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Ódio nas redes é tema de livro finalista do Prêmio Jabuti Acadêmico

Foi com surpresa e felicidade que a jornalista Luciana Barreto recebeu a notícia de que seu primeiro livro, Discursos de Ódio contra Negros nas Redes Sociais, está entre os cinco finalistas da categoria divulgação científica da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico.

“É a minha dissertação de mestrado. E eu me dediquei muito a ela com um motivo genuíno: eu queria contribuir demais com algo que, para mim, incomodava demais, que é o aumento do discurso de ódio na rede social”, diz.

Luciana Barreto é mestre em relações étnico-raciais, palestrante, escritora, pesquisadora e apresentadora da TV Brasil. Após conhecer, nos Estados Unidos, o projeto Teaching Tolerance, em tradução livre, Ensinando Tolerância, ela voltou para o Brasil com vontade de criar também por aqui uma iniciativa semelhante. O projeto não apenas oferece apoio a vítimas de discurso de ódio, como produz materiais de apoio para orientar escolas e a sociedade.

A criação do projeto ainda está no radar, mas antes, Luciana levou a ideia para o mestrado que, no final do ano passado, e virou também livro. Na obra, que ela enfatiza, não é voltada apenas para pessoas negras, mas para toda a sociedade, ela traz, primeiro, uma contextualização histórica brasileira, de construção da sociedade e de como o racismo é estruturado. Em seguida, analisa publicações com discursos de ódio nas redes sociais.

“Acho que esse é o alerta maior do livro, as pessoas acham que são só garotos nas redes sociais falando. Não. O discurso de hoje está interferindo na sociedade brasileira”, diz.

Segundo ela, são necessárias medidas urgentes, como a responsabilização e cobrança de medidas por parte das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, responsáveis pelas redes sociais.

“O discurso de ódio mata. E o discurso de ódio faz morrer. Porque as pessoas estão cometendo suicídio por conta de questões nas redes sociais. As pessoas estão viciadas. As pessoas estão com sérios problemas ligados à rede social”, enfatiza a jornalista.

Os finalistas de cada uma das categorias do prêmio foram divulgados nesta quinta-feira (18). O Prêmio Jabuti é o principal reconhecimento literário do Brasil, é idealizado pela Câmara Brasileira do Livro e ocorre desde 1958. Neste ano, para chamar atenção às contribuições significativas à ciência no país, foi lançada uma nova modalidade, o Prêmio Jabuti Acadêmico, que conta com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Horas depois de saber o resultado, Barreto conversou com a Agência Brasil. Confira os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil – Como você recebe esse resultado, esse reconhecimento?

Luciana Barreto – Primeiro, claro que eu estou muito feliz. Mas muito surpresa, porque às vezes eu acho que a gente trabalha tão intensamente e realmente sem pretensões. Eu não tinha nenhuma pretensão nem disso virar livro. É a minha dissertação de mestrado. E eu me dediquei muito a ela com um motivo genuíno: eu queria contribuir demais com algo que, para mim, incomodava demais, que é o aumento do discurso de ódio na rede social. Eu realmente via as minhas amigas ligarem chorando. E eu estou falando de pessoas extremamente empoderadas. Pessoas que têm cargos, que têm dinheiro, que têm reconhecimento e que estavam fragilizadas diante de discursos de ódio.  

Eu já tinha a intenção de estudar isso. Quando fui para os Estados Unidos, conheci esse projeto, que é o Teaching Tolerance, ensinando a tolerância. Era um projeto que dava todo o apoio às vítimas de discurso de ódio, desde apoio jurídico, material a apoio para os professores, para ensinarem esse contradiscurso. Quando eu vi tudo isso, aí eu falei, vamos levar para o Brasil. Mas então eu tive uma intenção genuína, a minha intenção era apresentar para as pessoas uma proposta de se proteger do discurso de ódio, o que eu chamo de contradiscurso. Perceber que isso virou um livro, ou seja, tem uma distribuição maior entre as pessoas. E depois perceber que esse livro tem um reconhecimento. Para mim, é incrível.

Luciana Barreto é uma das 5 semifinalistas da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Agência Brasil – Conta um pouquinho o que é o livro e como ele está estruturado.

Luciana Barreto – O livro é um resultado de dissertação de mestrado, só que ele é escrito por uma jornalista. Então, isso faz toda a diferença. Na primeira etapa do livro – eu falo que esse é um livro voltado não só para pessoas negras, apesar de ser um livro sobre discurso de ódio contra pessoas negras, ele é voltado para que todos leiam – e para isso, eu tenho aí uma primeira parte do livro ambientando o leitor com termos, ambientando o leitor com a história do movimento negro.

Em um segundo momento, eu entro nessa parte mais acadêmica. O livro é numa área de análise do discurso. Eu pego expressões de discurso de ódio que são muito recorrentes nas redes socais e faço uma análise dessas expressões. E aí eu entendo por que o hater [em tradução livre, odiador. É um termo usado na internet para classificar pessoas que postam comentários de ódio] utiliza essa expressão, que tipo de objetivo o hater quer ao utilizar essa expressão. Quando o leitor já chega nessa parte, ele já entende que existe toda uma questão social e econômica envolvida com a questão racial. Ele percebe, por exemplo, por que se utilizam expressões como o “mimimi”, por que eles focam mulheres negras, por exemplo, com uma condição econômica, social um pouco mais vantajosa.

O leitor já está entendendo que a condição da mulher negra na opinião do hater, e às vezes em parte significativa do Brasil, infelizmente, é uma condição em que ela está numa posição do servir. Então, se ela aparece numa posição de poder, ela sofre discurso de ódio. Se ela aparece numa condição de beleza que é muito ligada às pessoas brancas, ela sofre discurso de ódio. Então, o leitor vai entendendo todo esse mecanismo de opressão pelo qual passam as vítimas de discurso de ódio.

Agência Brasil – Pode nos dar um exemplo?

Luciana Barreto – Um exemplo, a expressão “mimimi”, que eu analiso nesse livro. O “mimimi” é sempre uma dor. Brincam que “mimimi” é a dor que dá no outro. O ponto de partida é dizer que a sua reivindicação é uma reivindicação menor. Essa é a ideia do “mimimi”. O hater quer sempre trazer uma ideia supremacista, eu diria, dizendo que existe um grupo que não reclama, que vive a vida, trabalha. Essa ideia de que tem esse grupo – e a gente sabe esse grupo idealizado qual é – e, por outro lado, tem um grupo que reclama. Então, a análise do discurso é para isso. A minha ideia era fazer com que as pessoas entendessem, as minhas amigas também, é mostrar: ele está usando esse termo para te paralisar, para te fazer regredir, voltar, te deixar estática, e isso não vale a pena, porque tem uma ideia supremacista aqui envolvida quando ele usa certas expressões com você.

Eu utilizo, inclusive, um estudo do pesquisador Luiz Valério Trindade. Ele quantificou os discursos de ódio no Facebook. Tem uma porcentagem bem grande de mulheres negras como principal alvo. Os haters são normalmente meninos jovens que perseguem essas mulheres negras. E ele traz dez itens em que elas são perseguidas: quando elas estão fazendo uma viagem ao exterior, por exemplo, uma viagem de férias, se ela estiver no Hemisfério Norte, se for aos Estados Unidos e Europa; se tiver um casamento interracial; se utilizar o cabelo black como um sinal de beleza; se estiver numa posição de profissional liberal, como advogada, jornalista, apresentadora; se ganha um concurso de beleza. Ele vai elencando alguns tópicos em que essas mulheres, que são o principal alvo, aparecem com mais frequência como alvo dos haters.

Eu não faço uma análise quantitativa, como eu disse, eu faço uma análise do discurso. Então, eu faço análise das palavras, das expressões e como elas são colocadas, como elas aparecem e por qual objetivo.

Agência Brasil – Qual o papel das redes sociais na disseminação de discursos de ódio e como é possível combater a disseminação desse tipo de conteúdo?

Luciana Barreto – A discussão de regulação é uma discussão, acho, muito lenta e a gente precisa mesmo de uma cobrança maior às big techs. E é isso que os outros países estão fazendo, estão indo direto nelas. Eu acho que é isso que a gente vai conseguir de mais imediato. Por que eu falo de imediato? Porque, o discurso de ódio mata. E o discurso de ódio mata. E o discurso de ódio faz morrer. Porque as pessoas estão cometendo suicídio por conta de questões nas redes sociais. As pessoas estão viciadas. As pessoas estão com sérios problemas ligados à rede social. Não dá para a gente ficar esperando anos e anos de discussão sobre isso.

Agência Brasil – No livro você cita o Teaching Tolerance. Existem iniciativas semelhantes no Brasil?

Luciana Barreto – A gente não tem nada parecido. Eles são um projeto do Alabama, um lugar que tem muito discurso de ódio, que é no berço do movimento dos direitos civis. Ali onde teve ataque contra a população negra, onde teve bomba em igreja, onde teve assassinatos, enforcamentos, e que tem uma ferida aberta ainda. Eu estava lá no último ano do governo de Barack Obama. Eles já percebiam o aumento do discurso da extrema-direita que acabou levando Donald Trump ao poder logo em seguida. Mas já se percebia um aumento do discurso de ódio. Discurso de ódio contra estrangeiros, aumento da xenofobia, contra os latinos, discurso de ódio contra negros, o discurso meritocrático que muitas vezes passa por discurso de ódio, discurso contra população LGBT. Isso era 2016. Então, eles estavam tentando algo, uma plataforma que desse todo o suporte e apoio, não só ao combate ao discurso de ódio, mas também à vítima. Eu achei aquilo incrível. Pensei que precisava voltar e propor algo aqui. Surgiu, então, a ideia de me matricular no mestrado.  

Agência Brasil – Em um dos resumos do seu livro me chamou atenção uma frase que diz que o ódio é uma forma de exclusão.

Luciana Barreto – Isso, exato. Acho que esse é o alerta maior do livro, as pessoas acham que são só garotos nas redes sociais falando. Não. O discurso de hoje está interferindo na sociedade brasileira E as grandes plataformas [redes sociais] distribuem esse discurso preferencialmente. Essa é a questão.

“Guerra cultural” via redes sociais estimula violência política

Os disparos contra o ex-presidente Donald Trump, nos Estados Unidos (EUA), reacenderam o debate sobre o aumento da violência política em algumas sociedades nos últimos anos, como a brasileira e a norte-americana.

Para especialistas consultados pela Agência Brasil, os discursos de ódio e a chamada “guerra cultural”, potencializada pelas redes sociais, alimentam essa violência política que tem características distintas da vivida durante a Guerra Fria, quando os EUA e a antiga União Soviética (URSS) disputavam influências no planeta, resultando nas ditaduras pela América Latina.

O pós-doutor do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) sociólogo Pablo Almada destaca que a “guerra cultural” é uma estratégia usada não apenas para demarcar um posicionamento político, mas também criar espaços de batalha nas redes sociais.  

“A guerra cultural tem uma lógica bastante binária e excludente. Pensa-se em binarismos que são insuperáveis. É aquela ideia de nós, os nativos, contra os imigrantes. Nós, os locais, contra o globalismo, entre outras dicotomias. Isso cria um problema, que é muito grave, que é uma polarização que ultrapassa a esfera da política”, explicou.

Segundo o especialista, a “guerra cultural” é a disputa política no campo ideológico que disputa valores, crenças e normas culturais, sendo utilizada por grupos conservadores e de direita para manipular a opinião pública com retórica incendiária.

Almada avalia que essa lógica da “guerra cultural” ganhou força a partir dos anos 2010, especialmente com a eleição de Donald Trump, em 2016, quando o político republicano convocou o estrategista Steve Bannon para ser seu marqueteiro político.   

Violência legitimada 

O professor da Universidade de Denver, dos Estados Unidos, e pesquisador do Washington Brazil Office (WBO) Rafael R. Ioris, avalia que a violência política tem crescido nos últimos anos impulsionada pelos discursos de ódio que pregam a intolerância e legitimam o uso da força para resolver questões políticas.

“Tem diferença entre os contextos nacionais, mas o que essa nova violência política tem em comum é essa visão autoritária e homogênea da sociedade que prega que as diferenças têm que ser eliminadas e que isso tem que ser resolvido pela força, se necessário. Então isso faz parte de uma dinâmica mais ampla”, avalia.

Para Ioris, imaginou-se no final do século 20 que a violência política poderia ser superada em algumas sociedades. Porém, o que se viu nos últimos anos foi o crescimento dessa violência no Brasil, na Europa, e em outros países da América Latina.

“É uma retomada desse discurso da violência, das forças mais oligárquicas, mais conservadoras, defendendo que não se deve admitir que a esquerda dê certo na América Latina, por exemplo. Há uma nova manifestação de ações violentas dentro da política. Isso é preocupante, até mesmo chocante, porque a gente imaginava que tinha superado isso”, destacou.

Redes sociais

Os dois especialistas destacaram o papel das redes sociais e da desinformação no crescimento da violência política atual. Para eles, a internet potencializou a disseminação de discursos de ódio que, antes da internet, não circulavam de forma tão ampla.  

“Uma das características dessa nova forma de violência política é que ela perpassa os discursos construídos nas redes sociais. A desinformação amplifica essas visões equivocadas que se tem sobre o outro. Não é simplesmente uma notícia falsa, é a construção de discursos e narrativas a partir de memes e virais que circulam amplamente nas redes sociais”, explica o pesquisador da USP Pablo Almada.

Para o especialista da WBO Rafael Ioris, as redes sociais são centrais para o estímulo à violência política. “A ferramenta das redes sociais não é o mal em si, mas como ela serviu como instrumento para dar muita voz para esse discurso anti-sistêmico. Isso foi fundamental”, acrescentou.

Democracia

O crescimento da violência política é um sintoma de uma crise nas ditas democracias liberais do mundo que, ao não conseguirem resolver os problemas dos povos, abrem espaço para atores que propõem uma ruptura da própria democracia, segundo avalia o professor da Universidade de Denver Rafael Ioris. 

Para ele, há uma insatisfação crescente das pessoas nas sociedades modernas que, apesar de produzirem muitas riquezas, não são capazes de distribuí-las, concentrando os recursos no 1% mais rico.

“As pessoas não se sentem muito representadas pelos partidos que existem. Sentem que as eleições não dão conta das suas demandas. Com isso, um setor da população passa a defender a ruptura, ou seja, explodir tudo, romper com essa democracia”, acredita.

Para o sociólogo Pablo Almada, as instituições e práticas democráticas são alvos da “guerra cultural” e desinformação que circula nas redes, citando como exemplo os ataques aos resultados eleitorais no Brasil e nos Estados Unidos.  

“Os discursos da desinformação tencionam a democracia, deslegitimando as figuras que estão no poder público, os políticos. E, quando se deslegitima, acaba também associando às instituições às quais fazem parte. Por exemplo, a campanha de desinformação aqui no Brasil em relação ao Supremo Tribunal Federal (STF)”, pontuou.

Juventude

O pós-doutor do Núcleo de Estudos da Violência da USP Pablo Almada acrescenta ainda que a desinformação disseminada pelas redes sociais tem apelo especial na juventude, que é o público que mais consome internet.

“Para os jovens, a rede social funciona como um espaço para obter informações. Muitos não lêem outros meios, como portais de notícias. Eles acessam suas mídias sociais com as notícias que lhes interessam. Isso também faz com que eles estejam mais vulneráveis a essa desinformação”, ponderou.

Para o pesquisador da WBO Rafael Ioris, é difícil dizer se a juventude, em sua maioria, aderiu aos discursos mais radicalizados. “Nessa eleição na França, muitos jovens insatisfeitos, com subemprego, também acabaram apoiando um pouco essa visão de explodir o sistema. Então, talvez sim, mas eu não sei se é uma coisa que dá para generalizar”, afirmou.

“Estamos muito aquém do que se faz nas redes de direita”, diz Nísia

Ao participar da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse nesta terça-feira (9) que o país está “muito aquém do que se faz nas redes pautadas pela direita”. O evento tem como tema Ciência para um Futuro Sustentável e Inclusivo: por um Novo Contrato Social com a Natureza.

“Estamos muito aquém. É uma guerra sim – e não sei nem se guerra é a melhor forma de combater isso. Mas o que eu vejo é que estamos muito aquém, pela rapidez com que se dissemina. E não só isso: você dissemina uma informação falsa, criminosa, de maneira criminosa. Não é nada neutro. São coisas orquestradas”, avaliou Nísia.

Em sua fala, a ministra alertou para o que chamou de estratégia de “ouvir várias visões do fato”. “A gente mesmo, muitas vezes, dá espaço para legitimar discursos que não deveriam ter lugar – pelo menos não nos nossos ambientes. Como tiveram na CPI da Covid. Como se fosse tudo igual”, disse ela, ao se referir aos debates sobre a pandemia de covid-19 no Congresso Nacional.

“Isso não significa colocar todo e qualquer conhecimento, sandice, loucura, maluquice no mesmo patamar. Não é possível. A gente não pode aceitar isso. E, muitas vezes, nós fazemos isso. Tem que haver uma validação e, para isso, a ciência tem processos históricos de validação”, completou.

Nísia disse ainda que não se deve atribuir à desinformação todas as dificuldades enfrentadas pelo país com a vacinação. “Ao negacionismo, podemos, sim, creditar em grande parte porque, à medida em que se tem um governo negacionista, não se faz campanha, não se faz esclarecimento, não se coloca a questão da vacinação e outras questões ligadas ao cuidado como prioridade”.

A ministra defendeu outras estratégias além do combate à desinformação, como facilitar o acesso a vacinas por meio de unidades de saúde funcionando em horário estendido, além de trabalhar o que a ciência define como “percepção de risco” como fator fundamental para ampliar coberturas vacinais. “Com a eliminação da circulação do vírus da pólio, por exemplo, que voltou a ser uma ameaça, a percepção de risco [para a doença] passou a ser menor”, explicou.

Outra estratégia destacada por Nísia trata da vacinação nas escolas. “[A dose contra o] HPV foi uma das vacinas mais atacadas. Uma vacina fundamental para a prevenção de câncer de colo de útero e de outros tipos de câncer, porque também devemos proteger os meninos. [A vacinação nas escolas] fez com que tivéssemos, pelo menos com a primeira dose, 80% de crianças e adolescentes vacinados.”

“Tudo isso nos leva a pensar em estratégias diversificadas. Na saúde e em outras políticas sociais, não devemos estar presos a uma estratégia”, concluiu Nísia.

Sistema lucrativo sustenta desinformação científica nas redes sociais

O estudo da Academia Brasileira de Ciências (ABC), aponta que a desinformação científica é “sustentada por um ecossistema lucrativo que inclui a monetização de conteúdo enganoso e a exploração das crenças e emoções do público para ganho financeiro”. 

“Existem duas formas de entender esse sistema lucrativo. A primeira está no próprio usuário produtor da desinformação, que usa a estrutura das plataformas digitais para lucrar em torno disso e vender seus serviços e produtos, crença ou mesmo seu capital social. Outra diz respeito à forma como essas plataformas geram lucro em torno da visibilidade da desinformação. Há uma economia da atenção no qual a desinformação é um material altamente lucrativo para as próprias plataformas”, afirma Thaiane Oliveira, professora de pós-graduação em comunicação da Universidade Federal Fluminense, membro afiliada da ABC e coordenadora do grupo que elaborou o relatório,

Professora Thaiane Oliveira, .Foto  Valter Campanato/Agência Brasil

O trabalho que objetiva combater a desinformação científica, fenômeno que cresce especialmente nas mídias sociais, reuniu especialistas para elaborar um relatório inédito com recomendações. O documento Desafios e estratégias na luta contra a desinformação científica foi lançado nesta quinta-feira (20), na sede da ABC no Rio. Ele diz ainda, entre outros pontos, que desinformação científica é a disseminação de informações falsas, enganosas ou imprecisas sobre questões científicas – frequentemente relacionadas a temas de saúde, ambientais ou tecnológicos. Sua divulgação impacta a capacidade das pessoas de tomarem decisões informadas, além de reduzir a confiança nas instituições científicas e governamentais.

Mídias sociais

As mídias sociais se configuraram como um espaço propício para a disseminação de informações falsas relacionadas à ciência. O funcionamento por meio de algoritmos – que favorecem a reprodução de conteúdos enganosos ou de acordo com as crenças do usuário – é um fator que agrava a situação. Um número pequeno, mas crescente, de pseudocientistas com grande alcance nessas redes também é fator de preocupação.

“É um problema global. Vimos na pandemia várias desinformações sobre vacinas e hoje vemos o mesmo sobre meio ambiente e mudanças climáticas. A desinformação é um fenômeno multifacetado. E quando se trata de desinformação sobre ciência, isso ganha outras camadas de complexidade, porque a ciência não é uma verdade absoluta, e a dúvida faz parte do fazer científico”, explica Thaiane.

O relatório reforça “a necessidade de mobilizar a comunidade acadêmica e científica, que pode atuar como defensora da regulamentação das práticas de disseminação de informações em plataformas digitais” – o que envolve a busca de modelos que imponham responsabilidade às empresas pela circulação de desinformação científica.

Inteligência artificial

Novos desafios surgem a cada dia. É o caso da inteligência artificial, ferramenta que pode colaborar tanto para a checagem de informações quanto para a propagação de informações falsas. Para os pesquisadores, é essencial “desenvolver estratégias que evitem a disseminação indiscriminada de dados gerados por IA e promover ferramentas para identificação e marcação de conteúdo gerado por máquinas”.

Além de fazer um panorama dos fatores que influenciam no avanço e compartilhamento desse tipo de informação falsa, o documento propõe recomendações para enfrentar o problema. Entram na lista a promoção da divulgação científica (como ampliar o acesso de estudantes a museus e treinar cientistas para comunicar seus estudos à imprensa); fortalecer a comunicação de universidades e demais instituições de pesquisa (com a criação de agências de notícias científicas especializadas); e investir em educação midiática e científica (com reforço do tema nos currículos educacionais).

Neurotecnologia; neurociência; cérebro; tecnologia cerebral; saúde tecnológica; inteligência artificial. Foto: Sabine Zierer/ Pixabay

Outras recomendações indicam a criação de linhas de pesquisa para o enfrentamento à desinformação; desenvolver um plano de ação midiática (com apoio ao jornalismo científico e a verificadores, por exemplo) e estabelecer redes especializadas contra a desinformação (o que inclui a defesa da regulamentação de plataformas que lucram com a desinformação), entre outros pontos.

“A gente recomendou que o enfrentamento à desinformação não se dá sem ser através da educação, preparando os cidadãos para uma educação científica, evitando que eles cometam equívocos pelo desconhecimento do próprio processo de se fazer ciência”, afirmou Thaiane.

Ela acentua também que não tem como enfrentar a desinformação científica sem reconhecer o papel que cada educador, enquanto instituições acadêmicas, tem na formação profissional desses cidadãos. “É uma responsabilidade da universidade em educar essa população”, acrescentou.

Resultado de discussões

Glaucius Oliva, vice-presidente regional São Paulo da ABC e professor do Instituto de Física de São Carlos da USP, destaca que o relatório é resultado das discussões de grupo de trabalho instituído em 2023 pela ABC sobre o tema. Ao todo, 19 especialistas em desinformação e divulgação científica, entre membros da ABC e convidados, participaram do processo.

“Chegar até este relatório foi uma jornada desafiadora e esclarecedora, impulsionada pela necessidade urgente de abordar a desinformação científica que permeia nossa sociedade. Ao explorar as diversas facetas desse fenômeno, desde a propagação de teorias da conspiração até a erosão da confiança nas instituições científicas, buscamos oferecer uma visão abrangente e soluções viáveis para enfrentar essa crise”, disse Oliva. Ele lembra que diferentes ações são recomendadas pelo documento, que traz ainda um glossário dos principais termos ligados à desinformação científica.

“Espero que este trabalho contribua para o fortalecimento do pensamento crítico, da alfabetização científica e da valorização do conhecimento baseado em evidências, essenciais para o avanço da ciência e a proteção da saúde pública. Acreditar na ciência é acreditar no futuro, e é com esse espírito que compartilhamos estas reflexões e recomendações com o público em geral”, completa.

Para a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, a academia, mais uma vez, tem papel fundamental nessa luta.

“Considero que nessa fase em que estamos vivendo de negacionismo como algo que contamina o Brasil e o mundo, eu acho que a academia mais uma vez está dando uma contribuição nessa luta de ideia que é necessário travar ainda mais porque felizmente retomamos a democracia. Um livro dessa natureza ajuda a difundir o resgate das evidências científicas se torne um novo normal que nunca deveria deixar de ter sido”, disse a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, que participou do evento de forma remota.

Dos 20 deputados do GT das redes, 14 são contra criminalizar fake news

Dos 20 deputados federais que compõem o grupo de trabalho (GT) criado para definir regras para as redes sociais no Brasil, 14 votaram contra a criminalização das notícias falsas.

Eles mantiveram, no último dia 28 de maio, o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro ao texto que punia, com até cinco anos de prisão, quem promovesse ou financiasse “campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.

Dos parlamentares do GT, apenas quatro votaram para derrubar o veto e dois não votaram na sessão.

O grupo foi criado na quarta-feira (5) e terá 90 dias, prorrogáveis por mais 90, para apresentar um projeto que defina regras para atuação das plataformas digitais no Brasil.

O cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Luis Felipe Miguel avaliou que a composição ficou desfavorável àqueles que defendem regras mais firmes contra a desinformação e que pedem maior responsabilização das gigantes da tecnologia.

“É uma comissão completamente enviesada, a gente vê, simplesmente olhando para os nomes, que existe uma bancada das fake news fortemente representada. São parlamentares cuja carreira está extremamente vinculada a essa disseminação deliberada de inverdades”, disse.

Para o especialista, uma grande parte da elite parlamentar brasileira depende “massivamente da possibilidade de contar mentiras em público impunemente”.

De acordo com a assessoria da Presidência da Câmara, a composição desses grupos de trabalho sempre é resultado de entendimentos entre os líderes partidários.

O GT criado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), substituiu a tramitação do PL 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, então sob a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Segundo Lira, esse PL estava “contaminado” pela discussão ideológica e seria preciso começar o debate do zero.

Em 2023, a Câmara tentou votar o PL 2.630, mas Lira preferiu retirar o projeto da pauta devido à falta de acordo entre os parlamentares. Na época, o presidente da Câmara atribuiu a falta de acordo à ação das big techs, que são as multinacionais que controlam as redes sociais.

Para o cientista político Luis Felipe Miguel, a suspensão da tramitação do projeto foi um retrocesso. “Com a tentativa de golpe contra o presidente Lula [em 8 de janeiro de 2023], o Arthur Lira estava fazendo uma encenação de que pretendia encaminhar alguma coisa para tentar transformar o debate virtual no Brasil em algo menos parecido com um espaço regido pela lei da selva”, disse.

Porém, segundo o cientista, o debate foi “atropelado por uma campanha de desinformação orquestrada pelas grandes empresas das plataformas sociodigitais, as big techs, junto com a extrema direita”. “E acabou que o PL foi arquivado”, completou.

Os parlamentares contrários à criação de regras e responsabilização das redes sociais no Brasil argumentam que a medida representaria um risco à liberdade de expressão e poderia gerar uma perseguição na internet.  Quem defende regra para as redes sociais afirma que elas são necessárias para inibir os crimes cometidos on-line.

Proporcionalidade

A distribuição das comissões permanentes da casa e a composição dos GTs tendem a respeitar a proporcionalidade entre o tamanho de cada bancada, ou bloco partidário, e o número de integrantes que eles têm em cada comissão ou grupo. No caso do GT das redes sociais, a proporcionalidade ficou semelhante, na maioria dos casos, variando um pouco a depender do bloco ou partido.

O bloco formado pelo União Brasil/PP/PSDB/Cidadania/Solidariedade/PDT/Avante/PRD tem 31% das cadeiras da Casa, e ficou com 35% dos assentos no GT das redes, com sete parlamentares.

O bloco MDB/PSD/Republicanos/Podemos, que tem 28% das cadeiras da Câmara, ficou com 25% das vagas no GT, com cinco deputados. O PL tem 18% das cadeiras e ficou com 15% das vagas do GT.  O partido Novo, com apenas 0,5% das cadeiras da Casa, teve uma vaga no GT, o que representa 5% do total.

Já o bloco PT/PCdoB/PV, que tem 15% das cadeiras da Câmara, ficou com 10% das vagas. O PSOL/Rede, que tem 2,7% das cadeiras, ficou com uma vaga no GT, o que representa 5% do total do grupo de trabalho. O PSB, que também só conta com 2,7% das cadeiras, ficou com uma vaga no GT.

Confira a lista dos deputados que compõem o colegiado:

■ Ana Paula Leão (PP-MG)
■ Fausto Pinato (PP-SP)
■ Júlio Lopes (PP-RJ)
■ Eli Borges (PL-TO)
■ Gustavo Gayer (PL-GO)
■ Filipe Barros (PL-PR)
■ Glaustin da Fokus (Podemos-GO)
■ Maurício Marcon (Podemos-RS)
■ Jilmar Tatto (PT-SP)
■ Orlando Silva (PCdoB-SP)
■ Simone Marquetto (MDB-SP)
■ Márcio Marinho (Republicanos-BA)
■ Afonso Motta (PDT-RS)
■ Delegada Katarina (PSD-SE)
■ Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ)
■ Lídice da Mata (PSB-BA)
■ Rodrigo Valadares (UNIÃO-SE)
■ Marcel Van Hattem (NOVO-RS)
■ Pedro Aihara (PRD-MG)
■ Erika Hilton (PSOL-SP)

STF assina acordo com redes sociais para combater a desinformação

O Supremo Tribunal Federal (STF) assinou nesta quinta-feira (6) acordo com as principais plataformas que operam redes sociais para combater a desinformação na internet. 

Com a assinatura, as empresas YouTube, Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), Google, Microsoft, Kwai e TikTok se comprometem a promover ações educativas e de conscientização sobre os efeitos negativos da produção de desinformação. 

Durante a assinatura do acordo, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, disse que a liberdade de expressão precisa ser protegida, mas as notícias falsas, os discursos de ódio e os ataques à democracia devem ser combatidos.

“Nós não podemos permitir que, por trás do biombo da liberdade de expressão, se desenvolva uma sociedade em que ninguém possa mais acreditar naquilo que vê. Esse é o esforço que une o STF e as plataformas digitais”, afirmou.

Barroso também acrescentou que não é possível avançar no combate à desinformação sem a cooperação das plataformas digitais.

“Essa é uma parceria administrativa, parceria para educação midiática. Não tem a ver com nenhum processo que esteja no Supremo. Não tem nenhuma conotação jurisdicional”, completou.

O acordo com as plataformas faz parte do Programa de Combate à Desinformação do Supremo, lançado em 2021 para combater práticas ilegais que afetam a confiança da população no STF e distorcem as decisões da Corte.

Após 57 dias, Lira cria grupo para discutir regras para redes sociais

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) anunciou nesta quarta-feira (5) os integrantes que formarão o grupo de trabalho (GT) que vai preparar o projeto para definir regras para as redes sociais no Brasil.

A criação do grupo ocorre 57 dias após Lira anunciar a intenção de criar esse colegiado, logo após a repercussão do ataque à Justiça brasileira feito pelo multibilionário Elon Musk, dono da plataforma X, antigo Twitter.

O grupo é composto por 20 parlamentares e terá prazo de 90 dias para concluir os trabalhos, prorrogáveis por mais 90 dias.

“A critério do colegiado e visando à qualificação dos trabalhos, poderão ser realizadas audiências públicas e reuniões com órgãos e entidades da sociedade civil organizada, bem assim com profissionais, juristas e autoridades”, informa o despacho do presidente.

O GT substitui a tramitação do PL 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, então sob a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB/SP). Segundo Lira, esse PL estava “contaminado” pela discussão ideológica e seria preciso começar o debate do zero.

Em 2023, a Câmara tentou votar o PL relatado por Orlando, mas Lira preferiu retirar o projeto da pauta devido à falta de acordo entre os parlamentares. Na época, o presidente da Câmara atribuiu a falta de acordo à ação das big techs, que são as multinacionais que controlam as redes sociais.

O governo tem defendido que algum órgão, novo ou já existente, fique responsável por supervisionar as obrigações das empresas que controlam as redes sociais que sejam fixadas na lei. Já a oposição tem combatido qualquer regra para atuação das plataformas no Brasil.

Confira a lista dos parlamentares que compõem o colegiado:

■ Dep Ana Paula Leão (PP/MG)
■ Dep Fausto Pinato (PP/SP)
■ Dep Júlio Lopes (PP/RJ)
■ Dep Eli Borges (PL/TO)
■ Dep Gustavo Gayer (PL/GO)
■ Dep Filipe Barros (PL/PR)
■ Dep Glaustin da Fokus (PODEMOS/GO)
■ Dep Maurício Marcon (PODEMOS/RS)
■ Dep Jilmar Tatto (PT/SP)
■ Dep Orlando Silva (PCdoB/SP)
■ Dep Simone Marquetto (MDB/SP)
■ Dep Márcio Marinho (REPUBLICANOS/BA)
■ Dep Afonso Motta (PDT/RS)
■ Dep Delegada Katarina (PSD/SE)
■ Dep Aureo Ribeiro (SOLIDARIEDADE/RJ)
■ Dep Lídice da Mata (PSB/BA)
■ Dep Rodrigo Valadares (UNIÃO/SE)
■ Dep Marcel Van Hattem (NOVO/RS)
■ Dep Pedro Aihara (PRD/MG)
■ Dep Erika Hilton (PSOL/SP)

Moraes quer responsabilizar big techs por publicações em redes sociais

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, voltou a defender nesta quarta-feira (22) a regulamentação das redes sociais no país, com maior responsabilização das chamadas big techs, as grandes empresas de tecnologia mundiais, pelo que é publicado em suas plataformas.

Moraes afirmou que, para ele, essa maior responsabilização pode ser alcançada somente com uma interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O dispositivo isenta as empresas pelo que é publicado nas redes sociais.

“Não é possível que o setor queira ser o único na história da humanidade a não ser regulamentado”, afirmou Moraes. “Para mim bastaria um artigo da lei ou uma interpretação que o STF, brevemente, ao analisar o artigo 19, deve dar. O que não pode no mundo real, não pode no virtual. Não precisa de mais nada, não precisa fazer um Código de 600 artigos”, acrescentou.

O ministro discursou no encerramento de um seminário sobre Inteligência Artificial, Democracia e Eleições, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) na sede do TSE, em Brasília. Em sua fala, Moraes descreveu o modo de atuar daqueles que espalha desinformação na internet com objetivos políticos e financeiros, e disse que as big techs não podem mais alegar ser “meros repositórios”, pois promovem e lucram com esse tipo de conteúdo.

“Hoje não há a mínima possibilidade de as big techs, redes sociais, alegarem ignorância, que não sabem. Sabem e lucram com isso”, disse o presidente do TSE.

“Nós que acreditamos no Estado Democrático de Direito precisamos nos unir para garantir uma regulamentação adequada, que garanta a liberdade de expressão, que garanta o chamado livre mercado de ideias, mas com responsabilização, nos termos da Constituição”, complementou.

Um projeto de lei para o combate às fake news (notícias falsas) chegou a ser pautado para ser votado no plenário da Câmara dos Deputados, mas a análise acabou adiada após uma campanha contrária das big techs. Hoje as discussões estão travadas no Congresso.

Inscrições para Redes de Formação em Cultura Digital estão abertas

Estão abertas até o dia 1º de julho as inscrições para a ação Redes de Formação em Cultura Digital – Labic Brasil, iniciativa do Ministério da Cultura (MinC), por meio da Secretaria de Formação Cultural, Livro e Leitura (Sefli), e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio da Pró-Reitoria de Extensão. A ação tem parceria do Laboratório de Inovação Cidadã e da Mídia Ninja. O formulário de inscrição pode ser acessado aqui.

Inicialmente, serão selecionados 30 projetos sediados no Distrito Federal e Entorno, que participarão de encontros presenciais e remotos, visando ao desenvolvimento e à construção de redes em cultura digital. As equipes da Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ e da Mídia Ninja integrarão o grupo que fará a seleção dos 30 projetos da Região Centro-Oeste que participarão da ação.

“A gente também está mobilizando parceiros que trabalham com cultura digital, que conheçam redes sociais e que tenham ação nas redes forte. Na seleção, também, a ideia é pegar projetos que possam ter essa relação com a ação social, a situação cultural, mas que tenham uma proposta para o uso das redes”, disse nesta sexta-feira (17) à Agência Brasil a pró-reitora de Extensão da UFRJ, Ivana Bentes. Podem se inscrever iniciativas ligadas a temas como diversidade, formação, sustentabilidade, ações culturais, livro e leitura, culturas indígenas, meio ambiente e usos da inteligência artificial para o bem comum.

“Mas a ideia é trazer a formação em cultura digital, porque estamos no contexto das fake news [notícias falsas], da forma como as pessoas podem usar melhor redes, inteligência artificial (IA) para o bem comum, para coisa boa, porque muitas pessoas só pensam nessas ferramentas como algo negativo. Elas têm um potencial enorme de ação”, disse Ivana. Segundo ela, mentorias e oficinas sobre checagem de notícias, segurança digital e criação de conteúdo são exemplos das formações previstas.

Impacto social

Nessa primeira ação territorial, podem se inscrever projetos, ações, redes, coletivos e organizações de impacto social, ligados a propostas de transformação social, cidadania, diversidade e ampliação de direitos. Serão aceitas propostas de projetos de todo o Distrito Federal. Não é necessário que os proponentes tenham formação ou titulação acadêmica. O objetivo da formação é apoiar ações, redes, coletivos, projetos e pesquisas aplicadas em diversos eixos temáticos, entre eles, combate à desinformação, educação midiática, tecnologias para o bem comum e ações de mídia.

Os trabalhos que resultarem da formação poderão ser usados nas comunidades, constituindo uma grande rede de impacto nos territórios, destacou Ivana Bentes. De acordo com ela, a formação vai funcionar como um curso de extensão da UFRJ. “As mentorias, as discussões. Isso é bacana porque amplifica esse impacto territorial”. Os encontros serão transmitidos pelo canal do da Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ no YouTube.

Os 30 projetos selecionados vão receber ajuda de custo no valor de R$ 1 mil para participar do laboratório. Os recursos são oriundos do MinC, por meio da Sefli. As iniciativas selecionadas receberão apoio de mentores, professores, empreendedores, estudantes, especialistas e convidados, durante o período de realização da ação. Todas as atividades são gratuitas. O resultado da seleção será divulgado no dia 19 de julho.

Demais regiões

Além do Centro-Oeste, haverá edições nas demais regiões do Brasil, o que está previsto para ocorrer entre 2024 e 2025. No total, serão 150 projetos apoiados na ação Redes de Formação, informou à Agência Brasil o coordenador-geral de Articulação de Políticas de Cultura e Educação do MinC, Rafael Maximiniano. Ele ressaltou que os projetos culturais que tenham ligação com os eixos temáticos propostos no edital já podem estar em execução.

De acordo com o coordenador-geral, será realizado um encontro online dos projetos selecionados no dia 29 de julho e haverá encontros presenciais entre os dias 2 e 4 de agosto, na Nave Ninja Brasília, no Lago Norte. Conforme reforça o secretário de Formação Cultural, Livro e Leitura do MinC, Fabiano Piúba, o Labic Brasil compõe uma política de formação artística e cultural, compreendendo o papel do letramento digital como componente estratégico para o desenvolvimento de tecnologias, redes, plataformas e mídias, mas, sobretudo, para a formação de repertórios culturais, estéticos, artísticos, políticos e sociais na produção de conteúdos e de mídias livres, inventivas, críticas e territoriais, inclusive para o enfrentamento à desinformação e às fake news.

Labics

Os laboratórios de Inovação Cidadã (Labics) são espaços de experimentação, aprendizagem e criação de soluções para resolver problemas e desafios da sociedade. A partir de tecnologias colaborativas e do envolvimento da própria comunidade, os participantes propõem processos e projetos baseados em mentorias e trocas, que resultam em iniciativas inovadoras voltadas para o uso comum.

Os Labics se baseiam na metodologia utilizada pela Secretaria-Geral Ibero-Americana (Segib), organismo internacional que apoia os 22 países que constituem a comunidade ibero-americana, sendo 19 da América Latina de língua espanhola e portuguesa, além da Espanha, Portugal e Andorra, na Península Ibérica.

Governo defende órgão de supervisão das obrigações das redes sociais

O governo federal defende que um órgão ou entidade independente monitore o cumprimento da legislação brasileira pelas redes sociais, afirmou nesta terça-feira (9) o secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), João Brant.

“Precisa ter uma entidade de supervisão em relação às obrigações das plataformas. Uma parte das obrigações, que são especificamente das plataformas, precisam estar sob supervisão de um órgão independente. O governo está batendo martelo qual órgão do Poder Executivo deve cumprir esse papel”, afirmou Brant, em entrevista exclusiva aos veículos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), acrescentando que não há definição de qual entidade fará esse papel.

O Projeto de Lei (PL) 2630, que prevê a regulação das plataformas digitais, conhecido como PL das Fake News, está em tramitação na Câmara dos Deputados sob a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Em abril do ano passado, o relator retirou do texto o trecho que previa a criação de uma autarquia federal para monitorar o cumprimento das regras pelas plataformas. À época, Orlando argumentou que a criação do novo órgão não tinha apoio da maioria dos partidos

Com os ataques do multibilionário Elon Musk, dono da plataforma X, antigo Twitter, ao ministro Alexandre de Moraes, lideranças governistas e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) voltaram a defender a necessidade de se aprovar uma regulação para as redes sociais. Por outro lado, lideranças da oposição saíram em defesa do multibilionário.  

De acordo com Brant, há uma nova versão do relatório sendo trabalhada que deve vencer a resistência à regulação apresentada por setores da Câmara e das próprias plataformas. O secretário de Políticas Digitais diz que a regulação do Reino Unido e da União Europeia são referências para o Brasil. O objetivo, segundo ele, é que tudo aquilo que for crime fora das redes também seja entendido como crime no ambiente digital, com a respectiva penalização.

“Ele [o órgão regulador] precisa entender se as regras que as plataformas dizem que tem estão sendo aplicadas devidamente. Por exemplo, temos difusão de racismo frequente nas redes? Então, esse é um problema do algoritmo”, afirmou Brant, acrescentando que, nesses casos, as redes deveriam realizar ajustes.

“Não é ficar dizendo ‘o post de fulano de tal precisa ser derrubado ou não’. Isso não existe no projeto de lei”, completou.

Confira os principais trechos da entrevista concedida à Agência Brasil, à TV Brasil e à Rádio Nacional.  

TV Brasil: Houve uma movimentação para que o projeto – Projeto de Lei (PL) 2630, PL das Fake News – entrasse na pauta na Câmara diante desse conflito com Elon Musk, mas nos bastidores dizem que ainda não há ambiente para votação. Como enfrentar essa barreira?
João Brant: O Congresso tem seu tempo e seus movimentos. O governo observa e respeita. Em qual momento? É uma decisão do presidente da Câmara dos Deputados. E ele vai ter que avaliar com os líderes o quanto há de aproximação em termos de acordo com o projeto. Diferentemente de outros temas, não é possível ter um consenso nesse projeto. E acho que isso não é um problema. A questão é que o Congresso não pode se omitir em relação ao tema da regulação das redes sociais. E acho que não vai se omitir. Se não for agora, que seja daqui a algumas semanas, daqui a um mês, esse é um tempo que o Congresso precisa dar.

Rádio Nacional: Vocês apoiam o relatório do PL 2630 do deputado Orlando Silva?
João Brant: O governo apoia. Já tem atualizações desse relatório. O relator está com o texto que, no tempo correto, será divulgado. É um novo relatório. E entendemos que esse novo relatório já reflete interesses distintos da Câmara dos Deputados, que precisavam ser contemplados no texto. Ele apara algumas arestas que a gente dialogou com as empresas que o texto anterior tinha. E ele avança em temas de proteção de direitos e toma algumas referências positivas nos exemplo europeu e do Reino Unido.

Rádio Nacional: Vocês apoiam que o Orlando Silva continue como relator?
João Brant: Isso é um tema do Congresso, mas o relator tem sido o Orlando, ele que recebeu o tema na Câmara e vem conduzindo todas as conversas. Não vejo nenhum motivo para que o Orlando deixe de ser relator.

Rádio Nacional: Nessa versão, há a recriação de um organismo, ou uma autoridade, que poderia ser a Anatel, para fazer esse monitoramento das plataformas?
João Brant: O que a lei prevê é que conteúdos individuais vão ser tratados por autorregulação de uma entidade nova criada pelas próprias plataformas. E você precisa ter uma entidade de supervisão em relação às obrigações das plataformas. Uma parte das obrigações, que são especificamente das plataformas, precisam estar sob supervisão de um órgão independente. O governo está batendo martelo qual órgão do Poder Executivo deve cumprir esse papel.

Rádio Nacional: Há um discurso de que um monitoramento para além das plataformas representaria um possível instrumento de censura. Como é que você vê isso?
João Brant: Eu não vejo nenhum órgão regulador com o papel de ficar manipulando as redes sociais no dia a dia. Ele [o órgão regulador] precisa entender se as regras que as plataformas dizem que têm estão sendo aplicadas devidamente. Por exemplo, temos difusão de racismo frequente nas redes? Então, esse é um problema do algoritmo, ela está valorizando conteúdos racistas. Nós estamos tendo violações contra crianças e adolescentes? Esse é um problema que tem que ter ajuste no sistema das redes sociais. Não é ficar dizendo ‘o post de fulano de tal precisa ser derrubado ou não’. Isso não existe no projeto de lei. O que está se discutindo ali é se o que é crime no ambiente off-line deve ser reconhecido como crime no ambiente on-line. Se sim, não basta exigir que se tenha uma decisão judicial. Nós precisamos que a própria plataforma atue para evitar o cometimento de novos crimes.

Agência Brasil: Quais são as principais resistências dos parlamentares em relação ao PL 2630?
João Brant: Existe uma parte da Câmara, uma minoria, que reflete interesses dos setores que ganham dinheiro e ganham espaço político com redes não reguladas. Mas do ponto de vista da maioria da Câmara, há dúvidas se as soluções que o PL 2630 dá são as mais equilibradas. Eu tenho certeza que esses setores vão ficar bem surpreendidos, positivamente surpreendidos, pelo novo relatório do Orlando Silva. Eu acho que é um relatório que dá conta das preocupações de vários setores, de setores evangélicos e de grupos que têm algum receio ainda de que a legislação afete a liberdade de expressão.

Agência Brasil: Vocês têm mantido contato com representantes das plataformas? Quais são os principais pedidos que eles fazem ao governo?
João Brant: Nós fazemos um diálogo constante com os representantes das plataformas. Eles têm uma preocupação de que a regulamentação não gere um ambiente desequilibrado economicamente para eles. E tem outras preocupações do quanto que eles vão ter ou não que modificar e adaptar no Brasil o seu serviço. Isso é natural. Nós estamos buscando aproximações. E também tenho certeza de que esse novo relatório responde a algumas das preocupações das empresas.

Agência Brasil: Como o governo deve enfrentar esse debate uma vez que os opositores defendem que regulação é sinônimo de censura?
João Brant: Você defender que as redes sociais não espalhem conteúdo que afeta o direito do seu filho, que ataca crianças e adolescentes, é censura? Eu não acho que seja. Você defender que aquilo que é ilegal off-line, que é o racismo, ter algum nível de moderação pelas plataformas, isso é censura? Não me parece. Você defender que um ataque frontal à democracia brasileira, um chamado a um golpe, tenha que ser moderado. Isso é censura? Não me parece. Nós estamos falando de regras que já existem, leis que já existem e que simplesmente não estão sendo trabalhadas da melhor forma no ambiente digital.

 

*Com participação de Gésio Passos e Manuela Castro