Skip to content

“Nem no recreio”: pesquisadores da educação criticam celular na escola

O uso por crianças e adolescentes do telefone celular nas escolas deve ser evitado porque gera riscos e prejuízos, tanto de aprendizagem como emocionais. Essa é uma opinião dividida por especialistas na educação, como os professores Claudia Costim (ex-diretora de educação do Banco Mundial), Luciano Meira (especialista em gameficação) e Rossandro Klinjey (psicólogo e que faz palestras sobre educação emocional). Eles foram ouvidos sobre o assunto pela reportagem da Agência Brasil.

Os três pesquisadores estão em diferentes atividades no REC’n’Play, evento de tecnologia no Recife. O tema da proibição dos celulares em sala de aula encontra-se em tramitação no Congresso Nacional. Inclusive, o projeto de lei que trata sobre o tema foi aprovado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados na semana passada

“É preciso brincar”

A professora Claudia Costim argumenta que crianças e adolescentes não têm ainda o córtex pré-frontal maduro para ter autorregulação sobre o dispositivo eletrônico. 

“Especialmente no ensino fundamental, eu entendo que não se deveria usar celular na escola. Nem no recreio. Porque também faz parte da aprendizagem da criança e do adolescente viver em sociedade, brincar ao ar livre”, defendeu.

A ex-diretora de educação do Banco Mundial ponderou que seria preferível que fossem utilizadas outras ferramentas que não são portáteis, como o notebook ou o tablet para usar em finalidades pedagógicas. “Além disso, é importante que os pais regulem o celular em casa para não atrapalhar tanto o sono de crianças e adolescentes”.

“Muitos professores estão se queixando que as crianças chegam exaustas em sala de aula e não interagem com seus colegas. Eu sou a favor da proibição e uso só como ferramenta assistiva no caso de crianças com deficiência para determinadas finalidades”, disse Claudia Costim.

Não adianta só proibir

O professor Luciano Meira, que também é psicólogo e atua na Universidade Federal de Pernambuco nas áreas de educação, inovação e empreendedorismo, aponta que, no geral, é positivo o projeto de proibir o celular em sala de aula. “Mas não há uma estratégia pedagógica adequada”. Ele avalia que não existem recursos nem uma política de formação docente para usar de forma pedagógica os dispositivos móveis. 

O pesquisador considera que a proibição é uma forma inclusive de se apoiar as famílias que estariam perdidas diante da invasão do celular no dia a dia dos filhos.

“Mas, ao mesmo tempo, você concorre para o aumento da desigualdade. Às vezes, a escola é o único lugar onde muitas crianças teriam acesso a tecnologias digitais sofisticadas. E, com a proibição, isso as afasta das redes de ensino e da possibilidade de capturar artefatos digitais. Não adianta só proibir”.

No entender do pesquisador, a proibição pode ser interessante se o uso pedagógico for apoiado por políticas públicas que façam sentido.

Controle do tempo

Para o professor e psicólogo Rossandro Klinjey, não há mais dúvidas de que o celular em sala de aula traz impactos negativos.

“A gente não precisa demonizar, mas controlar o uso e o tempo disso fora da sala de aula. Isso é fundamental. Tanto que entendo que já existe um consenso sobre isso”.

Se o celular não deve ser utilizado, a educadora Claudia Costim entende que as tecnologias de inteligência artificial devem ser trazidas para a sala de aula com o objetivo de começar a ensinar o uso de uma maneira mais pedagógica. “É o momento de ensinar a navegar com segurança nas redes sociais. Então, há algum uso que pode acontecer no ensino fundamental e na educação infantil”, diz a professora. 

Formação de professores

Para ela, a inteligência artificial apresenta ameaças e oportunidades. “Ameaças de extinção acelerada de muitos postos de trabalho e de usos não éticos dos dados e das imagens. Por isso, regulação é muito importante”. 

Por outro lado, a educadora entende que pode ser uma ferramenta muito poderosa para ajudar a estruturar o pensamento. “É fundamental formar os professores para o uso da inteligência artificial e depois eles poderem trabalhar com usos interessantes com seus alunos”, afirmou.

* O repórter viajou a convite do Porto Digital

Prefeitura do Rio proíbe uso de celulares em sala de aula e no recreio

A Prefeitura do Rio de Janeiro publicou nesta sexta-feira (2) decreto que restringe o uso de celulares nas escolas da rede municipal. Segundo a publicação assinada pelo prefeito, Eduardo Paes, os dispositivos só poderão ser usados antes da primeira aula e após a última, à exceção de casos especiais.

O decreto já entrou em vigor, mas seus efeitos passam a valer após 30 dias, segundo o texto. A Secretaria Municipal de Educação ainda precisará editar ato normativo para regulamentar a medida.

Proibição no recreio

A proibição do uso de celulares vale para dentro de sala de aula e também os intervalos entre as aulas, incluindo o recreio. Apenas na Educação de Jovens e Adultos será permitido o uso de celulares nos intervalos.

O decreto orienta que os celulares e demais dispositivos eletrônicos deverão ser guardados na mochila ou bolsa do próprio aluno, desligado ou ligado em modo silencioso e sem vibração. Apesar disso, a publicação deixa margem para que a equipe da escola adote outra estratégia de preferência.

Caso haja desrespeito à proibição, o decreto autoriza os professores a advertir os alunos e cercear o uso dos dispositivos em sala de aula.

Exceções

Apesar da proibição, os professores podem propor a utilização dos celulares e dispositivos eletrônicos para fins pedagógicos, como pesquisas, leituras ou acesso a outros materiais educativos.

Os alunos com deficiência ou com condições de saúde que necessitam destes dispositivos para monitoramento ou auxílio de sua necessidade também têm autorização para mantê-los em funcionamento na escola.

O uso também pode ser liberado quando a cidade estiver classificada nos estágios operacionais 3, 4 e 5 pelo Centro de Operações da Prefeitura do Rio. Isso ocorre em situações que causam impacto na rotina da cidade, como temporais que provocam alagamentos e incidentes graves de trânsito ou segurança pública.

Consulta pública

Antes de a prefeitura publicar o decreto, a Secretaria Municipal de Educação realizou uma consulta pública sobre a proibição, que contou com mais de 10 mil contribuições.

Segundo a secretaria, o resultado foi de 83% de respostas a favor, 6% contrárias e 11% parcialmente favoráveis.

Na época, o secretário municipal de educação, Renan Ferreirinha, destacou a relevância do resultado. “São números que mostram o grande interesse por essa discussão e o quanto a sociedade está consciente da importância e urgência que esse problema precisa ser enfrentado”.

Apesar disso, especialistas ouvidos pela Agência Brasil no lançamento da consulta pública avaliaram a proibição com ponderações. A pedagoga Rosemary dos Santos, pesquisadora da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), acredita que é mais importante trazer a discussão do uso desses dispositivos para a escola.

“O aluno vai usar em todos os lugares, menos na escola? Que lugar é esse da escola que abre mão de discutir o que é vivenciado por todo mundo? O uso excessivo não se dá porque o aluno usa o celular na escola, mas sim porque ele usa em todo lugar. As questões que emergem a partir desse uso precisam ser problematizadas em sala de aula. Não é o uso na escola que pode gerar depressão ou que pode levar o aluno a conteúdos inadequados. É o uso na sociedade. E a escola é um local adequado para essa discussão. Se o excesso de uso de tela gera problemas, a escola precisa discutir,” explicou.