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Com maior proporção de idosos do país, RS só tem 2 abrigos exclusivos

População altamente vulnerável a catástrofes climáticas e que demandam cuidados específicos, as pessoas idosas no Rio Grande do Sul só contam, até o momento, com dois abrigos provisórios exclusivos para acolher quem teve que sair de casa por causa das enchentes das últimas semanas, que devastaram o estado. A informação é da Unidade Especial de Atenção da Pessoa Idosa, da Secretaria de Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul (Sedes), e do Conselho Estadual da Pessoa Idosa.

Em Canoas, o abrigo exclusivo foi aberto pela prefeitura, no Centro de Convivência da Pessoa Idosa. Em Porto Alegre, o abrigo fica no bairro Farroupilha e foi aberto por organizações da sociedade civil e voluntários, com apoio do governo do estado.

“Esses idosos que estavam nos abrigos comuns, já com problemas de saúde, necessitavam de espaços com olhar especializado. A nossa legislação, o Estatuto da Pessoa Idosa, preconiza que é prioridade em qualquer atendimento. Se é prioridade, a gente tem que dar um espaço onde esse idoso se sinta acolhido e tenha prioridade no cuidado”, afirma Cátia Siqueira, coordenadora da Unidade Especial de Atenção da Pessoa Idosa da Sedes e vice-presidente do Conselho Estadual da Pessoa Idosa.

Etarismo na catástrofe

Entidades da sociedade civil criam abrigo somente para idosos em situação de vulnerabilidade, que foram atingidos pelas enchentes. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

A baixa oferta de lugares adequados preocupa quem lida com essa população, especialmente no caso de idosos que não contam com familiares ou estão em grau de dependência 2 e 3, em que não conseguem realizar suas atividades de vida diária sozinhas, por terem alguma doença ou comorbidade. Isso porque a maioria dos mais de 800 abrigos cadastrados pela Sedes em todo o estado, embora tenha idosos alojados, não dispõe da infraestrutura para cuidados específicos.

O Rio Grande do Sul é o estado com a maior proporção de idosos de todo o país, bem acima da média nacional. É o único estado, junto com o Rio de Janeiro, em segundo lugar, que o número de idosos de 60 anos ou mais ultrapassa o de crianças e adolescentes de até 14 anos. O índice de envelhecimento é de 115 idosos para cada 100 crianças.

Esses dados se refletem na ocupação dos abrigos provisórios criados para acolher os refugiados das chuvas. Do total de 809 abrigos cadastrados pelo governo estadual, onde estão atualmente pouco mais de 74 mil pessoas, o número de idosos identificados é 8.590, segundo atualização desta quinta-feira (23) do Censo dos Abrigos, da Sedes.

“Dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, 468 foram afetados [pelas enchentes] e apenas dois abrigos específicos para idosos nós temos, do estado mais envelhecido do Brasil. Isso revela muito do nosso idadismo, do nosso etarismo, é uma vergonha para nós, é triste. Nós temos hoje uma população velha que está abandonada”, diz Karen Garcia de Farias, uma das voluntárias do abrigo exclusivo da capital gaúcha.

O quadro de poucos abrigos para idosos contrasta com a oferta de abrigos exclusivos para mulheres, crianças e para acolhimento de animais resgatados, que foram amplamente abertos ao longos das últimas semanas.

Uma informação ainda desconhecida das autoridades gaúchas é sobre o número de instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) do estado do Rio Grande do Sul atingidas pelas enchentes. As informações, segundo Cátia Siqueira, estão sendo levantadas pela Frente Nacional de Fortalecimento das ILPIs. Ao todo, o estado conta com 1,2 mil ILPIs, com cadastro na Vigilância Sanitária. Dessas, 207 são filantrópicas.

Acolhimento humanitário

Idosos vítimas das enchentes contam com abrigo exclusivo em Porto Alegre – Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

O Abrigo Emergencial 60+ aberto em Porto Alegre é tocado apenas por voluntários. Ele tem capacidade para atender 40 pessoas. O local conta com equipe completa de médicos, enfermeiros, cuidadores, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e voluntários 24 horas por dia. Para que a pessoa seja encaminhada, é obrigatório que os coordenadores dos abrigos preencham o formulário de inscrição para que possa ser incluída na lista de espera de acordo com critérios técnicos da equipe da saúde.

A reportagem da Agência Brasil esteve no local e conheceu a aposentada Marilu Gonçalves, 72 anos. Moradora de Eldorado do Sul, onde vive de aluguel, ela conta que foi resgatada por agentes da Polícia Federal porque já estava sem remédio, abrigada no segundo andar da casa de uma amiga, enquanto a enchente já tinha coberto as ruas da cidade. De lá, passou mais de duas semanas no abrigo do Hospital Mãe de Deus até chegar ao abrigo exclusivo.

“Eu não volto para Eldorado, porque vai vir de novo enchente, já sofri isso três vezes e não vou sofrer de novo. Além disso, não tem água nem luz”, conta.

Em pouco dias no abrigo específico, Marilu, que sentia dores nos pés e mal levantava da cama, já circula pelo local com desenvoltura e tem saído na rua para atividades do dia a dia.

Voluntária, Karen Garcia se preocupa com o futuro dessas pessoas, já que o abrigo exclusivo só tem previsão de durar seis meses. “Especialmente essas pessoas que vivem sozinhas, como a dona Marilu, a gente precisa conseguir garantir que, ao sair daqui, elas tenham possibilidade de seguir a vida com dignidade.”

Estados da Região Norte têm maior proporção de déficit habitacional

Três estados da Região Norte lideram o ranking de unidades da federação com maior proporção de déficit habitacional em relação ao total de domicílios. Levantamento da Fundação João Pinheiro (FJP), em parceria com o Ministério das Cidades, com base em dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que o Amapá lidera a lista, com 18% de déficit.

Em seguida, aparecem Roraima (17,2%) e Amazonas (14,5%). O déficit habitacional representa a quantidade de imóveis ocupados que estão em situação precária, em que há diferentes famílias dividindo residências ou nas quais o pagamento de aluguel nas cidades representa ônus excessivo para o morador.

Em cada um desses estados, o principal motivo para o déficit é diferente. Enquanto no Amapá a maioria dos casos envolve habitação em situação precária, no Amazonas, a coabitação é o principal problema (apesar da situação precária também ser muito relevante). Em Roraima, o problema é o ônus com o aluguel.

“Esses problemas acabam se acumulando nos estados do Norte, onde a produção de moradias e o padrão de urbanização muitas vezes acabam sendo as habitações precárias, como as palafitas. O modelo de produção habitacional sem divisão de cômodos puxa a questão da coabitação. E, por fim, nas capitais, acaba tendo muito problema do ônus dos aluguéis”, explica o pesquisador da Fundação João Pinheiro Gabriel Lacerda.

Com exceção do Tocantins (8,2%), todos os demais estados da Região Norte têm proporção de déficit superior a 10%. Fora da região, apenas o Maranhão (14,4%, a quarta maior proporção nacional) e o Piauí (11,5%) superam esse patamar.

Por outro lado, os estados com menor proporção de déficit entre o total de domicílios são o Rio Grande do Sul (5,9%), Espírito Santo (6,3%) e Pernambuco (6,3%). A média nacional, divulgada em abril, é de 8,3%. 

Em números absolutos, o país tem 6,22 milhões de domicílios em situação de déficit. Mais da metade desse déficit, 3,24 milhões (52,2%), se devem ao ônus excessivo com aluguel urbano, ou seja, quando a renda domiciliar é de até três salários mínimos e o pagamento pela moradia corresponde a mais de 30% dessa renda.

O restante do déficit é explicado por habitações precárias (1,68 milhão ou 27,1%) e por coabitação, ou seja, mais de uma família por domicílio ou mais de duas pessoas por dormitório (1,29 milhão ou 20,8%).

“Um caminho mais óbvio para enfrentar o déficit é a provisão de moradias. Mas não é suficiente. A gente precisa entender que um programa de larga escala como é, por exemplo, o Minha Casa. Minha Vida, não dá conta do problema”, afirma Raquel Ludermir, gerente de Incidência em Políticas Públicas da Habitat para a Humanidade Brasil.

Segundo ela, o Minha Casa, Minha Vida tem meta de 2 milhões de moradias, abaixo do déficit de mais de 6 milhões. Para Raquel, é preciso investir também na melhoria de habitações já existentes.

“São pessoas que estão em situação já consolidada, em domicílios próprios e que precisam, seja de implementação de infraestrutura, seja de melhorias nas edificações, seja de regularização fundiária”.

Em relação ao ônus excessivo dos aluguéis, Raquel explica que há grande concentração de imóveis nas mãos de poucas pessoas. “Aqui a gente remonta a uma questão histórica, à concentração de terras no Brasil e como isso se desdobra hoje no mercado imobiliário. Por um lado, é preciso falar de regulação do mercado de aluguel. Por outro lado, há um desafio muito importante que é a quantidade de imóveis ociosos, vazios e subutilizados. Há mais de 11 milhões de domicílios vagos no Brasil”.

Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Rud Rafael também chama a atenção para o grande número de domicílios vazios no país.

“O Censo de 2010 apontava que o país tinha 6,07 milhões de imóveis vagos e 5,8 milhões de famílias precisando de moradia. Esse abismo se aprofundou de 2010 a 2022, com 11,4 milhões de domicílios vazios [em 2022], um crescimento de 87%, e o déficit indo a 6,2 milhões, o que mostra um crescimento de aproximadamente 8%. Então, houve certo controle do aumento do déficit e uma escalada vertiginosa do crescimento dos domicílios vagos”.

As unidades da federação com maiores números absolutos de déficit habitacional são os estados de São Paulo (1,25 milhão ou cerca de 20% do total nacional), Minas Gerais (557 mil) e Rio de Janeiro (544 mil). Apesar disso, todos têm a proporção menor que a média nacional, de 8,3%: São Paulo (7,5%), Minas (7,2%) e Rio (8,2%).

Em nota, o Ministério das Cidades informa que os dados da pesquisa são de alta relevância para balizar o desenho da política habitacional do governo federal e auxiliar no direcionamento adequado dos recursos públicos em apoio à população de renda mais baixa do país.

O estudo reforça a importância da retomada de investimentos públicos no setor por meio de políticas públicas como o Programa Minha Casa Minha Vida, acrescenta a nota.

“Nota-se que, desde 2023, com a retomada do MCMV, o atual governo, para enfrentar o déficit habitacional no país, já selecionou a construção de mais de 300 mil moradias subsidias com recursos da União e financiou outras 636 mil casas, ou R$ 93,6 bilhões, por meio do FGTS”, informa a nota.