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Eleições 2024: candidatos têm desafio de melhorar gestão de resíduos

Em 2023, 40% dos resíduos e 15% dos rejeitos gerados no Brasil não foram reaproveitados ou reciclados, segundo o Sistema Nacional de Informações em Saneamento do Ministério das Cidades. Melhorar a gestão desse material é um dos desafios para os 5.569 prefeitos que assumirão a gestão dos municípios brasileiros pelos próximos quatro anos.

Para o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Gesmar Santos, que desenvolve estudo sobre governança, investimentos e instrumentos das políticas relacionadas aos resíduos sólidos, ao analisar a proposta dos candidatos, o eleitor deve estar atento à forma como o saneamento é tratado como um todo. A partir daí, deve observar se a questão dos resíduos gerados no município é integrada às propostas apresentadas.

“O candidato a prefeito tem que lembrar que ele tem mecanismo de busca de recursos para aprimorar a gestão e tem obrigações como a de gerenciar os resíduos sólidos, de fazer a coleta seletiva, fazer a inclusão de catadores e buscar financiamento para os projetos.”

Relatório

De acordo com o relatório Panorama Global do Manejo de Resíduos 2024 (Global Waste Management Outlook 2024 em inglês) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), no mundo, o resíduo sólido produzido por 2,7 bilhões de pessoas nem sequer é coletado por um serviço de limpeza urbana.

A falta de controle sobre esse material faz com que ele seja depositado em ecossistemas terrestres, aquáticos e na atmosfera na forma de poluentes, que impactam a saúde humana e o planeta por gerações, contribuindo para três crises globais: mudança climática: perda de biodiversidade e poluição.

No Brasil, embora o Panorama 2023 da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) aponte que o serviço de limpeza urbana alcança 93% da população, o destino final do material coletado ainda é um desafio a ser superado por gestores municipais.

“Ainda existem aproximadamente 3 mil lixões no Brasil. É a estimativa que temos entre aterro inadequado, depósito a céu aberto, valas e tudo mais o que consideramos lixões”, alerta Pedro Maranhão, presidente da instituição que reúne 200 empresas da cadeia de manejo de resíduos sólidos do país.

A Abrema tem trabalhado com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima no apoio às prefeituras para a geração de dados e a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que, entre outras medidas, prevê a adequação dos locais para a disposição final de rejeitos, ou seja, a substituição de ‘lixões’, por aterros sanitários adequados para receberem os materiais que não podem ser reintroduzidos em um ciclo econômico.

Economia

O presidente da Abrema explica que, do ponto de vista econômico, quando um município não planeja e executa um ciclo adequado para o resíduo sólido, ele efetivamente está desperdiçando recursos.

“Nós estamos perdendo o equivalente a centenas de barris de petróleo, mas de um petróleo que é de energia renovável. Com essa nova lei que foi aprovada no Congresso, do combustível do futuro, que prevê a substituição do gás fóssil por biometano, para descarbonizar a economia, os aterros sanitários podem virar verdadeiras reservas de energia renovável”, diz.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – Resíduos Sólidos (SNIS-RS 2022), do Ministério das Cidades, dos 5.060 municípios pesquisados, 2.585 municípios informaram já terem elaborado o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS). O documento é a primeira etapa no planejamento para a adequação dos aterros sanitários, mas também apresenta um diagnóstico dos resíduos gerados, além das estratégias de correção e prevenção de todo o sistema da coleta à destinação final.

O Panorama da Abrema indica que o país gerou 77,1 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, em 2022. São mais de 211 mil toneladas por dia, chegando a 380 quilos por habitante ao ano. Enquanto o Sudeste é responsável por 49,4%, a Região Norte foi responsável pelo menor percentual, gerando apenas 7,3 do total de resíduos produzidos no país.

Grande parte desse material tem alto potencial de reinserção no sistema econômico do país, seja por meio da logística reversa, com o recolhimento de bens obsoletos para reaproveitamento pela própria indústria produtora, ou ainda pela coleta seletiva, separação e uso desses recursos como matéria-prima.

Antes mesmo do rejeito chegar aos aterros, os resíduos resultantes das atividades domiciliar, de limpeza urbana, industrial, dos serviços de saúde, da construção civil, agrossilvopastoris, de serviços de transportes e da mineração podem gerar riqueza. “É uma engrenagem, que pode gerar renda e gerar emprego. É separação, é biometano, é biogás, é CDR [combustível derivado de resíduo], é reciclagem, e a economia começa a se mover, a cadeia produtiva começa a se mover e gerar renda para o próprio município”, destaca Maranhão.

Segundo Santos, o Brasil já tem exemplos de resíduos que alcançaram bons índices de destinação adequada. “A latinha de alumínio chegou a mais de 95% de reciclagem, pneus, eletroeletrônicos, embalagens de pesticidas, vidro, papel, papelão. Esses materiais que são mais facilmente inseridos na cadeia produtiva e recuperados, têm um valor econômico e é um fator positivo”, diz

Educação

Para que todo esse sistema funcione, Santos considera necessário envolver todas as esferas de governo, a iniciativa privada e também garantir o envolvimento da sociedade civil organizada. “A participação social necessita de ter conselhos dentro do município, de ter espaços para ter diálogo com a prefeitura, com a secretaria, para que a população faça denúncias, participe de campanhas educativas em que ela cobre também dos órgãos a prestação de serviços com qualidade.”

Outro ponto de destaque que o pesquisador acredita ser necessário estar na proposta dos candidatos à prefeitura é a educação ambiental, a partir de reunião de esforços da União, estados e municípios.

“A campanha de educação ambiental dos municípios deve ser em parceria com o Ministério do Meio Ambiente [e Mudança do Clima], governo do estado, com a Secretaria de Meio Ambiente do estado, no sentido de fazer com que a destinação dos resíduos seja adequada, que a coleta seja adequada, que os resíduos não sejam jogadas em túneis na cidade, em bueiros, em locais impróprios, nos rios principalmente”, diz.

Saúde

Santos destaca que quando a gestão municipal não tem essa visão global do sistema de saneamento, o resíduo sólido acaba impactando o sistema de saúde e aumentando as despesas do município, além de trazer riscos à população. “Quando esse sistema funciona de forma inadequada, vai gerar contaminação e prejuízos para a saúde. A chuva mistura água, esgoto e resíduos sólidos e afeta diretamente a saúde das pessoas”.

De acordo com o relatório do PNUMA, a estimativa é que de 400 mil a 1 milhão de pessoas no sul global morrem todos os anos por doenças relacionadas com resíduos mal geridos que incluem diarreia, malária, doenças cardíacas e câncer.

Propostas

Para Maranhão, os eleitores precisam estar atentos principalmente nas cidades onde os lixões persistem, em especial aquelas em que esses espaços ocupam áreas sensíveis, com regiões litorâneas, nascentes e leitos de rios.

“Eu costumo dizer que é um passo de cada vez e nós temos 20 degraus. O primeiro degrau é o prefeito deixar de jogar no lixão. O segundo passo, vamos estabelecer coleta seletiva, se tem catador, vamos resolver o problema dos catadores, da cooperativa, vamos fazer um galpão de separação. Então, vamos dar uma viabilidade econômica para os catadores também ter o seu sustento. Mas o primeiro degrau é dizer, prefeito, não jogue lá”, conclui.

Rock in Rio quer reduzir 14 toneladas de resíduos no festival em 2024

A estimativa do Rock in Rio para a edição de 2024 é reduzir 14 toneladas de resíduos durante os sete dias de festival agora no mês de setembro. A vice-presidente executiva da Rock World, empresa que criou, organiza e produz o evento, Roberta Medina, disse que grande parte da meta será alcançada com a operação inédita de copos reutilizáveis com as marcas de bebidas patrocinadoras do evento. Celebrando seus 40 anos, o Rock in Rio terá shows nos dias 13, 14, 15, 19, 20, 21 e 22 de setembro de 2024.

“Nosso objetivo sempre foi reduzir a quantidade de resíduos gerada aqui dentro. Com o copo reutilizável, você compra a sua primeira bebida com um copo, a partir daí a bebida custa menos e você vai consumir quantas vezes quiser”, afirmou em coletiva na Cidade do Rock, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Ela destaca ainda que, somado a isso, haverá bebedouros de água espalhados por toda a área da Cidade do Rock, e, com o copo reutilizável, o público poderá se abastecer de graça. Será permitida ainda a entrada de garrafas de plástico transparentes de 500 ml que também poderão ser reabastecidas.

“Isso também demonstra uma evolução no comportamento do público. Hoje, com o ponto de atenção na sustentabilidade, a gente já mostra que ninguém vai pegar a garrafinha e jogar no colega da frente. Acho que aqui a gente avançou e com esta iniciativa a gente espera reduzir 14 toneladas. O nosso objetivo este ano é saltar dos 81% de resíduos corretamente enviados para reciclagem, que foi o que a gente alcançou em 2022, para mais de 90%”, disse.

Roberta citou a previsão da Fundação Getulio Vargas (FGV) de que o impacto do Rock in Rio na economia da cidade é de R$ 2,9 bilhões e acrescentou que o festival, ao longo dos anos, busca aumentar seu impacto mais por meio do projeto Por um Mundo Melhor, lançado em 2001. Desde lá, junto com parceiros, houve investimentos de R$ 118 milhões em projetos socioambientais, 200 instituições receberam apoio e mais de 1 milhão de pessoas foram beneficiadas.

Em relação à acessibilidade, o festival conta neste ano com pré-cadastro de pessoas com necessidades especiais, aumento das plataformas elevadas, espaço sensorial com terapeutas ocupacionais, kits sensoriais, equipe especializada para atendimentos, mochilas vibratórias e audiodescrição. Haverá ainda sessões de esclarecimento e encontros sobre diversidade com colaboradores, e ações de acolhimento e inclusão com time especializado em combate à violência de gênero, suporte para cães-guia, banheiros PCD. O pré-cadastro pode ser feito na página exclusiva de acessibilidade no site do Rock in Rio, que é atualizada constantemente.

Já no que diz respeito à mobilidade, os organizadores incentivam o uso do transporte público, que também é uma forma reduzir emissões geradas pelo evento. Além de ida e volta com esquema especial da concessionária MetrôRio, será oferecido o Serviço BRT Expresso Rock in Rio,que vai utilizar a faixa exclusiva do BRT, em viagens diretas e expressas para o Terminal Centro Olímpico. “O Rio de Janeiro tem essa facilidade porque não dá para vir ao Rock in Rio sem ser de transporte público, por exemplo em Portugal é um grande desafio porque lá o volume de emissões está no transporte público”, exemplificou.

Gestão de resíduos no Brasil poderá custar R$ 168,5 bilhões em 2050

Estudo elaborado pela consultoria internacional S2F Partners indica que, se o Brasil continuar a gerir os resíduos como atualmente, a partir de 2040, os custos totais diretos e indiretos ficarão em torno de R$ 137 bilhões por ano, dos quais R$ 105 bilhões corresponderão às externalidades. Se a tendência se mantiver até 2050, os custos passarão de R$ 168 bilhões, dos quais R$ 130 bilhões serão externalidades, explica a consultoria, especializada em gestão de resíduos e economia circular.

Segundo a pesquisa, até 2020, a gestão de resíduos no Brasil custou R$ 120 bilhões, sendo que R$ 30 bilhões referem-se aos custos diretos dos serviços de gestão de resíduos no país. Os R$ 90 bilhões restantes são os custos com as externalidades.

As externalidades são os custos indiretos decorrentes do modelo atual, no qual há baixa reciclagem, sem coleta integral dos resíduos gerados, e com a destinação irregular de 30 milhões de toneladas de resíduos encaminhadas anualmente a lixões e aterros controlados. Essa prática causa a contaminação do solo, polui o ar e as águas, causando impactos na saúde humana e nas condições ambientais, e contribuindo de maneira significativa para a perda da biodiversidade e aquecimento global.

Segundo um dos autores do estudo, Carlos Silva Filho, o alcance das metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) em 2040, que contempla o encerramento dos lixões e o aumento da reciclagem para 50%, resultaria na redução de mais de 80% dos custos totais na comparação com os gastos atuais da gestão de resíduos, já considerando as externalidades, fator ignorado nos estudos.

De acordo com o relatório, se as metas do Planares forem atingidas, o custo total da gestão de resíduos sólidos no Brasil em 2040 será de pouco mais de R$ 22,5 bilhões por ano, com ganhos de mais de R$ 40 bilhões por ano. Se extrapolar o avanço no percentual de reciclagem para 55% em 2050, o custo total cairá para cerca de R$ 15 bilhões.

“Se considerarmos somente as metas do Planares para 2040, que incluem o encerramento dos lixões, o aumento de metas de reciclagem, o aproveitamento de orgânicos e o aprimoramento do aterro sanitário para captação de gás e produção de energia ou combustível, já será possível reduzir o impacto da má gestão e ainda gerar ganhos com a reciclagem de materiais”, afirmou Silva Filho.

Pesquisa usa drone e IA para monitorar descarte ilegal de resíduos

Trabalho coordenado pelo engenheiro Marcelo Musci, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), campus zona oeste, publicado recentemente na Revista de Gestão Social e Ambiental, utiliza drones e inteligência artificial (IA) para monitorar o descarte ilegal de resíduos sólidos em áreas remotas. 

De acordo com os pesquisadores, o descarte se agrava em locais de difícil acesso, como encostas, terrenos baldios, margens de rios e áreas florestais, contribuindo para a degradação do meio ambiente e oferecendo risco aos catadores e garis. 

O estudo é financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Em entrevista à Rádio Nacional, Marcelo Musci explicou que o drone é usado para localizar os detritos de lixo em locais de difícil acesso, onde a visão humana não consegue observar. 

Segundo Marcelo, os detritos, além de poluir, provocam riscos de deslizamentos de terra, e contribuem para a proliferação de ratos, baratas e outras pragas urbanas.

“Se você coloca um drone, tem uma visão melhor do local, coisa que satélite não dá para fazer porque a imagem de satélite, além de ser muito cara, a resolução não é tão boa como a de um drone”, explicou. 

De acordo com o coordenador da pesquisa, se a IA for programada para detectar lixo, em vez de casa abandonada, por exemplo, vai colocar um marcador virtual em volta daquele ponto do vídeo onde se programou que tem lixo depositado. Se treinada, essa tecnologia pode identificar até resíduos menores, como lixo orgânico.

Rede neural

O estudo usa uma rede neural baseada no funcionamento do cérebro humano. No caso do estudo, a IA foi treinada para detectar detritos ensacados, restos de obras da construção civil, pedaços de madeira e objetos abandonados.

“Você treina a rede apresentando fotografias do que você quer que a rede identifique. É colocada então uma marcação do que ela localizou no pedaço de vídeo. Se você treinar essa rede com resíduos orgânicos, menores, o drone terá que ter uma altura menor para localizar. Combinando isso, a tecnologia pode localizar o que você quiser”, explicou.

Marcelo Musci disse que, na Europa, a tecnologia já é usada para localizar detritos em rios poluídos nas cidades. No Brasil, ainda não existem trabalhos sobre o tema. 

O drone tem autonomia de bateria de 20 minutos a 30 minutos. “Ele não pode se afastar muito da costa, a não ser que você vá com um barco. Tem um certo limite para fazer isso. Em lagoas pequenas, contudo, como a Laguna da Barra da Tijuca, ele pode detectar lixo. Pode ser ampliado para rios, lagoas, basta você treinar”.

Enchentes

O professor disse que se a tecnologia for treinada para detectar lixo flutuante em rios, pode evitar que esse resíduo acumule e interrompa canais de escoamento, agravando enchentes, como as ocorridas no Rio de Janeiro em janeiro deste ano. 

“A tecnologia pode ajudar nesse sentido. A ferramenta é nova mas está sendo subutilizada”, disse. Segundo ele, faltam pessoas com expertise para ampliar a utilização da tecnologia.

O estudo foi realizado em várias regiões da zona oeste da cidade, incluindo arredores do campus universitário, e conseguiu identificar e rotular imagens contendo vestígios de descarte irregular, com eficácia de 92%. De um total de 4.169 objetos, apenas 338 não foram identificados pela máquina.

Embora os pesquisadores estejam ainda refinando a técnica, pretendem propor parcerias futuras com a GEO-Rio, órgão da prefeitura carioca responsável pelo monitoramento de encostas, informou Marcelo. 

* Colaborou Carol Pessoa, da Rádio Nacional

Camex mantém elevação de tarifas de importação de resíduos sólidos

Em 18% desde julho do ano passado, as tarifas de importação para resíduos de papel, plástico e vidro permanecerão nesse nível por mais um ano, decidiu nesta quinta-feira (11), em Brasília, o Comitê Executivo de Gestão (Gecex), da Câmara de Comércio Exterior (Camex).

Em nota, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) informou que a medida – tomada em 2023 – surtiu efeitos ao reduzir as importações de resíduos plásticos e de papel.

“De agosto de 2023 a maio de 2024, as importações de restos de papel caíram 48,3% e a de plásticos tiveram redução de 33%, contribuindo com o mercado nacional de reciclagem e promovendo a gestão adequada dos resíduos”, anunciou o ministério. A maior parte dos resíduos importados vem de países de fora do Mercosul. A elevação ia expirar em 31 de julho.

Argumentação

“A maior parte dos resíduos importados, em todos os códigos NCMs [Nomenclatura Comum do Mercosul] abrangidos pela medida, é proveniente de países fora do Mercosul. Isso reforça a importância da medida para estimular o mercado nacional e evitar a entrada de materiais de baixa qualidade ou com origem duvidosa”, destacou o MDIC.

Acrescentou que a prorrogação garante a abrangência da medida a todos os tipos de resíduos de papel, plástico e vidro relevantes. Isso porque a escolha de apenas algumas categorias poderia levar à “fuga” de produtos para outras classificações fiscais. Isso diminuiria a efetividade da medida.

Iniciativas apontam soluções eficientes para resíduos urbanos

Imagine o que pode ter em comum uma escola pública com mais de 600 estudantes e docentes na cidade de São José, em Santa Catarina, e um festival de música que movimenta 300 mil pessoas em uma praia artificial criada às margens do Lago Paranoá, em Brasília?

Ambos são considerados Lixo Zero, um título concedido às iniciativas que cumpriram o desafio de reduzir acima de 90% a produção de resíduos sólidos e dos impactos ambientais causados por eles.

Em São José, no ano de 2019, a professora da Escola de Educação Básica Aldo Câmara da Silva, Fabiana Nogueira Mina, decidiu propor o tema dos resíduos urbanos para uma aula de Língua Portuguesa sobre artigo de opinião. Munida de materiais como vídeos sobre o consumo, uso de sacolas plásticas e impactos desse material nos oceanos e ecossistemas, a educadora conseguiu impactar tão efetivamente os estudantes, que o debate foi além daquela aula.

Catadores coletam material para reciclagem na Avenida Nove de Julho, região central. – Rovena Rosa/Agência Brasil

Mais estudantes foram alcançados por meio de um seminário na escola, no qual o desafio fez com que toda a comunidade se engajasse em transformar as ideias debatidas em ações e que o local visse a ser a primeira escola Lixo Zero do país.

“Fomos testando, e a escola virou um grande laboratório. Enquanto tentávamos traçar um caminho para a redução de 90% do que era enviado para o aterro sanitário nós também tivemos erros”, lembra a professora.

A cada desafio, pesquisa e engajamento resultavam em inovações, como o residuário, que era um armário onde os materiais são higienizados e organizados pelos próprios estudantes por grupos para destinação.

“A utilização dos coletores e as lixeiras coloridas não deram certo, então criamos uma solução.”

Os outros educadores foram contagiados e passaram a tratar do tema de forma transversal nas demais disciplinas. Ao final do ano, com a compostagem dos resíduos orgânicos na própria escola e a doação do material reciclável a cooperativas, o desvio de resíduos atingiu 94% e a escola foi certificada.

“O engajamento dos estudantes foi crescendo e a minha curiosidade também. Eu fui entendendo que se o engajamento deles apontava aquele caminho era por ele que eu deveria seguir”, afirmou Fabiana.

Relatório

O relatório Global Waste Management Outlook 2024 (GWMO 2024), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), indica que 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos domiciliares foram gerados no Brasil em 2022, Do total, quase 30 milhões de toneladas tiveram a destinação inadequada, indo parar em lixões, por exemplo, e 5 milhões de toneladas foram descartadas no meio ambiente.

Preocupados com o impacto deste problema no planeta e na saúde das pessoas, os produtores de um festival em Brasília, que ocorre anualmente, por três meses, às margens do Lago Paranoá – principal corpo hídrico da capital federal – resolveram criar um  lixo zero, em 2017. Na época, identificaram que esse tipo de festa chegava a gerar cerca de 400 toneladas de resíduo.

“Nós queríamos deixar um legado para Brasília, ressignificar a nossa relação com o Lago Paranoá, com a cultura da cidade, e, porque não usar essa plataforma de comunicação, de engajamento e transformá-la em uma plataforma de mudança do mundo”, lembra Kallel Koop, diretor de sustentabilidade do projeto.

A partir daí o projeto foi todo desenvolvido na lógica de consumo consciente e na redução da pegada ambiental, com a eliminação de itens não essenciais, a substituição de materiais convencionais por outros mais sustentáveis e a destinação adequado do resíduo gerado. Da mesma forma que os estudantes da escola de São José, os produtores também enfrentaram desafios pelo caminho.

“Tivemos que construir um ecossistema para a destinação de determinados resíduos que ainda não possuíam essa cadeia em Brasília. Até 2017, por exemplo, a gente não tinha um destinador de vidro e nossos patrocinadores principais são marcas de bebida, gerando uma quantidade imensa de garrafas de vidro.”

A solução veio com inicialmente com o envio desse resíduo para São Paulo, onde a reciclagem já era realizada. Em 2018, a mobilização dos produtores viabilizou o início de um empreendimento nesse ramo de reciclagem de vidro. O mesmo aconteceu em relação aos resíduos orgânicos, que no primeiro ano foi compostado pela organização do evento e nos anos seguintes por uma empresa de Brasília.

“A gente foi buscando os caminhos e várias soluções, várias tecnologias foram desenvolvidas para conseguir gerir resíduos.”

Com todo o empenho, o evento alcançou uma média de desvio dos resíduos de aterro sanitário de 95%, chegando a atingir 98,2% e passando a ser o primeiro festival lixo zero do país. Somado aos benefícios ambientais, o evento ainda gerou renda e criou novas cadeias produtivas para a região.

“Nós remuneramos as cooperativas para fazerem a separação dos resíduos e doamos 100% para que tenham uma remuneração maior. No final do cálculo, mesmo remunerando direitinho e não recebendo a renda dos recicláveis, o nosso custo operacional ainda é mais barato do que se que tivesse mandando para o aterro”, destaca o diretor.

Boas práticas como as da escola e do festival serão debatidas no Congresso Internacional Cidades Lixo Zero, que começa nesta terça-feira, em Brasília. Por três dias, gestores de negócios e cidades se reunião no Museu Nacional da República para trocar experiências sobre o tema, em busca de soluções sustentáveis.

De acordo com o presidente do Instituto Lixo Zero, Rodrigo Sabatini, a ideia é que bons exemplos possam motivar mais iniciativas que somem em uma transformação cultural e social por cidades mais limpas, resilientes e equitativas.

“Estamos falando de um acordo social, onde comunidades colaboram para o bem comum. Este acordo é a chave para reduzir nosso impacto ambiental, promover uma economia mais sustentável, reduzir disparidades sociais e incentivar a inovação”, conclui.

Resíduos da agroindústria viram embalagens e canudos ecológicos

22 de maio de 2024

 

Os plásticos sintéticos estão entre os maiores vilões do meio ambiente. Principal base para a produção de recipientes, o material pode levar cerca de 500 anos para se decompor na natureza. Em busca de alternativas, pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP desenvolvem soluções ecológicas biodegradáveis às embalagens e canudos, utilizando resíduos agroindustriais e produtos naturais que carregam propriedades antimicrobianas e antioxidantes.

Para além de simplesmente substituir o plástico, geralmente baseado em substâncias derivadas do petróleo, o enfoque do grupo da USP, liderado pela professora Delia Rita Tapia Blácido do Departamento de Química da FFCLRP, é o que chamam de “embalagens ativas”, pois aprimoram a utilidade para o consumidor com características agregadas, como poderes antioxidantes e antimicrobianos obtidos de compostos como a quitosana, a própolis verde e os resíduos de uva e jabuticaba.

Responsável pela produção e orientação de diferentes estudos com matéria-prima natural, encontrada principalmente em resíduos agrícolas, a professora Delia Blácido conta que o interesse é utilizar esses recursos para transformar os resíduos que, quando descartados, também podem contaminar o meio ambiente, encontrando soluções criativas que agregam mais valor ao produto final.

“A ideia é gerar materiais que tenham uma atividade e protejam o alimento sem o uso excessivo de aditivos sintéticos, como antibióticos ou antioxidantes que podem ser prejudiciais para a saúde”, ressalta a professora. Como exemplos, apresenta dois projetos de mestrado mais recentes sob sua orientação nessa linha de pesquisa: o desenvolvimento de uma embalagem feita a partir do amido de batata adicionado de extrato de própolis obtido por extração alcalina, de Ivone Yanira Iquiapaza, e de canudos que utilizam o mesocarpo (polpa) do fruto da palmeira de babaçu, realizado por Luís Fernando Zitei Baptista.

Embalagens plásticas biodegradáveis e antimicrobianas

O biomaterial desenvolvido por Ivone Iquiapaza utiliza a quitosana, uma substância com propriedades antibacterianas originária da casca de crustáceos, e o extrato de própolis verde como aditivos para os filmes feitos de amido da batata nativa Yana winku, cultivada na comunidade de Marcavalle, na região de Junín, no Peru.

Segundo a pesquisadora, essa espécie de batata possui substâncias capazes de evitar ou reduzir a oxidação de lipídeos presentes nos alimentos, tornando os plásticos produzidos à base de seu amido com maior poder de conservação de carnes, frutas e legumes. Esta capacidade pode ser comprovada pelo recente estudo Novel Starchy Materials Isolated from Andean Native Potatoes: Physical-Chemical and Functional Characterization and Application in Edible Film Production publicado por Ivone na revista Starch.

Neste trabalho foram utilizadas diferentes concentrações de amido e própolis para o desenvolvimento de filmes por método casting (promove alto controle da espessura do filme sem necessidade de aditivos). Filmes de amido e quitosana também foram produzidos, em diferentes proporções, com e sem a adição do extrato de própolis.

Quando o extrato de própolis foi incorporado, observaram um aumento significativo nas propriedades ativas, com filmes mais resistentes à água, de maior opacidade e estabilidade térmica, “ajudando a manter o frescor, o sabor, a cor e a qualidade nutricional”, complementa Ivone.

Ao explicar a incorporação da quitosana à fórmula, a pesquisadora fala da ação antifúngica e antimicrobiana da substância. “Portanto, teremos uma embalagem biodegradável ativa, pois, por meio de seus compostos antimicrobianos e antioxidantes, aumentará a vida útil dos produtos alimentícios”, afirma, acrescentando que ao agregar tais propriedades as embalagens podem ainda agir contra o crescimento de microrganismos na superfície dos alimentos.

Falta conscientização para ampliar uso de biomateriais

O plástico pode levar centenas de anos para se decompor naturalmente, o que representa uma grande ameaça “aos ecossistemas oceânicos e às cadeias alimentares”, lembra Ivone, enfatizando a enorme vantagem dos objetos biodegradáveis que levam tempo bem menor na decomposição ambiental, cerca de poucas semanas.

Nesta linha, a professora Delia e sua equipe se especializaram em pesquisas para reproduzir objetos impermeáveis e com boa resistência mecânica para a substituição eficiente do plástico no uso diário. “A ideia é que substitua, como embalagem, os plásticos sintéticos, que é o principal uso deles. Esse é o critério que nós buscamos nesses materiais”, observa.

Já Baptista acredita na reutilização de resíduos para criar biomateriais como uma técnica promissora, alinhada aos princípios da química verde. No entanto, reconhece desafios na substituição de plásticos, especialmente em produtos de uso único, como embalagens de alimentos que utilizam “isopor ou filme plástico”. Embora haja interesse crescente em biomateriais, o pesquisador reforça a necessidade de conscientização para uma adoção mais ampla desses materiais em grande escala na indústria.

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Esta notícia é uma transcrição parcial ou total do Jornal da Universidade de São Paulo. Este texto pode ser utilizado desde que seja atribuído corretamente aos autores e ao sítio oficial.
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