de 2004, quando a seleção brasileira jogou contra o Haiti, em Porto Príncipe, como outro marco da relação entre os países.

Garbers acredita que a imagem do Brasil foi desgastada pela Minustah, mas não completamente. Diz que além de o país promover parcerias no Haiti que aliviam sua imagem, o povo haitiano entende que quem mandava na missão eram os Estados Unidos.  

“Tudo isso fez o Brasil se manter mais ou menos em um espaço de não total desprestígio e também de não total responsabilização pelo que aconteceu. O Brasil não é considerado o principal responsável, isso não”, disse. “É diferente, por exemplo, dos Estados Unidos, que nem podem colocar a cara aqui”.

Fome

Além da violência, a fome é outra face da crise haitiana. O Haiti vive “uma das crises alimentares mais graves do mundo” com quase metade da população (4,3 milhões de 11,7 milhões de habitantes) vivendo em situação de “fome aguda”, segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA).

Pessoas caminham em rua de Porto Príncipe – Foto REUTERS/Ralph Tedy Erol

Werner Garbers afirmou que a fome é muito presente nas ruas. “Talvez [a fome] seja a parte da experiência aqui mais triste mesmo, especialmente nos últimos anos”, destacou. “Vejo que o aluno está com fome, com dificuldade, está cambaleando, isso pode ser visto no rosto da pessoa”.

O brasileiro acrescentou que o custo de vida está muito elevado na capital até para ele, que tem emprego fixo e ainda faz trabalhos por fora. Diz ainda que é muito abordado, nas ruas, e nas redes, por pessoas pedindo ajuda.

“São muitos pedidos. E aumentou gradualmente e está crescendo. Saio na rua e é muita gente pedindo”, lamentou.

O haitiano Bruno Sant-Hubert, que cultivava a terra no Norte do país antes de se mudar para Porto Príncipe, argumentou que as gangues têm impedido a entrada de alimentos.

“Os produtos locais não podem entrar na capital. Porque as gangues bloqueiam muitas estradas. Os produtos que conseguem entrar, são bem poucos. E por isso é um pouco caro”, afirmou.

Encomendas tomam lugar de envelopes na rotina dos carteiros

A profissão de carteiro, celebrada no Brasil neste 25 de janeiro, já foi tema do samba-canção Mensagem, com os versos “Quando o carteiro chegou e o meu nome gritou, com uma carta na mão”, interpretado pelas cantoras Isaurinha Garcia e, mais recentemente, por Maria Bethânia. A música Please, Mister Postman, eternizada nas vozes dos Carpenters, também traz esse profissional ao protagonismo.

Porém, aquele contexto de espera por uma correspondência, de meados do século passado, mudou bastante nas últimas décadas. No lugar de cartas manuscritas, como as retratadas no filme Central do Brasil, os centros de distribuição e agências dos Correios estão abarrotados de encomendas. Compras feitas pela internet e vindas, sobretudo, da Ásia.

Se há correspondências, ainda hoje? Sim, há. Mas no lugar dos envelopes com selo colado que traziam declarações de amor, fotografias de parentes, cartões-postais e até dinheiro embrulhado, o grande volume entregue atualmente é composto de cobranças, cartões de bancos, multas de trânsito e outras cartas registradas.

Carteiros

O carteiro Antônio Edson Lucas Vieira ainda vê a expectativa das pessoas ao entregar cartas e encomendas.  Foto – Joédson Alves/Agência Brasil

O carteiro Antônio Edson Lucas Vieira, de Brasília, conhece bem essa realidade. Em 28 anos de trabalho nos Correios, Edinho é testemunha da mudança do conteúdo dentro bolsa que carrega em um ombro só, com até oito quilos. Diariamente, ele calcula que percorre a pé quase 10 quilômetros das ruas da área mais central de Brasília para entregar cartas comerciais. E o contato é, basicamente, feito com porteiros de edifícios.

Edinho admite que quando entrou na empresa pública não conhecia nenhum endereço dos itinerários variados que fazia, longe de casa. Mas, hoje, sabe apontar a rua somente de ler o Código de Endereçamento Postal (CEP), o nome do destinatário ou a descrição de um ponto de referência no envelope, como um portão azul. Apesar do cansaço e de ter adquirido uma escoliose, que lhe afeta a cervical, o carteiro diz que é feliz na profissão, porque se sente reconhecido pela população. “Vale a pena ser carteiro. A gente é valorizado, principalmente quando chega uma correspondência. A pessoa fica na expectativa, na espera”.

A carteira Márcia Costa é querida na vizinhança onde trabalha. Durante seu trajeto, é convidada para tomar um café ou um refresco entre uma entrega e outra. Foto: Rubens dos Santos Rocha/Correios

Em outro ponto do Distrito Federal, a carteira Márcia da Silva Bezerra Costa percorre de bicicleta dezenas de ruas de Samambaia Sul. Nos 10 anos de carreira, ela relata e acha graça da rotina recheada de desafios: sol, chuvas e fugas de cachorros. “Parece que os cachorros sentem o cheiro dos carteiros.” Mas Márcia garante que nada disso atrasa o cronograma de entregas.

Na região onde trabalha, os moradores nem precisam ler o nome dela no crachá. Márcia é popular. Frequentemente é convidada para lanchar, tomar um café ou um refresco. “Os moradores são muito calorosos na recepção. Tem casas que até uso o banheiro, se necessário. A família até tira um dedinho de prosa, principalmente as pessoas idosas, mais carentes de atenção. E sei que vou fazer o bem se tirar um minutinho para ouvir. Só um minutinho, porque a vida do carteiro é uma correria”.

Em tempos contemporâneos, Márcia conta que é abordada na rua por destinatários que recebem o aviso eletrônico de rastreamento: “Sua Encomenda Saiu para Entrega”.

“Eu acho que o carteiro hoje é mais esperado pelo morador, porque ele compra muito e quer receber. Tem morador que aborda a gente antes mesmo de chegarmos na casa dele, porque já rastreou o pacote e sabe que os Correios saíram para entrega. Então, vai até o encontro do carteiro no percurso dele para ver se consegue interceptar e tentar receber a encomenda antes,” relata a carteira.

Se as cartas escritas são bem menos postadas do que décadas atrás, a situação muda nos meses de novembro e dezembro. É quando milhares de correspondências são destinadas a uma única pessoa: o ilustre morador do Polo Norte, o Papai Noel. Muitas das cartas são de crianças em situação de vulnerabilidade social e que desejam receber a doação de um presente de natal.

Há quatro anos, o carteiro Antônio Lopes Kastello Branco dirige a van dos Correios que faz a entrega dos brinquedos doados na Campanha Papai Noel dos Correios. “A gente se sente muito gratificado entregando notícias boas; e na entrega dos presentes para as criancinhas, nos colégios, no fim do ano. Elas ficam maravilhadas.”

Reajuste salarial

Atualmente, cerca de 46 mil carteiros estão presentes nos 5.570 municípios brasileiros e são responsáveis pelo trânsito e entrega de bilhões de encomendas e correspondências. Porém, a profissão vai além. Os Correios são responsáveis pela logística de distribuição das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) todos os anos, recebimento de tributos e convênios de órgãos públicos e recebimento de doações filantrópicas, por exemplo, em situações de calamidade pública.

No dia deles, nesta quinta-feira (25), os carteiros receberão o salário com reajuste de até 11,47%, fruto da negociação da estatal com os trabalhadores no último acordo coletivo. O pagamento do salário seria feito, normalmente, no último dia útil do mês, pela estatal.

O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, afirma que a atual gestão valoriza o quadro de profissionais da estatal e retomou o diálogo com os trabalhadores. “Nossa gestão entende que a comemoração dessa data passa por reconhecimento e estamos fazendo isso em forma de benefícios e investimentos em nossas carteiras e nossos carteiros e em seus ambientes de trabalho”.

A empresa estatal foi a retirada da lista de privatizações pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no primeiro dia do governo dele, em janeiro de 2023.

De acordo com os Correios, a empresa foi incluída no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, que vai destinar R$ 856 milhões para construção de complexos operacionais e modernização de sistemas automatizados de triagem em diversos pontos do Brasil até 2026.

Lula passa por exames de rotina em hospital de São Paulo

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, passou por exames de rotina no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Segundo boletim médico divulgado na tarde deste sábado (13), os exames não mostraram alterações em seu quadro de saúde.

Lula estava acompanhado pelo doutor Roberto Kalil Filho, médico pessoal do presidente, e pela médica Ana Helena Germoglio.

“O paciente Luiz Inácio Lula da Silva esteve no Hospital Sírio-Libanês em São Paulo na data de hoje para realização de exames de rotina, que não mostraram alterações”, informou o hospital Sírio Libanês em boletim médico.