Skip to content

Ideia de superioridade militar dá margem a golpismo, diz pesquisadora

O Exército Brasileiro é um ator político extremamente relevante na história brasileira. Militares dessa força armada instituíram a República (1889), foram protagonistas na Revolução de 1930 que pôs fim à República Velha, depuseram Getúlio Vargas (1945) e estabeleceram a longeva ditadura iniciada em 1º abril de 1964 com o golpe contra o presidente João Goulart (1919-1976).

A quase onipresença dos militares sempre foi objeto de estudos de historiadores e cientistas sociais brasileiros e estrangeiros. Com o governo de Jair Bolsonaro, acadêmicos, intelectuais e jornalistas voltaram a refletir sobre o papel dos militares no país. Com a tentativa de golpe apurada pela Polícia Federal e em análise na Procuradoria-Geral da República, especialistas indagam sobre a formação dos militares – como, por exemplo, construíram as noções e valores sobre democracia e Estado de Direito.

A cientista política Ana Amélia Penido lançou livro sobre a formação dos militares – Ana Amélia Penido/Arquivo pessoal

A educação dos militares brasileiros é objeto de estudo da pós-doutoranda em ciências políticas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ana Amélia Penido Oliveira. A pesquisadora está lançando o livro Como se Faz um Militar? A Formação Inicial na Academia Militar das Agulhas Negras de 1995 a 2012, pela Editora Unesp.

Em entrevista à Agência Brasil, a pesquisadora aponta que no Brasil existem quatro sistemas de ensino – um do Exército, um da Marinha, um da Aeronáutica e um civil – e que somente este último é subordinado ao Ministério da Educação (MEC). “A educação militar tem que ser subordinada ao mesmo sistema de ensino que os civis”, defende.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida pela autora à Agência Brasil:

Agência Brasil: Professora, quando vieram a público os indícios do envolvimento de militares de alta patente do Exército na tentativa de golpe após as eleições de 2022, alguns analistas apontaram que há problemas na formação acadêmica e profissional dos quadros das Forças Armadas. Segundo eles, isso se demonstraria em visões de mundo bastante particulares. Em algum momento, a senhora percebe reflexos dessa maneira peculiar de enxergar a realidade na tentativa de golpe?
Ana Amélia Penido: Eu acho que tanto a tentativa de golpe quanto a resistência ao golpe têm relações com a formação, sobre como as escolas militares funcionam. A formação militar é distinta da civil em muitas dimensões. Talvez a principal delas seja a dimensão do internato, eles têm todo tempo controlado pela escola. Dormem na escola e acordam na escola. Não têm margem de autonomia para escolher o que vão fazer, a que horas vão fazer. Toda a rotina é controlada. Quando entram na escola militar, passam a ter outro nome, o nome de guerra. Eles recebem fardamento e têm o cabelo cortado. A essência das escolas militares não é aula de balística ou de outra matéria. Como explica o professor [e antropólogo] Celso Castro, a essência do ensino militar é aprender como ser um militar.

Resulta disso a questão: o que é esse militar em uma democracia, se a construção da identidade como tal é baseada na diferenciação do civil? Aprendem ‘ser militar é assim, ser civil é assado.’ Depois desse processo de diferenciação, cria-se o sentimento de superioridade: ‘ser militar é assim, e é melhor do que ser civil, que é assado.’ Isso às vezes vai surgir em comentários supersutis. Vou dar um exemplo que é corrente, eles dizem que, ‘nas universidades públicas, os banheiros estão todos pichados’ e que ‘ninguém cuida do espaço, tem rabiscado na parede. Aqui [na escola de formação militar] não, está tudo limpinho, branquinho, pois as pessoas cuidam do ambiente em que elas estão.’ Esse não é um comentário apenas sobre as diferenças. É um comentário valorativo. Implícita está a ideia de que o civil é inferior ao militar na capacidade de cuidar do espaço em que está.

Agência Brasil: Mas como isso deriva no golpismo?
Ana Amélia Penido: O que pode abrir espaço para o golpismo é a ideia de superioridade, que se desdobra na ideia de que ‘tenho os meus valores, a minha forma de organização, a minha maneira de ver o mundo, e essa minha maneira deve ser imposta ao restante. Porque ela é melhor.’ As escolas militares são espaço de autorreprodução simbólica. Por isso, toda vez que ouço algum comentário no sentido de ‘ah, mas as novas gerações são diferentes das antigas’, eu falo: ‘muita calma nessa hora.’ A essência, essa forma de organização, esses valores, essa distância entre o mundo civil e o mundo militar, se mantém.

Agência Brasil: A senhora pesquisou a formação dos oficiais do Exército Brasileiro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Na Marinha e na Aeronáutica, o golpismo seria diferente?
Ana Amélia Penido: Eles são diferentes na própria formação. Isso não é só no Brasil. Em outros países, também. Normalmente, a Marinha e a Aeronáutica são mais próximas dos civis, principalmente por causa da dimensão tecnológica. Essas duas forças precisam de muita tecnologia em seus navios, submarinos e aviões. Esses recursos exigem capacitação civil muito grande, principalmente nas áreas de engenharia. Isso acaba por forçar maior interlocução civil-militar. Se a gente fosse pensar nessa lógica, uma receita para evitar o golpismo seria ter mais esse tipo de interlocução, onde civis e militares se encontram para conversar, construir coisas em comum e ter desafios reais em conjunto, como o desenvolvimento de tecnologia nacional, onde um grupo não pode desenvolver sem o outro.

Agência Brasil: Em um artigo acadêmico, a senhora e as demais autoras chamam a atenção para o fato de que as disciplinas de ciências exatas são minoritárias no currículo da Aman. Perdem para as disciplinas de ciências humanas e perdem de goleada para as chamadas ciências militares.
Ana Amélia Penido: Sim. Por isso eu fiz essa digressão sobre a Marinha e a Aeronáutica. O caso da Aeronáutica é ainda mais distinto, porque eles se formam como aviadores e também vão se formar como administradores. É outro perfil mesmo. Com relação ao Exército, a Aman quantifica tudo. Para se formar lá, o número de horas-aula é maior do que o necessário para se formar em medicina na USP ou na Unicamp. O tempo das disciplinas de ciências humanas aumentou por causa da aprendizagem de idiomas. Geralmente, quem fala em mudança de currículo da formação dos quadros do Exército está falando naquelas horas-aula específicas em que o aluno está sentado na cadeira em sala de aula ou em uma palestra. Essas pessoas costumam pensar que, se incluir direitos humanos ou uma disciplina sobre relações civis-militares, esse problema do golpismo vai estar resolvido. Não é bem assim. Eles estudam direito humanitário internacional, por exemplo.

Para entender como um militar se torna um militar, como aprende sobre hierarquia, e sobre ter disciplina, é preciso levar em consideração outras atividades de que os cadetes participam enquanto estão na Aman. Vou dar um exemplo. Todo mundo já deve ter assistido ou tem em mente aqueles momentos em que hasteiam bandeira ou marcham pra lá e pra cá. A repetição desses atos e exercícios não é porque não saibam marchar. Faz parte desse processo de aprender hierarquia e disciplina. Estão aprendendo o que é ser o militar. Como disse, se não me engano, o professor Celso Castro, ‘é quase uma segunda pele’. Eles não deixam de ser militares nem quando são reformados – na linguagem civil, quando se aposentam. É uma segunda pele que adquiriram depois de anos de convivência nos quartéis.

Agência Brasil: A senhora afirmou que tanto a tentativa de golpe quanto a resistência ao golpe têm relações com a formação. Em que medida o corporativismo incorporado influenciou nas duas atitudes?
Ana Amélia Penido: Nas escolas militares, os alunos são submetidos a situações extremamente difíceis, tensas e fisicamente desgastantes, como ficar muitas horas sem dormir, fazendo guarda, ou fazer longas caminhadas e marchas de dias, até sob chuva. Nessas situações, constroem laços de camaradagem fortes. Quando o Bolsonaro convocou quadros para o governo, trouxe gente da turma com quem conviveu na Aman [no período de 1974 a 1977]. É uma turma mesmo. As turmas formadas na Aman têm encontros anuais. São laços e vínculos muito fortes. Independentemente de onde forem servir durante a carreira militar, vão carregar isso para o resto da sua vida. Os kids pretos não são apenas egressos de um curso de operações especiais. Os kids pretos são um código de comunicação que gera identidade automática. Passaram por experiências muito difíceis, isso os torna diferenciados. É um grau de familiaridade, de identidade que vai para além do curso.

O que aprendem em aula ou em palestra tem dimensão secundária na formação dos militares. A dimensão principal é essa da identidade, que é formada dentro das academias. Depois desse sentimento de diferenciação, há o sentimento de superioridade, e aí, por fim, alguns grupos podem ser levados a pensar essa lógica: ‘já que eu sou melhor, então deixa eu te ensinar como é que faz.’

Agência Brasil: A sociedade deveria se preocupar com o que se aprende nas escolas militares? Os currículos deveriam ter o crivo do Ministério da Educação?
Ana Amélia Penido: Eu entendo que não só os currículos. A educação militar tem que ser subordinada ao mesmo sistema de ensino que os civis. No Brasil, a gente tem quatro sistemas de ensino. Um do Exército, um da Marinha, um da Aeronáutica e um civil. Somente este último é subordinado ao MEC. Essa autonomia foi garantida na Constituição Federal e referendada na Lei de Diretriz e Bases da Educação Nacional. Se não me engano, o [historiador] José Murilo Carvalho usava expressão ‘uma nação dentro da nação’ para enfatizar que os militares se organizam autonomamente.

Agência Brasil: A formação dos militares superlativiza o papel do Exército na história do Brasil? Por exemplo, aprendem que o Exército teria se originado ainda no tempo de colonização portuguesa, no século 17, quando os holandeses foram expulsos do Brasil?
Ana Amélia Penido: Isso está nos documentos do Exército. O nascimento da força com a Batalha de Guararapes. [A primeira batalha teria ocorrido em 19 de abril de 1648. Dia 19 de abril é Dia do Exército.] Há o mito, inclusive, de que o negro, o indígena e o branco português se uniram para poder expulsar o invasor holandês. Nesse caso, está amplamente comprovado que essa memória foi inventada posteriormente quando se precisava, na verdade, dar um significado para o Exército. Essa memória tem uma função fundamental, que é mostrar que o Exército nasceu antes do Brasil. Além de superiores, os militares seriam anteriores, seriam fundadores na nação. Seriam a única instituição nacional que é permanente.

Eles conseguem inventar tradições de uma maneira incrível. Guararapes é um exemplo, mas vamos pegar a Aman. Qualquer força armada do mundo quer se mostrar moderna, mas a Aman foi construída no formato de um castelo. Os castelos foram um meio de defesa do período medieval. Funcionou enquanto não tinha pólvora. A edificação, no entanto, remete à ideia de tradição. O novo e o velho no Exército Brasileiro se combinam. Os militares podem participar de uma superdiscussão sobre o uso de drones e, ao mesmo tempo, ter gente referendando a tortura, enquanto tática de extração de informações. Temos uma força querendo atuar globalmente através das missões de paz, mas que, ao mesmo tempo, constrói um castelo.

Agência Brasil: Em um artigo acadêmico, a senhora e as suas colegas discutem se o nosso oficialato é exatamente uma representação da população brasileira, como descreve a Estratégia Nacional de Defesa. Qual é o perfil dos nossos oficiais do Exército?
Ana Amélia Penido: Quando o Exército fala que [é] a imagem da nação, é a imagem inclusive classista. Quem se torna oficial são as camadas médias e altas da população, não as altíssimas. Quem faz serviço militar obrigatório nesse país é pobre. O oficial normalmente é uma carreira pública, com bons vencimentos. Os praças [soldados, cabos, sargentos, subtenentes] têm origem em famílias que enxergam no recrutamento militar obrigatório uma forma de garantir aos seus filhos a alimentação básica.

Agência Brasil: Um estudo do Ipea aponta um forte alinhamento entre Brasil e os Estados Unidos em cooperações militares. Que influência têm as Forças Armadas norte-americanas sobre nossa defesa?
Ana Amélia Penido: Eu tenho um artigo em que dialogo com esse estudo. Essa influência é profunda, vem desde a Segunda Guerra Mundial. Ela ocorre por meio de cursos, por meio de parcerias e cooperações. É um nível de dependência enorme. Não apenas em termos materiais, no fornecimento de equipamentos. É um nível de dependência doutrinário. Pensamos a guerra da mesma forma. Eventualmente, aparece uma ou outra dissidência.

A gente viu isso, por exemplo, quando os Estados Unidos estavam levando a cabo a guerra contra o terror [após o 11 de setembro, no governo George W. Bush] e aqui no Brasil alguns segmentos estavam reticentes. Aí os próprios Estados Unidos deram uma repaginada, e para a América Latina predominou a guerra contra as drogas. Passamos a partir daí a empregar os militares cada vez mais domesticamente. Recentemente, [em] uma pesquisa na Aeronáutica sobre com quais países o Brasil deveria se articular, a resposta unânime eram os Estados Unidos e em segundo lugar Israel. A China sequer foi mencionada, embora tenhamos um acordo de cooperação aeroespacial com os chineses há mais de 30 anos.

Apenas 5% dos recursos dos oceanos são conhecidos, diz pesquisadora

O Aquário Marinho do Rio de Janeiro (AquaRio) finaliza, nesta quinta-feira (21), a série de rodas de conversa AquaEduca – Saberes dos Povos do Mar, Juventudes e Comunidades Tradicionais. A iniciativa integra a campanha Manguezal: Berçário de Vida. Localizado no bairro da Gamboa, no Rio, desde agosto o espaço realiza debates onde são tratados temas como turismo sustentável, conservação ambiental e o papel das comunidades tradicionais na proteção dos manguezais. 

“Estamos na década dos oceanos, mas entendemos que a pesquisa oceanográfica tem poucos resultados. Conhecemos apenas 5% do que os oceanos têm e podem nos proporcionar de recursos benéficos, então, dentro dessa premissa, entendemos que a preservação e a conservação desse bem maior são necessárias através da troca de conhecimentos científicos e saberes”, disse, à Agência Brasil, a pesquisadora da Organização Não Governamental (ONG) Guardiões do Mar, Carolina Waite. “É a partir dessa fusão de saberes e conhecimento que chegaremos à conservação sustentável desse ambiente”, acrescentou. 

Em novembro, o tema em destaque é denominado Conexões do Mangue: Lideranças Tradicionais de Pescadores e Catadores de Caranguejo da Baía de Guanabara. Sob mediação de Waite, o encontro reúne Rafael dos Santos (Associação de Caranguejeiros e Amigos dos Mangues de Magé), Aucendino Ferreira (Associação Luthando Pela Vida) e Alaildo Malafaia (Cooperativa Manguezal Fluminense). Em foco, o papel das comunidades locais na preservação das áreas de mangue.

“Dentro desse contexto, as pessoas que vivem e moram mais próximas desse território têm um conhecimento sustentável, um conhecimento local, que pode subsidiar as políticas públicas para a melhoria e para a conservação desse ecossistema tão importante”, destaca a pesquisadora. 

Campanha

Lançada em 2024 com apoio da Rede Nós da Guanabara e do Projeto do Mangue ao Mar – iniciativa da ONG Guardiões do Mar – e utilizando convênio da Petrobras Transporte S.A (Transpetro), a campanha promove a aproximação da sociedade dos ambientes costeiros a partir de atividades internas e externas, destacando a importância da conservação dos manguezais e das comunidades tradicionais que vivem ao seu redor.

Os manguezais são ecossistemas costeiros formados na transição entre a terra e o mar. Segundo Waite, esses ambientes são berçários naturais para uma variedade de espécies da fauna e da flora, além de desempenhar um papel importante no equilíbrio da temperatura global, por serem “ótimos sequestradores de carbono”, ou seja, absorvem e armazenam o dióxido de carbono presente na atmosfera. O gás é o principal causador do efeito estufa.  

Atualmente, no entanto, esses territórios enfrentam  ameaças devido à ação humana, com a exploração de recursos naturais, a expansão urbana, a pressão da pesca industrial e o descarte inadequado de resíduos.

Benefícios

“Os manguezais são importantes porque nos fornecem muitos serviços ecossistêmicos, serviços benéficos. Dentro disso, ele é o berçário da vida, como o próprio nome da campanha diz, e influencia diretamente na sociobiodiversidade”, explica a pesquisadora. Acrescenta que, além da relevância para o ciclo de vida da maioria das espécies marinhas, os manguezais também se relacionam diretamente à cadeia produtiva das comunidades tradicionais que sobrevivem do comércio de recursos pesqueiros.

“A importância está intimamente relacionada à questão da cadeia produtiva porque os manguezais estão intimamente ligados à biodiversidade marinha e, consequentemente, ao sustento dessas famílias que dependem exclusivamente desse ambiente para sua subsistência”, diz Carolina Waite. 

Apesar do encerramento do ciclo de conversas, a campanha continua até janeiro de 2025 com uma instalação imersiva na entrada do AquaRio, onde os visitantes podem interagir com representações dos ecossistemas de Restinga, Manguezal e Mar Aberto. Três salas educativas, chamadas Fontes de Conhecimento, integram o circuito, oferecendo experiências interativas para o público.

*Estagiária sob supervisão de Mariana Tokarnia

Aliança Global pode reduzir fome de forma expressiva, diz pesquisadora

A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada nesta segunda-feira (18) na cúpula do G20, no Rio de Janeiro, é uma iniciativa inédita que tem o potencial de reduzir a fome no mundo de forma expressiva, mas é preciso manter os países engajados no tema. A avaliação é da pesquisadora da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) Rosana Salles. 

Brasília (DF), 18/11/2024 – Pesquisadora da Rede Penssan Rosana Salles. Foto: – Zô Guimarães/Divulgação Rede Penssan

“Esse pacto entre os países e os bancos internacionais torna possível reduzir a fome. Ainda não dá para estimar quantos milhões a gente precisa para reduzir a fome daqui até 2030, mas por se tornar uma pauta internacional é possível reduzir expressivamente a fome do mundo. Não tenho dúvidas com relação a isso”, afirmou a especialista.

Porém, Rosana ponderou que é preciso saber como a plataforma será desenvolvida e se os governos vão continuar engajados na Aliança que reúne 82 países, a União Africana, União Europeia, nove bancos internacionais e dezenas de organizações sociais, somando, ao todo, 148 membros fundadores.

“A gente tem que aguardar o ano que vem, ver como é que vai ser essa articulação internacional”, disse Rosana Salles, acrescentando que é fundamental articular o combate à fome às mudanças climáticas devido aos impactos do aquecimento da terra nos sistemas alimentares.

Financiamento

Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Aliança tem o potencial de atrair a atenção política para o papel dos agricultores familiares na luta contra a fome, mas critica a ausência de novos anúncios de financiamentos e a baixa participação dos camponeses na Aliança.

“É decepcionante que hoje não tenha sido anunciado nenhum novo financiamento e que, até agora, apenas um dos 147 membros represente os agricultores. Os pequenos agricultores familiares receberam apenas 2% (US$ 2 bilhões) do financiamento público internacional para o clima em 2021, uma fração dos US$ 368 bilhões que os pequenos produtores estão investindo em adaptação com seus próprios e limitados recursos”, destacou Alberto Broch, vice-presidente da Contag.

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) anunciou financiamento de US$ 25 bilhões para a Aliança, o equivalente a cerca de R$ 140 bilhões.  Além disso, o Banco Mundial será parceiro da plataforma, contribuindo com dinheiro não reembolsável e empréstimos com juros baixos e prazos adequados, segundo informou o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias. Porém, ainda não foi estimado o montante total destinado à Aliança. 

A falta de novos financiamentos também foi criticada pela organização não governamental Global Citizen. Apesar disso, a vice-presidente de advocacy global da instituição, Friederike Röder, destacou que a iniciativa é mais importante agora do que nunca devido ao aumento da fome no mundo pós-pandemia.

“Desde a pandemia, a fome global quase dobrou, com poucos avanços desde então. Já faz anos que a questão da fome foi discutida de forma destacada pelos líderes do G20. Embora a liderança brasileira seja louvável, é decepcionante ver que outros membros do G20 não enfrentaram o desafio, sem fazer nenhum novo anúncio ou compromisso. Assim, a Aliança não conseguirá alcançar 500 milhões de pessoas até 2030”, enfatizou Friederike.

Soberania Alimentar

Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil organizada no G20 Social, que antecedeu a cúpula do G20, destacaram a necessidade de se priorizar a soberania alimentar para enfrentar a fome. Na declaração entregue aos chefes de Estado na cúpula, os movimentos pedem o fortalecimento da soberania alimentar dos países.

Diferentemente do conceito de segurança alimentar, que enfatiza o acesso aos alimentos, o conceito de soberania alimentar enfatiza a produção desses alimentos, priorizando o mercado interno com o controle social da produção. O conceito surge a partir da Via Campesina, organização que reúne movimentos do campo de todo o mundo.

Para a especialista da Rede Penssan, Rosana Salles, é fundamental promover a produção de alimentos voltada ao mercado interno “porque você empodera o pequeno produtor nos países e reduz a importação. Além disso, quando você aumenta a produção de alimentos via produção campesina, você tem mais alimentos orgânicos, que é onde sai mesmo a produção de frutos e vegetais da nossa população”, comentou.

Fome

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que entre 713 milhões e 757 milhões de pessoas podem ter enfrentado a fome em 2023 – uma em cada 11 pessoas no mundo, e uma em cada cinco na África.

A Aliança Global espera alcançar 500 milhões de pessoas em todo o mundo e a adesão à iniciativa está aberta desde julho deste ano. Os países podem aderir a qualquer momento. Além dos países do G20, aderiram à iniciativa nações como Uruguai, Ucrânia, Suíça, Nigéria, Angola, Colômbia, Jordânia, Líbano, entre outras. A expectativa é que a estrutura de governança da Aliança esteja pronta até 2025.

A iniciativa promovida pelo Brasil busca criar uma plataforma independente internacional para captar recursos para financiar políticas de transferência de renda em países de renda baixa ou média-baixa.

Materiais de energia limpa podem ser problema futuro, diz pesquisadora

Não se pode desenvolver novas tecnologias sem pensar qual será o destino desses materiais após a vida útil. O alerta da pesquisadora e professora Beatriz Luz, que é presidente do Instituto Brasileiro de Economia Circular, reforça uma preocupação que deve ser tema da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em novembro do ano que vem.

Na semana passada, durante o festival de tecnologia REC’n’Play, no Recife, a pesquisadora organizou o Brazilian Circular Hotspot, que chamou a atenção para a lógica da reciclagem: “a mensagem da circularidade é que não se pode desenvolver também novas tecnologias sem pensar no que acontece depois com os materiais”.

Como exemplo, ela cita paredes eólicas e painéis solares, que são considerados geradores de energia limpa, mas que exigem um planejamento para após a vida útil dessas tecnologias:

“A nossa proposta é promover esse olhar amplo, mostrar para as pessoas que tudo está integrado”.

Para ela, o tema da economia circular pode alavancar as discussões sobre o combate às mudanças climáticas. Ela avalia que ações para reutilizar, recuperar e reciclar materiais e energia devem pautar as discussões de forma urgente. “Essa é uma estratégia para a regeneração do planeta, a proteção da biodiversidade e a redução da poluição e dos resíduos”, explica.

Modelo mental

Para ela, a transição para a economia circular requer uma mudança no “modelo mental”, na forma de produzir e de consumir, incluindo o modo como a sociedade se relaciona com produtos e serviços.

“É importante ter o engajamento do poder público criando diretrizes favoráveis a esse novo modelo de negócio, com incentivos para produtos circulares”.

Além disso, ela defende a necessidade de a indústria se engajar e perceber as possibilidades e oportunidades de trabalhar com diferentes materiais recicláveis. A pesquisadora explica que o tema virou lei em países europeus, onde os produtores de energia têm de se responsabilizar por todos esses equipamentos necessários para distribuir essa energia renovável.

“Se não for assim, a gente vai mudar um problema de um lugar para o outro. A gente vai eliminar o problema do combustível fóssil e gerar outro problema”.

Financiamento

O economista ambiental alemão Arno Behrens, do Banco Mundial, também participou do evento de tecnologia e defendeu a necessidade de financiamento dos bancos multilaterais para ações de circularidade.

“Não faz sentido que o tema das mudanças climáticas esteja na mente de todos, mas o da economia circular nem tanto”.

Ele defendeu que políticas de economia circular são essenciais para atingir metas climáticas. “Elas podem contribuir para reduções adicionais das emissões de CO₂ provenientes da queima de combustíveis fósseis em mais de 7% até 2030”, disse.

Holofote para a região

Outro especialista estrangeiro em economia circular e sustentabilidade, o finlandês Kari Herlevi disse que o Brasil deve servir como um “holofote para as demais nações da região, para destacar o poder da inovação local”.

Ele avaliou que o evento no Recife também reforçou a preparação para a COP30, em Belém, no ano que vem.

“O Brazilian Circular Hotspot surge como um ponto estratégico de inovação e sustentabilidade, destacando as soluções brasileiras e tropicais que podem inspirar o mundo”.

 

Mudanças climáticas agravam insegurança alimentar, diz pesquisadora

A relação direta entre a fome e as mudanças climáticas foi debatida por pesquisadores que se reuniram na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) nesta semana, no 6º Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, que termina nesta sexta-feira (13). Coordenadora do evento e professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro, da UERJ, Rosana Salles da Costa explica que a insegurança hídrica, por exemplo, pode ser uma consequência das mudanças climáticas que também reduz o acesso à alimentação saudável.

“A segurança alimentar se relaciona a diversas questões. Podemos colocar como uma delas as mudanças climáticas com, por exemplo, o prejuízo no acesso à água em quantidade e qualidade”, explicou à Agência Brasil. “Estamos debatendo no país a questão da segurança hídrica, que, com as mudanças climáticas e as queimadas que estão acontecendo, acaba prejudicando várias áreas de plantio de alimentos produzidos para o consumo nacional”.

A professora ressalta também ser importante observar o aumento do preço dos alimentos, resultado de uma sequência de acontecimentos que dificultam o acesso à alimentação. “Uma vez que você prejudica o plantio e o cultivo de alimentos destinados ao consumo da nossa população, infelizmente, o preço também é afetado. A partir daí, temos que pensar em políticas públicas e em como reverter os efeitos das mudanças climáticas, porque elas estão presentes e temos que pensar agora em como vamos enfrentar as dificuldades relacionadas à segurança alimentar, articulando com os Governos Federal, Estaduais e Municipais medidas de redução da fome e promoção da alimentação saudável.”

Realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), o encontro trouxe como tema “Pesquisa e políticas públicas em soberania e segurança alimentar e nutricional no enfrentamento das desigualdades, da fome e das mudanças climáticas”, reunindo pesquisadores nacionais e internacionais, alunos de graduação e de pós-graduação para debaterem as influências das mudanças climáticas no acesso à alimentação adequada pela população.

Segurança alimentar

Rosana Salles da Costa esclarece que segurança alimentar se relaciona ao acesso à alimentação adequada para todas as pessoas de uma família, refletindo o direito humano à alimentação adequada. Por outro lado, a insegurança alimentar se faz presente quando uma das questões relacionadas à alimentação, seja em quantidade ou qualidade, não é garantida. No Brasil, a insegurança alimentar é avaliada a partir da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). “Os níveis de insegurança alimentar são três: insegurança alimentar leve, moderada e grave. A insegurança alimentar grave reflete a fome na nossa população, ou seja, famílias que passam o dia todo sem comer ou que fazem uma única refeição ao dia”.

No país, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, referentes ao último trimestre de 2023, 10,8% dos lares comandados por mulheres convivem com a insegurança alimentar moderada ou grave. Considerando os lares chefiados por homens, essa porcentagem passa para 7,8%, revelando uma diferença de três pontos percentuais. Com relação à cor ou raça, 74,6% dos domicílios que enfrentam a insegurança alimentar grave são chefiados por pessoas pretas e pardas.

“Infelizmente, temos o grupo classicamente mais afetado que são os lares chefiados por mulheres, especialmente as mulheres negras”, analisa a professora. “Esse também é um tema de debate de alguns dos painéis e de vários trabalhos do 6º EPISSAN. O encontro não debate apenas resultados, mas também é muito propositivo. Os pesquisadores presentes analisam e fazem propostas de políticas que, principalmente para os lares chefiadas por mulheres negras, são urgentes”, complementa.

Encontro

Além dos debates realizados, foram apresentados durante o evento dados preliminares sobre pesquisas conduzidas no país pela Rede Penssan e com apoio do App VIGISAN, aplicativo desenvolvido pela própria instituição para auxiliar na abordagem aos pesquisados que compõem, muitas vezes, grupos sociais vulnerabilizados. No encontro, também foi apresentada a plataforma FomeS, elaborada com financiamento do Ministério da Saúde (MS) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A ferramenta agrega dados nacionais sobre mudança climática, insegurança alimentar, insegurança hídrica, saúde e estado nutricional de crianças.

O encontro contou com patrocínio do Ministério da Saúde (MS), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa

Venezuela: violência política é disputa de projetos, diz pesquisadora

A violência política presente na Venezuela desde o início do chamado processo bolivariano – quando o ex-presidente Hugo Chávez chega ao poder em 1999 – é resultado do confronto de dois projetos que contrapõem grupos políticos opostos.

Essa é a avaliação da professora Carla Ferreira, do departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que fez sua tese de doutorado sobre a classe trabalhadora no processo bolivariano da Venezuela, tendo visitado o país seis vezes entre 2002 e 2013, quando pode conversar com lideranças chavistas, do governo e de movimentos populares.

Para ela, a Venezuela não é uma ditadura, mas um sistema político diferente das democracias liberais representativas que servem de modelo para o Ocidente.

Além disso, afirma que a extrema-direita do país é mais violenta que a brasileira e que a dinâmica de polarização interna e de interferência de potências estrangeiras – principalmente dos Estados Unidos – promoveu uma centralização de poder e burocratização do governo.

Carla Ferreira fala ainda sobre o papel dos militares e vê com extrema preocupação o reconhecimento pelos EUA de uma suposta vitória do candidato opositor Edmundo Gonzalez, o que mostraria “uma predisposição por intervir na Venezuela” com risco de desestabilização em toda a América Latina.

>> Confira a entrevista abaixo:

Agência Brasil: Quais as raízes da polarização política na Venezuela?

Carla Ferreira: A origem deste conflito é o colapso do capitalismo petroleiro rentista venezuelano iniciado nos anos 70. Essa crise foi muito profunda e provocou graves repercussões sociais, como a insurreição popular ocorrida em 1989, que foi chamada de Sacudón ou Caracazo.

A crise levou ao surgimento de um movimento bolivariano popular de massas, que tem na população mais empobrecida do país o seu principal pilar, em articulação com um setor reformista das Forças Armadas, de onde emerge, inclusive, a liderança de Hugo Chávez. Esse movimento construiu uma saída institucional para a crise.

Ele articulou um projeto político que visava saldar a dívida social do país mediante a reapropriação da renda petroleira cuja maior parte era apropriada pelas transnacionais do petróleo, principalmente estadunidenses. A partir daí se instaura o conflito entre o projeto deste movimento bolivariano popular de massas e os interesses estadunidenses na região.

Mas não são apenas interesses externos. Os interesses estadunidenses estão articulados internamente com a antiga alta burocracia do petróleo que controlava a PDVSA [estatal petroleira da Venezuela], além dos setores de importação e exportação de produtos industriais. Esses setores constituem o cerne da oposição venezuelana.

Portanto, esses dois projetos diametralmente opostos são a origem da crescente polarização política na Venezuela.

 

Agência Brasil: E por que esses conflitos não são resolvidos, digamos, de forma pacífica? Afinal, há a tentativa de golpe de 2002, o lockout petroleiro em 2002 e 2003, além de várias insurreições, como as de 2014 e 2017.

Carla Ferreira: É preciso recordar que os métodos da extrema-direita são similares em todo o mundo. Aqui no Brasil conhecemos o bolsonarismo. É muito similar na Venezuela. O que difere lá é a escala bastante mais acentuada da violência política há mais de 20 anos, e o efeito deste ataque permanente sobre a estrutura governamental, que vai se centralizando.

Ou seja, são mais de 20 anos de intensa violência política provocada pela ultradireita na Venezuela, com o uso de fake news, denúncias fraudadas, tentativas de golpe de Estado, questionamento sistemático do sistema eleitoral, sem falar no bloqueio econômico promovido pelas administrações estadunidenses com apoio da União Europeia.

Venezuela registrou protestos após eleições – Foto: REUTERS/Alexandre Meneghini/Proibida reprodução

Por outro lado, a cultura política venezuelana é diversa da nossa. Historicamente, a questão da soberania nacional é um anseio muito enraizado nas classes populares venezuelanas. É uma cultura política que viu acender um movimento popular de massas como ainda não vimos no Brasil.

Quando estive na Venezuela pela primeira vez, em 2002, fiquei assombrada com a violência dessa direita. Eu tive a sensação de que eles viviam uma realidade paralela. Nós só tivemos uma amostra simular aqui no Brasil no 8 de janeiro de 2023 e aí passamos a pensar em temas como dissonância cognitiva, porque é difícil de compreender a partir de parâmetros racionais o comportamento daquelas pessoas.
 

Agência Brasil: Como os governos chavistas lidam com essa violência?

Carla Ferreira: Existe uma crise dos instrumentos institucionais para o enfrentamento da extrema-direita. Eu acho que a Venezuela vive essa crise de forma aguda. Na Venezuela, é permitido que os meios de comunicação corporativos divulguem todo tipo de absurdo e fake news. Isso vai criando uma sociedade totalmente cindida, dividida.

Há até leniência por parte das instituições do país de deixar correr solta a quantidade de fake news que circulam na grande mídia e nas redes sociais na Venezuela.

O governo vem enfrentando essa situação de violência política com uma espécie de democracia plebiscitária, com eleições ou plebiscitos em 1999, 2000, 2004, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2012, entre outras de lá pra cá, como uma forma de reafirmar sua legitimidade permanentemente.

Porém, esse recurso dos referendos não é suficiente frente à violência política agravada pelas sanções econômicas severíssimas que afetam a Venezuela desde 2014 e que explica em parte a emigração massiva de cerca de 25% da população devido à piora nas condições de vida desde então. 

É preciso lembrar as conquistas sociais do período Chávez, como redução do desemprego, que era de 18% em 2003 e caiu para 6% em 2012, redução de 50% na distância entre os salários mais altos e mais baixos, fim do analfabetismo, declarado pela Unesco. Em 2010, a Venezuela foi reconhecida pela FAO [Agência da ONU para Alimentação] como um dos dez países com o melhor nível de alimentação no mundo.

Ou seja, o processo bolivariano da Venezuela apresentou melhoras significativas na condição de vida da população venezuelana. E o apoio popular ao governo advinha disso. Por isso, é preciso que a análise não se restrinja entre simpatizar ou não com o presidente Nicolás Maduro. É um processo social mais amplo, que envolve a sociedade, as classes sociais, não é algo que possa ser personalizado em uma única pessoa.

Agência Brasil: Como está a atual situação do bloco social que ainda apoia o chavismo?

Carla Ferreira: Eu precisaria estar lá para saber melhor, tem dez anos minha última visita a Venezuela, mas o que eu percebo é que o próprio bloqueio econômico levou ao desenvolvimento de um setor interno produtor de bens de consumo voltado para o mercado interno.

Esse setor deve participar do bloco do poder hoje na Venezuela. Existem ainda os militares bolivarianos. Aliás, as Forças Armadas venezuelanas são a única da América do Sul que tem no seu regulamento o caráter anti-imperialista.

Alguns analistas se sentem desconfortáveis com a presença dos militares bolivarianos no governo. Para mim, mais desconfortável é a situação do Brasil, quando a gente olha o papel dos militares, com os privilégios de que gozam e poder político que exercem por aqui.

Eu prefiro o poder civil, mas, de fato, nos estados dependentes, as Forças Armadas têm exercido um poder político de fato e isso importa na análise da situação, se essas Forças Armadas estão alinhadas a interesses estrangeiros ou a interesses soberanos nacionais.

Temos ainda o movimento popular e eu penso que, entre os setores da esquerda mais tradicionais da Venezuela, há desconforto porque gostariam de ter visto, nos últimos anos, um avanço de novos instrumentos de democracia direta.

As tendências centralizadoras do governo venezuelano têm sido acompanhadas de muitos equívocos em política econômica, é verdade. E a burocracia estatal tende a se cristalizar em posições de poder, o que é uma tendência em situações de alta polarização, ao mesmo tempo em que são lenientes com ilegalidades de ambos os lados do conflito. 

Agência Brasil: A Venezuela é uma ditadura?

Carla Ferreira: A Venezuela não é uma ditadura, mas a Venezuela também não é uma democracia liberal, que serve de parâmetro de todas as coisas no mundo ocidental.

A Venezuela viveu um ascenso revolucionário nos anos 80 e 90, construiu uma alternativa política visando uma transição para um outro modo de produção, porém não efetivou todos os elementos de uma revolução política, a exemplo do que aconteceu em Cuba. A Venezuela fica numa situação em que o velho não termina de morrer e o novo não termina de nascer.

É uma situação diferenciada, com muita participação popular combinada com centralização do poder político em uma burocracia estatal. Um regime que corresponde a enfrentamentos de alta intensidade. As tendências burocráticas são esperadas em situações nas quais os quadros políticos mais experientes tendem a concentrar poder para que não haja maiores retrocessos. Isso pode ser verificado historicamente em diversos processos.

Que Netanyahu não seja considerado um ditador me surpreende e que tão facilmente se impute a pecha de ditadura ao governo venezuelano também me surpreende. É uma profunda incompreensão do esforço social que o povo venezuelano vem fazendo por sair do regime neoliberal que impõe um empobrecimento radical da população. 

Todas as forças internas e externas que se beneficiam do neoliberalismo e que são as forças hegemônicas em escala mundial, o sistema financeiro internacional e as grandes corporações, apoiados pelos grandes Estados imperialistas, sabotam o tempo inteiro esse processo. A verdade é essa.

Como eles não permitem o desenvolvimento do processo bolivariano, vai havendo um endurecimento do regime. Isso é verdade, mas que seja uma ditadura não. Porque todo o governo está legitimado por eleições limpas e livres até o momento, até a última eleição pelo menos.

 

Agência Brasil: Qual é avaliação desse último processo eleitoral?

Carla Ferreira: Não fico confortável em julgar o processo eleitoral venezuelano sem que haja uma apresentação dos boletins. Prefiro aguardar. Recomendo que, no Brasil, os intelectuais tenham cautela nas suas avaliações porque não se trata apenas de um processo eleitoral, se trata de diferenciar o regime que hoje vive a Venezuela, que é um regime diferenciado.

Conselho Eleitoral anunciou a vitória de Nicolás Maduro, mas órgãos internacionais e países questionam resultado e pedem divulgação das atas eleitorais – Foto: REUTERS/Fausto Torrealba/Proibida reprodução

É uma situação complexa, agravada ao longo dos anos, em que o melhor a fazer é respeitar a autodeterminação do povo venezuelano. Não havia – até este momento – razões para suspeitar do sistema eleitoral venezuelano. Porém, a tentativa de invalidá-lo é uma constante nos últimos 20 anos.

 

Agência Brasil: Quais lições o processo bolivariano e a polarização política na Venezuela podem dar ao Brasil que, nos últimos anos, parece viver uma intensificação da polarização política?

Carla Ferreira: O processo bolivariano ensina sobre a necessidade de reformas profundas nas instituições do Estado para deter o avanço de tendências de extrema-direita, de caráter neofascista, que são extremamente perigosas e que se apresentam como falsas alternativas à crise do neoliberalismo na América Latina.

Acho que nós estamos convocados pelo processo venezuelano a examinar com cuidado o que nós estamos vivendo no Brasil em relação à impunidade de forças que são golpistas, que praticam a mentira e violência como meio para atingir seus objetivos. A Venezuela é um alerta contundente em relação a isso.

A Venezuela é ainda um exemplo de política externa independente que nós deveríamos nos espelhar. O Brasil tem condições de fazer isso, como o presidente Lula vem demonstrando em relação à Gaza e à Guerra na Ucrânia, por exemplo. Isso é fundamental para que o Brasil possa contribuir para que os evidentes planos de desestabilização da Venezuela não se efetivem.

Edmundo Gonzalez é principal candidato da oposição e alega ter vencido as eleições contra Maduro. Foto: Reuters/Leonardo Fernandez Viloria/Proibida reprodução

O reconhecimento de Antony Blinken [secretário de Estado dos Estados Unidos] ao candidato da oposição, Edmundo González, mostra uma predisposição por intervir da Venezuela.

Nós chegamos numa situação limite, numa encruzilhada, de um projeto que tenta romper com o neoliberalismo e enfrenta dificuldades extraordinárias. Não sei se o resultado eleitoral deu ou não a vitória ao presidente Nicolás Maduro, porque não foram apresentados os boletins.

O que eu sei é que a Venezuela corre o risco de uma maior intervenção e de ser desencadeado um processo violento e desestabilizador em nosso Hemisfério. Então, eu conto com a sabedoria do Itamaraty para que nós possamos, junto com o México e com a Colômbia, buscar uma solução negociada para a situação venezuelana que é extremamente crítica.

Venezuela: violência política é disputa de projetos, diz pesquisadora

A Venezuela não é uma ditadura, mas um sistema político diferente das democracias liberais representativas que servem de modelo para o Ocidente. Essa é a avaliação da professora Carla Ferreira, do departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que fez sua tese de doutorado sobre a classe trabalhadora no processo bolivariano da Venezuela, tendo visitado o país seis vezes entre 2002 e 2013, quando pode conversar com lideranças chavistas, do governo e de movimentos populares.

Além disso, afirma que a extrema-direita do país é mais violenta que a brasileira e que a dinâmica de polarização interna e de interferência de potências estrangeiras – principalmente dos Estados Unidos – promoveu uma centralização de poder e burocratização do governo.

Carla Ferreira fala ainda sobre o papel dos militares e vê com extrema preocupação o reconhecimento pelos EUA de uma suposta vitória do candidato opositor Edmundo Gonzalez, o que mostraria “uma predisposição por intervir na Venezuela” com risco de desestabilização em toda a América Latina.

>> Confira a entrevista abaixo:

Agência Brasil: Quais as raízes da polarização política na Venezuela?

Carla Ferreira: A origem deste conflito é o colapso do capitalismo petroleiro rentista venezuelano iniciado nos anos 70. Essa crise foi muito profunda e provocou graves repercussões sociais, como a insurreição popular ocorrida em 1989, que foi chamada de Sacudón ou Caracazo.

A crise levou ao surgimento de um movimento bolivariano popular de massas, que tem na população mais empobrecida do país o seu principal pilar, em articulação com um setor reformista das Forças Armadas, de onde emerge, inclusive, a liderança de Hugo Chávez. Esse movimento construiu uma saída institucional para a crise.

Ele articulou um projeto político que visava saldar a dívida social do país mediante a reapropriação da renda petroleira cuja maior parte era apropriada pelas transnacionais do petróleo, principalmente estadunidenses. A partir daí se instaura o conflito entre o projeto deste movimento bolivariano popular de massas e os interesses estadunidenses na região.

Mas não são apenas interesses externos. Os interesses estadunidenses estão articulados internamente com a antiga alta burocracia do petróleo que controlava a PDVSA [estatal petroleira da Venezuela], além dos setores de importação e exportação de produtos industriais. Esses setores constituem o cerne da oposição venezuelana.

Portanto, esses dois projetos diametralmente opostos são a origem da crescente polarização política na Venezuela.

 

Agência Brasil: E por que esses conflitos não são resolvidos, digamos, de forma pacífica? Afinal, há a tentativa de golpe de 2002, o lockout petroleiro em 2002 e 2003, além de várias insurreições, como as de 2014 e 2017.

Carla Ferreira: É preciso recordar que os métodos da extrema-direita são similares em todo o mundo. Aqui no Brasil conhecemos o bolsonarismo. É muito similar na Venezuela. O que difere lá é a escala bastante mais acentuada da violência política há mais de 20 anos, e o efeito deste ataque permanente sobre a estrutura governamental, que vai se centralizando.

Ou seja, são mais de 20 anos de intensa violência política provocada pela ultradireita na Venezuela, com o uso de fake news, denúncias fraudadas, tentativas de golpe de Estado, questionamento sistemático do sistema eleitoral, sem falar no bloqueio econômico promovido pelas administrações estadunidenses com apoio da União Europeia.

Venezuela registrou protestos após eleições – Foto: REUTERS/Alexandre Meneghini/Proibida reprodução

Por outro lado, a cultura política venezuelana é diversa da nossa. Historicamente, a questão da soberania nacional é um anseio muito enraizado nas classes populares venezuelanas. É uma cultura política que viu acender um movimento popular de massas como ainda não vimos no Brasil.

Quando estive na Venezuela pela primeira vez, em 2002, fiquei assombrada com a violência dessa direita. Eu tive a sensação de que eles viviam uma realidade paralela. Nós só tivemos uma amostra simular aqui no Brasil no 8 de janeiro de 2023 e aí passamos a pensar em temas como dissonância cognitiva, porque é difícil de compreender a partir de parâmetros racionais o comportamento daquelas pessoas.
 

Agência Brasil: Como os governos chavistas lidam com essa violência?

Carla Ferreira: Existe uma crise dos instrumentos institucionais para o enfrentamento da extrema-direita. Eu acho que a Venezuela vive essa crise de forma aguda. Na Venezuela, é permitido que os meios de comunicação corporativos divulguem todo tipo de absurdo e fake news. Isso vai criando uma sociedade totalmente cindida, dividida.

Há até leniência por parte das instituições do país de deixar correr solta a quantidade de fake news que circulam na grande mídia e nas redes sociais na Venezuela.

O governo vem enfrentando essa situação de violência política com uma espécie de democracia plebiscitária, com eleições ou plebiscitos em 1999, 2000, 2004, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2012, entre outras de lá pra cá, como uma forma de reafirmar sua legitimidade permanentemente.

Porém, esse recurso dos referendos não é suficiente frente à violência política agravada pelas sanções econômicas severíssimas que afetam a Venezuela desde 2014 e que explica em parte a emigração massiva de cerca de 25% da população devido à piora nas condições de vida desde então. 

É preciso lembrar as conquistas sociais do período Chávez, como redução do desemprego, que era de 18% em 2003 e caiu para 6% em 2012, redução de 50% na distância entre os salários mais altos e mais baixos, fim do analfabetismo, declarado pela Unesco. Em 2010, a Venezuela foi reconhecida pela FAO [Agência da ONU para Alimentação] como um dos dez países com o melhor nível de alimentação no mundo.

Ou seja, o processo bolivariano da Venezuela apresentou melhoras significativas na condição de vida da população venezuelana. E o apoio popular ao governo advinha disso. Por isso, é preciso que a análise não se restrinja entre simpatizar ou não com o presidente Nicolás Maduro. É um processo social mais amplo, que envolve a sociedade, as classes sociais, não é algo que possa ser personalizado em uma única pessoa.

Agência Brasil: Como está a atual situação do bloco social que ainda apoia o chavismo?

Carla Ferreira: Eu precisaria estar lá para saber melhor, tem dez anos minha última visita a Venezuela, mas o que eu percebo é que o próprio bloqueio econômico levou ao desenvolvimento de um setor interno produtor de bens de consumo voltado para o mercado interno.

Esse setor deve participar do bloco do poder hoje na Venezuela. Existem ainda os militares bolivarianos. Aliás, as Forças Armadas venezuelanas são a única da América do Sul que tem no seu regulamento o caráter anti-imperialista.

Alguns analistas se sentem desconfortáveis com a presença dos militares bolivarianos no governo. Para mim, mais desconfortável é a situação do Brasil, quando a gente olha o papel dos militares, com os privilégios de que gozam e poder político que exercem por aqui.

Eu prefiro o poder civil, mas, de fato, nos estados dependentes, as Forças Armadas têm exercido um poder político de fato e isso importa na análise da situação, se essas Forças Armadas estão alinhadas a interesses estrangeiros ou a interesses soberanos nacionais.

Temos ainda o movimento popular e eu penso que, entre os setores da esquerda mais tradicionais da Venezuela, há desconforto porque gostariam de ter visto, nos últimos anos, um avanço de novos instrumentos de democracia direta.

As tendências centralizadoras do governo venezuelano têm sido acompanhadas de muitos equívocos em política econômica, é verdade. E a burocracia estatal tende a se cristalizar em posições de poder, o que é uma tendência em situações de alta polarização, ao mesmo tempo em que são lenientes com ilegalidades de ambos os lados do conflito. 

Agência Brasil: A Venezuela é uma ditadura?

Carla Ferreira: A Venezuela não é uma ditadura, mas a Venezuela também não é uma democracia liberal, que serve de parâmetro de todas as coisas no mundo ocidental.

A Venezuela viveu um ascenso revolucionário nos anos 80 e 90, construiu uma alternativa política visando uma transição para um outro modo de produção, porém não efetivou todos os elementos de uma revolução política, a exemplo do que aconteceu em Cuba. A Venezuela fica numa situação em que o velho não termina de morrer e o novo não termina de nascer.

É uma situação diferenciada, com muita participação popular combinada com centralização do poder político em uma burocracia estatal. Um regime que corresponde a enfrentamentos de alta intensidade. As tendências burocráticas são esperadas em situações nas quais os quadros políticos mais experientes tendem a concentrar poder para que não haja maiores retrocessos. Isso pode ser verificado historicamente em diversos processos.

Que Netanyahu não seja considerado um ditador me surpreende e que tão facilmente se impute a pecha de ditadura ao governo venezuelano também me surpreende. É uma profunda incompreensão do esforço social que o povo venezuelano vem fazendo por sair do regime neoliberal que impõe um empobrecimento radical da população. 

Todas as forças internas e externas que se beneficiam do neoliberalismo e que são as forças hegemônicas em escala mundial, o sistema financeiro internacional e as grandes corporações, apoiados pelos grandes Estados imperialistas, sabotam o tempo inteiro esse processo. A verdade é essa.

Como eles não permitem o desenvolvimento do processo bolivariano, vai havendo um endurecimento do regime. Isso é verdade, mas que seja uma ditadura não. Porque todo o governo está legitimado por eleições limpas e livres até o momento, até a última eleição pelo menos.

 

Agência Brasil: Qual é avaliação desse último processo eleitoral?

Carla Ferreira: Não fico confortável em julgar o processo eleitoral venezuelano sem que haja uma apresentação dos boletins. Prefiro aguardar. Recomendo que, no Brasil, os intelectuais tenham cautela nas suas avaliações porque não se trata apenas de um processo eleitoral, se trata de diferenciar o regime que hoje vive a Venezuela, que é um regime diferenciado.

Conselho Eleitoral anunciou a vitória de Nicolás Maduro, mas órgãos internacionais e países questionam resultado e pedem divulgação das atas eleitorais – Foto: REUTERS/Fausto Torrealba/Proibida reprodução

É uma situação complexa, agravada ao longo dos anos, em que o melhor a fazer é respeitar a autodeterminação do povo venezuelano. Não havia – até este momento – razões para suspeitar do sistema eleitoral venezuelano. Porém, a tentativa de invalidá-lo é uma constante nos últimos 20 anos.

 

Agência Brasil: Quais lições o processo bolivariano e a polarização política na Venezuela podem dar ao Brasil que, nos últimos anos, parece viver uma intensificação da polarização política?

Carla Ferreira: O processo bolivariano ensina sobre a necessidade de reformas profundas nas instituições do Estado para deter o avanço de tendências de extrema-direita, de caráter neofascista, que são extremamente perigosas e que se apresentam como falsas alternativas à crise do neoliberalismo na América Latina.

Acho que nós estamos convocados pelo processo venezuelano a examinar com cuidado o que nós estamos vivendo no Brasil em relação à impunidade de forças que são golpistas, que praticam a mentira e violência como meio para atingir seus objetivos. A Venezuela é um alerta contundente em relação a isso.

A Venezuela é ainda um exemplo de política externa independente que nós deveríamos nos espelhar. O Brasil tem condições de fazer isso, como o presidente Lula vem demonstrando em relação à Gaza e à Guerra na Ucrânia, por exemplo. Isso é fundamental para que o Brasil possa contribuir para que os evidentes planos de desestabilização da Venezuela não se efetivem.

Edmundo Gonzalez é principal candidato da oposição e alega ter vencido as eleições contra Maduro. Foto: Reuters/Leonardo Fernandez Viloria/Proibida reprodução

O reconhecimento de Antony Blinken [secretário de Estado dos Estados Unidos] ao candidato da oposição, Edmundo González, mostra uma predisposição por intervir da Venezuela.

Nós chegamos numa situação limite, numa encruzilhada, de um projeto que tenta romper com o neoliberalismo e enfrenta dificuldades extraordinárias. Não sei se o resultado eleitoral deu ou não a vitória ao presidente Nicolás Maduro, porque não foram apresentados os boletins.

O que eu sei é que a Venezuela corre o risco de uma maior intervenção e de ser desencadeado um processo violento e desestabilizador em nosso Hemisfério. Então, eu conto com a sabedoria do Itamaraty para que nós possamos, junto com o México e com a Colômbia, buscar uma solução negociada para a situação venezuelana que é extremamente crítica.

*Matéria atualizada às 14h44 para ajuste no título e nos primeiros parágrafos.

Pesquisadora brasileira vai presidir sociedade internacional de aids

A infectologista e pesquisadora brasileira Beatriz Grinsztejn será a primeira mulher latino-americana a exercer a presidência da International Aids Society (IAS), organismo internacional que reúne profissionais que trabalham com a doença. Ela tomará posse para o biênio 2024-2026 na próxima sexta-feira (26), no encerramento da 25ª Conferência Internacional sobre Aids, em Munique, na Alemanha.

Beatriz, que é pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), diz que vai levar à sociedade internacional as experiências positivas do Brasil no tratamento e prevenção do HIV. Segundo ela, o país é referência no tema e tem um programa “espetacular” que propicia acesso universal e gratuito aos cidadãos brasileiros, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

“No Brasil nós temos acesso ao que há de melhor em termos não só de tratamento, mas também de prevenção, o que nos diferencia e muito, inclusive da maior parte dos países da América Latina, onde a profilaxia pré-exposição ainda não é acessível aos cidadãos através do sistema público de saúde”, disse em entrevista à Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

A pesquisadora também defende aumento de recursos para pesquisa no país.

“O Brasil continua brilhando no cenário internacional, mas precisamos que tenha mais visibilidade, que possa captar mais recursos para pesquisa e que possa demonstrar internacionalmente todo o poder do que é feito no nosso país. Por isso a importância da gente ter uma presidente da região assumindo a sociedade”.

Outro desafio citado pela cientista é a questão da credibilidade científica, abalada mundialmente nos últimos anos. “A nossa função como sociedade internacional é fomentar a pesquisa e fomentar que a ciência seja a base de todas as políticas públicas e que a comunidade, junto com os pesquisadores, possa levar essa discussão à frente sempre com base na evidência científica norteando as políticas públicas. Nesse sentido, o Brasil é um exemplo, ainda que tenhamos sofrido um impacto, nós continuamos a ser um exemplo na perspectiva de que o nosso Sistema Único de Saúde propicia o acesso a tecnologias que possam beneficiar a nossa população”.

Conferência

A 25ª Conferência Internacional sobre Aids ocorre entre os dias 22 e 26 de julho e deve receber 15 mil participantes. Organizada pela Sociedade Internacional de Aids (IAS), o evento reunirá pessoas que vivem, são afetadas ou trabalham com HIV e aids para compartilhar conhecimentos e informações sobre a resposta à epidemia nos últimos 40 anos.

Representantes do Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde estarão no evento para apresentar resultados das experiências brasileiras na resposta ao HIV.

Pesquisadora vê “ataque à democracia” após aprovação de PEC na Câmara

A aprovação, na última quinta-feira (11), da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 9/2023), que proíbe a aplicação de multas aos partidos que não tiveram o número mínimo de candidatas mulheres ou negros, representa um “ataque direto à democracia”. Essa é a avaliação da pesquisadora em sociologia Clara Wardi, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). Ela dedica-se à avaliação de políticas públicas, ao monitoramento legislativo e aos temas de gênero e raça.

Para Clara Wardi, o resultado é consequência de o Congresso ser majoritariamente conservador. Para ela, o resultado passa um “péssimo recado” para a sociedade em relação aos direitos das mulheres e “principalmente das mulheres negras”.

A assessora técnica da Cfemea entende que a PEC é um exemplo de “violência política institucional contra as mulheres e as pessoas negras”. “Expõe as limitações e dificuldades que os partidos têm em impulsionarem essas candidaturas”. Ela lamentou ainda que a PEC teve uma aprovação sem dificuldades. “Não é a primeira vez que uma anistia desse tipo é feita”.

Clara Wardi considera ainda que, nos últimos oito anos, as leis 13.165, de 2015, a 13.831, de 2019, e também a PEC-18 de 2021 acabaram eximindo partidos do compromisso com as candidaturas de mulheres, “como essa proposta que foi aprovada agora”.

“Misoginia e racismo”

A pesquisadora entende que o resultado demonstra que a “misoginia” e o “racismo” estão “entranhados” nos representantes da Câmara. Para a pesquisadora, a Câmara dos Deputados e o Senado deveriam ser casas legislativas que representassem a população. “Não à toa, a gente se depara com uma série de projetos que visam retroagir com os direitos das mulheres e da população negra já conquistados”.

Clara Wardi não acredita que o resultado poderá ser revertido no Senado porque há uma disposição majoritária dos partidos para que a PEC seja também aprovada na Casa. Na Câmara, a votação aprovou em dois turnos. No primeira, foram 344 votos favoráveis, 89 contrários e 4 abstenções. Na segunda votação, foram 338 votos favoráveis e 83 contrários, com 4 abstenções. No Senado, também são necessárias duas votações, com mínimo de 49 votos dos 81 senadores.

“Nada fácil”

A pesquisadora considera que, antes da votação no Senado, movimentos sociais farão manifestações de resistência contrárias à PEC, particularmente ligadas às mulheres feministas a aos movimentos da população negra. “As organizações da sociedade civil que defendem a democracia estão muito atentas à questão eleitoral”. Ela entende que existe um esforço coletivo para confrontar PEC.

“Por outro lado, há uma articulação partidária muito forte, inclusive de partidos considerados progressistas, para que essa PEC caminhe. As trincheiras nessa disputa em torno da PECnão estão nada fáceis para os movimentos sociais”.

Ela avalia que essa decisão faz parte de um contexto de ofensivas contra os direitos das mulheres, como o que ocorreu em relação ao projeto de lei 1904, que previa a equiparação do aborto ao homicídio.

Pesquisadora vê “ataque à democracia” após aprovação de PEC na Câmara

A aprovação, na última quinta-feira (11), da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 9/2023), que proíbe a aplicação de multas aos partidos que não tiveram o número mínimo de candidatas mulheres ou negros, representa um “ataque direto à democracia”. Essa é a avaliação da pesquisadora em sociologia Clara Wardi, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). Ela dedica-se à avaliação de políticas públicas, ao monitoramento legislativo e aos temas de gênero e raça.

Para Clara Wardi, o resultado é consequência de o Congresso ser majoritariamente conservador. Para ela, o resultado passa um “péssimo recado” para a sociedade em relação aos direitos das mulheres e “principalmente das mulheres negras”.

A assessora técnica da Cfemea entende que a PEC é um exemplo de “violência política institucional contra as mulheres e as pessoas negras”. “Expõe as limitações e dificuldades que os partidos têm em impulsionarem essas candidaturas”. Ela lamentou ainda que a PEC teve uma aprovação sem dificuldades. “Não é a primeira vez que uma anistia desse tipo é feita”.

Clara Wardi considera ainda que, nos últimos oito anos, as leis 13.165, de 2015, a 13.831, de 2019, e também a PEC-18 de 2021 acabaram eximindo partidos do compromisso com as candidaturas de mulheres, “como essa proposta que foi aprovada agora”.

“Misoginia e racismo”

A pesquisadora entende que o resultado demonstra que a “misoginia” e o “racismo” estão “entranhados” nos representantes da Câmara. Para a pesquisadora, a Câmara dos Deputados e o Senado deveriam ser casas legislativas que representassem a população. “Não à toa, a gente se depara com uma série de projetos que visam retroagir com os direitos das mulheres e da população negra já conquistados”.

Clara Wardi não acredita que o resultado poderá ser revertido no Senado porque há uma disposição majoritária dos partidos para que a PEC seja também aprovada na Casa. Na Câmara, a votação aprovou em dois turnos. No primeira, foram 344 votos favoráveis, 89 contrários e 4 abstenções. Na segunda votação, foram 338 votos favoráveis e 83 contrários, com 4 abstenções. No Senado, também são necessárias duas votações, com mínimo de 49 votos dos 81 senadores.

“Nada fácil”

A pesquisadora considera que, antes da votação no Senado, movimentos sociais farão manifestações de resistência contrárias à PEC, particularmente ligadas às mulheres feministas a aos movimentos da população negra. “As organizações da sociedade civil que defendem a democracia estão muito atentas à questão eleitoral”. Ela entende que existe um esforço coletivo para confrontar PEC.

“Por outro lado, há uma articulação partidária muito forte, inclusive de partidos considerados progressistas, para que essa PEC caminhe. As trincheiras nessa disputa em torno da PECnão estão nada fáceis para os movimentos sociais”.

Ela avalia que essa decisão faz parte de um contexto de ofensivas contra os direitos das mulheres, como o que ocorreu em relação ao projeto de lei 1904, que previa a equiparação do aborto ao homicídio.