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Saiba mais sobre a PEC que altera a posse de terrenos da Marinha

A proposta de emenda à Constituição que transfere a propriedade dos terrenos do litoral brasileiro do domínio da Marinha para estados, municípios e proprietários privados voltou a ser discutida nesta segunda feira (27), em audiência pública no Senado. Aprovado em fevereiro de 2022 na Câmara dos Deputados, a PEC estava parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado desde agosto de 2023.

Sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a PEC gera divergências. Organizações ambientalistas alertam que a aprovação da proposta pode comprometer a biodiversidade do litoral brasileiro, enquanto o relator defende que a mudança é necessária para regularizar as propriedades localizadas nos terrenos da Marinha e que as áreas geram prejuízos aos municípios.

Em entrevista à Rádio Nacional, a diretora do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima,  Ana Paula Prates, explica que, na origem, a demarcação constitucional dos terrenos da Marinha servia para a defesa da soberania nacional, mas que hoje são territórios que protegem a população das mudanças climáticas. Ela defende que a aprovação da PEC seria um grande retrocesso.

Leia trechos da entrevista.

Rádio Nacional: O que está em jogo nesse momento? 

Ana Paula Prates: É um projeto de emenda à Constituição que acaba com a figura dos terrenos de Marinha. E os terrenos de Marinha não são terrenos da Marinha, o que também é importante entender: são terrenos da União. São todos os terrenos que têm uma influência da maré. Tem uma linha de corte lá de 1831, que fala que acima de 33 metros, acima dessa última maré de referência de 1831, 33 metros para cima, são considerados terrenos de Marinha. Então, isso abrange a maioria do nosso litoral, claro, e manguezais, dunas, até falésias, restingas, e a entrada dos rios também, onde você tem toda essa influência da maré. Então você considera aí, por exemplo, lá na Amazônia, que a gente tem uma maré muito forte, você vai muitos quilômetros para dentro também, naquelas várzeas dos rios, também são terrenos de Marinha. E o que diz a nossa Constituição? Que esses terrenos de Marinha foram, na época, lá atrás, designados para a defesa do território nacional. Mas era uma defesa na questão de soberania. E hoje em dia eles são os terrenos que a gente realmente tem que usar para a defesa da gente, para a questão das mudanças do clima.

Acabar com essa figura é um retrocesso enorme. E é isso que a PEC traz, ela termina com essa figura dos terrenos de Marinha, que são terrenos da União, e passa gratuitamente para estados e municípios, para poder, inclusive, privatizar essas áreas.

Rádio Nacional: Abre caminho para a privatização das praias, num risco não só para a questão do litoral, como do meio ambiente como um todo?

Ana Paula Prates: É bom deixar claro que a PEC em si, com essa coisa de terminar a figura dos terrenos de Marinha, ela não vai automaticamente privatizar praias. Mas a questão é o acesso às praias. Aí sim, que podem ser privatizadas, porque esses terrenos todos que ficam a jusante das praias forem privatizados, você começa a ter uma privatização do acesso às praias, que são bens comuns da sociedade brasileira, e aí já por uma outra lei, que é a lei que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. E isso é importante deixar claro, a PEC em si não traz essa privatização automática de praias. Existem, sim, algumas praias que depois desses anos todos, com os acrescidos que aconteceram de engorda de praias, aterros, etc., você teria alguns pedaços ali que entrariam como terrenos de Marinha, mas não todas. Não é uma coisa automática, entende?

Rádio Nacional: Para além dessa história da democratização, praia como um terreno de livre acesso de todas as pessoas que estão lá, porque você pode ter na prática a construção de um condomínio que vai fechar aquilo ali e só quem mora naquele condomínio tem acesso. Tem também o risco ao meio ambiente em si, mangues, manguezais, falésias..

Ana Paula Prates: Isso daí que eu acho que é o mais importante para a gente ressaltar, porque a gente está vendo aí que a mudança climática chegou, se instalou e é uma emergência que a gente está vivendo. E a gente está vendo isso em várias situações, principalmente agora com todo esse caso do Rio Grande do Sul. A salvaguarda que as populações poderiam estar tendo para a gente se resguardar e adaptar à questão contra as mudanças do clima.

Vários países, inclusive, estão fazendo o contrário. Vários países já tinham privatizado essas áreas e estão agora recomprando exatamente por causa da mudança do clima. E a gente fazer isso agora, nesse momento, é ir totalmente contra a história, de novo. Então é uma coisa de voltar atrás significativamente em questões ambientais muito sérias.

Rádio Nacional: Essa audiência pública de hoje à tarde no Senado acende uma luz vermelha? 

Ana Paula Prates: Exatamente, porque a PEC já passou pela Câmara, foi em 2022, ela passou lá na Câmara, numa noite foi votada junto, inclusive, com o PL que traz também a questão dos cassinos, isso é importante lembrar, e também tramita junto o outro PL, o 4444. E esse PL sim, que diz que as praias poderiam ser privatizadas, porque o PL transforma as praias em uma zona de interesse turística e que os municípios poderiam privatizar até 10% dessas áreas. Então, tudo isso está andando junto. É um pacote. Então, a PEC já passou na Câmara, está no Senado para ser votada, e aí foi chamada, semana passada, bem rapidinho, em cima da hora, essa audiência pública de hoje no Senado.

Senado retoma debate de PEC que pode privatizar praias

O Senado volta a discutir nesta segunda-feira (27) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 que transfere a propriedade dos terrenos do litoral brasileiro, hoje sob o domínio da Marinha, para estados, municípios e proprietários privados. Aprovado em fevereiro de 2022 na Câmara dos Deputados, a PEC estava parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado desde agosto de 2023.

Uma audiência pública discute hoje o tema, que está sob a relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e enfrenta resistência da base governista. Organizações ambientalistas alertam que a proposta traz o risco de privatização das praias por empreendimentos privados e pode comprometer a biodiversidade do litoral brasileiro.

Além das praias, a Marinha detém a propriedade de margens de rios e lagoas onde há a influência das marés.

De acordo com o Observatório do Clima, “esse é mais um projeto do Pacote da Destruição prestes a ser votado. Isso põe em risco todo o nosso litoral, a segurança nacional, a economia das comunidades costeiras e nossa adaptação às mudanças climáticas”.

Para o grupo que reúne diversas entidades de defesa do clima e do meio ambiente, os terrenos da Marinha são guardiões naturais contra enchentes, deslizamentos e eventos climáticos extremos.

“Essa defesa é essencial para a nossa segurança e resiliência. Essas áreas preservam nossa biodiversidade e equilíbrio dos ecossistemas costeiros. Privatização pode trazer danos irreversíveis”, afirmou o Observatório, em nota.

A PEC exclui o inciso VII do artigo 20 da Constituição, que afirma que os terrenos da Marinha são de propriedade da União, transferindo gratuitamente para os estados e municípios “as áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos”.

Para os proprietários privados, o texto prevê a transferência mediante pagamento para aqueles inscritos regularmente “no órgão de gestão do patrimônio da União até a data de publicação” da Emenda à Constituição. Além disso, autoriza a transferência da propriedade para ocupantes “não inscritos”, “desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos cinco anos antes da data de publicação” da PEC.

Ainda segundo o relatório, permanecem como propriedade da União as áreas hoje usadas pelo serviço público federal, as unidades ambientais federais e as áreas ainda não ocupadas.

Defesa

O senador Flávio Bolsonaro defende, em seu relatório, que a mudança é necessária para regularizar as propriedades localizadas nos terrenos da Marinha. “Há, no Brasil, inúmeras edificações realizadas sem a ciência de estarem localizadas em terrenos de propriedade da União”.

Segundo Flávio, “os terrenos de marinha causam prejuízos aos cidadãos e aos municípios. O cidadão tem que pagar tributação exagerada sobre os imóveis em que vivem: pagam foro, taxa de ocupação e IPTU. Já os municípios, sofrem restrições ao desenvolvimento de políticas públicas quanto ao planejamento territorial urbano em razão das restrições de uso dos bens sob domínio da União”.

O senador fluminense argumenta ainda que a origem do atual domínio da Marinha sobre as praias foi justificada pela necessidade de defesa do território contra invasão estrangeira, motivo que não mais existiria, na visão do parlamentar.

“Atualmente, essas razões não estão mais presentes, notadamente diante dos avanços tecnológicos dos armamentos que mudaram os conceitos de defesa territorial”, disse no parecer da PEC.

Audiência

Na audiência pública desta segunda-feira, a CCJ do Senado deve ouvir a Coordenadora-Geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Marinez Eymael Garcia Scherer; a representante Movimento das Pescadoras e Pescadores Artesanais (MPP); Ana Ilda Nogueira Pavã; o diretor-Presidente da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), Murillo Barbosa; o prefeito de Florianópolis (SC), Topázio Silveira Neto, entre outros convidados.

PEC das Drogas é inconstitucional e deve agravar cenário de violência

O Senado aprovou, nesta terça-feira (15), em dois turnos, a proposta que inclui no artigo 5º da Constituição Federal a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga ilícita.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam que a medida, além de inconstitucional, deve agravar o cenário atual de violência, encarceramento e desigualdade social. A avaliação é que descriminalizar as drogas e promover uma regulamentação seria uma solução mais eficiente.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) teve 53 votos favoráveis e nove contrários no primeiro turno, e 52 favoráveis e nove contrários no segundo turno.

“É a demonstração de que o Senado Federal deu as costas para a Constituição e abraçou essa política de drogas racista, genocida, super encarceradora e que fortalece facções criminosas”, avalia o advogado Cristiano Maronna, diretor do Justa, centro de pesquisa que atua no campo da economia política da justiça.

Para o especialista, a descriminalização e a regulamentação seriam mais eficientes do que a alteração aprovada no Senado. “É essa a direção em que países com democracias de alta densidade estão seguindo. Já o Brasil está no rumo seguido pelas autocracias e ditaduras”, disse o advogado, que é mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP).

A PEC, que agora será avaliada pela Câmara dos Deputados, foi articulada após o Supremo Tribunal Federal (STF) voltar a pautar o julgamento da descriminalização do porte da maconha para uso pessoal, determinando a diferenciação entre usuário e traficante. Um pedido de vista do ministro Dias Toffolli suspendeu o julgamento em março. A matéria está em 5 votos a 3 para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal.

Cristiano Maronna defende que o Supremo, ao votar o tema, está exercendo uma função típica de corte constitucional, que é declarar inconstitucional uma norma jurídica. “Além disso, o Supremo também exerce uma função contramajoritária ao impedir a ditadura da maioria política, quando a maioria política está alinhada para violar direitos fundamentais”, acrescentou.

Proibição

O advogado Erik Torquato, membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, avalia que a proibição é ineficaz. Segundo ele, a criminalização gera um efeito colateral muito maior do que as próprias substâncias em circulação na sociedade. O especialista defende que a regulamentação é o caminho mais eficiente e racional. “As substâncias que mais causam danos sociais nas famílias e na sociedade, prejuízo ao atendimento público de saúde, não são criminalizadas. E uma política pública eficiente de controle de substância, que é o controle do tabagismo, passou longe da criminalização”, disse.

Membro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e integrante da Rede Reforma, a advogada Cecilia Galicio destaca que não há no mundo precedentes de criminalização constitucional do uso de substâncias.

“Acredito e torço por uma mobilização social não só capaz de reconhecer a indignidade da criminalização, como também em ações que discutam o movimento global de lidar com a questão do uso de substâncias sob a ótica dos direitos humanos, afinal, o tráfico de drogas é internacional, e não há solução local possível sem compreendermos esse fenômeno como um todo”, disse.

A conselheira do Conad ainda ressalta que a PEC trata de um tema que o STF já sinaliza como inconstitucional. “Com a iminência da decisão do STF, a princípio, dependendo do andamento do julgamento e da votação final na Câmara, viveremos um período de vacância, no qual podemos estar tanto sob a égide de uma lei mais justa, que seria a descriminalização, para rapidamente voltarmos à regência de uma lei injusta e retrógrada como pretende o Senado”.

STF

Erik Torquato afirmou que a PEC das drogas é inconstitucional e uma afronta ao artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea de proteção de direitos e garantias fundamentais, que se dedica a proteger os cidadãos contra arbítrios do Estado. Ele explica que o artigo só poderia ser alterado para expandir tais proteções e garantias, jamais para restringi-las. Isso porque a Constituição não permite a diminuição e o retrocesso de direitos.

“Essa alteração que está sendo proposta [pelo Senado] insere no artigo 5º a restrição a um direito, a uma garantia fundamental, ele viola frontalmente o direito à intimidade, à vida privada, à dignidade, previsto na Constituição. Então o Supremo poderá ser chamado a se manifestar sobre isso, e ele pode se manifestar já dentro do recurso extraordinário [sobre descriminalização de drogas]”, disse.

Em 2015, quando o julgamento começou, os ministros começaram a analisar a possibilidade de descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para uso pessoal. No entanto, após os votos proferidos, a Corte caminha para restringir a decisão somente para a maconha. A legislação atual, além de prever penas, ainda que atenuadas, para quem for pego portando drogas para consumo próprio, não define a quantidade que difere o traficante do usuário. 

Conforme os votos proferidos no STF até o momento, há maioria para fixar uma quantidade de maconha para caracterizar uso pessoal, e não tráfico de drogas, que deve ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de Cannabis. A quantidade será definida quando o julgamento for finalizado. No caso concreto que motivou o julgamento no STF, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com três gramas de maconha.

Violência policial

Para o especialista da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, uma vez incluída a criminalização dos usuários na Constituição, haverá um aumento da repressão. “Sem sombra de dúvida, com a promulgação dessa emenda constitucional que criminaliza os usuários, aqueles que atuam na repressão ao varejo e ao consumo se sentirão ainda mais legitimados para implementar a política que já é implementada de combate às drogas”, disse Torquato.

Além disso, ele aponta que a PEC das Drogas representa a garantia do comércio de substâncias ilícitas centralizado no crime organizado. “É a constitucionalização do monopólio do tráfico de drogas na mão do crime organizado. Ou seja, é um desserviço à sociedade o que o Congresso Nacional está prestes a fazer.”

O advogado ressalta que o desdobramento mais natural da PEC é o acirramento de uma disputa de narrativa, no âmbito da criminalização de usuários e da perseguição violenta ao varejo de tais substâncias, o que tem o potencial de impactar uma população já vulnerável, residente em áreas de pouca assistência social, de baixo desenvolvimento humano, como as periferias das grandes cidades e o interior dos estados.

“[Locais] onde o Poder Público se mostra muito deficiente na garantia dos direitos e garantias fundamentais – saneamento básico, educação, segurança – e onde os grupos armados têm uma presença mais efetiva, que é também onde o combate violento ao comércio dessas substâncias ocorre. Certamente, os jovens pretos periféricos que moram nessas zonas de baixo desenvolvimento humano, nas periferias, nas favelas, eles se tornarão ainda mais vulneráveis a uma política de repressão que é violenta, estigmatizante e criminalizante”, alerta.

Cristiano Maronna enfatiza que o voto do ministro do STF Alexandre Moraes, neste caso da descriminalização, escancarou o modo disfuncional como a lei de drogas é aplicada atualmente, já que a mesma quantidade para um jovem negro periférico caracteriza tráfico e para pessoas brancas em bairros nobres caracteriza uso pessoal.

“O ministro faz um verdadeiro libelo contra o sistema de justiça – polícia, Ministério Público e judiciário – ao reconhecer que, depois que a lei de drogas entrou em vigor, usuários negros, pobres, periféricos e com baixa instrução passaram a ser tratados como traficantes em comparação com pessoas brancas flagradas com a mesma quantidade de drogas. Para o Senado Federal, essa situação não é um problema, isso não sensibilizou os senadores”, disse.

Saúde

Em relação a pessoas que fazem uso abusivo de drogas, Maronna aponta que a PEC fala em tratamento e avalia que isso se configura “um risco de massificação das comunidades terapêuticas, de implementação de medidas higienistas, como a internação forçada, que tem um índice baixíssimo de eficácia”.

Erik Torquato reforça que o tratamento de pessoas que fazem uso abusivo de substâncias jamais poderia estar previsto numa norma de cunho criminal. “Tratar pessoas que são doentes dentro de uma norma penal é um contrassenso, é criminalizar a condição de saúde da pessoa. É dizer que uma pessoa está doente porque ela é criminosa, ou é criminosa por estar doente”, disse.

Segundo ele, a criminalização dessas pessoas, promove, na verdade, seu afastamento dos equipamentos de saúde, cuidado e atenção. “Nós estamos afastando essas pessoas de uma atenção humanizada, de uma política pública humanizada. É inadmissível tratar aquilo que é assunto de saúde pública numa norma criminalizante.”

Diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias aponta que a lei de drogas aprovada em 2006, embora tenha problemas, muda o olhar em relação ao usuário, passando a ter uma perspectiva mais humanista e integrativa, além de despenalizar.

“Quando se traz a criminalização de novo, novamente afasta esse cidadão da política de saúde pública. Tem aí um recado de que aquilo que ele faz é crime. E joga-se para debaixo do tapete um problema que é super importante de ser enfrentado a partir de uma perspectiva de saúde, a partir de uma perspectiva de educação, de conscientização”, avalia.

Ela reafirma a inconstitucionalidade da proposta de emenda à Constituição sobre as drogas, já que restringe as garantias fundamentais e individuais.

“São vários passos atrás, é um retrocesso tremendo e não existe nenhum precedente em outro país democrático de levar para a Constituição Federal a criminalização de qualquer droga”, finaliza.

A Agência Brasil pediu posicionamento do Ministério da Justiça e do Ministério dos Direitos Humanos sobre desdobramentos e impactos da PEC das Drogas em políticas públicas e no contexto de violação de direitos, mas não obteve resposta até a conclusão da reportagem.

Senado aprova PEC sobre criminalização da posse de drogas

O Senado aprovou nesta terça-feira (16), em dois turnos, a proposta que inclui na Constituição Federal a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga ilícita. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) teve 53 votos favoráveis e nove contrários no primeiro turno, e 52 favoráveis e nove contrários no segundo turno.

Apresentada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a PEC acrescenta um inciso ao art. 5º da Constituição Federal para considerar crime a posse e o porte, independentemente da quantidade de entorpecentes e drogas sem autorização ou em desacordo com a lei. Segundo a proposta, deve ser observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicando aos usuários penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência. 

Pacheco esclareceu que a PEC faz uma ressalva sobre a impossibilidade da privação de liberdade do porte para uso de drogas. “Ou seja, o usuário não será jamais penalizado com o encarceramento”, disse. Ele também destacou que a utilização de substâncias derivadas de drogas ilícitas para uso medicinal não será afetada pela PEC.

Atualmente, a Lei nº 11.343, de 2006, conhecida como Lei das Drogas, estabelece que é crime vender, transportar ou fornecer drogas. A pena é de reclusão de cinco a 15 anos, além de multa. Adquirir, guardar,  transportar ou cultivar drogas para consumo pessoal também é considerado crime pela lei atual, mas neste caso as penas previstas são advertência, medidas educativas e prestação de serviços à comunidade. A legislação não estabelece uma quantidade de entorpecentes que diferencie os dois delitos. 

Ao justificar a apresentação da PEC, Rodrigo Pacheco argumenta que não há tráfico de drogas se não há interessados em adquiri-las. “O traficante de drogas aufere renda – e a utiliza para adquirir armamento e ampliar seu poder dentro de seu território – somente por meio da comercialização do produto, ou seja, por meio da venda a um usuário final”, diz.

As propostas de emenda à Constituição devem ser aprovadas em dois turnos de votação, precedidos de cinco e duas sessões de discussões em Plenário, respectivamente, para entrarem em vigor. Uma PEC é aprovada quando acatada por, no mínimo, três quintos dos senadores (49 votos), após dois  turnos de deliberação.

Após aprovada no Senado, a proposta seguirá para a análise da Câmara dos Deputados. Para que a mudança seja incluída na Constituição, a PEC precisa ser aprovada nas duas Casas do Congresso.

Votação no STF

A aprovação da PEC pelo Senado é uma resposta ao Supremo Tribunal Federal, que  também avalia a questão do porte de drogas. O julgamento do tema foi suspenso em março por um pedido de vista apresentado pelo ministro Dias Toffoli. Antes da interrupção, o julgamento está 5 votos a 3 para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal.

No recurso analisado, o STF julga a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas. Para diferenciar usuários e traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e o comparecimento obrigatório a curso educativo para quem adquirir, transportar ou portar drogas para consumo pessoal.

A lei deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização. Dessa forma, usuários de drogas ainda são alvo de inquérito policial e de processos judiciais que buscam o cumprimento das penas alternativas.

No caso concreto que motivou o julgamento, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime.  O acusado foi detido com 3 gramas de maconha.

Debate 

A votação em plenário foi precedida de debate entre senadores contrários e favoráveis à PEC. Marcos Rogério (PL-RO) disse que a PEC vem em defesa da sociedade brasileira. Segundo ele, um terço das prisões do país se dá em razão das drogas. “Mas não porque são usuários, mas porque são traficantes, que atormentam as famílias brasileiras”. 

O senador Humberto Costa (PT-CE) disse que a PEC amplia a discriminação contra pessoas pobres, negras e marginalizadas e defendeu que a mudança vai desestimular os usuários de drogas a buscarem o tratamento adequado. “Procurar o serviço de saúde será reconhecer a condição de usuário e dependente e, portanto, estar submetido à possibilidade de ser criminalizado e responder a vários processos”. 

Em seu relatório, o senador Efraim Filho (União-PB) destacou a nocividade social e de saúde pública que as drogas proibidas geram. “Nesse contexto, vale destacar que a simples descriminalização das drogas, sem uma estrutura de políticas públicas já implementada e preparada para acolher o usuário e mitigar a dependência, fatalmente agravaria nossos já insustentáveis problemas de saúde pública, de segurança e de proteção à infância e juventude”, disse. 

CCJ aprova PEC que criminaliza posse de qualquer quantidade de droga

A Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado aprovou, nesta quarta-feira (13), por votação simbólica, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que inclui no artigo 5º da Carta Magna que “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

Apenas quatro senadores dos 27 da CCJ se manifestaram contrários ao texto.

O texto acrescenta que deve ser “observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”. O texto agora segue para análise no plenário do Senado.

O relator da PEC, senador Efraim Filho (União-PB), defendeu que o “fórum adequado” para discutir o tema é o parlamento brasileiro e argumentou que a possibilidade de se permitir a posse de alguma quantidade de maconha favorece o tráfico de drogas. A PEC aprovada foi apresentada no Senado em resposta ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que analisa se o porte de maconha para uso pessoal pode ser considerado crime.

O Supremo também busca definir critérios para diferenciar o traficante do usuário a partir da quantidade de maconha apreendida. O julgamento foi suspenso, na semana passada, por pedido de vista do ministro Dias Toffoli. 

Para destacar a diferença entre usuário e traficante, o relator Efraim acatou a emenda do senador Rogério Marinho (PL-RN) e incluiu no inciso o trecho “pelas circunstâncias fáticas do caso concreto”, justificando que, assim, “garante-se constitucionalmente a necessidade dessa distinção no plano fático entre o usuário de drogas e o traficante, que é um dos temas que tem permeado essa discussão”.

Um dos argumentos dos ministros do STF é de que o sistema de justiça tende a considerar como traficantes as pessoas pobres e negras e, por isso, seria necessários critérios objetivos para definir quem é usuário e quem é traficante.

Durante a sessão, o relator Efraim argumentou que a lei não discrimina por cor ou condição social e que o Judiciário deve, nesses casos, tentar corrigir a aplicação da lei.

“Se há dificuldade na aplicabilidade da lei, se há erro na aplicabilidade da lei, e a lei é aplicada pelo juiz, pelo promotor, pela autoridade policial, cabe, por exemplo, ao CNJ [Conselho Nacional de Justiça] chamar os juízes para fazer seminários e orientar, aplicar de forma correta, tratar o usuário sem encarceramento, tratar o traficante com rigor da lei”, defendeu.

Debate

O senador Fabiano Contarato (PT-ES) divergiu do relator por entender que a PEC não inova em relação ao que já existe na Lei de Drogas, não diferencia o traficante do usuário e que “estamos passando para a população uma falsa percepção de que o problema da segurança pública vai ser resolvido”. Para ele, haverá discriminação a depender da cor da pele e da origem social.

“[Se] ele [o usuário] for flagrado com cigarro de maconha, as circunstâncias fáticas ali vão ser a cor da pele e o local do crime, que ele vai ser atribuído como tráfico de entorpecente. Agora, nos bairros nobres, aqui no plano piloto em Brasília, aquele mesmo jovem, com a mesma quantidade, pelas circunstâncias fáticas, vai ser tratado como usuário de substância entorpecente”, disse.

Senadores favoráveis à PEC argumentaram que o julgamento do Supremo estaria “usurpando” as competências do Congresso Nacional, como expressou o senador Eduardo Girão (Novo-CE). “Existiu uma usurpação de competência, uma invasão na prerrogativa nossa aqui do parlamento brasileiro”, ressltou.

O senador Rogério Marinho, por outro lado, defendeu que os critérios para definir quem é usuário ou traficante devem ser das autoridades que estão na ponta do sistema de justiça. “A definição se é ou não posse, ou tráfico, é de quem faz de fato a apreensão. De quem está com a mão na massa e não quem está em um gabinete de ar refrigerado.”

Marinho ainda reclamou dos votos dos ministros do STF sobre a quantidade a ser apreendida que poderá ser considerada para consumo pessoal. “Países que liberaram a maconha estabeleceram uma quantidade de droga que, em média, são bem menores do que o voto médio que foi dado no Supremo Tribunal Federal”, disse.

Conforme os votos proferidos até o momento, há maioria para fixar uma quantidade de maconha para caracterizar uso pessoal, e não tráfico de drogas, que deve ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis. A quantidade será definida quando o julgamento for finalizado.

Já o senador Humberto Costa (PT-PE) manifestou a preocupação pela possibilidade de se encarcerar usuários como traficantes, aumentando assim a mão-de-obra disponível para as facções criminosas.

“Alguém que foi preso porque estava portando uma quantidade mínima de drogas vai, a partir daí, ter que se tornar soldado do crime organizado para poder sobreviver na cadeia”, destacou.

Já o senador Marcelo Castro (MDB-PI), disse que a proposta é um retrocesso, uma vez que o mundo ocidental tem flexibilizado o porte e posse de maconha. Para Castro, o tema não é matéria constitucional.  

“Estamos equiparando o usuário, ou dependente ou doente ou recreativo, ao traficante e ao criminoso. Estamos colocando na Constituição que todo aquele que for pego com qualquer quantidade de droga, com meio grama, ele é criminoso. Isso é aceitável? É razoável? Eu acredito que não.”

Entenda

O Supremo julga, desde 2015, a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006), que cria a figura do usuário, diferenciado do traficante, que é alvo de penas mais brandas. Para diferenciar usuários e traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento obrigatório a curso educativo para quem adquirir, transportar ou portar drogas para consumo pessoal.

A lei deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização. Dessa forma, usuários de drogas ainda são alvos de inquérito policial e processos judiciais que buscam o cumprimento das penas alternativas.

No caso concreto que motivou o julgamento, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com três gramas de maconha.

PEC propõe proteção à privacidade mental na era das neurotecnologias

Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada por senadores de diferentes partidos busca proteger a integridade e a privacidade dos dados mentais de usuários de equipamentos neurotecnológicos – métodos ou dispositivos utilizados para registrar ou modificar a atividade cerebral.

Protocolada em junho de 2023, a PEC nº 29 é inspirada na proposição da fundação norte-americana Neurorights, cujo principal porta-voz é o neurobiólogo espanhol Rafael Yuste (Leia aqui a entrevista dele à Agência Brasil) e em uma proposta já aprovada pelo Congresso do Chile. O país é o primeiro a incluir em sua Constituição a proteção à atividade e aos dados cerebrais.

Entre as justificativas apresentadas na PEC nº 29, os parlamentares destacam que o desenvolvimento das neurotecnologias gera “esperança e grande expectativa”, principalmente em áreas como a medicina, mas também cria uma “fundada e real preocupação sobre os limites éticos e normativos” do uso desses métodos e aparelhos em seres humanos.

Quase nove meses após ser apresentada, a PEC 29 ainda aguarda a indicação do relator da matéria pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (União-AP). O relator ficará encarregado de apresentar um parecer aos demais membros do colegiado responsável por opinar sobre a constitucionalidade das propostas em análise no Senado.

A iniciativa chama a atenção não só pelo número de signatários, 27 senadores, mas também por unir representantes de diferentes correntes ideológicas, como os líderes do governo federal no Congresso Nacional e no Senado, respectivamente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Jaques Wagner (PT-BA), e o ex-vice-presidente da República Hamilton Mourão (Republicanos-RS), além de Angelo Coronel (PSD-BA); professora Dorinha Seabra (União-TO) e Mara Gabrilli (PSD-SP), entre outros.

Os autores da PEC argumentam que a regulamentação dos neurodireitos é essencial para proteger a privacidade, a autonomia e a liberdade individual em um mundo cada vez mais digitalizado. A proposta também busca garantir que os benefícios das tecnologias neurocientíficas sejam distribuídos de forma justa e equitativa entre a sociedade.

A defesa parlamentar à regulamentação dos chamados neurodireitos no Brasil ecoa a proposta internacional de especialistas em neurociências, direito e bioética que pregam a necessidade de os países incorporarem a proteção aos neurodados em suas leis e a possibilidade de a Organização das Nações Unidas (ONU) ampliar o rol de direitos fundamentais estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos a fim de proteger as pessoas e sociedades dos eventuais efeitos nocivos do uso da neurotecnologia.

Para a procuradora do estado de São Paulo Camila Pintarelli, em meio ao avanço das neurotecnologias, é preciso haver um debate sobre os direitos essenciais dos usuários – Arquivo pessoal

A procuradora do estado de São Paulo Camila Pintarelli participou da elaboração da PEC 29. A exemplo do espanhol Rafael Yuste, ela considera que as perspectivas quanto ao que está por vir no campo das neurociências se assemelham a um “novo Renascimento”.

“Venho estudando e lendo sobre a evolução das neurotecnologias e sobre os impactos que elas podem causar há ao menos cinco anos. Noto que não só o interesse pelo tema vem aumentando, como também que o cérebro, a atividade cerebral, assumiu um valor jurídico que não tinha até há pouquíssimo tempo”, comentou a procuradora ao destacar que, embora soem “abstratas e complexas”, as neurotecnologias estão cada vez mais presentes no cotidiano, exigindo um debate sobre os direitos essenciais dos usuários.

“Precisamos começar a prestar atenção neste tema. A velocidade com que as tecnologias avançam é muito superior à velocidade de regulação [dos legisladores]. Os tempos mudam, e os direitos fundamentais precisam ser frequentemente relidos à luz das novas tecnologias”, disse.

“Considerando os avanços recentes e as perspectivas de avanços nas neurociências, penso que já está na hora de incorporarmos a proteção à mente humana e aos neurodados em nossa Constituição, a exemplo do que fez o Chile, com a aprovação da Lei 21.383, em 2021”, acrescentou a procuradora, destacando que já existem grupos de defesa da regulamentação dos neurodireitos em vários países.

“Já há, no México, uma proposta de reformar a Constituição para incluir a proteção dos neurodireitos. Estamos vendo movimentos semelhantes no Uruguai, na Colômbia, no Peru e em outros países”, citou Camila.

“O importante é distinguirmos duas vertentes. Há a neurotecnologia usada no campo da saúde, no tratamento de doenças, e que é uma promessa de cura para doenças até hoje incuráveis. E há o emprego das neurotecnologias para outros fins mais, digamos, comerciais. Isto é o que preocupa. Quando a neurotecnologia, o acesso a dados neurais, deixa de ser usado sob o rígido controle que rege o campo da saúde e passa a ser oferecido em prateleiras, pela internet, para outros fins e sem nenhum controle”, distinguiu Camila, frisando que já existem, à disposição de qualquer interessado, produtos como tiaras e capacetes capazes de monitorar e armazenar informações do cérebro dos usuários.

“Hoje, os exemplos de produtos e de uso prático não terapêutico são pontuais, mas, considerando a velocidade com que esse mercado evolui, se não nos anteciparmos e estabelecermos algumas regras e algumas proteções à integridade mental das pessoas, perderemos o timing. O número de patentes em neurotecnologia simplesmente duplicou nos últimos cinco anos, e cada vez mais empresas, incluindo as big techs, têm se interessado pelo potencial da interação direta entre cérebro e máquinas – interação que abre uma gama infinita de possibilidades de desenvolvimento de novos produtos”, concluiu ela.

As considerações da procuradora estão respaldadas por dados de um relatório que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência, e a Cultura (Unesco) divulgou em 2023. No documento, a Unesco afirma que o mundo está “no limiar de uma nova revolução tecnológica”. E aponta que, de 2013 a 2023, os investimentos governamentais globais em pesquisas relacionadas às neurociências superaram US$ 6 bilhões, ou cerca de R$ 29,8 bilhões, enquanto os investimentos privados alcançaram, de 2010 a 2020, os US$ 7,3 bilhões, ou mais de R$ 36,2 bilhões.

No relatório, a organização alerta que “a promessa de que as neurotecnologias melhorem a vida das pessoas que vivem com deficiências desencadeadas por problemas relacionados ao cérebro pode ter um custo elevado em termos de direitos humanos e liberdades, se abusadas”. Daí a importância de “políticas bem-elaboradas, eficazes, baseadas em evidências e numa clara definição e descrição do problema, para que as escolhas feitas não corram o risco de serem distorcidas”.

Bolsonaro reconhece caráter eleitoreiro da PEC das Bondades, em vídeo

Em reunião com a equipe de governo no Palácio do Planalto, dois dias antes de a comissão especial da Câmara dos Deputados aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 15 – a chamada PEC das Bondades – o então presidente Jair Bolsonaro admitiu o caráter eleitoreiro da medida.

“A PEC das Bondades é necessária. Apesar de não ter sido feita para a eleição, não tem como não ganharmos a simpatia da população”, disse Bolsonaro ao abrir a reunião do dia 5 de julho de 2022, cujo registro em vídeo agora faz parte das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do estado democrático de direito.

O vídeo é uma das provas apresentadas pelo STF no âmbito da Operação Tempus Veritatis, deflagrada na nessa quinta-feira (8) pela Polícia Federal para investigar uma suposta organização criminosa cuja atuação teria resultado na tentativa malsucedida de golpe de Estado no 8 de janeiro de 2023.

“Não tem como. Depois desta PEC da Bondade – a gente não está pensando nisso – termos 70% dos votos, mas vamos ter 49% dos votos”, cravou Bolsonaro, criticando os institutos de pesquisa que, àquela altura, apontavam que o petista Luiz Inácio Lula da Silva liderava as pesquisas de intenção de voto.

“Vemos que o [Instituto] DataFolha continua mantendo a posição de 45% e, por vezes, falando que ele ganha no primeiro turno. Acho que ele ganha sim. As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE”, comentou Bolsonaro, voltando a questionar a segurança das urnas eletrônicas e o processo eleitoral brasileiro.

Corrida presidencial

Na ocasião, o Datafolha apontava que Lula liderava a corrida presidencial, alcançando 41% das intenções de voto no primeiro turno, contra 23% de Bolsonaro. Em um segundo turno contra Bolsonaro, Lula levaria ampla vantagem, com uma margem de 55% a 32%.

A reunião de governo aconteceu no dia 5 de julho, seis dias após o Senado aprovar a PEC das Bondades. Dois dias depois, a comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o parecer de emenda constitucional. Os deputados aprovaram o texto-base da proposta

Faltando cerca de 100 dias para as eleições, a PEC nº 15 autorizou o governo federal a decretar estado de emergência no país para, com isso, ampliar o pagamento de benefícios sociais até o fim ano de 2022.

Cerca de R$ 41,25 bilhões foram destinados à expansão do programa Auxílio Brasil e do vale-gás de cozinha; ao reforço do programa Alimenta Brasil e para custear o auxílio financeiro pago a caminhoneiros e taxistas.

Confira a íntegra do vídeo