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Fiocruz recebe 88 propostas de projetos para o Memorial Covid-19

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) recebeu 88 propostas no concurso nacional de projeto arquitetônico e paisagístico do Memorial Covid-19. A ideia é criar um espaço que homenageie aqueles que foram atingidos pelos efeitos da pandemia do coronavírus, reconhecida assim em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e encerrada em 5 de maio de 2023. Durante esse período, foram mais de 765 milhões de casos e quase 7 milhões de mortes.

O prazo de inscrições e submissões de trabalhos encerrou-se no último dia 29 de abril. A próxima fase do concurso é o julgamento das propostas, que acontecerá entre 6 e 20 de maio. Vão ser levados em conta diretrizes técnicas, paisagísticas e de preservação do patrimônio histórico e cultural. A comissão julgadora é composta pelos arquitetos e urbanistas Eduardo Barra, Ernani Freire, Gloria Cabral, Luis Madeira e Regina Pontin, pela historiadora Cristina Meneguello e pela médica Valdiléa Veloso.

No dia 21 de maio de 2024, vão ser conhecidos os vencedores do concurso. Serão distribuídos R$ 40 mil em prêmios para as três propostas mais bem classificadas. O primeiro lugar vai ser contratado para desenvolvimento dos projetos com o valor de R$ 150 mil. Estima-se que as obras do Memorial Covid-19 devem custar R$ 1,35 milhão.

“Ficamos felizes e mais que satisfeitos com os resultados alcançados até aqui. Isso demonstra a relevância da modalidade concurso na contratação de projetos arquitetônicos, paisagísticos e urbanísticos”, diz o coordenador do concurso, o arquiteto e urbanista Cláudio Crispim. “Arquitetas e arquitetos e urbanistas de todo o país, recém-formados ou já consolidados no mercado, concorrem de igual para igual. Além disso, através dos diferentes pontos de vista, cria-se espaço de debate sobre a cidade que queremos”.

O diretor da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Marcos José de Araújo Pinheiro, garante que o memorial será uma resposta àqueles que reconhecem o protagonismo da instituição no combate à pandemia da covid-19 e no desenvolvimento do conhecimento científico. “O Memorial Covid-19 Fiocruz – Ciência e Saúde será local importante de reflexão de um período que marcou o mundo, sobretudo o Brasil, que teve um número altíssimo de vítimas fatais”, afirma Pinheiro.

O Memorial Covid-19 Fiocruz será implementado no campus de Manguinhos, no Rio de Janeiro, em uma área com 2.503,31 m², adjacente ao conjunto da portaria da Avenida Brasil. A localização facilita a visibilidade do memorial para os que passam em frente à instituição. Os projetos deverão incluir soluções para o fluxo de pedestres e considerar a proximidade do futuro memorial com o Centro de Recepção do Museu da Vida Fiocruz.

Saúde anuncia criação de memorial para vítimas da covid-19

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificava o cenário de covid-19 no mundo como uma pandemia. Quatro anos depois, nesta segunda-feira (11), o Ministério da Saúde anuncia a criação de um memorial às vítimas da doença que matou 710 mil brasileiros. O local escolhido, de acordo com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, é o Centro Cultural do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro.

“Ao falarmos de um memorial e de uma política de memória, porque é isso que estamos propondo, não circunscrevemos a pandemia de covid-19 ao passado. Como todas as reflexões sobre memória, sabemos do componente presente, político, das ações de memória. E, ao mesmo tempo, lembramos que, a despeito de termos superado a emergência sanitária, nós não superamos a covid-19 como problema de saúde pública.”

Nísia participa da abertura do Seminário para Concepção e Criação do Memorial da Pandemia da Covid-19. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Ao participar da abertura do Seminário para Concepção e Criação do Memorial da Pandemia da Covid-19, a ministra lembrou que a OMS discute atualmente a criação de um instrumento para o enfrentamento de emergências e pandemias que não permita que cenários como o registrado em junho de 2021 se repitam.

Neste período, a vacina contra a covid-19 já havia sido registrada e era amplamente comercializada, mas apenas 10% dos países tinham acesso. “Não pelo negacionismo, como vivemos no Brasil, mas pela desigualdade na distribuição e produção de vacinas e outros insumos.”

“Ao mesmo tempo, tem que fazer parte desse aprendizado o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Porque só um sistema de saúde potente e resiliente pode fazer frente a possíveis e futuras pandemias que o mundo todo discute”, disse.

“Ao falarmos do memorial, falamos da importante relação entre memória e história. Não circunscrevemos ao passado, mas pensamos também em que projeto nós queremos para a saúde, para o Brasil, para a democracia e para o mundo.”

Marcas

Para a representante da Rede Nacional das Entidades de Familiares e Vítimas da Covid, Rosângela Dornelles, a pandemia de covid-19 deixou marcas de profundo sofrimento na população brasileira. “No Brasil, ela foi agravada pela desresponsabilização do Estado na coordenação de medidas para seu combate, pelo desmonte de serviços públicos e pelo negacionismo ao seu enfrentamento”. Ela cita ainda um processo de “naturalização” de um número cada vez maior de mortes pela doença.

“Cabe lembramos da bravura dos trabalhadores do SUS, que enfrentaram com suas vidas essa doença. Antes mesmo da covid-19 e mais agora no pós-pandemia, a defesa do SUS exige que apontemos para o seu redimensionamento, de modo a dar respostas efetivas às atuais e futuras demandas orientados por um conceito ampliado de saúde”, destacou a médica de família, ao citar desafios como o represamento assistencial imposto pela pandemia, as desigualdades sociais e a crise climática.

“A OMS nos lembra: apesar de passada a situação de emergência, continuamos a viver comum vírus que sofre mutações e pode seguir gerando a doença e mortes. A pandemia deixou marcas de profundo sofrimento na população brasileira. Um processo dramático vivido pela maioria das famílias. Isso nos impõe promover a defesa da dignidade humana e da vida. Responsabilizar sim os gestores públicos e privados, negligentes ou omissos, e recompor as políticas de direitos e proteções sociais de forma articulada, com ousadia e expectativas ampliadas.”

Memorial da Resistência resgata histórias sobre a imprensa feminista

O Memorial da Resistência, na capital paulista, realizou neste sábado (3) uma roda de conversa com mulheres que desafiaram a repressão no período da ditadura instaurada com o golpe militar de 1964, no Brasil. Elas se impuseram através da imprensa e ao contestar papéis de gênero impostos e o autoritarismo instalado no país.

Entre essas mulheres, estava Lia Katz que, no fim dos anos 60, militava em defesa da democracia e que chegou à “panelinha das comunicadoras” quando começou a participar, juntamente com a amiga Rita D. Luca, de reuniões do movimento feminista, em São Paulo.

Os encontros se fortaleceram em 1975, quando foi comemorado o Ano Internacional da Mulher, com a realização da primeira edição da Conferência Mundial da Mulher, que teve como lema “Igualdade, Desenvolvimento e Paz”. Na imprensa feminista, o destaque eram os jornais Nós Mulheres, Mulherio  e o Brasil Mulher.

O ano de 1975 marcou o retorno de Lia ao Brasil – ela viveu em exílio na França durante cinco anos – e  também aquele em que nasceu sua filha. Na Europa, ela fez faculdade e levantou o complemento do “dinheirinho” que seus pais mandavam, suficiente para a vida sem luxo de estudante, fazendo bicos para intelectuais brasileiros, como a transcrição de fitas. 

O tempo de exílio, pontua ela, serviu para “poder rever o que estava acontecendo no Brasil”. “Porque a luta armada estava sendo esfacelada, todo mundo sendo preso, morto. Eu pude fazer a crítica do que estava acontecendo, para voltar com uma consciência mais elaborada”, emenda.

O alerta de que havia agentes da repressão em seu encalço acendeu cedo para ela, que tinha somente 17 anos quando deixou tudo para trás. Foi simples o gesto que a colocou sob a mira: a direção da organização clandestina em que atuava com o namorado caiu e, com isso, o casal emprestou o apartamento para que os membros pudessem realizar uma reunião. Ainda não tinha sequer terminado o colegial e viu seus amigos serem presos. “A gente não ficou tanto tempo preso porque era muito jovem ainda”, relatou Lia em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

Segundo ela, havia, como ainda há hoje, uma ala de companheiros homens que não se importava com as pautas de defesa dos direitos das mulheres. Essa parcela sustentava que os movimentos deveriam focar em luta social, na implementação do socialismo e na cultura democrática.

“Eu não tinha vínculo com o feminismo até frequentar esses grupos e ficar grávida”, comenta Lia, que acabou virando escritora de livros infantis.

Como nas redações dos jornais feministas quem dava as cartas eram elas e não eles, saíam pautas e matérias sobre o direito a vagas em creches e os perrengues diários das mulheres trabalhadoras. “A gente ia à periferia fazer matéria, não estava só o clubinho”, observa.

Hoje, faria diferente. “Tem algumas matérias que entrevistam mulheres negras, mas é muito tímido, incipiente. Nosso grupo tinha talvez uma mulher negra. O racismo estrutural não era discutido nessa época. Por exemplo, hoje em dia, se faz feminismos plurais. Tinha também o grupo de mulheres lésbicas, que acabou compondo com todos os grupos”, lembra. 

Nenhum texto era assinado e era um sufoco manter a publicação em pé, pois ninguém tinha dinheiro. Até a cantora Elis Regina chegou a patrocinar números dos jornais. 

Perguntada sobre como se dava a censura sobre o conteúdo, Lia diz que não se recorda bem. Uma memória, porém, remanesce, de quando usaram o espaço da redação do jornal Versus, um porão. “[A censura] Não era como no Estadão, com receita na primeira página”, afirma.

Governo apoiará processo para transformar casa de tortura em memorial

O governo federal irá apoiar a prefeitura de Petrópolis em mais um passo para transformar o imóvel no bairro do Caxambu, conhecido como Casa da Morte – apontado como equipamento usado durante a ditadura militar para tortura e morte de presos políticos -, no Memorial de Liberdade, Verdade e Justiça, que tem como objetivo a preservação da história para que crimes como o que ocorreram naquele período não ocorram mais.

Para que seja criado o centro de memória, é preciso solucionar um impasse com os proprietários do imóvel, que vem desde 2012. Agora, com o apoio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), a prefeitura protocolou uma ação na 4ª Vara Cível da Comarca de Petrópolis, e a primeira audiência está marcada para esta quinta-feira (1º).

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) irá disponibilizar os recursos financeiros necessários para a conclusão do processo, de acordo com nota publicada nessa quarta-feira (31). A pasta informou que por meio de captação de recursos, atua em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) e a prefeitura de Petrópolis a fim de solucionar o processo de desapropriação do imóvel.

Seguindo sugestão do MPF, o ministério também enviou ofício à Universidade Federal Fluminense (UFF) para que a instituição de ensino integre o convênio, na qualidade de gestora do espaço, em razão de sua expertise sobre a temática.

O apoio do MDHC foi formalizado no 19 de janeiro, em ofício. A partir daí, a prefeitura de Petrópolis deu início ao processo de desapropriação, no último dia 22, protocolando ação na 4ª Vara Cível da Comarca da região. Segundo o ministério, o espaço será um símbolo para novas gerações a fim de que crimes do Estado contra brasileiros não se repitam, por meio de esforço entre governo e sociedade civil.

De acordo com o secretário de governo de Petrópolis, Marcus São Thiago, desde 2012, quando o local foi identificado pela Comissão da Verdade, busca-se desapropriar o imóvel, mas isso sempre foi difícil por falta de dinheiro por parte da prefeitura. “Sempre tentamos também desenvolver um projeto onde essa casa fosse resgatada como patrimônio, direcionada ao resgate da memória daqueles tempos sombrios, com a criação de um memorial. Foi uma luta de mais de década que se prendeu aqui em Petrópolis”, disse, acrescentando que agora isso se torna possível com a ajuda do governo federal.

Na audiência, São Thiago diz que a prefeitura pretende buscar uma solução amigável. A intenção é “discutir a possibilidade de um trâmite amigável e a solução vir em curto tempo”.  

Para a ex-presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro Nadine Borges (foto), o apoio do governo federal é um passo importante. “O Estado brasileiro ainda está muito longe de cumprir as recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que obriga a revisar a Lei da Anistia e a investir na política de memória. Um povo sem memória é um povo que repete e está fadado à repetição das violações de direitos humanos”, diz Nadine que atualmente é secretária de Direitos Humanos e Cidadania de Niterói.

Ela participou das investigações que identificaram a Casa da Morte. “As pessoas costumam falar em centro clandestino de tortura. Só que não era um centro clandestino, era um centro extraoficial, era um lugar que quem estava no comando da inteligência do Exército conhecia muito bem, aportava recursos”. Segundo a secretária, transformar o local em memorial tem significado muito grande “para quem luta por memória, verdade, justiça e reparação, sobretudo as pessoas que foram afetadas na ditadura empresarial militar”.

De acordo com Nadine, o memorial é um primeiro passo: “A ideia de revelar para as novas gerações o que foi a ditadura já é um primeiro passo, importante, mas precisa ir além. É preciso, sim, abrir os arquivos das Forças Armadas para a gente saber quem foram as pessoas torturadas e desaparecidas na casa de Petrópolis”.

*Com informações de Priscila Thereso, da Radioagência Nacional

Memorial atrasa inauguração por impasse entre atingidos e mineradora

Um pavilhão com cerca de 1,5 mil metros quadrados de área construída, integrado a um amplo jardim, em um terreno de 9 hectares. Trata-se do memorial onde familiares das vítimas da tragédia ocorrida em Brumadinho no dia 25 de janeiro de 2019 poderão se conectar com seus parentes e prestar suas homenagens. Também será um espaço de denúncia.

Nesta quinta-feira (25), a tragédia completou cinco anos. No episódio, milhões de metros cúbicos de rejeitos foram liberados no ambiente, soterrou 270 vidas e gerou ainda devastação ambiental e poluição na bacia do Rio Paraopeba. As famílias das vítimas contabilizam 272 mortes, levando em conta que duas mulheres estavam grávidas.

Pavilhão consruído é integrado a jardim, em terreno de 9 hectares. Foto:  Jomar Bragança/Arquitetos Associados/Divulgação

O memorial fica localizado próximo à mina Córrego do Feijão, onde ficava a barragem da Vale que se rompeu devastando comunidades e poluindo o meio ambiente. Sua construção foi uma exigência dos atingidos na tragédia. A Vale arcou com o custo da obra. Apesar do financiamento, a Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) não aceita que a mineradora administre o espaço.

Gestão

As obras físicas estão concluídas desde 2022, mas sua inauguração está atrasada justamente devido ao impasse entre os atingidos e a mineradora envolvendo a gestão. Segundo a engenheira civil Josiane Melo, integrante da diretoria da Avabrum, a entidade buscou o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o governo mineiro para auxiliar nas tratativas.

Em agosto de 2023, foi finalmente selado um acordo. Para administrar o espaço, está sendo estruturada a Fundação Memorial de Brumadinho, que terá protagonismo dos familiares das vítimas.

 Parentes poderão homenagear vítimas da tragédia. Foto: Jomar Bragança/Arquitetos Associados/Divulgação

Josiane, que era funcionária da Vale na época, estava de férias na data da tragédia. No entanto, sua irmã, que estava grávida, perdeu a vida no episódio. “A ideia do memorial começou a nascer em 2019, da indignação de familiares que, após enterrar seus entes queridos, recebiam notícias de que mais segmentos corpóreos foram encontrados. E as pessoas não queriam ir ao IML [Instituto Médico Legal] para viver todo aquele processo novamente”, afirmou à Agência Brasil.

“Nos disseram que esses novos segmentos seriam então destinados a uma vala comum, sem identificação. Daí nasceu essa ideia do memorial como um cemitério para que a gente pudesse destinar os segmentos corpóreos de uma forma mais digna, identificando as vítimas. E o projeto foi depois tomando outras proporções, para fazer uma homenagem às vítimas e trazer relatos sobre a verdadeira história da tragédia-crime.”

Pavilhão traz o nome de cada uma das vítimas. Foto: Jomar Bragança/Arquitetos Associados/Divulgação

Kenya Lamounier, que perdeu o marido Adriano na tragédia, e também integra a diretoria da Avabrum, diz que uma longa batalha foi travada com a mineradora. “Esse espaço não é da Vale, porque quem mata não rende homenagem. Quem mata tem que ser punido. A gente não aceitaria que a Vale tivesse a governança”, disse.

Segundo ela, com o acordo assinado em agosto, a mineradora já saiu de cena.

“Ela ficou como instituidora, vai ter que arcar financeiramente para sempre, mas não vai administrar. Agora já temos uma diretoria da Fundação Memorial Brumadinho e estamos avançando com a documentação jurídica. É importante lembrar que a Vale ainda não fez nenhum depósito, mas a diretoria já está trabalhando, resolvendo as pendências para que possa ser inaugurado”, explicou.

Em nota, a Vale confirmou a assinatura do acordo e disse que ele fixa regras e procedimentos para a gestão e conservação do espaço. “Foi criada a Fundação Memorial de Brumadinho, fundação privada sem fins lucrativos, responsável pela gestão do Memorial, e que realiza de forma exclusiva a sua manutenção e operacionalização”, registra o texto.

Percurso

O pavilhão contará com um grande espaço meditativo. Ele terá vista para o jardim do memorial, onde 272 ipês amarelos estarão plantados em homenagem a cada uma das vidas perdidas. Na parte externa, também se avista uma grande escultura geométrica suspensa, que representa uma “cabeça que chora”.

Tragédia ocorreu em 25 de janeiro de 2019. Foto: Jomar Bragança/Arquitetos Associados/Divulgação

O memorial conta com uma série de referências às vítimas. Foram incorporadas, por exemplo, algumas peças retiradas dos escombros. São artigos que testemunharam a tragédia o projeto busca ressignificar, usando-as para criar sombra e uma sensação de proteção.

Ao entrar no pavilhão, o visitante deverá encontrar um ambiente escuro, que terá apenas frestas de luz no teto, como se a onda de rejeitos estivesse atingindo o edifício. Ao sair desse espaço, ele percorrerá uma fenda. Nas paredes laterais, estarão os nomes de cada uma das pessoas que se foram. Um espaço de memórias permitirá a projeção de imagens, vídeos, cartas e mensagens.

O visitante atravessará um percurso de 230 metros que se apresenta como uma linha do tempo e provocará reflexões sobre as consequências da tragédia e o luto. Ao fim, se depara com a “cabeça que chora”, onde há também a queda de uma corrente de água que chega por um canal.

Projeto

O projeto do memorial é assinado pelo arquiteto Gustavo Penna. A escolha foi das próprias vítimas, a partir de um processo seletivo que contou com cinco candidaturas e foi concluído em março de 2020. “Era um projeto que dialogava muito com a nossa realidade”, avalia Josiane.

“O ipê, árvore símbolo do Brasil, vem como exemplo de superação. No verão, ele se ergue com folhas para dar sombra, no inverno essas mesmas as folhas caem para deixar passar a luz do sol, e quando a seca aperta ele floresce para mostrar que, apesar de tudo, a vida continua”, registra o texto de apresentação do projeto publicado pelo escritório de Gustavo Penna.

Em entevista à Agência Brasil, o arquiteto conta que a luta das mulheres à frente da Avabrum foi fonte de inspiração. “Elas têm uma grandeza de sentimentos, uma entrega. Eu passei a admirá-las. Foram elas que exigiram tudo isso. Elas não esmoreceram e demonstram uma força impressionante.” Também diz que foi preciso absorver os diferentes níveis de impactos da tragédia.

Memorial Brumadinho fica próximo à mina Córrego do Feijão. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Impacta as famílias, impacta comunidade de Córrego do Feijão. As crianças e as pessoas ali nunca viram aquilo aquilo. Era uma uma vila tranquila, interiorana, pacífica e de repente começa a receber helicópteros e corpos. É um horror. As pessoas que estavam dentro do refeitório da mina, trabalhadores da própria Vale que foram colocados no caminho da lama. É uma vergonha deixar uma coisa dessa. A Vale falhou. A fiscalização falhou. A imagem brasileira também foi arrebentada. E agora a mineração precisando passar por uma revisão. Precisamos incorporar todos esses níveis no projeto.”

Gustavo Penna explica que o projeto se valeu de diversas simbologias.

“No meu modo de pensar, quem faz arquitetura são as palavras, não são os concretos. As palavras que modelam o concreto. Então eu usei muito a metáfora. A ‘cabeça que chora’, os ipês que tem floração na época da seca e mostram que a vida continua, o prédio que não é retilíneo e é todo quebrado, tudo é uma metáfora para que aquela pessoa sinta como é doido. E tudo é monocromático, não tem outra cor, porque tudo foi atingido com essa cor. Eu não poderia fazer um edifício que tivesse outras cores, eu não quero glamourizar uma tragédia dessa. É preciso ser denunciador”.

O arquiteto disse ainda se sentir privilegiado em ter seu projeto escolhido, o qual considera ter sido um dos mais complexos que já produziu. “O que me coube é tridimensionalizar essa dor. É como diz o João Cabral de Melo Neto: é faca só lâmina, não tem cabo. Ela corta de todos os lados que você pega. É uma faca só lâmina, é dor”.