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Mercadante diz que eleições mostram satisfação do povo brasileiro

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, disse hoje (28), na capital paulista, que o resultado das eleições municipais, com 80% dos prefeitos tendo sido reeleitos, demonstra a “satisfação do povo” com a atual situação do país. Para Mercadante, o grande recado que veio das urnas é a “continuidade das administrações que estão em curso”.

“O resultado da eleição é que 80% dos prefeitos foram reeleitos. Isso mostra satisfação do povo com as prefeituras e com a vida, com o emprego e a renda. As prefeituras estão com mais recursos para fazer política pública, educação, saúde e melhoria urbana. O resultado da eleição foi o continuísmo”, disse Mercadante, durante a abertura da sétima edição do Fórum Brasil de Investimentos, que ocorre hoje (28), em São Paulo.

O presidente do BNDES destacou o momento político atual como importante para a estabilidade do país. “Nesta eleição municipal realizada em mais de cinco mil municípios não teve um vereador ou prefeito que questionou a urna eletrônica. E ninguém invadiu prefeitura. Nós estamos vivendo um clima totalmente tranquilo e de paz.”

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, concordou com Mercadante e ressaltou que os resultados das eleições municipais deste ano têm demonstrado uma diminuição na polarização.

“Estamos vivendo em um regime de democracia e as eleições de ontem foram muito importantes, porque elas deram um passo no distensionamento no Brasil. Estávamos vivendo uma alta polarização que foi o ponto alto das eleições de 2022 e o momento seguinte, com o 8 de janeiro. Mas as eleições de ontem ajudaram a botar água na fervura desta polarização”, disse.

“Estamos vivendo uma democracia plena no Brasil, uma economia em crescimento e também em um lugar do mundo sem problemas tão graves como vemos no Oriente Médio e entre a Rússia e a Ucrânia. O Brasil é país com muitos problemas ainda a serem resolvidos, mas também com enorme potencialidade”, acrescentou o ministro.

Entre essas dificuldades, destacou Mercadante, está a questão fiscal. “Temos um problema fiscal. O país vai ter que fazer ajustes nas contas públicas. Nós temos que colocar a meta de grau de investimento como meta fundamental – e ela está muito próxima a ser atingida”, afirmou.

Para o presidente da ApexBrasil, Jorge Viana, o Brasil precisa atingir esse grau de investimento para poder atrair investimentos estrangeiros.

“Os grandes fundos internacionais não investem no país se não tiver grau de investimento. Se o Brasil retomar isso, que já tivemos antes, vamos ter entrada forte [de investimentos estrangeiros]”, disse. Ele apostou que até o próximo ano o Brasil já conquistará essa meta e então, já em 2026, segundo seus cálculos, poderia alcançar US$ 1 trilhão nesse fluxo de comércio. “Estamos entrando na era ‘trilhonária”.

Missão visita povo guarani no PR e MT alvo de ataques

Uma missão composta por representantes de entidades e parlamentares ligados aos direitos humanos irá visitar terras dos povos Avá-Guarani e Guarani e Kaiowá, entre quarta-feira (11) e sexta-feira (13), no oeste do Paraná e Mato Grosso do Sul. Os territórios têm sido alvos de ataques nos últimos dois meses, segundo as organizações da sociedade civil.

O objetivo é prestar apoio aos povos, ouvir demandas das comunidades em tentativa de combater o aumento da violência, como ameaças, agressão e incêndios criminosos. Em agosto, fazendeiros atacaram com armas de fogo indígenas avá guarani que vivem na Tekoa Yhovy, no município de Guaíra (PR). Seis pessoas foram internadas. 

A missão foi organizada pelo Coletivo de Solidariedade e Compromisso com os Povos Guarani, grupo formado por organizações indigenistas, de direitos humanos e movimentos sociais, entre elas, a Comissão Arns, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), Aty Guasu (a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá), Campanha Contra a Violência no Campo, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Rede de Apoio e Incentivo Socioambiental (Rais). O grupo terá escolta da Polícia Rodoviária Federal. 

Representantes dos ministérios dos Povos Indígenas e dos Direitos Humanos, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e da Defensoria Pública da União (DPU) também estarão presentes.

As visitas ocorrerão nos municípios de Terra Roxa e Guaíra, no oeste do Paraná; em Dourados, no Mato Grosso do Sul.

* Estagiária sob supervisão de Marcelo Brandão

Comunicação pública deve ser plural, pautar o racismo e focar no povo

A comunicação pública tem a obrigação de pautar temas como racismo e machismo e deve ser feita por pessoas de origens e condições diversas, além de focar na população e receber o financiamento adequado.

A avaliação é de três jornalistas convidadas pelo Festival Latinidades 2024 para debater, nesta sexta-feira (26), em Brasília, o tema Mulheres Negras na Mídia: Inovação e Impacto na Comunicação Pública.  

A jornalista Luciana Barreto, âncora do Repórter Brasil, jornal da TV Brasil, destacou que já trabalhou na mídia privada e que, enquanto nas emissoras comerciais existe o interesse do lucro e da audiência, na mídia pública o patrão deve ser o povo.

“A gente vê que os veículos [privados] têm seus interesses outros, de lobby, muitas vezes. São interesses econômicos porque precisam ganhar dinheiro. São interesses de audiência que têm a ver com o econômico. A relevância [de uma notícia] não é sempre o fundamental para uma comunicação privada, não se pauta apenas o que é relevante, mas se ela dá audiência. Esse é um dos parâmetros”, explicou.

A mídia pública, na visão da jornalista, tem que se pautar por outros parâmetros. “[Na mídia pública] meu patrão é o povo. Tenho que falar com o povo e para o povo. E aí, meu olhar sobre relevância tem a ver com o meu patrão. O que é relevante para o meu patrão? Pautas fundamentais para esse país são tratadas na comunicação pública”, destacou.

A apresentadora da TV Brasil lembrou ainda que o financiamento da comunicação pública é fundamental. “Fico muito feliz quando a comunicação pública tem o financiamento que ela merece. É muito simples. A gente consegue cobrir um evento como esse aqui porque a gente tem gasolina no carro, porque a gente tem equipe trabalhando”, concluiu.

Festival Latinidades 2024. Foto – Valter Campanato/Agência Brasil

Para a jornalista Joyce Ribeiro, que apresenta o Jornal da Tarde, da TV Cultura, outro veículo público ligado ao governo de São Paulo, o jornalismo público deve representar a pluralidade da sociedade brasileira nas suas redações.

“Vejo o jornalismo público como um espaço que deve trazer a diversidade, a pluralidade de uma forma ainda mais obstinada”, disse, acrescentando que a diversidade deve ser de raça, classe social, idade, entre outras.  

“Olhar para a nossa vivência negra, para a nossa produção negra, com as nossas características, com o nosso jeito de entender o mundo, que passou por todo o nosso histórico de formação desse país e que vai, num veículo de comunicação, ser observado da nossa maneira”, afirmou.

Para a jornalista colombiana Mabel Lorena Lara, especialista em diversidade, equidade e inclusão, a comunicação pública tem a obrigação de pautar temas como racismo, machismo e sexismo.

“Em nossos países, em sociedades que necessitam gerar discussões sobre os ‘ismos’; o racismo, machismo, classismo e sexismo, é a obrigação da comunicação pública [para esses temas] e é a obrigação da comunicação em países da América Latina”, destacou.

Comunicação Pública

No Brasil, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que controla a Agência Brasil, é a responsável por gerir os veículos públicos federais do país. Criada em 2007, a EBC atende ao Artigo 223 da Constituição Federal que determina que o serviço de radiodifusão deve observar o princípio da complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal de comunicação.

Além da Agência Brasil, a EBC administra a TV Brasil e as rádios EBC, como a Rádio Nacional e a Rádio Nacional da Amazônia.

Negras na mídia

Além do debate sobre a participação de mulheres negras na mídia, o Festival Latinidades 2024 criou o Prêmio Jacira da Silva, em homenagem a jornalista que foi a primeira negra a assumir a presidência do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, entre 1995 e 1998, e fundou a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira/DF).

Na categoria Jornalistas Negras, a gerente da Agência Brasil, Juliana Cézar Nunes, recebeu o prêmio ao lado de nomes como Maju Coutinho, da Rede Globo, e Basília Rodrigues, da CNN. 

Na categoria Mídias Negras, foram premiadas a Revista Afirmativa, a agência de notícias Alma Preta, o Instituto Cultne, o Mundo Negro, e o Africanize, veículos de comunicação que priorizam e dão visibilidade às pautas ligadas à população negra brasileira.

Lula ressalta atuação do povo na Independência da Bahia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou nesta terça-feira (2) das comemorações pelos 201 anos da Independência da Bahia, em Salvador. Para Lula, a festa exalta a participação do povo na independência do país e deve ser comemorada assim como o 7 de setembro.

Em 2 de julho de 1823, os movimentos populares expulsaram, de forma definitiva, as tropas portuguesas que ainda resistiam à independência do país, declarada no ano anterior por Dom Pedro II.

Mais cedo, em entrevista à Rádio Sociedade, o presidente Lula lembrou que a independência do Brasil foi um processo de batalhas populares em diversos estados, consolidada em 2 de julho na Bahia. “Essa participação popular é o que dá dimensão à nossa independência”, afirmou.

“A nossa independência foi um acordo feito entre a elite que governava o Brasil naquela época e transformaram aquilo na data oficial [7 de setembro de 2022], um grande ‘conchavão’ que resultou no grito de independência. Mas a verdadeira independência se deu aqui na Bahia, foi aqui na Bahia que o povo foi pra rua pra defender a expulsão dos portugueses e a ascensão dos brasileiros, dos negros, dos indígenas, das pessoas que moravam aqui na Bahia”, acrescentou.

De acordo com Lula, o presidente da República deve participar da comemoração dos dois atos de forma oficial. “Eu não nego a independência do Brasil, é um fato histórico, mas eu acho que a gente tem que dar dimensão ao que aconteceu aqui na Bahia no dia 2 de julho de 1823”, disse, lembrando também de lutas populares em Pernambuco, Maranhão e Pará.

Depois de Salvador, Lula tem agenda em Recife, para o anúncio de ações federais na capital pernambucana.

“Tenho que prestar contas ao povo pobre”, diz Lula em Salvador

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou, nesta segunda-feira (1º), do anúncio de um pacote de investimentos na Bahia, que inclui obras em instituições federais de educação, equipamentos de saúde, eletrificação rural, moradia popular e cultura. Em discurso, Lula pediu que a população e a imprensa acompanhem e fiscalizem a execução das medidas anunciadas, que atendem a população mais vulnerável que depende de políticas públicas.

“Eu não tenho que prestar contas a nenhum ricaço, nem a nenhum banqueiro deste país. Eu tenho que prestar contas ao povo pobre e trabalhador deste país, que a gente precisa que se cuide deles”, afirmou.

Na educação, o anúncio foi de R$ 1,9 bilhão para a expansão e consolidação das universidades e dos institutos federais presentes em 33 municípios baianos, assim como para a educação básica do estado. Os recursos foram viabilizados por meio do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). No ensino superior, o governo federal investiu R$ 478,3 milhões para as universidades federais e R$ 249,3 milhões para os institutos federais. Os repasses, de acordo com o Ministério da Educação, contemplarão a construção de novos hospitais universitários, novos campi de universidades e institutos federais, bem como a consolidação das instituições federais existentes.  

Já o governo do estado e as prefeituras receberão R$ 1,18 bilhão de aporte do Novo PAC para a educação básica. O objetivo é custear creches (R$ 341,9 milhões em 94 municípios); escolas de tempo integral (R$ 722,8 milhões em 56 municípios); e ônibus escolares (R$ 113,8 milhões em 244 municípios).  

“Minha obsessão pela educação é porque eu acho que tudo o que uma mãe e um pai querem não é deixar dinheiro de herança, é deixar uma boa educação e boa educação para os filhos que eles colocam no mundo”, disse o presidente.

Na área de moradia popular, o governo federal informou que a meta do programa Minha Casa Minha Vida é a entrega de 5,7 mil casas para 11 municípios baianos. Mais cedo, em Feira de Santana, no interior do estado, o governo assinou autorização de contratação de 1.075 moradias pelo programa. 

Outro anúncio feito em Salvador é a assinatura de um termo de acordo que prevê mais de 29 mil ligações do programa Luz Para Todos, de eletrificação de áreas rurais, nos próximos dois anos, com investimento aproximado de R$ 1,5 bilhão.

Na área de saúde, o principal anúncio foi o novo edital do Programa Mais Médicos, com mais de 3,1 mil vagas em todo o país, sendo 248 para a Bahia, segundo a ministra da Saúde, Nísia Trindade.

A agenda em Salvador ainda incluiu um programa do Ministério da Cultura para a custear reforma de casas tombadas como patrimônio cultural.

Lula prossegue em agenda na capital baiana na manhã desta terça-feira (2), data em que se celebra a expulsão das tropas portuguesas na Bahia, em 1823, consolidando a Independência brasileira na região. À tarde, a comitiva presidencial segue para Recife.

Museu de Niterói abre neste sábado mostra sobre povo guarani

O Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC Niterói) apresenta, a partir deste sábado (8), a exposição fotográfica Yvy Marãey – A Terra sem Males, que aborda a busca ancestral do povo indígena guarani pela terra sem mal. São 38 fotografias de autoria do cineasta e fotógrafo Daniel Sul, que mostram a cultura e a mitologia do grupo Guarani Mbya, instalado há 11 anos na Aldeia Mata Verde Bonita, no município de Maricá, região metropolitana do Rio de Janeiro.

A mostra, que vai até 4 de agosto, é promovida pelo Instituto Terra Verde, organização não governamental (ONG) voltada para a defesa dos povos indígenas por meio da cultura e da memória, do etnoturismo, da segurança alimentar e geração de renda, entre outras ações.

“Eles sempre foram nômades, porque estavam em busca dessa terra sem males”, disse à Agência Brasil o presidente do Instituto Terra Verde e produtor executivo da exposição, Leonardo Brandão. Com o passar do tempo e o esgotamento de terras disponíveis,os indígenas acabaram se instalando em 2013 em Maricá, onde fundaram a Aldeia Mata Verde Bonita, que reúne atualmente cerca de 200 pessoas, descendentes da pajé Lidia Neves, de 92 anos. Sua filha, Jurema, é a cacica da aldeia.

De acordo com Brandão, a mostra destaca também a necessidade de demarcação das terras dos guaranis em Maricá. “O que a gente quer é usar a cultura para dar visibilidade à questão indígena por meio de uma exposição com qualidade e obras artísticas, enfatizando a necessidade das aldeias guaranis serem demarcadas”, afirmou o presidente do Instituto Terra Verde.

Segundo Brandão, a família veio migrando do Rio Grande do Sul, passou por Paraty e Camboinhas, em Niterói, e há 11 anos se estabeleceu na restinga de Maricá. Nesse município, há outra aldeia de guaranis, a Céu Azul, composta por 30 pessoas.

Tradição

Indígenas do grupo Guarani Mbya preservam tradições- Daniel Sul/Divulgação

Os guaranis preservam as tradições. Há, por exemplo, uma casa de reza (Opy), onde são realizadas todas as atividades religiosas da aldeia, como funerais, rituais de cura e bênção do milho antes do plantio. “Todos falam a língua guarani. O português é ensinado na escola onde eles estudam fora da aldeia, mas a língua corrente é o guarani. Eles fazem muito artesanato, têm as práticas de cantoria na língua guarani. É uma aldeia que preserva muito as tradições de seu povo”, disse Brandão.

A exposição ocupará toda a varanda externa do MAC Niterói. Na abertura da mostra, prevista para as 10h de sábado haverá apresentação do Coral Guarani da Aldeia Mata Verde Bonita. A entrada é franca e a classificação, livre. Nos demais dias, os ingressos custarão R$ 16 (inteira) e R$ 8 (meia entrada). Às quartas-feiras, a visitação será gratuita.

Haverá rodas de conversa com  moradores da aldeia, que falarão sobre a vida nacomunidade, além de feira de artesanato e outras atrações. A mostra estará aberta de terça-feira a domingo, das 10h às 18h, com entrada permitida até as 17h30.

A entrada será gratuita para crianças menores de 7 anos, estudantes da rede pública (ensino fundamental e médio), pessoas que moram ou nasceram em Niterói, servidores públicos municipais, pessoas com deficiência e visitantes que chegarem ao museu de bicicleta. Têm direito à meia-entrada pessoas com 60 anos ou mais, estudantes de escolas particulares e universidades, professores e portadores de Identidade Jovem (ID Jovem), que é uma carteira virtual, baixada por aplicativo ou emitida no site da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ).

A exposição tem apoio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, do Ministério da Cultura, dos governos estadual e federal, através da Lei Paulo Gustavo, e da Secretaria Municipal das Culturas, da Fundação de Artes e da prefeitura de Niterói.

Aldeia

A Aldeia Mata Verde Bonita (Tekoa Ka’Aguy Hovy Porã), do povo Guarani Mbya, está estabelecida no bairro de São José, na cidade de Maricá, em área de 93 hectares cedida pela prefeitura da cidade em 2013. Devido, entretanto, à falta de titulação da terra, a comunidade está constantemente ameaçada por interesses privados, tendo sido vítima, em 2019, de um incêndio criminoso que por pouco não atingiu algumas casas da aldeia. Em 2013, foram convidados a se mudar para Maricá, após terem sido pressionados pela especulação imobiliária a deixarem a área onde viviam há sete anos, no bairro de Camboinhas, em Niterói, município também da região metropolitana do Rio.

Indígena do povo Xokleng é assassinado em Santa Catarina

Um indígena do povo Xokleng foi assassinado ontem (27) em Santa Catarina. Hariel Paliano, de 26 anos, foi encontrado morto às margens da rodovia que liga os municípios de Doutor Pedrinho e Itaiópolis. O corpo estava com sinais de espancamento e queimaduras.

De acordo como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o crime ocorreu a 300 metros da casa de Hariel. Ele morava com a mãe e o padrasto, líder da aldeia Kakupli. No dia 4 deste mês, a casa foi alvo de tiros. A Policia Federal (PF) investiga o caso.

No momento do crime, parte dos indígenas da aldeia regressava de Brasília, onde participaram, na semana passada, do Acampamento Terra Livre (ATL).

Na região, está localizada a Terra Indígena Ibirama La Klaño, onde vivem indígenas das etnias Kaingang e Guarani, além dos Xokleng. A disputa de terras no local foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao considerar inconstitucional a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Em nota, o Cimi se solidarizou com os familiares de Hariel e afirmou que os episódios de violência na região foram intensificados após a aprovação do marco pelo Congresso.

A entidade também citou a decisão do ministro Gilmar Mendes que determinou a realização de conciliação nas ações que tratam da validade do marco temporal. O ministro é relator das ações protocoladas pelo PL, o PP e o Republicanos para manter a validade do projeto de lei que reconheceu o marco e de processos nos quais entidades que representam os indígenas e partidos governistas contestam a constitucionalidade da tese.

“A decisão de Gilmar Mendes foi entendida como uma vitória dos setores que se contrapõem à demarcação da Terra Indígena Ibirama La Klaño e das demais terras indígenas no Brasil. Nesse sentido, a decisão em questão tornou-se combustível para a euforia e o ódio contra os povos indígenas”, declarou a entidade.

Entenda

Pela tese do marco temporal, os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

Em dezembro do ano passado, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que validou o marco.

Em setembro, antes da decisão dos parlamentares, o Supremo decidiu contra o marco. A decisão da Corte foi levada em conta pela equipe jurídica do Palácio do Planalto para justificar o veto presidencial.

Povo Paiter Suruí terá primeira agência de etnoturismo do Brasil

Com um território de 224 mil hectares, comunidades da Terra Indígena Sete de Setembro, do povo Paiter Suruí, em Rondônia, se preparam para lançar o projeto Yabnaby – Espaço Turístico Paiter Suruí, que será a primeira agência indígena de etnoturismo criada e mantida por povos originários na Amazônia. O etnoturismo é uma modalidade turística em que os viajantes conhecem de perto a vida, os costumes e a cultura de um determinado povo, especialmente povos indígenas.

O projeto foi um dos selecionados, em 2023, para receber investimento do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), uma política do governo federal que funciona no contexto da Zona Franca de Manaus, sob a coordenação da organização não governamental (ONG) Idesam, com atuação na Região Amazônica. 

A agência de etnoturismo idealizada por Almir Suruí, liderança indígena que se destaca como uma das mais empreendedoras do Brasil, com prêmios internacionais em direitos humanos, recebeu investimento do PPBio no valor de R$ 522 mil, para elaboração de um plano estratégico de negócios.

Almir Suruí, liderança do povo Paiter Suruí, idealizador da agência de etnoturismo – Foto: PPBio/Divulgação

“Neste ano de 2024, a gente vai construir todo o plano de marketing, o plano de comunicação e o plano de negócio. A agência vai ser responsável por implementar a estratégia que será criada aqui”, explicou Almir Suruí à Agência Brasil. A previsão é que a agência esteja funcionando no início de 2025, com sede no município de Cacoal e representação em Porto Velho.

Plataforma

O modelo de negócio prevê a criação de uma plataforma que realizará visitas virtuais na floresta, onde pessoas da comunidade vão poder contar sobre a história do povo Paiter Suruí, a rotina na comunidade indígena, como é a alimentação, entre outros temas. 

“A ideia é que a plataforma tenha várias seções, com temas diferentes, em que os turistas possam imergir de forma online na realidade amazônica, funcionando como um ‘tira-gosto’ do que será de fato uma visita presencial na comunidade”, informou à Agência Brasil Paulo Simonetti, líder de captação e relacionamento com o investidor do PPBio. 

Haverá também o turismo físico, presencial, na comunidade, onde os visitantes poderão tomar banho de rio, conhecer a comida e medicina tradicional, participar da dança, contação de histórias, passeios de barco, trilhas na floresta e vivência com atividades produtivas.

Primeira agência de etnoturismo indígena do país – Foto: PPBio/Divulgação

Almir Suruí disse que será realizado um curso para preparação de guias, que receberão turistas na região, além de cozinheiras, faxineiras e outras atividades necessárias ao etnoturismo. A previsão é que o curso tenha início até o próximo mês de abril.

A agência foi concebida por Almir Suruí, quando começou a desenvolver o Plano de estratégia de 50 anos do povo Paiter Suruí, nos anos 2000, e por meio de vários diagnósticos que levantaram o potencial do etnoturismo no território. 

“É uma maneira de gerar emprego e renda para nossa comunidade e, também, para as pessoas conhecerem quem é o povo Paiter Suruí e nossa relação com a natureza, com a floresta, com os animais. Conhecer nossa história. Por isso, acreditamos que hoje há um potencial grande, no momento em que o Brasil trabalha também com a conservação ambiental para combater as mudanças climáticas”, avalia Almir Suruí.

Cadeias produtivas

Há 20 anos, a organização não governamental (ONG) Idesam vem estruturando cadeias produtivas na Amazônia, para diminuir a pobreza nas comunidades da região, além de atuar contra o desmatamento. A ONG tem várias frentes de ação: gestão territorial, para ajudar as comunidades a se estruturarem em cooperativas; capacitação de comunidades, com estruturação de produtos da floresta que consigam ser inseridos no mercado; e de geração de negócios, buscando parceiros comerciais que vão conseguir escoar os produtos das comunidades e comprar as matérias-primas. 

“O Idesam trabalha de diversas formas para fazer a inclusão produtiva das comunidades com o objetivo de geração de renda, sempre dentro de uma perspectiva sustentável”, destacou Paulo Simonetti.

Paulo Simonetti, líder de captação do PPBio – Foto: PPBio/Divulgação

Todas as indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus são incentivadas, pela Lei da Informática, a investir em pesquisa e desenvolvimento para a região. 

“Dentro dessa lei amazônica, as empresas têm obrigação de investimento de parte do seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento na própria região. Uma das coisas que elas podem investir são os programas prioritários, criados pelo governo federal, para desenvolver a região e solucionar gargalos que a região possui”, disse Simonetti. 

Atualmente, existem três programas prioritários atuantes: um industrial, outro de empreendedorismo e um terceiro voltado para a estruturação das cadeias produtivas da Amazônia, que é o PPBio. Esse programa conta atualmente com R$ 129 milhões em aportes e um total de 61 projetos em execução ou finalizados, com perspectiva de expansão nos próximos meses.

Gargalos

Etnoturismo indígena – Foto: PPBio/Divulgação

O PPBio tem atuado nos últimos 6 anos detectando os gargalos da região em termos de logística, rastreabilidade e qualidade de matéria-prima como oportunidade de negócio, em que dialoga com startups (empresas emergentes), institutos de pesquisa, buscando soluções que possam virar futuros negócios. 

“A gente busca recursos com as indústrias e investe nessas prospecções, nas mais diversas cadeias. Uma cadeia que a gente tem buscado atuar é o turismo. É importante para a valorização da biodiversidade amazônica trazer essa consciência ambiental para os turistas que estão visitando a região, mas também gerando renda para a comunidade que vive ali”, disse Simonetti.

Ele considera que a estruturação da cadeia do turismo é uma grande oportunidade “até porque, hoje, o turismo, de forma geral, muitas vezes visa colocar o indígena ou a população tradicional não como agente de turismo autônomo, mas como uma atração. Para o PPBio, esse era um dos principais gargalos a serem resolvidos para fazer essa autonomia para a população indígena”. Uma das soluções encontradas é que o próprio indígena seja o autor e gerador dessa agência, fazendo-o pensar como quer promover o turismo na região.

Diversificação

Etnoturismo indígena – Foto: PPBio/Divulgação

Em paralelo, o governo federal tem orientado a Superintendência da Zona Franca de Manaus a diversificar o investimento cada vez mais fora da região metropolitana de Manaus, buscando outros estados onde também atua, como Roraima, Rondônia, Acre e Amapá. 

Desde o ano passado, o PPBio tem buscado bons projetos para investimento nesses estados. Em Rondônia, por exemplo, o PPBio apoia três projetos; no Amapá, são quatro projetos; em Roraima, dois; e no Acre, dois.

O projeto tem apoio do Instituto Ecoporé de ciência e tecnologia, que já é parceiro de longa data do povo Paiter Suruí.

Um dos objetivos na nova agência indígena é integrar o sistema de reservas às plataformas de hospedagem do mercado e replicar o modelo para outros territórios indígenas e etnias, visando que as atividades turísticas locais se tornem autossuficientes, informou a presidente do Instituto Ecoporé, Sheila Noele.

Fenaj diz que fim da Télam é ataque ao povo argentino

Depois do encerramento das atividades da agência pública de notícias argentina, a Télam, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj, do Brasil) repudiou, em nota, nesta segunda (4), a decisão do governo de Javier Milei, que considerou um “ataque ao povo argentino”.

No documento, a Fenaj enfatizou que a Télam foi fundada há quase 80 anos (em 1945) e é responsável por “abastecer centenas de veículos locais por meio de serviços jornalísticos em texto, áudio, vídeo e fotografias”.

“Como demonstração clara da intransigência e violência do governo Milei, a sede da Télam foi fechada e cercada por grades e policiamento nesta segunda-feira para impedir o acesso de funcionárias e funcionários ao seu local de trabalho”, destacou a nota da Fenaj.

A entidade brasileira acrescentou que a empresa pública de comunicação argentina emprega mais de 700 pessoas.

Tentativas de sucateamento

A Fenaj comparou o fechamento da empresa na Argentina com atitudes de governos anteriores no Brasil, dizendo que teriam ocorrido, a partir de 2016, “sucessivas tentativas de sucateamento e privatização da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)”. A entidade de jornalistas atribui à “resistência da categoria” não ter havido no Brasil desfecho semelhante no Bras. 

Em sua nota, a Fenaj ressaltou, inclusive, que as lutas de categoria “se estendem por toda a América Latina e o restante do mundo”.  

Em entrevista à Agência Brasil, no último sábado (2), o diretor do escritório da organização Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina, o jornalista brasileiro Artur Romeu, disse que o fechamento da Télam, principal agência de notícias, foi um “desrespeito” à sociedade argentina. 

“A comunicação pública é um aspecto essencial do direito ao acesso de informação, na medida em que fortalece o pluralismo no horizonte midiático, que na Argentina é historicamente marcado por uma alta concentração”, afirmou Romeu.

Neste momento, a página da Télam está fora do ar. No domingo (3), os trabalhadores do portal receberam um comunicado do interventor do órgão, Diego Chaher, com a informação de que estariam dispensados do trabalho pelos próximos 7 dias. O prédio que abriga a agência foi cercado por grades, o que impede o acesso ao local.

Exposição de Jeff Alan reforça representatividade do povo preto

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.