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Direitos Humanos divulga cartilhas sobre liberdade religiosa

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) divulgou esta semana as cartilhas O que é liberdade religiosa e por que protegê-la? e Como garantir a igualdade e combater a discriminação religiosa?.

O material foi elaborado em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e tem o intuito de informar a população sobre a importância de defender a diversidade religiosa e combater a discriminação. 

As cartilhas explicam conceitos como religiões, crenças e diferentes formas de discriminação. Mostram também quais órgãos podem ser acionados pela população em caso de violação do direito à liberdade religiosa, como a Defensoria Pública, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) e o Ministério Público.]

Os guias podem ser baixados no site do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

*Sob supervisão de Juliana Nunes.

Ato por liberdade religiosa é 1ª agenda pública de Macaé como ministra

A Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada anualmente no Rio de Janeiro, foi a primeira agenda pública da ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo. Nomeada na semana passada, ela compareceu à 17ª edição do ato, que aconteceu neste domingo (15).

Como tradicionalmente ocorre no terceiro fim de semana do mês de setembro, praticantes das mais variadas religiões caminharam juntos ao longo da orla da Praia de Copacabana, na zona sul da capital fluminense. A mobilização tem como objetivo pedir paz e denunciar casos de intolerância e de racismo.

“O grande desafio hoje no nosso país é a redução das desigualdades. Para mim, é muito importante estar presente nessa caminhada porque, além do direito à liberdade religiosa, toda essa gente também luta por muitas coisas: contra a fome, pelo trabalho decente e por uma política de cuidado, que talvez seja a principal pauta das nossas comunidades. Cuidar das crianças, que muitas vezes estão no trabalho infantil. Cuidar do direito da população idosa. Cuidar de quem cuida. E, na maioria das vezes, quem cuida são as mulheres”, disse Macaé Evaristo.

A nova ministra é deputada estadual da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e foi nomeada para substituir Silvio Almeida. Até então titular do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ele foi exonerado no início do mês em meio a denúncias de assédio sexual. Investigações foram abertas para apurar os fatos e ele terá direito a ampla defesa.

Rio de Janeiro – A deputada federal Benedita da Silva, o babalawô Ivanir dos Santos e a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo durante a 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, na praia de Copacabana. Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

Macaé falou sobre sua trajetória que a credenciou a assumir a pasta. “Eu sou professora de escola pública. Trabalhei 20 anos dentro de escolas nas comunidades mais vulneráveis de Belo Horizonte. Comecei no território de menor IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] de Belo Horizonte. Depois fui para o Aglomerado da Serra, na década de 1990, em um momento onde a comunidade tinha sua maior taxa de homicídios. Creio que temos muito trabalho a fazer. Precisamos conectar agendas, construir objetivos e metas muito claros, pra que seja possível, nesse curto espaço de tempo de dois anos, fazer diferença para cada um e cada uma nas comunidades”, afirmou.

A Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa é convocada anualmente por duas entidades. Uma delas é o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), que desde 1989 atua na promoção da cultura negra como forma de combate ao racismo e à intolerância religiosa. A outra é a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), fundada em 2008 inicialmente por umbandistas e candomblecistas, mas que agrega atualmente representantes das mais variadas crenças.

Rio de Janeiro – 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa na praia de Copacabana.  Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

“A intolerância cresce baseada no racismo, na homofobia, na misoginia, no antissemitismo. Temos que dar um basta nisso. E ter a ministra logo na sua primeira semana reafirma o caminho que queremos, o diálogo que queremos. No passado, ela já veio à caminhada como cidadã e militante. Veio de ônibus com o pessoal de Minas Gerais. E hoje ela está na condição de ministra. Ela recebeu o convite e confirmou antes de ser nomeada ministra”, disse o babalawô Ivanir dos Santos, interlocutor da CCIR.

Segundo ele, desde a primeira edição, a caminhada tem como mote a defesa da democracia, da liberdade religiosa com equidade, da diversidade, do Estado laico e dos direitos humanos. “A fé une. Aquilo que desune não é fé. É outra coisa. E a fé está baseada no respeito, na liberdade e na equidade. A liberdade não pode ser só para um grupo, a liberdade tem que ser para todos. Equidade quer dizer o quê? Quer dizer justamente que a minha liberdade deve ser garantida e a dos outros também. Equidade é proteger aqueles mais perseguidos, aqueles que não têm esses direitos respeitados pela sociedade”, acrescentou.

Homenagens

Os participantes começaram a se concentrar às 10h no posto 5 de Copacabana e, por volta das 13h, iniciaram a caminhada pela orla. Houve homenagens à professora Darci da Penha, integrante dos Agentes de Pastoral Negros (APNs), entidade com raízes na Igreja Católica. Ela morreu em maio deste ano. A homenagem póstuma a lideranças religiosas que se engajaram na luta pela paz é algo que ocorre em todas as edições. No ano passado, por exemplo, houve um tributo à líder quilombola Mãe Bernadete: tratou-se simultaneamente de resgatar o seu legado e de cobrar justiça, já que ela havia sido assassinada um mês antes, aos 72 anos.

Apesar da presença de praticantes de diferentes crenças, a maioria dos participantes era vinculada a religiões de matriz africana. No carro de som, a diversidade pautou a programação: houve apresentações de grupos culturais umbandistas, candomblecistas, católicos, evangélicos, entre outros.

Caravanas de outros estados também contribuíram para engrossar o número de manifestantes. O ato contou ainda com a presença de representantes de credos com menos expressão no país, ainda que diversos deles tenham longa tradição no mundo como o budismo, o judaísmo, o islamismo e a religião Wicca.

Rio de Janeiro – 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa na praia de Copacabana.  Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

A evangélica Andressa Oliveira afirmou que a caminhada é uma aula de harmonia, de respeito e de convivência. Liderança do Movimento Negro Evangélico, ela explica as origens da entidade. “Por meio do conhecimento, ampliamos nossa visão e aprendemos a combater o racismo a partir do olhar de evangélicos. No Brasil, sabemos que a intolerância religiosa é muito forte contra praticantes das religiões de matriz africana. E nós temos uma conexão com eles, afinal de contas somos negros”.

Ela considera que a Bíblia foi “embranquecida” no período colonial. “A história bíblica é a história de um povo africano oprimido e de um Deus que se levanta para ajudá-los. Essa história sempre esteve ao nosso lado e nos foi negada pela colonização. Então, buscamos fortalecer a negritude do cristianismo e a atualidade dessa mensagem para quem luta contra o racismo”.

Veja galeria de fotos da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa

Candidaturas com identidade religiosa crescem 225% em 24 anos

 

O número de candidatos a vereador e prefeito que usam de forma explícita uma identidade religiosa em seus nomes de campanha cresceu cerca de 225% ao longo de 24 anos. Em um levantamento inédito, o Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (IPRI), da FSB Holding, coletou dados do portal de estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das últimas sete eleições municipais, entre 2000 e 2024. A pesquisa, com dados exclusivos obtidos pela Agência Brasil, mostra que o ritmo de crescimento de candidaturas com viés religioso é 16 vezes maior que o de aumento do total de candidaturas nos pleitos locais.

Em 2000, o número de candidaturas com identidade religiosa foi de 2.215, em termos absolutos. Já em 2024, chegou a 7.206 (+225%). Nesse mesmo intervalo de 24 anos, o número total de candidaturas subiu 14%, passando de 399.330, em 2000, para 454.689 nas eleições municipais deste ano. Em 2000, o número de candidaturas com identidade religiosa representava 0,55% do total, enquanto nas eleições deste ano elas representam 1,6% do número total de candidatos inscritos.

 

Para chegar a esses números, o IPRI analisou os nomes de todos os candidatos e candidatas ao longo dos pleitos, aplicando filtros de religiões evangélicas, católicas e de matriz africana para identificar os vínculos diretos com as candidaturas. Entre as palavras usadas, estão: pai, mãe, pastor, pastora, missionário, missionária, bispo, bispa, apóstolo, apóstola, reverendo, irmão, irmã, padre, babalorixá, ialorixá, ministro, ministra, ogum, exú, iansã, iemanjá, obaluaê, oxalá, omulu, oxóssi, oxum, oxumaré e xangô.

O recorde de candidaturas religiosas, no entanto, foi registrado há quatro anos, nas eleições municipais de 2020, quando houve 9.196 concorrentes, entre candidatos a prefeitos e vereadores. No entanto, nesse mesmo pleito, havia cerca de 100 mil candidatos a mais, em números absolutos totais, chegando a 557.678 nomes inscritos. A queda no número total de candidaturas reflete os efeitos do fim das coligações proporcionais, distribuição de recursos do fundo eleitoral, organização dos partidos em federações e aumento de custos de campanhas.

“Os dados deste levantamento demonstram um forte aumento do apelo da religião na política. Ao longo do tempo, o número de candidatos que adotam denominações religiosas no nome que vai na urna cresceu muito mais do que o volume total de candidatos nas eleições municipais”, afirma Marcelo Tokarski, sócio-diretor do Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (IPRI). 

“Mas é importante ressaltar que isso não significa necessariamente um aumento dos candidatos religiosos que serão eleitos, porque isso depende, entre outras coisas, da atuação dos partidos e da distribuição de recursos de campanha”, pondera. 

Evangélicos à frente

Os nomes de candidatos com títulos relacionados à religião evangélica são a maioria esmagadora das candidaturas com identidade religiosa apuradas no levantamento do IPRI/FSB. Nas eleições deste ano, os termos mais recorrentes são: pastor (2.856), irmão (1.777), pastora (862), irmã (835) e missionária (247). Juntos, eles somam 6.557 candidaturas, o que dá mais de 91% do total de candidaturas identificadas com alguma religião.

 

Essa representatividade é ainda maior considerando outros termos associados aos evangélicos que aparecem em nomes candidaturas nas urnas, como missionário (48), apóstolo (23) e ministro (três).

Termos como pai (106) e mãe (81), normalmente vinculados a nomes de religiões de matriz africana, apareceram nos resultados das candidaturas deste ano, mas em quantidade mais residual. Nomes católicos de candidaturas, como padre (68), também apareceram na pesquisa ao longo dos anos, e no pleito deste ano, de forma recorrente.

Mobilização religiosa

A mobilização religiosa em campanha eleitoral é uma realidade histórica no Brasil, que cresceu ao longo das últimas décadas impulsionada por novos movimentos religiosos que buscaram ocupar um espaço de representação institucional e de poder.

“Desde a redemocratização e a Constituição Federal de 1988, com um país que garantia maior liberdade religiosa e o pluralismo religioso, novos movimentos religiosos passam a reivindicar mais espaço na relação com o Estado e com a política institucional que até então era monopolizado pela Igreja Católica. Era algo que era percebido com naturalidade, ninguém estranhava. A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) inaugura ali, no início dos anos 1990, um novo modo de fazer política, convocando evangélicos não apenas a votar e a discutir política como também estabelecendo candidaturas oficiais apoiadas pela Igreja”, explica a antropóloga Lívia Reis, pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora da Plataforma Religião e Política, do Instituto de Estudos da Religião (ISER).

Aos poucos, segundo a pesquisadora, esse modelo passa a ser seguido também por outras denominações religiosas evangélicas, acompanhando também um processo de participação política mais fisiológico, para garantir representação institucional em parlamentos, acesso a concessões públicas de canais de rádio e televisão, por exemplo, e espaço de expressão e defesa das chamadas “pautas morais”, que começam a ganhar mais centralidade a partir das eleições de 2010, quando o aborto entra no centro do debate.

“Se, por um lado, as candidaturas oficiais apoiadas por igrejas evangélicas continuam tendo bons resultados nas urnas, nem sempre elas mobilizam nome religioso nas urnas. Por outro lado, candidatos que não são religiosos passaram a se identificar como cristãos – assim, de modo genérico –, para comunicar ao eleitorado o conjunto de valores com os quais ele se identifica ou então para pedir voto em igrejas de pequeno e médio portes, que não têm suas candidaturas oficiais. Também é importante lembrar que, nas eleições municipais, as dinâmicas locais nos territórios são muito valorizadas e, muitas vezes, precisam ser combinadas com uma identidade religiosa para que aquela candidatura seja vencedora no pleito”, analisa Lívia Reis.

Eficiência eleitoral

Em uma ampla pesquisa sobre as candidaturas religiosas nas eleições municipais de 2020, o ISER analisou a disputa por vagas em câmaras municipais de oito capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Goiânia. Os dados produzidos foram obtidos por meio do monitoramento e da análise das mídias sociais de candidatos ao Legislativo dessas cidades e buscou identificar, entre mais de 10 mil candidaturas a vereador, aquelas que tinham algum vínculo ou identidade religiosa. No total, foram contabilizadas 1.043 candidaturas com identidade religiosa nas oito capitais monitoradas.

“Assim, apesar de representarem, em média, 10,71% do total de candidaturas, ao final das eleições os candidatos com identidade religiosa passaram a ocupar, também em média, 51,35% das cadeiras de cada Câmara Municipal pesquisada. Os dados também demonstram que candidaturas que mobilizaram a religiosidade de forma direta durante a campanha foram mais votadas. Consequentemente, indica que a mobilização de aspectos religiosos e morais, de diferentes formas, é uma estratégia eficaz para a eleição de candidaturas”, diz um trecho do relatório da pesquisa.

Festa religiosa de Corpus Christi reúne fiéis em várias cidades

Os tapetes de Corpus Christi, em frente à Catedral Metropolitana de São Sebastião, na Avenida Chile, centro da cidade do Rio de Janeiro, são uma tradição que reúne fiéis de paróquias e movimentos religiosos de vários bairros da capital. Eles chegaram no fim da madrugada para começar a confecção e, por volta de 12h, estavam concluindo o trabalho em 50 tapetes com diversos motivos relacionados a temas religiosos da Igreja Católica. Em geral, eles são feitos com o uso de sal grosso, serragem, borra de café e colorantes.

Fiéis fazem os tradicionais tapetes no centro do Rio. Foto:  Tomaz Silva/Agência Brasil

Tiago Pereira é vocacionado, jovem que se prepara para entrar em um seminário, saiu de casa, às 4h20. Ele mora em Madureira, bairro da zona norte do Rio, para pelo quarto ano participar da montagem junto com amigos do Grupo Vocacional Arquidiocesano (GVA). No futuro ele quer ser padre. “A minha vontade e acho que também é a vontade de Deus”, revelou.

Na visão Tiago, a confecção de tapetes é uma forma diferente de adoração ao Senhor, quando se espera a passagem de Cristo pelos tapetes que representam todos os esforços dos fiéis. “Essa festa do Corpo de Cristo é poder dizer para o mundo que é real. Jesus presente na eucaristia é verdade. É Ele que está ali, o próprio Senhor que instituiu a eucaristia naquela quinta-feira, junto com os apóstolos. E ainda hoje chama apóstolos a servir, mas também fortifica com a Sua eucaristia, tantas famílias e tantas pessoas”, disse explicar o significado, para ele, o dia de Corpus Christi.

Bem ao lado do tapete do GVA, estavam presentes integrantes de uma escola de samba. Essa aproximação das escolas de samba do Rio com a Igreja Católica é incentivada pela própria Arquidiocese do Rio. O Salgueiro levou um grupo de fiéis para a montagem de um tapete que tinha a imagem de São Sebastião, padroeiro do Morro do Salgueiro, da escola e do Rio.

O diretor de Comunicação do Salgueiro, Vitor Brito, disse que essa foi uma ideia do padre Wagner, pároco da Igreja de Santa Rita e de São Jorge. Ele é quem celebra todas as festas que a gente realiza na quadra. O padre está sempre com a gente. Essa ligação com o Salgueiro e com o Morro do Salgueiro sempre existiu”, afirmou.

“O Salgueiro é uma escola preta, sempre exaltou as religiões de matriz africana, mas também tem uma grande parte da sua comunidade que é católica e que está muito feliz de participar desse ato de Corpus Christi”, acrescentou.

União religiosa

Na sequência, um grupo do Instituto Religare, composto por representantes de 28 religiões, preparou um tapete para simbolizar a união. “Para que as pessoas vejam que a gente se respeita entre nós, aprendam um pouco sobre a história de cada um e, principalmente, se tenha paz entre as religiões. É muito necessário, não aqui só, mas no mundo inteiro”, defendeu Luzia Lacerda, presidente do Instituto, lembrando que é o quinto ano que o grupo participa da confecção de tapete para a procissão de Corpus Christi, na capital fluminense.

Recorde

Em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, os fiéis mais uma vez fizeram o maior tapete do estado. Com dois quilômetros de extensão, já foi recorde na América Latina, lugar ocupado atualmente por Curitiba. “A gente vê muita alegria do povo que vem para preparar, organizar e deixar bem bonito aqui, celebrando Jesus Cristo”, comentou o bispo auxiliar da Arquidiocese de Niterói, dom Geraldo de Paula em entrevista à Agência Brasil. A arquidiocese é composta de 14 cidades, entre elas, São Gonçalo e Cabo Frio.

Cristo Redentor

 Fiéis confeccionam os tradicionais tapetes de Corpus Christi no centro do Rio. Foto:  Tomaz Silva/Agência Brasil

No Santuário Arquidiocesano do Cristo Redentor, o arcebispo da Rio, dom Orani Tempesta, participou às 7h da manhã, da solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, abrindo a Semana do Meio Ambiente. Aos pés da imagem do Cristo Redentor foi confeccionado um tapete sustentável, feito por jovens. Preparado com borra de café, serragem, casca de ovo e sal colorido, apresentou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), as Obras de Misericórdia, e uma imagem de Nossa Senhora, Rainha da Ecologia. No fim da celebração, os materiais foram levados para compostagem, processo de decomposição de materiais orgânicos que resulta em adubo.

No Rio, a programação da celebração religiosa tem ainda a encenação do espetáculo Auto do Corpo de Deus ao lado da Catedral Metropolitana de São Sebastião e a tradicional procissão de Corpus Christi.

São Paulo

A solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, Corpus Christi, em São Paulo, reuniu fiéis, religiosos, diáconos e padres em frente à Catedral da Sé, na Praça da Sé, na manhã desta quinta-feira. A missa campal foi celebrada pelo cardeal Odilo Pedro Scherer e concelebrada pelos bispos auxiliares de São Paulo.

 Arcebispo Metropolitano, Cardeal Odilo Pedro Scherer, celebra missa campal de Corpus Christi, na Praça da Sé, Foto: Paulo Pinto/Agencia Brasil

Dom Odilo afirmou que aquele era um momento de grande unidade e de comunhão da Arquidiocese em torno de Jesus Cristo na eucaristia, e lembrou dos mais necessitados. “Agradeçamos no dia de hoje, de modo particular, por todos os benefícios recebidos, e a Jesus na Eucaristia; apresentemos as necessidades dos nossos irmãos, sobretudo dos que mais sofrem: os pobres, doentes e pessoas que têm dificuldades na vida”, manifestou o cardeal, em texto publicado no site da Arquidiocese.

Ainda no estado de São Paulo, a solenidade de Corpus Christi também é tradicional na cidade de Santana do Parnaíba.  Desde 1961 é celebrada com a confecção de 60 tapetes por onde passa a procissão. A produção do tapete começa antes da quinta-feira. Ele se estende por aproximadamente 850 metros de extensão, e são usados materiais como argila, casca de ovo, farinha de trigo, pipoca, pó de café, entre outros.

Brasília

Como tradicionalmente ocorre há 46 anos, a Esplanada dos Ministérios foi o local escolhido para a solenidade religiosa de Corpus Christi, em Brasília. Atendendo a um pedido do cardeal arcebispo da Capital Federal, dom Paulo Cezar Costa, para que que os fiéis levam alimentos não perecíveis, que serão encaminhados às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. “Essa é uma maneira de sermos solidários com aqueles que estão necessitando da nossa ajuda”, disse o cardeal.

Fiéis confeccionam tapetes de Corpus Christi na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Foto:  Marcelo Camargo/Agência Brasil

Conforme a arquidiocese, as atividades começaram por volta das 6h de hoje, com a montagem do tapete de 125 metros no gramado central. A montagem reuniu aproximadamente 600 pessoas integrantes de diversos movimentos, pastorais e serviços da arquidiocese.

A tradição dos tapetes

Dom Geraldo de Paula, da Arquidiocese de Niterói, contou que foram os portugueses que trouxeram a confecção dos tapetes para o Brasil como forma de evangelização. “Eles trouxeram essa tradição, esse costume de enfeitar as ruas neste dia da solenidade do Corpo de Deus. Esse momento que temos de montar os tapetes é muito interessante porque é um espaço para todos, desde crianças até idosos. Isso acaba atraindo mais pessoas porque veem ali como um lugar aberto onde as pessoas podem colocar a sua criatividade. É um espaço abençoado de com vivência”, disse.

Celebração

De acordo com a Arquidiocese do Rio, a solenidade ocorre sempre na quinta-feira após a festa religiosa da Santíssima Trindade e atende a uma recomendação do Código do Direito Canônico, no qual pede à comunidade diocesana para “testemunhar publicamente a adoração e a veneração para com a Santíssima Eucaristia”. Segundo dom Orani Tempesta, nesse dia a Igreja celebra a presença de Cristo na eucaristia para lembrar a morte e ressurreição do Senhor.

Fiéis confeccionam os tradicionais tapetes de Corpus Christi no centro do Rio. Tradição trazida para o Brasil pelos portugueses. Foto: Silva/Agência Brasil

“É uma maneira também de dizermos ao mundo que não estamos sozinhos, Cristo está conosco e queremos que a presença dele transforme as nossas vidas, a nossa sociedade para que cada vez mais sejamos mais justos, mais humanos e mais fraternos”, disse o cardeal em áudio encaminhado à Agência Brasil pela Arquidiocese.

A celebração começou em 11 de agosto de 1264 com o papa Urbano IV. Mas a origem do evento religioso é no ano de 1247, em Liège, na Bélgica. Conforme a arquidiocese de São Paulo, na época, “surgiu um movimento eucarístico com a finalidade de propagar a fé católica na presença real de Cristo nas espécies eucarísticas”.

“Naquela ocasião, aconteceu a primeira procissão eucarística pelas ruas da cidade. Anos depois, essa celebração se tornou nacional e, em 1313, o papa Clemente V a estabeleceu como uma festa de caráter mundial”, diz o texto publicado no site da arquidiocese.

Conselho orienta estabelecimentos penais sobre manifestação religiosa

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) modificou as orientações sobre o direito à livre manifestação de consciência, de crença e religiosa das pessoas privadas de liberdade. Entre as mudanças, estão a garantia de todas as práticas sem a interferência do Estado e a autorização para entrada, em estabelecimentos penais, de materiais de cunho religioso para estudo e aperfeiçoamento.

O respeito aos rituais de religiões minoritárias, praticados por estrangeiros, indígenas e praticantes de religiões de matrizes africanas foi incluído nas atribuições das administrações de espaços prisionais. Também passou a ser de responsabilidade das instituições a busca ativa sobre a preferência religiosa da pessoa privada de liberdade.

Entre as atividades asseguradas pela resolução estão a assistência, o aconselhamento, a oração, o estudo, as práticas litúrgicas e ritualísticas de natureza socioespiritual.

Atualização

As novas orientações foram o resultado apresentado pelo grupo de trabalho designado pelo conselho para atualizar a resolução que trata do assunto. Antes de submeter o resultado final ao colegiado, foram ouvidos diversos representantes e entidades religiosas de todo o país, em duas audiências públicas, com participação por videoconferência, realizadas no final de 2023.

A última resolução que tratava do assunto havia sido publicada em 2011 e trazia no conteúdo termos que foram revistos em favor da dignidade humana, como “pessoa presa”, substituído no texto por “pessoa privada de liberdade”.

Além dessa modificação, as orientações trazem mudanças práticas, como as regras para o cadastro na Secretaria de Administração Penitenciária das instituições religiosas e dos voluntários que atuam no sistema na prestação de assistência socioespiritual.

Regras para disponibilização, administração e manutenção de espaço físico apropriado para as práticas religiosas também foram revistas, inclusive com orientação para adequação, quando necessário, do local para atender práticas específicas. Nesses casos, as regras admitem inclusive o recebimento de doações pelas instituições religiosas, desde que seja oficialmente documentada.

Peças de ataque de intolerância religiosa podem ser tombadas este ano

Instrumentos musicais, indumentárias, estatuetas, insígnias e outros objetos sacralizados compõem um acervo raro de 216 peças que foram roubadas em 1912 de terreiros em Alagoas, mas não destruídas, durante o maior ataque na história do Brasil a religiões de matriz africana. Esse conjunto de materiais resgatados, de valor histórico e cultural imensurável, pode ser finalmente tombado neste ano como patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

O ataque ocorrido a partir da madrugada do dia 2 de fevereiro de 1912 (há exatos 112 anos), em episódio que ficou conhecido como “Quebra de Xangô”, teria atingido, ao menos, 70 casas de religiões de matriz africana em Maceió e também em cidades vizinhas. De acordo com pesquisadores, um grupo que se intitulava Liga dos Republicanos Combatentes promoveu, naquele dia, terror com invasões, vandalismo, espancamentos e ameaças, além de roubar objetos sagrados.

Esses objetos a serem tombados, expostos na época pelos agressores como símbolo de vitória, passaram a significar a comprovação do crime. O ataque foi cometido pela agremiação política que fazia oposição ao governador da época, Euclides Malta, e o ‘acusava’ de proteção e proximidade aos terreiros. Por isso, prepararam aquele que se tornou um ataque sem precedentes de intolerância religiosa no país. Hoje, as 216 peças não destruídas estão sob guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL).

Segundo o historiador Clébio Correia, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), esse é o único caso registrado na história brasileira de quebra de terreiros de forma coletiva. “A gente tem episódios de invasão e quebra de terreiros em todo o Brasil, mas individualmente. No caso de Alagoas, houve verdadeiro levante de uma turba organizada por uma milícia chamada Liga dos Republicanos Combatentes, que era um braço armado do político Fernandes Lima, inimigo do governador Euclides Malta, à época”, explica.

O historiador do Iphan Maicon Marcante lembra que muitos objetos sagrados foram destruídos e queimados em praça pública. “Porém, esse conjunto de objetos sobreviveu a esses ataques e permaneceu por um período no Museu da Sociedade Perseverança até 1950. Depois foram transferidos para o IHGAL”, afirmou Marcante. Foi por isso que a coleção de objetos ganhou o nome de Perseverança. O primeiro inventário das peças foi feito em 1985.

Hoje, as peças, segundo o pesquisador do Iphan, apresentam desgaste. O diagnóstico do Iphan para o tombamento vai orientar as ações de conservação e restauração. Os tecidos estão desgastados. Alguns fios de conta estão arrebentados. “Mas, de forma geral, as peças estão preservadas. A gente está falando de estatuetas representativas de orixás, de instrumentos musicais, indumentárias, objetos e insígnias. São mais de 40 braceletes e pulseiras”.

Mais divulgação

Maicon Marcante ressalta que, a partir do momento em que a coleção Perseverança for tombada pelo Iphan como patrimônio cultural brasileiro, haverá a responsabilidade do órgão na preservação e acautelamento desses bens. Nesse momento, ocorre a fase final de instrução de tombamento, que conta com a participação de representantes da comunidade de religiosos no processo de atribuição de valores e de significação cultural das peças. 

Ele explica que ao fim da fase de instrução, o processo passa por trâmites internos com avaliações na Câmara Técnica e no Conselho Consultivo, o que poderia ocorrer ainda no primeiro semestre de 2024. Após o tombamento, além das ações de preservação, conservação e estudo da historiografia, devem ser tomadas outras medidas para maior difusão do episódio invisibilizado. “Devemos levar o conhecimento sobre esse acervo, sobre esses objetos, para um público mais amplo, fora de Alagoas, inclusive. Podemos pensar em exposições virtuais também”.

Reverência aos ancestrais

 Entre as lideranças que colaboraram com o trabalho do Iphan está a Mãe Neide Oyá D´Oxum, de 62 anos. Ela afirma que os objetos e a memória do episódio de 1912 guardam o símbolo da resistência das religiões de matriz africana. “É a nossa história e com a qual podemos reverenciar a luta dos nossos ancestrais”. Um reconhecimento, segundo ela, veio em 2012, do então governador Teotônio Vilela Filho, que ediu desculpas, em nome de Alagoas, pelo episódio escandaloso de violência racista. 

Entre esses fatos, Mãe Neide cita Tia Marcelina que, conforme foi documentado pelos religiosos de Alagoas, foi espancada na noite do Quebra de Xangô e acabou morrendo nos dias seguintes. “Enquanto ela era açoitada, disse que os agressores poderiam quebrar braço e perna, tirar sangue, mas que não conseguiriam tirar o saber dela”.

Para preencher lacunas

De acordo com a professora Larissa Fontes, que produziu tese de doutorado na Universidade Lumiere Lyon (França) sobre as peças que restaram do ataque em Alagoas, a coleção Perseverança é o documento mais importante para a memória religiosa no estado. “São mais de 200 objetos que estão hoje abrigados no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas em estado deplorável, precisando muito de restauro, de um projeto sério de salvaguarda. A gente está nessa luta há muitos anos para o tombamento e caminhando agora concretamente para que isso saia neste ano”.

O livro da professora Larissa, O museu silencioso, foi publicado na França. A obra será também impressa no Brasil. Larissa, que é pesquisadora e também religiosa, colaborou com o Iphan e informa que o dossiê a ser entregue para aprovação do tombamento já está praticamente pronto. “Na minha pesquisa de doutorado, fui atrás da biografia desses objetos, buscando a tradição oral das comunidades religiosas afro-brasileiras de Alagoas, muito afetadas pela repressão e por esse silêncio”. Ela acrescenta que descobriu na pesquisa sinais e vestígios de perdas de materiais.

Larissa atribuiu essas lacunas à dificuldade de acesso e às peculiaridades da história. “Diferentemente de outros episódios de repressão que a gente teve no Brasil, que era a polícia que invadia terreiros, quebravam coisas e batiam em gente, e guardava os autos dos processos, em Alagoas, curiosamente, o Estado estava ausente da ação”.

A pesquisa atual da professora é um prolongamento da tese e pretende trazer de volta a Alagoas conhecimentos de perdas litúrgicas por meio de religiosos, autoridades religiosas que ainda detêm conhecimento na Bahia. “É muito importante essa ação patrimonial de recuperação e de reparação da memória”, afirma Larissa, docente do Departamento de Ciências Humanas e Sociais do Instituto Superior de Eletrônica e Tecnologia Digital, de Brest (França).

Para o historiador Clébio Correia, professor da Ufal, a despeito do Instituto Histórico ter cumprido papel de salvaguarda desse material, o entendimento dos “povos de terreiros” é que esses documentos deveriam estar em um museu, um memorial afro de Alagoas. “E não em um espaço da elite branca intelectual do estado. A gente está vivendo, neste momento, o processo de tombamento legal, muito importante para garantir a proteção das peças”.

Na sua opinião, a coleção Perseverança é o símbolo maior do ataque e mobiliza hoje os terreiros de Alagoas. “É o que a gente chama de prova material da resistência negra no estado. E gera esse ideário dos terreiros de ter um espaço próprio da memória em Alagoas”. 

“Imprensa preconceituosa”

Em busca também de compreender o violento episódio, cercado de apagamentos, o professor de antropologia Ulisses Neves Rafael, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), assinou a tese Xangô Rezado Baixo, que faz referência à proibição, posterior à repressão do dia 2, do uso de atabaques nos terreiros, o “rezado baixo”. 

Ele descobriu o episódio por acaso, durante o mestrado, e se surpreendeu que praticamente não havia pesquisa sobre o ataque. Assim buscou garimpar o quebra-cabeças em veículos, com publicações desde o início do século 20 até os episódios de 1912. “O Jornal de Alagoas (veículo de oposição ao governador e o principal objeto de análise) publicou uma série de oito reportagens”.

Para esclarecer as lacunas da violência, descobriu que a imprensa teve um tom preconceituoso contra os terreiros. “A imprensa foi instrumento dessa repressão. Os textos tinham uma linguagem muito preconceituosa e racista. Na verdade, eles tiveram papel fundamental na construção dessa imagem negativa dos terreiros”, explica o professor, que desenvolveu a pesquisa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a partir do ano 2000.

Segundo a jornalista Valdeci Gomes da Silva, da Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial, a imprensa em Alagoas contribuiu, ao longo da história, com a reprodução do racismo. “Não foi diferente no Quebra de Xangô. Como naqueles dias, até hoje há quem se refira aos rituais das religiões de matriz africana como magia negra. Isso é um termo muito racista e que a gente não pode admitir”. A pesquisadora avalia que os jornais demonstraram ser coniventes com a elite financeira.

O professor Ulisses Rafael, da UFS, acrescenta que as notícias do Jornal de Alagoas (veículo de oposição ao governador e o principal objeto de análise) tornaram os grupos ainda mais vulneráveis e foram capazes de mobilizar pessoas além da Liga dos Republicanos combatentes. “A campanha recebeu grande adesão da população, da sociedade civil. Falou-se em centenas de pessoas nas ruas”. 

Os jornais informaram que os episódios ocorreram na madrugada, mas que, na verdade, já havia antes um clima de perseguição e de ataque. O próprio governador teria sido obrigado a fugir do Palácio pelos fundos e ido para o Recife. “Nesse intervalo, em que ele se encontra afastado, as casas são atacadas. As invasões acontecem em Maceió, em terrenos mais afastados e também em cidades vizinhas”. O professor não crava o número de casas atingidas porque não foi divulgado um quadro completo de terreiros com nomes das pessoas ou localização. 

Essa adesão de dezenas pessoas ao ataque contra terreiros é compreendida pela professora de antropologia Rachel Rocha de Almeida Barros, da Universidade Federal de Alagoas, como sintoma de uma sociedade ainda escravagista, majoritariamente católica, provinciana e analfabeta.   “Imagine 100 pessoas correndo por Maceió em 1912, quebrando tudo”. 

Teria havido, na opinião da antropóloga, um planejamento prévio. Ao mesmo tempo em que existiam integrantes sem qualquer consciência, a Liga dos Republicanos Combatentes era civil, com característica paramilitar, e constituída também por ex-integrantes da Guerra do Paraguai. Nessa mistura, essas pessoas, segundo explica, estariam vestidas de foliões carnavalescos quando chegaram aos terreiros. O Brasil vivia uma lógica racionalista, ainda escravagista e as manifestações religiosas de pessoas pretas eram desumanizadas. “A abolição não tinha completado ainda três décadas”.

Quem também entende o papel “estratégico” dos agressores é o Pai Célio Rodrigues dos Santos, que é historiador. “Essa milícia procurou estudar qual era a data e os horários mais propícios de invasão aos terreiros (em vista dos momentos de homenagens e oferendas dos cultos). Eles chegaram trasvestidos de um bloco carnavalesco. Tocavam, batiam e gritavam. Chamavam de macumbeiros, quebravam tudo, agrediram e ameaçaram”. Como efeito, segundo o Pai Célio, líderes religiosos correram, fecharam suas casas e saíram. “Mas resistimos. Hoje, Alagoas tem um grande número de terreiros, principalmente na periferia. E aí são esses terreiros que dizem não à intolerância religiosa”, avalia. Ele acredita que existam ao menos 3 mil terreiros no estado.

Existem ainda outros efeitos, de acordo com o professor Clébio Correio, para a identidade local.  “Quando lemos as notícias de 1910, vemos que Maceió era vista na época como uma referência para os negros de outros estados. Vinham pessoas conhecer as religiões afro. Depois do quebra, passou a se vender para o resto do país como uma cidade de coqueiro, de sol e praia”, lamenta. O resultado disso foi um esvaziamento do carnaval de Alagoas porque as manifestações culturais foram silenciadas. 

A professora Rachel acredita que o maior interesse por essa temática, após os anos 2000, tem relação com a maior democratização do espaço acadêmico, coincide com a política de cotas e cria, com isso, reflexos nas temáticos sociais abordadas. “É muito importante ver que esse episódio revisitado gerou livro, discussões contemporâneas e também filme”.

O trabalho a que ela se refere é do professor Siloé Amorim, de antropologia da Ufal. O documentário 1912: o quebra de Xangô (confira aqui o roteiro).

O filme, produzido em mais de três anos, tem 52 minutos de duração e foi motivado principalmente pelo silêncio sobre o ataque e o desconhecimento da população, inclusive dos terreiros. “Poucas pessoas tinham conhecimento do caso. Maceió tem muitos terreiros e isso era muito pouco divulgado. Me surpreendeu muito o preconceito velado sobre as religiosidades de matrizes africanas aqui no estado”. Ele explica que a opção pelo filme tem relação com a necessidade de garantir visibilidade para um público maior a fim de denunciar o que ficou tanto tempo em silêncio.

Rio teve quase 3 mil crimes ligados à intolerância religiosa em 2023

As delegacias do estado do Rio de Janeiro registraram, em 2023, aproximadamente 3 mil crimes que podem estar relacionados à intolerância religiosa. Entre eles, houve 2.021 vítimas de injúria por preconceito e 890 por preconceito de raça, cor, religião, etnia e procedência nacional. Os números fazem parte de um levantamento inédito do Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP).

No entanto, apenas 34 vítimas de ultraje a culto religioso procuraram uma delegacia de polícia para registrar o crime no estado do Rio de Janeiro no ano passado.

“Eu atribuo a baixa procura, primeiro, ao descrédito que existe hoje em parte da comunidade de que nem todos os registros viram inquérito. Uma coisa é registrar na delegacia, e outra quando os inquéritos são instaurados para que se proceda uma investigação. Depois, quantos dos inquéritos se tornam denúncia crime pelo Ministério Público que acompanha para ser julgado no tribunal?”, questionou o babalaô (pai de santo) Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR) e doutor e professor em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em entrevista à Agência Brasil.

O babalaô Ivanir dos Santos – Tomaz Silva/Arquivo/Agência Brasil

 

De acordo com o Instituto de Segurança Pública, a tipificação criminal é determinada pela ridicularização pública, pelo impedimento ou pela perturbação de cerimônia religiosa. “A injúria por preconceito é o ato de discriminar um indivíduo em razão da raça, cor, etnia, religião ou origem. Já o preconceito de raça, cor, religião, etnia e procedência nacional tem por objetivo a inferiorização de todo um grupo etnicorracial e atinge a dignidade humana”, explicou o ISP em nota.

Perfil

Conforme o levantamento, mulheres e negras são a maioria das vítimas. A maior concentração dos crimes foi na zona oeste da capital, na região da 35ª Delegacia de Polícia (DP), no bairro de Campo Grande. Embora este seja o dado do levantamento, o babalaô afirmou que a região da Baixada Fluminense também registra muitos casos, além dos municípios de Maricá, na região metropolitana, e Campos dos Goytacazes no norte do estado.

Segundo o ISP, a intenção, ao divulgar o levantamento neste domingo (21), Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, foi promover o diálogo, mostrar para a sociedade que intolerância religiosa é crime e que o estado do Rio de Janeiro tem mecanismos de denúncia para as vítimas.

Para a diretora-presidente do ISP, Marcela Ortiz, essas informações são fundamentais para esclarecer a sociedade que intolerância religiosa e preconceito são crimes que devem ser denunciados.

“Sabemos que esses números são subnotificados, muitas vezes por falta de informação, mas o estado do Rio  tem a Decradi [Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância], uma delegacia especializada para o registro desses crimes. É importante que todos lembrem que a Constituição Federal assegura o livre exercício de todos os cultos religiosos”, ressaltou Marcela na nota divulgada pelo ISP.

Para a titular da Decradi, delegada Rita Salim, a intolerância religiosa é um crime que fere a liberdade e a dignidade humana. Segundo a delegada, combater a intolerância religiosa depende da conscientização da sociedade de que é preciso ter respeito à diversidade da crença, além das escolhas e das concepções religiosas.

“A Polícia Civil conta com uma unidade especializada na investigação desses crimes e está preparada para receber a denúncia e confeccionar os registros de ocorrência”, informou Rita.

A presidente do ISP, Marcela Ortiz – Tânia Rêgo/Arquivo/Agência Brasil

 

Especializada

A Decradi funciona na Rua do Lavradio, nº 155, no centro da cidade, mas os crimes de intolerância religiosa, ultraje a culto, injúria racial e racismo podem ser denunciados em qualquer delegacia de Polícia Civil. Os registros também podem ser feitos pela Delegacia Online da Secretaria de Estado de Polícia Civil.

No entendimento do babalaô Ivanir dos Santos, a Polícia Civil poderia repetir a experiência da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), que começou com apenas uma unidade e atualmente funciona também em outras partes do estado. Ele propõe a instalação de mais unidades da Decradi. De acordo com Santos, isso resolveria também o problema da dificuldade dos policiais de outras delegacias tipificarem o crime.

“Nas próprias delegacias tem um profissional que não está acostumado a tipificar o crime, tratam como briga de vizinho, mandam voltar para casa dizendo que vai acalmar”, completou o babalaô, lembrando que alguns casos são registrados também como homofobia, que está tipificada na mesma legislação.

“E pode ter também homofobia ligada à intolerância religiosa. A delegacia não consegue tipificar e fazer uma qualificação sobre isso. Esse é um aspecto importante”, afirmou.

Ivanir dos Santos defendeu a necessidade de formulação de políticas públicas para o combate à intolerância religiosa. Ele disse que é preciso ter dados para haver políticas. “Não basta os órgãos públicos fazerem como os movimentos sociais, que fazem denúncias. Os dados têm que servir para a construção de políticas públicas. Isso a gente está falando desde 2008 no Rio de Janeiro, desde a primeira Caminhada pela Liberdade Religiosa, e os casos vão se avolumando.”

Santos reivindica ainda maisr envolvimento do Ministério Público e da Defensoria Pública.

Educação

O babalaô criticou a má interpretação da aplicação da Lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira entre as disciplinas incluídas na grade curricular dos ensinos fundamental e médio.

“É encarado no ambiente escolar que, quando se implementa essa lei, que é federal e seria uma política de estado, que é como se você estivesse ensinando macumba. Consequentemente, o pensamento fundamentalista religioso inserido nos ambientes de escola e mundo do trabalho é um dos impeditivos do avançor em uma política mais de respeito à diversidade religiosa. Na verdade, a lei está falando de história e de cultura”, enfatizou.

Saiba o que é importante ao abordar diversidade religiosa nas escolas

Na teoria parece fácil. A grande questão é como ocorre na prática. Como lidar com a intolerância religiosa e como orientar o ensino religioso nas escolas, com o objetivo de evitar o preconceito e a violência? Neste 21 de janeiro, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, a Agência Brasil conversou com especialista que dá dicas de como tratar o tema dentro da sala de aula. 

“É preciso pensar em diferentes dimensões, na questão histórica, social, cultural, legal e ética-cidadã para tratar o tema religião”, aponta o professor Alex Santana França, da Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia.  

O especialista destaca que a orientação dada pela imensa maioria das escolas é correta, usando o ponto de vista legal e o bom senso. “Mas o problema maior tem origem na educação, na orientação dada dentro da família do aluno, que nem sempre compartilha com as ideias que a legislação e a escola apresentam”, afirma. 

O professor reforça que é necessário conhecer e aplicar as determinações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que tem orientações de como deve ser o ensino religioso em cada série, desde a educação infantil até o nível médio. A Constituição Federal define que o Brasil é um estado laico, que permite, respeita, protege e trata de forma igual todos os tipos de religiões, ou mesmo quem não professa nenhuma crença. 

França delimita cinco dimensões que devem ser observadas na abordagem da diversidade religiosa dentro da sala de aula:

Questão histórica  

É importante trazer informações sobre o universo da formação histórica do Brasil que ajudam a entender porque ainda existe o racismo religioso, que culmina na violência sobre determinados segmentos da sociedade. França destaca que os fatos históricos ajudam a entender o início e as causas do problema. É preciso compreender a constituição histórica do Brasil, o multiculturalismo. São diferentes possibilidades religiosas presentes desde sempre no país, desde práticas espirituais/religiosas já desenvolvidas pelos povos originários, passando pelo cristianismo/catolicismo pregados pelos povos colonizadores, e pelas religiosidades trazidas pelos povos africanos, povos ciganos, judeus, orientais.  

Questão social 

Muitas vezes a criança, o jovem, já vai para a escola seguindo uma determinada vertente religiosa, praticada pelos familiares, e vive de acordo com os dogmas dessa religião praticada no seu núcleo familiar, o que pode formar discursos preconceituosos que determinadas religiões têm em relação a outras. Mas, ao mesmo tempo em que a sociedade ajuda a formar o preconceito, ela ajuda a descontruir esse preconceito. A escola pode ser muito importante neste sentido, como local onde o estudante terá diversas informações, assim como também os amigos e os meios de comunicação têm papel semelhante. Todo material, como reportagens, livros, entrevistas, filmes, palestras, debates, todo material sobre o assunto pode ser utilizado para combater o preconceito. 

Questão cultural 

Tem uma relação com a questão histórica, que acaba contribuindo com a formação histórica e cultural do aluno. Como o país é formado por diferentes grupos sociais com diferentes manifestações culturais, a religião – que também é cultura – vai se configurar de maneiras diferentes. Teoricamente não existe hierarquia na cultura. Não há uma cultura superior a outra. Assim, não existe uma religião superior a outra, não há uma religião melhor que outra.  Existem várias opções de credo e cada pessoa tem direito, tem o livre arbítrio de escolher a forma como vai manifestar a própria fé. É a pessoa que deve definir qual o deus que vai celebrar, homenagear, contemplar. Na sala de aula, é importante colocar essa diversidade cultural que forma o Brasil. Por conta dessa diversidade, o país não pode eleger uma só religião e deixar as outras de fora. O Brasil é um estado laico. 

Questão da cidadania 

A Constituição Federal defende os direitos de qualquer cidadão brasileiro, de qualquer pessoa, garantindo o direito à liberdade de escolha religiosa. Por isso, nenhuma pessoa pode ser perseguida, sofrer preconceito por causa de suas escolhas. As leis determinam que todos devem respeito às diferenças. Essas diferenças não podem ser descartadas, rejeitadas e não devem interferir na vida em sociedade.  

Questão da ética 

Cada pessoa tem o direito de ter a devoção que desejar, que melhor lhe faz bem. A forma como um indivíduo processa a própria fé não pode interferir como o outro processa a dele. Na sala de aula, deve-se fazer essa discussão sobre cidadania, sobre ética, falar sobre legislação, de forma que atenda aos interesses de cada faixa etária do alunado. 

A percepção é que os jovens têm pouco espaço para debater o tema e não se sentem confortáveis dentro das próprias instituições religiosas. Um levantamento realizado pelo Espro (Ensino Social Profissionalizante) no fim do ano passado captou as percepções dos jovens com idade entre 14 e 23 anos atendidos pela organização em todo país. Com relação à religião, a pesquisa mostra que 34% dos jovens entrevistados já deixaram de frequentar espaços religiosos por não se sentirem confortáveis. 

Intolerância religiosa representa um terço dos processos de racismo

A intolerância religiosa representa um terço (33%) dos processos por racismo em tramitação nos tribunais brasileiros, segundo levantamento da startup JusRacial. A organização identificou 176 mil processos por racismo em todo o país.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a intolerância religiosa corresponde, de acordo com o levantamento, a 43% dos 1,9 mil processos de racismo em tramitação na corte. Nos tribunais estaduais foram identificados 76,6 mil processos relacionados ao tema, sendo que 29,5 mil envolvem religião.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, com quase 6,5 mil processos, tem o maior número de casos de racismo religioso. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem o maior número de casos de racismo – 14,1 mil -. Desses, 6,3 mil envolvem a espiritualidade de matriz africana. Os tribunais regionais do trabalho reúnem 19,7 mil processos relacionados ao racismo religioso.

Perda de guarda

A vendedora Juliana Arcanjo perdeu a guarda da filha, na época com 11 anos, após levar a menina para receber iniciação no candomblé. “O pai dela, não muito contente com a feitura dela, foi no conselho tutelar e me denunciou por violência doméstica por causa das curas do candomblé e cárcere privado por causa do recolhimento”, conta a moradora de Campinas que chegou a enfrentar um processo criminal.

Mesmo absolvida das acusações, Juliana está há praticamente três anos sem poder ver a filha. “Eles não me concederam nenhuma visita assistida. Nada”, conta a mãe, que se sente injustiçada. “Foi preconceito puro. Porque toda mãe, todo pai tem o direito de levar seus filhos onde se cultua a religião. O crente leva o filho na igreja. O católico leva o filho na igreja e batiza a criança. Agora, o candomblecista não pode levar seus filhos ao candomblé”, reclama.

A última audiência a respeito da guarda da adolescente foi há cerca de três meses. Juliana diz que aguarda que a jovem seja ouvida por uma psicóloga para embasar a decisão do juiz sobre as visitas à filha.