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Ciência precisa dialogar com ecologia indígena, dizem pesquisadores

A integração entre a ciência indígena e o conhecimento científico ocidental é crucial para salvar a Floresta Amazônica e a própria vida humana no planeta Terra das ameaças de colapso ambiental e climático em curso.

Esta é a avaliação de um artigo inédito publicado na prestigiada revista científica norte-americana Science, na última semana, por pesquisadores indígenas amazônicos dos povos Tuyuka, Tukano, Bará, Baniwa e Sateré-Mawé, em parceria com não indígenas vinculados a projeto do Brazil LAB, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos (EUA).

Os cientistas participantes também têm vínculo com instituições brasileiras como as universidades federais de Santa Catarina (UFSC) e do Amazonas (Ufam).

Em entrevista exclusiva à jornalista Adrielen Alves da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), uma das autoras do artigo, a pesquisadora Carolina Levis, da UFSC, e o cientista indígena Justino Sarmento Rezende, da Ufam, o primeiro investigador indígena a publicar na Science, tratam da importância de se fomentar uma ciência mais holística, que entenda a conexão indissociável entre cultura e natureza e que, portanto, reconheça a contribuição dos povos originários para a reabilitação dos ecossistemas.

A produção faz parte da série de entrevistas para o podcast S.O.S! Terra Chamando, uma co-produção da Rádio MEC e da Casa de Oswaldo Cruz, com estreia prevista para o início de 2025.

“Acreditamos que esse diálogo é fundamental, não existe uma só saída. A gente precisa de múltiplas ciências, porque o problema é muito complexo e muito sério, que a gente está vivendo, de emergência climática, da crise da biodiversidade”, aponta Carolina Levis, que destaca ser muito recente ainda o movimento da ciência ocidental de abrir para formas de conhecimento da ciência indígena.

“Eu acho que, finalmente, a sociedade está começando a se abrir para a importância que tem poder divulgar e produzir a ciência indígena, em um patamar, digamos assim, de uma revista de alto impacto. Nunca é tarde para isso, mas a intenção, com esse artigo, é abrir as portas para que venham muitos outros.”

Ciência ancestral indígena

O trabalho publicado na Science sintetiza conhecimentos dos indígenas do Alto Rio Negro, uma das regiões de maior diversidade étnica do planeta, localizada no Noroeste do Amazonas. Para esses povos, o mundo pode ser organizado em três domínios: terrestre, aéreo e aquático.

Esses domínios são ocupados não só pelos humanos, mas por outros seres, como animais, plantas, montanhas e rios, e pelos chamados outros humanos – ou encantados – que já habitavam o mundo antes dos humanos e que são consultados através dos especialistas indígenas, comumente chamados de pajés e xamãs.

Para que os humanos possam acessar elementos da natureza, é fundamental solicitar permissão e negociar com os outros seres presentes nesses domínios, respeitando as práticas e rituais que mantêm o funcionamento dessa rede cosmopolítica.

“É preciso a superação dessa compreensão ciência-natureza, cultura-natureza. Enquanto os seres humanos entenderem que os outros seres são matéria, que não pensam como nós, humanos, isso [o desequilíbrio ambiental] vai continuar existindo. Os indígenas têm outra visão”, aponta Justino Sarmento.

“Por exemplo, a ciência biológica começou a falar de ecologia mais recentemente, mas os povos indígenas já tinham essa compreensão de como funciona a ecologia há milênios”, acrescenta. A presença indígena na Amazônia data de pelo menos 12 mil anos.

“Emergindo de milênios de envolvimento concreto com o mundo e de uma longa história de experimentação, os conhecimentos indígenas não são dogmáticos e devem ser levados a sério na tentativa de avançar em direção a um futuro sustentável. Os povos indígenas têm observado e analisado a dinâmica dos ecossistemas. Esses conhecimentos ecológicos emergem de suas relações e observações de outros participantes do ecossistema”, diz um trecho do artigo na Science.

Uma dessas contribuições, mencionadas no texto, se refere à não separação entre os contextos sociais e naturais. “O enquadramento da teoria indígena também captura variáveis ​​e relações ecológicas sutis, muitas vezes negligenciadas pela ciência ocidental tradicional, mas apoiadas por teorias socioecológicas contemporâneas em diálogo com as ciências indígenas, que também mostram que tratar os humanos como agentes excepcionais separados dos ecossistemas é menos eficaz na compreensão do funcionamento e da dinâmica ecológica, do que considerar os humanos como participantes dos ecossistemas”, analisa o artigo.

Conhecimento empírico

Os pesquisadores ainda apontam ações e práticas indígenas que podem ser somadas às pesquisas científicas, como, por exemplo, a influência do movimento das constelações e dos ciclos da Terra na produção de alimentos.

“Os indígenas são especialistas em astronomia, porque tinham a compreensão desse movimento, dessa dinâmica das constelações que influenciavam também os ciclos de vida neste patamar terrestre, onde estamos vivendo. A floração das árvores, o crescimento e amadurecimento das frutas, das coletas, que proporcionam festas rituais”, cita Justino Sarmento.

Para Carolina Levis, uma das principais conclusões para a eficiência da conservação do bioma é a inclusão respeitosa de líderes e especialistas indígenas em processos de investigação e tomada de decisão.

“Essa abertura passa pelo respeito à forma como esse conhecimento é produzido. A gente fala que os especialistas indígenas, de alguma forma, são fundamentais, porque são eles que, há muito tempo, têm manejado essa grande dimensão do cuidado com a Terra”.

Pesquisadores farão circum-navegação inédita na Antártica

Pesquisadores de sete países, liderados pelo Brasil, estão prestes a iniciar uma aventura inédita: a circum-navegação da Antártica. Pela primeira vez cientistas darão a volta ao redor de todo o continente congelado do Polo Sul, percorrendo cerca de 14 mil quilômetros, e coletando amostras de gelo, água e ar, para entender melhor as mudanças climáticas e os efeitos da poluição.

A expedição zarpou do Rio Grande do Sul no dia 22 de novembro, com 61 cientistas, sendo 27 de nove universidades públicas brasileiras e o restante da Rússia, China, Índia, Argentina, Chile e Peru. 

O chefe da missão é o professor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Jefferson Cardia Simões, uma sumidade em geografia polar, que já esteve na Antártica uma dezena de vezes. 

“Nós estamos visualizando nas duas regiões polares, as mais intensas, mais rápidas e ampliadas mudanças do clima que afetam o nosso cotidiano”, disse antes da partida, ressaltando a importância da expedição. 

Jefferson Simões, coordenador da expedição – Foto: Christopher P. Michel/Divulgação

Todos estão a bordo do navio quebra-gelo do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica, da Rússia, uma das poucas embarcações desse tipo para fins científicos. Com mais de 130 metros de comprimento, o navio literalmente consegue quebrar placas de gelo com até 2 metros de espessura, dando a possibilidade que os pesquisadores se aproximem o máximo possível da costa. 

A expectativa é que eles comecem a circum-navegação até o dia 4 de dezembro e continuem contornando o continente até o dia 12 de janeiro, quando a expedição chega à Ilha Rei Jorge, ponto mais próximo da América do Sul, onde está a Estação Antártica Comandante Ferraz, da Marinha do Brasil. Os pesquisadores devem aportar na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, entre os dias 23 e 25 do mesmo mês. 

Atribuições

Circum-navegação inédita da Antártica. Rota de navegação – Foto: Centro Polar e Climático-UFRGS/Divulgação

As equipes de cientistas têm diversas atribuições, dentro de três grandes áreas: o monitoramento das calotas de gelo, a análise do clima do continente e a detecção de microplásticos. O grande objetivo é entender melhor como o manto de gelo da Antártica era no passado e como ele está respondendo às mudanças do clima e a outras ações humanas. 

“Nós temos plataformas de gelo flutuando e é ali que se rompem os icebergs. Só que nós já estamos observando, há 20 anos, que muitas dessas plataformas estão desaparecendo, elas estão desintegrando. E o aquecimento do oceano e da atmosfera também pode estar lubrificando o manto de gelo da Antártica, e isso faz com que o manto de gelo vá embora. O que isso implica? Em 200, 300 anos, o aumento de 6 a 7 metros no nível do mar. Porto Alegre, por exemplo, vai pra debaixo d’água. É uma hipótese séria”, explica o pesquisador Jefferson Cardia.  

Um grupo de pesquisadores vai coletar amostras de neve compactada, ou seja, que caíram anos atrás e que ainda guardam informações sobre essas épocas. Outro vai coletar amostras de água, para medir a concentração de microplásticos e demais poluentes. Além disso, o ar do continente será constantemente analisado para pesquisas atmosféricas, e a expedição vai fazer medições das calotas polares e icebergs, para medir a velocidade do derretimento das geleiras e como isso pode aumentar o nível do mar. 

Parceria científica

Além dos 61 pesquisadores que estarão no navio, há dezenas de outros dando suporte em terra. A professora do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense Rosemary Vieira, uma das coordenadoras da equipe da universidade, está em contato constante, por e-mail e WhatsApp, com duas pesquisadoras que integram a expedição. Elas têm a missão de coletar amostras de sedimentos do fundo marinho e que estão em suspensão. Se as condições forem favoráveis, também trarão amostras terrestres. 

“Os sedimentos são ótimos arquivos que guardam informações dessas mudanças, tanto as que estão em curso como as que ocorreram no passado. Diversas análises são aplicadas e geram dados sobre as condições ambientais e climáticas que podem ter ocorrido milhares de anos atrás até o presente”, explica Rosemary. 

Professora Rosemary Vieira em viagem à Antártica – Foto: Rosemary Vieira/Arquivo pessoal

Todo esse material pode ajudar a ciência a entender qual rumo o planeta está tomando, mas também explicar questões que nos afetam hoje. “Apesar de sua posição polar, e aparentemente afastada dos outros continentes, a Antártica é vital para a vida no planeta, e sim, tem impactos sobre a nossa vida cotidiana. Ela é um dos principais reguladores climáticos e o que acontece na Antártica tem reflexo em todo o planeta. Se olharmos o mapa, o continente e a área do gelo marinho têm contato com todos os oceanos. No Brasil, o regime de chuvas e as temperaturas, que são tão importantes na produção de alimentos estão diretamente vinculados ao que acontece na Antártica”, esclarece a professora da UFF. 

De acordo com o coordenador da expedição Jefferson Cardia Simões, uma grande lição já foi dada. “A questão da diplomacia da ciência. Ou seja, resolver problemas mútuos, com interesses mútuos, por uma ciência de vanguarda, pela cooperação internacional. É um desafio coordenar cientistas de sete países, com cinco línguas diferentes, certamente culturas e hábitos diferentes. Mas nós podemos trabalhar em conjunto”.

Herdeiros de Bernadete e pesquisadores apontam prioridades para negros

Ativistas e pesquisadores entendem que há um longo caminho para enfrentar o racismo estrutural e todos os tipos de violência a que são submetidas as pessoas negras no país, que formam a maior parte da população brasileira (45,3% pessoas pardas, e 10,2% pretas).

Entrevistados pela Agência Brasil valorizam o fato do dia 20 de novembro tornar-se feriado nacional, mas também elencam prioridades que podem ser caminhos de enfrentamento contra as desigualdades e violações de direitos, que devem ir além de uma data.   

Uma das lideranças jovens brasileiras é Wellington Pacífico, de 23 anos, um dos representantes da comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA). Ele sofreu nos últimos anos com os assassinatos do pai (Flávio Pacífico, de 36 anos, em 2017) e da avó (Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, em 2023), que lutavam por políticas públicas e pelos direitos das 2.638 pessoas de 598 famílias que formam a comunidade. 

Casa da Mãe Bernadete, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, assassinada na Bahia. Foto – Janaína Neri.

Wellington entende que uma prioridade importante deveria ser efetivada pelo caminho da educação. “A prioridade da população negra no país é trabalhar para o avanço da Lei 10.639 (que tornou, em 2003,  obrigatória a temática da história e cultura afro-brasileira nas escolas), para que a gente possa ver em cada sala de aula do Brasil essa lei funcionando e os alunos possam construir sua identidade a partir de ancestrais”, defendeu. 

Ele entende que é necessário divulgar que os antepassados foram pessoas que lutaram contra a escravidão. “A gente tem que abrir caminho para a construção da identidade de cada jovem preto que habita esse País”, afirmou Wellington.

O rapaz explica que a maioria dos jovens pretos não herdou privilégios, mas sim uma luta que é contínua. “A gente herdou uma herança de desigualdade e de violência, na qual esse racismo estrutural coloca a gente, como os dominados”. Por isso, ele entende que é necessário responsabilidade de contribuir para a luta. “Nosso objetivo não é esperar. Essa prerrogativa é dos privilegiados (…) A população preta, jovem, tem que pensar e agir”. 

Outro herdeiro da luta de mãe Bernadete é o filho dela, Jurandir Pacífico, de 44 anos, também liderança da comunidade quilombola. Atualmente, ele está sob programa de proteção do Estado brasileiro em função das ameaças que recebe. 

Jurandir Pacífico, filho da Maria Bernadete, líder quilombola assassinada na Bahia. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação 

Ele diz que os desafios do momento incluem o enfrentamento ao racismo estrutural, à desigualdade econômica, à violência policial e à falta de representatividade negra em espaços de poder. Por isso, ele defende que são necessárias ações e políticas públicas efetivas. “É importante lembrar que a luta pela igualdade racial é contínua e exige esforços conjuntos de todos os setores da sociedade. O legado continua”, afirmou. 

Colocada à margem

O professor Ivanir dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reitera que a maior parte da população negra não é tratada como cidadã e foi colocada à margem da sociedade, com menos acesso à saúde e educação, além de mais exposta às violências, inclusive policiais. 

“As instituições brasileiras ainda têm uma visão colonial e imperial na compreensão da participação e do direito dessa população. Isso tem que ser tratado de forma ainda muito séria e de uma forma muito forte no Brasil”, avalia o pesquisador em direitos humanos, racismo e intolerância religiosa. 

O professor acredita que houve conquistas nos últimos anos graças também à participação de representantes do movimento negro na Constituição de 1988. “O movimento negro teve um papel fundamental ao incluir o racismo como crime inafiançável”. Ele recorda ainda que os ativistas, em 1995, levaram ao governo federal uma pauta de reivindicações que acabaram tendo como consequências as primeiras políticas de ação afirmativa, e também nos anos 2000, com as cotas e avanços na educação. 

“O que se observa é que há sempre uma engenharia racista que acaba burlando ou desqualificando esses direitos. Mas, nós vamos ter pela primeira vez esse ano o dia 20 como feriado nacional, que é uma vitória importante. Zumbi é o primeiro heroi construído de baixo para cima no Brasil”, avalia o professor Ivanir dos Santos, que é Babalawô, sacerdote de religião de matriz africana. 

Representatividade

Outra pesquisadora, a professora Waldicéia de Moraes Teixeira da Silva, que é pastora evangélica Wall Moraes, em Brasília, também valorizou a data do 20 de novembro como feriado nacional. Ela diz que a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 levantou um alerta para ativistas políticas sociais do movimento social negro do Brasil: ir além de conquistar políticas públicas por decretos, leis e portarias, mas também criar condições para efetivamente para aumentar a representatividade política. 

Ela lamenta que a maioria das pessoas negras candidatas não consegue se eleger porque não receberam o fundo eleitoral condizente. “Um dos objetivos é sensibilizar, conscientizar e formar pessoas filiadas para se candidatar em condições de ganhar eleições”. 

“Contra o genocídio”

A professora Iêda Leal, de Goiás, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) defende que, de fato, ouidado com os jovens, vítimas permanente de violência, deve ser uma prioridade, e também das mulheres negras. 

Ela também acrescenta que é necessário pensar a criação das cidades antirracistas, colocando como meta a segurança pública, a educação, o trabalho e a geração de renda. “É uma vitória a gente ter um feriado, mas o feriado tem que ser traduzido para toda a população como uma vitória para que a gente possa ter cidades construídas nessa vertente do respeito aos seres humanos”.

Integrante da Articulação Nacional de Mulheres Negras, a jornalista Juliana Gonçalves, avalia que os problemas estruturais dizem respeito à construção política social do Brasil. Isso se revela, segundo contextualiza, com a exploração do trabalho de pessoas negras e também nas violências. “O combate ao que nós chamamos de genocídio do povo negro segue sendo a principal pauta do movimento negro”. 

Ela cita o homicídio de jovens negros pela violência policial e do Estado, como um todo. “A violência vai também se desdobrar no encarceramento, por exemplo, da população negra. “Nós vivemos também um cenário muito negativo quando a gente fala sobre direito das mulheres. sobre combate a políticas que vão fortalecer o feminicídio, o lesbocídio e o transfeminicídio”, aponta.

Também ativista, a diretora do grupo cultural Afroreggae, do Rio de Janeiro, a assistente social Karla Soares diz que ainda é necessário lutar pelo básico. “O básico fundamental que são as nossas garantias de direito da população negra, como a educação de qualidade, oportunidades de trabalho digno e de políticas públicas que promovam a equidade racial”. 

Ela lamenta que unidades educacionais nas favelas chegam a ficar semanas sem ter aulas por causa de operações policiais. “A população que mora dentro dessas áreas de risco é a população negra. A gente sabe como é difícil combater o racismo estrutural e criar caminhos que valorizem a identidade da cultura negra”. Ela acrescenta que a sociedade  não pode tolerar discursos ou práticas que minimizem a gravidade do racismo.

Herdeiros de Bernadete e pesquisadores apontam prioridades para negros

Ativistas e pesquisadores entendem que há um longo caminho para enfrentar o racismo estrutural e todos os tipos de violência a que são submetidas as pessoas negras no país, que formam a maior parte da população brasileira (45,3% pessoas pardas, e 10,2% pretas).

Entrevistados pela Agência Brasil valorizam o fato do dia 20 de novembro tornar-se feriado nacional, mas também elencam prioridades que podem ser caminhos de enfrentamento contra as desigualdades e violações de direitos, que devem ir além de uma data.   

Uma das lideranças jovens brasileiras é Wellington Pacífico, de 23 anos, um dos representantes da comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA). Ele sofreu nos últimos anos com os assassinatos do pai (Flávio Pacífico, de 36 anos, em 2017) e da avó (Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, em 2023), que lutavam por políticas públicas e pelos direitos das 2.638 pessoas de 598 famílias que formam a comunidade. 

Casa da Mãe Bernadete, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, assassinada na Bahia. Foto – Janaína Neri.

Wellington entende que uma prioridade importante deveria ser efetivada pelo caminho da educação. “A prioridade da população negra no país é trabalhar para o avanço da Lei 10.639 (que tornou, em 2003,  obrigatória a temática da história e cultura afro-brasileira nas escolas), para que a gente possa ver em cada sala de aula do Brasil essa lei funcionando e os alunos possam construir sua identidade a partir de ancestrais”, defendeu. 

Ele entende que é necessário divulgar que os antepassados foram pessoas que lutaram contra a escravidão. “A gente tem que abrir caminho para a construção da identidade de cada jovem preto que habita esse País”, afirmou Wellington.

O rapaz explica que a maioria dos jovens pretos não herdou privilégios, mas sim uma luta que é contínua. “A gente herdou uma herança de desigualdade e de violência, na qual esse racismo estrutural coloca a gente, como os dominados”. Por isso, ele entende que é necessário responsabilidade de contribuir para a luta. “Nosso objetivo não é esperar. Essa prerrogativa é dos privilegiados (…) A população preta, jovem, tem que pensar e agir”. 

Outro herdeiro da luta de mãe Bernadete é o filho dela, Jurandir Pacífico, de 44 anos, também liderança da comunidade quilombola. Atualmente, ele está sob programa de proteção do Estado brasileiro em função das ameaças que recebe. 

Jurandir Pacífico, filho da Maria Bernadete, líder quilombola assassinada na Bahia. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação 

Ele diz que os desafios do momento incluem o enfrentamento ao racismo estrutural, à desigualdade econômica, à violência policial e à falta de representatividade negra em espaços de poder. Por isso, ele defende que são necessárias ações e políticas públicas efetivas. “É importante lembrar que a luta pela igualdade racial é contínua e exige esforços conjuntos de todos os setores da sociedade. O legado continua”, afirmou. 

Colocada à margem

O professor Ivanir dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reitera que a maior parte da população negra não é tratada como cidadã e foi colocada à margem da sociedade, com menos acesso à saúde e educação, além de mais exposta às violências, inclusive policiais. 

“As instituições brasileiras ainda têm uma visão colonial e imperial na compreensão da participação e do direito dessa população. Isso tem que ser tratado de forma ainda muito séria e de uma forma muito forte no Brasil”, avalia o pesquisador em direitos humanos, racismo e intolerância religiosa. 

O professor acredita que houve conquistas nos últimos anos graças também à participação de representantes do movimento negro na Constituição de 1988. “O movimento negro teve um papel fundamental ao incluir o racismo como crime inafiançável”. Ele recorda ainda que os ativistas, em 1995, levaram ao governo federal uma pauta de reivindicações que acabaram tendo como consequências as primeiras políticas de ação afirmativa, e também nos anos 2000, com as cotas e avanços na educação. 

Professor Ivanir dos Santos. Foto: Arquivo pessoal/Instagram

“O que se observa é que há sempre uma engenharia racista que acaba burlando ou desqualificando esses direitos. Mas, nós vamos ter pela primeira vez esse ano o dia 20 como feriado nacional, que é uma vitória importante. Zumbi é o primeiro heroi construído de baixo para cima no Brasil”, avalia o professor Ivanir dos Santos, que é Babalawô, sacerdote de religião de matriz africana. 

Representatividade

Outra pesquisadora, a professora Waldicéia de Moraes Teixeira da Silva, que é pastora evangélica Wall Moraes, em Brasília, também valorizou a data do 20 de novembro como feriado nacional. Ela diz que a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 levantou um alerta para ativistas políticas sociais do movimento social negro do Brasil: ir além de conquistar políticas públicas por decretos, leis e portarias, mas também criar condições para efetivamente para aumentar a representatividade política. 

Ela lamenta que a maioria das pessoas negras candidatas não consegue se eleger porque não receberam o fundo eleitoral condizente. “Um dos objetivos é sensibilizar, conscientizar e formar pessoas filiadas para se candidatar em condições de ganhar eleições”. 

“Contra o genocídio”

A professora Iêda Leal, de Goiás, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) defende que, de fato, ouidado com os jovens, vítimas permanente de violência, deve ser uma prioridade, e também das mulheres negras. 

Pofessora Iêda Leal é militante do Movimento Negro Unificado. Foto: Iêda Leal/Instagram

Ela também acrescenta que é necessário pensar a criação das cidades antirracistas, colocando como meta a segurança pública, a educação, o trabalho e a geração de renda. “É uma vitória a gente ter um feriado, mas o feriado tem que ser traduzido para toda a população como uma vitória para que a gente possa ter cidades construídas nessa vertente do respeito aos seres humanos”.

Integrante da Articulação Nacional de Mulheres Negras, a jornalista Juliana Gonçalves, avalia que os problemas estruturais dizem respeito à construção política social do Brasil. Isso se revela, segundo contextualiza, com a exploração do trabalho de pessoas negras e também nas violências. “O combate ao que nós chamamos de genocídio do povo negro segue sendo a principal pauta do movimento negro”. 

Ela cita o homicídio de jovens negros pela violência policial e do Estado, como um todo. “A violência vai também se desdobrar no encarceramento, por exemplo, da população negra. “Nós vivemos também um cenário muito negativo quando a gente fala sobre direito das mulheres. sobre combate a políticas que vão fortalecer o feminicídio, o lesbocídio e o transfeminicídio”, aponta.

Também ativista, a diretora do grupo cultural Afroreggae, do Rio de Janeiro, a assistente social Karla Soares diz que ainda é necessário lutar pelo básico. “O básico fundamental que são as nossas garantias de direito da população negra, como a educação de qualidade, oportunidades de trabalho digno e de políticas públicas que promovam a equidade racial”. 

Ela lamenta que unidades educacionais nas favelas chegam a ficar semanas sem ter aulas por causa de operações policiais. “A população que mora dentro dessas áreas de risco é a população negra. A gente sabe como é difícil combater o racismo estrutural e criar caminhos que valorizem a identidade da cultura negra”. Ela acrescenta que a sociedade  não pode tolerar discursos ou práticas que minimizem a gravidade do racismo.

Herdeiros de Bernadete e pesquisadores apontam prioridades para negros

Ativistas e pesquisadores entendem que há um longo caminho para enfrentar o racismo estrutural e todos os tipos de violência a que são submetidas as pessoas negras no país, que formam a maior parte da população brasileira (45,3% pessoas pardas, e 10,2% pretas).

Entrevistados pela Agência Brasil valorizam o fato do dia 20 de novembro tornar-se feriado nacional, mas também elencam prioridades que podem ser caminhos de enfrentamento contra as desigualdades e violações de direitos, que devem ir além de uma data.   

Uma das lideranças jovens brasileiras é Wellington Pacífico, de 23 anos, um dos representantes da comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA). Ele sofreu nos últimos anos com os assassinatos do pai (Flávio Pacífico, de 36 anos, em 2017) e da avó (Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, em 2023), que lutavam por políticas públicas e pelos direitos das 2.638 pessoas de 598 famílias que formam a comunidade. 

Casa da Mãe Bernadete, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, assassinada na Bahia. Foto – Janaína Neri.

Wellington entende que uma prioridade importante deveria ser efetivada pelo caminho da educação. “A prioridade da população negra no país é trabalhar para o avanço da Lei 10.639 (que tornou, em 2003,  obrigatória a temática da história e cultura afro-brasileira nas escolas), para que a gente possa ver em cada sala de aula do Brasil essa lei funcionando e os alunos possam construir sua identidade a partir de ancestrais”, defendeu. 

Ele entende que é necessário divulgar que os antepassados foram pessoas que lutaram contra a escravidão. “A gente tem que abrir caminho para a construção da identidade de cada jovem preto que habita esse País”, afirmou Wellington.

O rapaz explica que a maioria dos jovens pretos não herdou privilégios, mas sim uma luta que é contínua. “A gente herdou uma herança de desigualdade e de violência, na qual esse racismo estrutural coloca a gente, como os dominados”. Por isso, ele entende que é necessário responsabilidade de contribuir para a luta. “Nosso objetivo não é esperar. Essa prerrogativa é dos privilegiados (…) A população preta, jovem, tem que pensar e agir”. 

Outro herdeiro da luta de mãe Bernadete é o filho dela, Jurandir Pacífico, de 44 anos, também liderança da comunidade quilombola. Atualmente, ele está sob programa de proteção do Estado brasileiro em função das ameaças que recebe. 

Jurandir Pacífico, filho da Maria Bernadete, líder quilombola assassinada na Bahia. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação 

Ele diz que os desafios do momento incluem o enfrentamento ao racismo estrutural, à desigualdade econômica, à violência policial e à falta de representatividade negra em espaços de poder. Por isso, ele defende que são necessárias ações e políticas públicas efetivas. “É importante lembrar que a luta pela igualdade racial é contínua e exige esforços conjuntos de todos os setores da sociedade. O legado continua”, afirmou. 

Colocada à margem

O professor Ivanir dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reitera que a maior parte da população negra não é tratada como cidadã e foi colocada à margem da sociedade, com menos acesso à saúde e educação, além de mais exposta às violências, inclusive policiais. 

“As instituições brasileiras ainda têm uma visão colonial e imperial na compreensão da participação e do direito dessa população. Isso tem que ser tratado de forma ainda muito séria e de uma forma muito forte no Brasil”, avalia o pesquisador em direitos humanos, racismo e intolerância religiosa. 

O professor acredita que houve conquistas nos últimos anos graças também à participação de representantes do movimento negro na Constituição de 1988. “O movimento negro teve um papel fundamental ao incluir o racismo como crime inafiançável”. Ele recorda ainda que os ativistas, em 1995, levaram ao governo federal uma pauta de reivindicações que acabaram tendo como consequências as primeiras políticas de ação afirmativa, e também nos anos 2000, com as cotas e avanços na educação. 

Professor Ivanir dos Santos. Foto: Arquivo pessoal/Instagram

“O que se observa é que há sempre uma engenharia racista que acaba burlando ou desqualificando esses direitos. Mas, nós vamos ter pela primeira vez esse ano o dia 20 como feriado nacional, que é uma vitória importante. Zumbi é o primeiro heroi construído de baixo para cima no Brasil”, avalia o professor Ivanir dos Santos, que é Babalawô, sacerdote de religião de matriz africana. 

Representatividade

Outra pesquisadora, a professora Waldicéia de Moraes Teixeira da Silva, que é pastora evangélica Wall Moraes, em Brasília, também valorizou a data do 20 de novembro como feriado nacional. Ela diz que a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 levantou um alerta para ativistas políticas sociais do movimento social negro do Brasil: ir além de conquistar políticas públicas por decretos, leis e portarias, mas também criar condições para efetivamente para aumentar a representatividade política. 

Ela lamenta que a maioria das pessoas negras candidatas não consegue se eleger porque não receberam o fundo eleitoral condizente. “Um dos objetivos é sensibilizar, conscientizar e formar pessoas filiadas para se candidatar em condições de ganhar eleições”. 

“Contra o genocídio”

A professora Iêda Leal, de Goiás, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) defende que, de fato, ouidado com os jovens, vítimas permanente de violência, deve ser uma prioridade, e também das mulheres negras. 

Pofessora Iêda Leal é militante do Movimento Negro Unificado. Foto: Iêda Leal/Instagram

Ela também acrescenta que é necessário pensar a criação das cidades antirracistas, colocando como meta a segurança pública, a educação, o trabalho e a geração de renda. “É uma vitória a gente ter um feriado, mas o feriado tem que ser traduzido para toda a população como uma vitória para que a gente possa ter cidades construídas nessa vertente do respeito aos seres humanos”.

Integrante da Articulação Nacional de Mulheres Negras, a jornalista Juliana Gonçalves, avalia que os problemas estruturais dizem respeito à construção política social do Brasil. Isso se revela, segundo contextualiza, com a exploração do trabalho de pessoas negras e também nas violências. “O combate ao que nós chamamos de genocídio do povo negro segue sendo a principal pauta do movimento negro”. 

Ela cita o homicídio de jovens negros pela violência policial e do Estado, como um todo. “A violência vai também se desdobrar no encarceramento, por exemplo, da população negra. “Nós vivemos também um cenário muito negativo quando a gente fala sobre direito das mulheres. sobre combate a políticas que vão fortalecer o feminicídio, o lesbocídio e o transfeminicídio”, aponta.

Também ativista, a diretora do grupo cultural Afroreggae, do Rio de Janeiro, a assistente social Karla Soares diz que ainda é necessário lutar pelo básico. “O básico fundamental que são as nossas garantias de direito da população negra, como a educação de qualidade, oportunidades de trabalho digno e de políticas públicas que promovam a equidade racial”. 

Ela lamenta que unidades educacionais nas favelas chegam a ficar semanas sem ter aulas por causa de operações policiais. “A população que mora dentro dessas áreas de risco é a população negra. A gente sabe como é difícil combater o racismo estrutural e criar caminhos que valorizem a identidade da cultura negra”. Ela acrescenta que a sociedade  não pode tolerar discursos ou práticas que minimizem a gravidade do racismo.

Carta histórica de escravizada está sumida, lamentam pesquisadores

Era só uma folha gasta pelo tempo com um manuscrito. Sem classificação ou identificação do que se tratava, o papel estava misturado a outros documentos reunidos em caixas nas estantes do Arquivo Público do Piauí. O achado do antropólogo Luiz Mott, em 1979 (há 45 anos), ocorreu enquanto ele encarafunchava pastas que poderiam ajudá-lo em sua pesquisa sobre o período colonial. Ao ler o que estava escrito, naquela carta com a data de 6 de setembro de 1770, o pesquisador arregalou os olhos.

Ele descobriu a história de Esperança Garcia, uma mulher escravizada no século 18 que escreveu de próprio punho denúncias e reivindicações, mais de um século antes da Abolição da Escravatura.

Um problema é que o documento original está desaparecido e historiadores entendem que houve descuido com uma carta de valor imensurável para a história do País. De toda forma, com os registros que ficaram, a carta traz recados fortes do passado para o presente da luta das pessoas negras no Brasil. Mott sabia que estava diante de uma preciosidade histórica. Uma mulher escravizada que usava a escrita para denunciar. “Quando eu encontrei esse documento, eu vibrei e me dei conta de que era algo inédito. Não me lembro de ter encontrado manuscritos assinados por pessoas escravizadas”, afirmou Mott em entrevista à Agência Brasil. 

O professor se deu conta que não era um ofício de alguma autoridade com uma linguagem diferente, mas uma carta de uma escrava denunciando os maus tratos para o governador da época e para o administrador das fazendas.

“Passo muito mal”

“Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar que me tirou da fazenda algodões, onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal”. Esse é um dos trechos transcritos da carta. Mott, na ocasião, transcreveu letra por letra. Não havia como copiar nem fotografar.

O pesquisador recorda que colocou a carta dentro de um envelope grande e pardo e  lembra ainda ter anotado para que o arquivo cuidasse bem da joia histórica. “A Esperança Garcia se tornou famosa. Foi feita até uma estátua. Depois, as pessoas disseram que a carta tinha desaparecido. Ninguém sabia onde estava. Chegaram a dizer que ela tinha sido enviada para Portugal. Não tenho a menor ideia de onde está”.

Outro historiador, o professor Mairton Celestino da Silva, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), esteve no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, e também não conseguiu localizar o documento. 

Segundo a assessoria de imprensa do governo do Piaui, em contato com a reportagem, existe uma mobilização para tentar encontrar a carta original, que foi extraviada “há muito tempo” já que teria sido arquivada de uma forma errada. Por esse motivo, os profissionais do  arquivo público ainda teriam conseguido achar.

A comunicação do governo apontou que, na década de 90, havia uma política de liberação do documento para eventos. Em uma dessas exposições externas, o documento teria sido extraviado.

Primeira advogada

O documento escrito por Esperança Garcia garantiu a ela o reconhecimento como primeira advogada brasileira, naquela que seria uma espécie de pedido de habeas corpus movido pela trabalhadora. A decisão da homenagem foi de 2022 pelo Conselho Pleno da Ordem dos Advogados Brasil. Leia mais no site da OAB

Segundo o que foi resgatado, ela trabalhava numa fazenda de jesuítas. “Depois que eles (os religiosos) foram expulsos, Esperança ficou sob a administração do feitor e foi contra esse feitor que ela reclamou e denunciou, dizendo: eu sou um colchão de pancadas”. O professor Luiz Mott prepara uma biografia sobre Esperança Garcia para o ano que vem.

O professor Mairton Celestino, pesquisador da história do século 18, recorda que o documento resgatado auxiliou os trabalhos da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/PI, que geraram o  Dossiê Esperança Garcia: Símbolo de Resistência na Luta pelo Direito. “A ideia não era só apenas formular o dossiê, mas também construir uma série de pautas sobre a escravização, como a inserção do negro e da mulher negra no interior da advocacia brasileira”.

A imagem desenhada de Esperança Garcia foi criada pela comissão da verdade piauiense. A respeito de tentar encontrar o documento, o professor da UFPI entende que é como procurar uma agulha num palheiro.

Registro que indicaria que Esperança Garcia foi identificada como crioula em uma fazenda.  Dossiê Esperança Garcia/Divulgação

“Esse documento se constitui como uma peça fundamental para discussões do racismo, de como se estruturam as desigualdades sociais no Brasil e, principalmente, como esses sujeitos subalternizados reagem não só hoje, como historicamente ao longo das suas vidas”, diz Mairton Celestino.

Temas atuais

O fato de, mesmo escravizada, Esperança Garcia, ter dito “não” foi considerado muito significativo. Ele entende os problemas trazidos pela carta bastante atuais: as violências do Estado contra o povo negro sempre estiveram presentes. “A história da Esperança Garcia é uma porta que se abre para nós da atualidade de que o povo negro brasileiro sempre reagiu a todas as formas de exploração”, diz o professor da UFPI.  

O pesquisador crê que, após a carta, a mulher conseguiu ser transferida para outra fazenda. Mairton encontrou documento que indicaria que uma mulher chamada Esperança era considerada liberta (crioula). “A representação de Esperança Garcia tem muito maior dinâmica com o presente. Esperança Garcia representa as mulheres negras de hoje, as mulheres quilombolas. Essa mulher é exatamente a representação máxima da luta contra as opressões”, avalia o professor piauiense.

O professor da UFPI reflete que Esperança firmou-se como sinônimo de bravura e de luta contra as desigualdades, incluindo as opressões que cercam essas mulheres marcadamente negras. Ele espera que seja cada vez mais divulgado nos livros didáticos em sala de aula sobre quem foi essa mulher que utilizou a palavra para não deixar passar o absurdo.

Carta histórica de Esperança Garcia desaparece e intriga pesquisadores

Era só uma folha gasta pelo tempo com um manuscrito. Sem classificação ou identificação do que se tratava, o papel estava misturado a outros documentos reunidos em caixas nas estantes do Arquivo Público do Piauí. O achado do antropólogo Luiz Mott, em 1979 (há 45 anos), ocorreu enquanto ele encarafunchava pastas que poderiam ajudá-lo em sua pesquisa sobre o período colonial. Ao ler o que estava escrito, naquela carta com a data de 6 de setembro de 1770, o pesquisador arregalou os olhos.

Ele descobriu a história de Esperança Garcia, uma mulher escravizada no século 18 que escreveu de próprio punho denúncias e reivindicações, mais de um século antes da Abolição da Escravatura.

Um problema é que o documento original está desaparecido e historiadores entendem que houve descuido com uma carta de valor imensurável para a história do País. De toda forma, com os registros que ficaram, a carta traz recados fortes do passado para o presente da luta das pessoas negras no Brasil. Mott sabia que estava diante de uma preciosidade histórica. Uma mulher escravizada que usava a escrita para denunciar. “Quando eu encontrei esse documento, eu vibrei e me dei conta de que era algo inédito. Não me lembro de ter encontrado manuscritos assinados por pessoas escravizadas”, afirmou Mott em entrevista à Agência Brasil. 

O professor se deu conta que não era um ofício de alguma autoridade com uma linguagem diferente, mas uma carta de uma escrava denunciando os maus tratos para o governador da época e para o administrador das fazendas.

“Passo muito mal”

“Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar que me tirou da fazenda algodões, onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal”. Esse é um dos trechos transcritos da carta. Mott, na ocasião, transcreveu letra por letra. Não havia como copiar nem fotografar.

Carta histórica de escravizada está sumida – Foto: Dossiê Esperança Garcia/Divulgação

O pesquisador recorda que colocou a carta dentro de um envelope grande e pardo e  lembra ainda ter anotado para que o arquivo cuidasse bem da joia histórica. “A Esperança Garcia se tornou famosa. Foi feita até uma estátua. Depois, as pessoas disseram que a carta tinha desaparecido. Ninguém sabia onde estava. Chegaram a dizer que ela tinha sido enviada para Portugal. Não tenho a menor ideia de onde está”.

Outro historiador, o professor Mairton Celestino da Silva, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), esteve no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, e também não conseguiu localizar o documento. 

Segundo a assessoria de imprensa do governo do Piaui, em contato com a reportagem, existe uma mobilização para tentar encontrar a carta original, que foi extraviada “há muito tempo” já que teria sido arquivada de uma forma errada. Por esse motivo, os profissionais do  arquivo público ainda teriam conseguido achar.

A comunicação do governo apontou que, na década de 90, havia uma política de liberação do documento para eventos. Em uma dessas exposições externas, o documento teria sido extraviado.

Primeira advogada

O documento escrito por Esperança Garcia garantiu a ela o reconhecimento como primeira advogada brasileira, naquela que seria uma espécie de pedido de habeas corpus movido pela trabalhadora. A decisão da homenagem foi de 2022 pelo Conselho Pleno da Ordem dos Advogados Brasil. Leia mais no site da OAB

Segundo o que foi resgatado, ela trabalhava numa fazenda de jesuítas. “Depois que eles (os religiosos) foram expulsos, Esperança ficou sob a administração do feitor e foi contra esse feitor que ela reclamou e denunciou, dizendo: eu sou um colchão de pancadas”. O professor Luiz Mott prepara uma biografia sobre Esperança Garcia para o ano que vem.

O professor Mairton Celestino, pesquisador da história do século 18, recorda que o documento resgatado auxiliou os trabalhos da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/PI, que geraram o  Dossiê Esperança Garcia: Símbolo de Resistência na Luta pelo Direito. “A ideia não era só apenas formular o dossiê, mas também construir uma série de pautas sobre a escravização, como a inserção do negro e da mulher negra no interior da advocacia brasileira”.

A imagem desenhada de Esperança Garcia foi criada pela comissão da verdade piauiense. A respeito de tentar encontrar o documento, o professor da UFPI entende que é como procurar uma agulha num palheiro.

“Esse documento se constitui como uma peça fundamental para discussões do racismo, de como se estruturam as desigualdades sociais no Brasil e, principalmente, como esses sujeitos subalternizados reagem não só hoje, como historicamente ao longo das suas vidas”, diz Mairton Celestino.

Temas atuais

O fato de, mesmo escravizada, Esperança Garcia, ter dito “não” foi considerado muito significativo. Ele entende os problemas trazidos pela carta bastante atuais: as violências do Estado contra o povo negro sempre estiveram presentes. “A história da Esperança Garcia é uma porta que se abre para nós da atualidade de que o povo negro brasileiro sempre reagiu a todas as formas de exploração”, diz o professor da UFPI.  

O pesquisador crê que, após a carta, a mulher conseguiu ser transferida para outra fazenda. Mairton encontrou documento que indicaria que uma mulher chamada Esperança era considerada liberta (crioula). “A representação de Esperança Garcia tem muito maior dinâmica com o presente. Esperança Garcia representa as mulheres negras de hoje, as mulheres quilombolas. Essa mulher é exatamente a representação máxima da luta contra as opressões”, avalia o professor piauiense.

O professor da UFPI reflete que Esperança firmou-se como sinônimo de bravura e de luta contra as desigualdades, incluindo as opressões que cercam essas mulheres marcadamente negras. Ele espera que seja cada vez mais divulgado nos livros didáticos em sala de aula sobre quem foi essa mulher que utilizou a palavra para não deixar passar o absurdo.

Alergia grave: pesquisadores criam 1ª caneta de adrenalina brasileira

Um grupo de pesquisadores brasileiros desenvolveu a primeira caneta de adrenalina autoinjetável do país. A medicação, quando disponibilizada nesse tipo de dispositivo, é aplicada pelo próprio paciente, em casos de reação alérgica grave e potencialmente fatal, quadro médico conhecido como anafilaxia.

De acordo com a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), a adrenalina figura atualmente como o único medicamento disponível no mercado capaz de tratar casos de anafilaxia. O modelo autoinjetável, entretanto, só pode ser adquirido no Brasil por importação, o que torna o custo extremamente elevado.

O pesquisador da Fiocruz e neurofisiologista Renato Rozental fala sobre a 1ª caneta de adrenalina autoinjetável desenvolvida por pesquisadores brasileiros. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O médico Renato Rozental coordena a equipe responsável pela caneta nacional. Em entrevista à Agência Brasil, ele explicou que, apesar de ser o primeiro protótipo brasileiro, não se trata de uma “inovação radical”. “Você encontra essa caneta com facilidade na Europa, na América do Norte, na Ásia, na Oceania”.

“A grande pergunta é: por que demorou tanto tempo pra termos isso acontecendo no Brasil?”, questionou o pesquisador da Fiocruz.

Rozental lembrou que, desde 2018, com a quebra do monopólio, opções genéricas da caneta no mercado externo fizeram com que o preço do dispositivo caísse substancialmente. “Mas continuava exorbitante”.

“Pra quem tem seguro de saúde, caríssimo lá fora, o preço chega a US$ 100. Quem não tem seguro paga até US$ 700. No Brasil, pessoas que têm condições, por meio de processos de judicialização, conseguem importar, mas o preço ainda está nas alturas. Importar uma caneta por R$ 3 mil ou R$ 4 mil é algo fora da realidade brasileira.”

“A maior parte da população brasileira, não apenas via Sistema Único de Saúde (SUS) mas também na rede privada, não tem acesso. O que fizemos foi estruturar, observando canetas já existentes no mercado. O processo é muito rápido. Começamos a conversar no ano passado e já temos um protótipo funcional agora.”

Anvisa

Rozental ressaltou que, há poucos meses, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fechou um acordo de bilateralidade com a agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA). A proposta é agilizar a entrada, no Brasil, de medicamentos já aprovados nos Estados Unidos.

“A Anvisa teria acesso a esses resultados de forma direta, apesar de serem confidenciais. Isso facilitaria muito a aprovação de qualquer dispositivo no Brasil. É um processo que vamos discutir na semana que vem, em Salvador, onde teremos um representante da Anvisa que lida especificamente com isso”, disse, ao se referir ao debate agendado para a próxima sexta-feira (15) no Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia.

“Do nosso lado, teríamos condições de, em 11 meses, ter essa caneta de adrenalina pronta para distribuição no país. Mas vai depender dessa discussão na próxima semana, do reconhecimento e da liberação pela Anvisa. Não está nas nossas mãos.”

Anafilaxia

À Agência Brasil, o presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), Fábio Chigres, alertou para um “aumento exponencial” de alergias no Brasil – incluindo casos de anafilaxia.

“Há 30 anos, em hospitais públicos especializados no tratamento de alergia, referência para esses casos, a gente via oito ou dez casos por ano de crianças com alergia a leite de vaca. Hoje, vejo isso em uma semana”.

Fábio Chigres, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). – Fábio Chigres/Divulgação

Segundo ele, os alimentos figuram, no país, como a principal causa de alergia entre crianças – sobretudo leite e ovo. “Não é lagosta ou algo que se come eventualmente”, destacou.

“E essa criança com alergia alimentar fica muito mais exposta na rua do que quando está dentro de casa. Com isso, a qualidade de vida de toda a família fica muito ruim. Eles vivem esperando uma reação grave. Temos casos de crianças que caminham pela sessão de laticínios do mercado e têm reação”.

Já entre adultos, a principal causa de alergia, de acordo com Chigres, são medicamentos – sobretudo analgésicos e anti-inflamatórios, remédios que sequer exigem pedido médico no ato da compra. Antibióticos também respondem por um número considerável de casos de alergia na população adulta, além de alimentos como crustáceos e mariscos.

“No caso específico da anafilaxia, trata-se de uma reação alérgica muito grave e que se desenvolve rapidamente”, disse. “Essa reação causa choque anafilático, uma queda de pressão abrupta e muito grande, que faz com que o sangue não circule pelo corpo e não chegue ao cérebro. O organismo libera uma substância chamada histamina, que causa uma reação generalizada e pode afetar pele e pulmão, além de causar broncoespasmo e edema de glote, fechando as vias aéreas superiores.”

“A adrenalina reverte todos esses sintomas. Se eu começo a ter uma reação dessa e aplico a adrenalina, no prazo de um a cinco minutos, reverto quase totalmente o quadro de anafilaxia – ou permito que essa pessoa vá ao hospital completar o tratamento”, destacou Chigres.

“Não é só sobre o acesso à adrenalina. Preciso de um dispositivo que facilite o uso. E a caneta brasileira pode ser aplicada, na parte lateral da coxa, por uma pessoa que não tem formação em saúde.”

Segundo Chigres, a estimativa é que a caneta de adrenalina autoinjetável desenvolvida por pesquisadores brasileiros chegue ao mercado nacional custando em torno de R$ 400.

“Nem no recreio”: pesquisadores da educação criticam celular na escola

O uso por crianças e adolescentes do telefone celular nas escolas deve ser evitado porque gera riscos e prejuízos, tanto de aprendizagem como emocionais. Essa é uma opinião dividida por especialistas na educação, como os professores Claudia Costim (ex-diretora de educação do Banco Mundial), Luciano Meira (especialista em gameficação) e Rossandro Klinjey (psicólogo e que faz palestras sobre educação emocional). Eles foram ouvidos sobre o assunto pela reportagem da Agência Brasil.

Os três pesquisadores estão em diferentes atividades no REC’n’Play, evento de tecnologia no Recife. O tema da proibição dos celulares em sala de aula encontra-se em tramitação no Congresso Nacional. Inclusive, o projeto de lei que trata sobre o tema foi aprovado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados na semana passada

“É preciso brincar”

A professora Claudia Costim argumenta que crianças e adolescentes não têm ainda o córtex pré-frontal maduro para ter autorregulação sobre o dispositivo eletrônico. 

“Especialmente no ensino fundamental, eu entendo que não se deveria usar celular na escola. Nem no recreio. Porque também faz parte da aprendizagem da criança e do adolescente viver em sociedade, brincar ao ar livre”, defendeu.

A ex-diretora de educação do Banco Mundial ponderou que seria preferível que fossem utilizadas outras ferramentas que não são portáteis, como o notebook ou o tablet para usar em finalidades pedagógicas. “Além disso, é importante que os pais regulem o celular em casa para não atrapalhar tanto o sono de crianças e adolescentes”.

“Muitos professores estão se queixando que as crianças chegam exaustas em sala de aula e não interagem com seus colegas. Eu sou a favor da proibição e uso só como ferramenta assistiva no caso de crianças com deficiência para determinadas finalidades”, disse Claudia Costim.

Não adianta só proibir

O professor Luciano Meira, que também é psicólogo e atua na Universidade Federal de Pernambuco nas áreas de educação, inovação e empreendedorismo, aponta que, no geral, é positivo o projeto de proibir o celular em sala de aula. “Mas não há uma estratégia pedagógica adequada”. Ele avalia que não existem recursos nem uma política de formação docente para usar de forma pedagógica os dispositivos móveis. 

O pesquisador considera que a proibição é uma forma inclusive de se apoiar as famílias que estariam perdidas diante da invasão do celular no dia a dia dos filhos.

“Mas, ao mesmo tempo, você concorre para o aumento da desigualdade. Às vezes, a escola é o único lugar onde muitas crianças teriam acesso a tecnologias digitais sofisticadas. E, com a proibição, isso as afasta das redes de ensino e da possibilidade de capturar artefatos digitais. Não adianta só proibir”.

No entender do pesquisador, a proibição pode ser interessante se o uso pedagógico for apoiado por políticas públicas que façam sentido.

Controle do tempo

Para o professor e psicólogo Rossandro Klinjey, não há mais dúvidas de que o celular em sala de aula traz impactos negativos.

“A gente não precisa demonizar, mas controlar o uso e o tempo disso fora da sala de aula. Isso é fundamental. Tanto que entendo que já existe um consenso sobre isso”.

Se o celular não deve ser utilizado, a educadora Claudia Costim entende que as tecnologias de inteligência artificial devem ser trazidas para a sala de aula com o objetivo de começar a ensinar o uso de uma maneira mais pedagógica. “É o momento de ensinar a navegar com segurança nas redes sociais. Então, há algum uso que pode acontecer no ensino fundamental e na educação infantil”, diz a professora. 

Formação de professores

Para ela, a inteligência artificial apresenta ameaças e oportunidades. “Ameaças de extinção acelerada de muitos postos de trabalho e de usos não éticos dos dados e das imagens. Por isso, regulação é muito importante”. 

Por outro lado, a educadora entende que pode ser uma ferramenta muito poderosa para ajudar a estruturar o pensamento. “É fundamental formar os professores para o uso da inteligência artificial e depois eles poderem trabalhar com usos interessantes com seus alunos”, afirmou.

* O repórter viajou a convite do Porto Digital

Celular em sala desafia dia a dia de professores, dizem pesquisadores

“Alguém ficou com alguma dúvida?”, “Gostaria de acrescentar algo?”, “Querem que eu retome alguma ideia?”. O silêncio que atravessa a sala de aula, durante e depois dessas perguntas comuns, costuma funcionar como um banho de água fria para o professor.

Ao virar da lousa em direção aos alunos, para entender o silêncio daquele momento, o professor descobre que os alunos já largaram os cadernos e estão com os celulares nas mãos, já em outro mundo.

Neste Dia dos Professores (15), é possível que muitos profissionais quisessem de presente uma receita para resolver essa questão e ter uma rotina e interação mais saudável com os alunos.

Pesquisadores em educação consideram que o uso de celulares em sala é, de fato, um dos maiores desafios para melhorar as aulas. E fazem um alerta: é preciso haver condições e oferecer capacitação aos docentes para isso. 

Para o professor Gilberto Lacerda dos Santos, do Departamento de Educação da Universidade de Brasília (UnB), essa atividade profissional atua entre dois ritmos: olhar para trás e garantir os saberes acumulados, mas com a necessidade também de olhar para frente, e integrar as tecnologias recentes de forma sedutora.

Formação

Lacerda dos Santos entende que a chave para essa questão pode estar na formação inicial e educação continuada que deve ser oferecida aos professores diante de tantos desafios.

Por isso, ele defende políticas públicas que garantam essa formação e apoio: “a sala de aula não pode estar desconectada dos nossos dias. Os professores precisam ser valorizados. Eles representam o cartão de visitas de uma instituição de ensino. São os profissionais que vão formar os cidadãos”. 

O professor da UnB é pesquisador visitante em Paris, no Museu de História Natural da França, onde estuda o desenvolvimento de tecnologias educativas para educação dos professores. Ele testemunha que os desafios no Brasil são semelhantes aos da Europa em relação ao uso de tecnologias em sala de aula. “Aqui se considera a docência uma carreira de Estado, como a dos militares, diplomatas e funcionários públicos”.

Epidemia

Para o pesquisador Fábio Campos, do Laboratório de Aprendizagens Transformadoras com Tecnologia, da Universidade de Columbia (EUA), a presença do celular em sala de aula é desafiadora.

“Temos falado muito do telefone por conta dessa epidemia do celular na sala de aula. Não basta só uma lei proibindo os celulares. A gente precisa dar um norte para como se usa isso de uma forma um pouco mais virtuosa na sala de aula.”

Ele lamenta que seja necessário uma lei de proibição. O pesquisador identifica um movimento mundial recomendando o não uso do aparelho em vista também dos problemas crescentes de saúde mental, como ansiedade e depressão. “Por mais que eu ache que é um fracasso social, a gente tem que proibir”.

Fábio Campos defende que o assunto precisa ser mais discutido e aperfeiçoado. “A gente passou por uma pandemia em que todo mundo teve que recorrer às tecnologias digitais para ter algum tipo de experiência de aprendizagem. E mesmo depois disso tudo, o Brasil não investe em ter uma política nacional de uso da tecnologia na educação. É triste”.

Riscos

Em agosto deste ano, a última pesquisa TIC Educação, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), mostrou que seis em cada dez escolas de ensino fundamental e médio adotam regras para uso do telefone celular pelos alunos, permitindo que o aparelho seja usado apenas em determinados espaços e horários. Em 28% das instituições educacionais, o uso do dispositivo pelos estudantes é proibido.

Em 2023, a Unesco divulgou o Relatório de Monitoramento Global da Educação que discutiu o papel das tecnologias e os malefícios de exposições prolongadas a telas.