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Mais de 17 milhões já tiraram nova Carteira de Identidade Nacional

Mais de 17 milhões de brasileiros já possuem a nova Carteira de Identidade Nacional (CIN). O balanço foi divulgado nesta segunda-feira (16) pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

“A nova Carteira de Identidade Nacional reduz as fraudes, melhora os cadastros administrativos e qualifica o acesso a serviços públicos digitais, pois possibilita um acesso mais seguro (conta Ouro) aos mais de 4,5 mil serviços digitais disponíveis no Gov.br”, destacou a pasta.

Em nota, o ministério reforçou que todos os brasileiros têm até 2032 para fazer a troca do documento pela nova identidade, sendo que a primeira via gratuita. Atualmente, a CIN é emitida em todos os estados brasileiros. Mais informações podem ser acessadas no gov.br/identidade.

Infraestrutura pública digital

No comunicado, a pasta informou que planeja construir uma Infraestrutura Pública Digital (IPD) de identificação civil no intuito de automatizar os serviços públicos. “Essa IPD utilizará a base de dados da CIN e a identificação em meios digitais do Gov.br”.

“Uma IPD é um conjunto de sistemas digitais compartilhados que devem ser seguros e interoperáveis. Esses sistemas podem ser construídos a partir de especificações e padrões abertos, para ofertar acesso equitativo a serviços públicos e privados em escala social”, completou o ministério.

A proposta é que o Gov.br passe a informar, por exemplo, sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou sobre como tirar a carteira de motorista se quem estiver acessando for uma pessoa com 18 anos. Caso seja um idoso, a plataforma poderá informar sobre aposentadoria ou sobre a concessão de benefícios.

Frei Betto: segmento dos indígenas foi o mais atingido pela ditadura

Ao todo, são 79 livros editados no Brasil. Um deles, foi selecionado através de votação popular para guiar uma mesa de conversa: Tom Vermelho do Verde. Na quarta-feira (11), as palavras do frade dominicano, jornalista e escritor Frei Betto mobilizaram as atenções na última edição de 2024 do Clube de Leitura, evento realizado pelo Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro. Embora seja um romance, a história narrada na obra escolhida tem como pano de fundo o drama vivido pelos indígenas waimiri atroari durante a ditadura militar.

Lançado em 2022, Tom Vermelho do Verde aborda acontecimentos da década de 1970 que Frei Betto só tomou conhecimento décadas mais tarde. Embora engajado na luta contra a ditadura, mal sabia ele na época dos horrores que a Floresta Amazônica testemunhava. Em entrevista à Agência Brasil, ele diz que hoje considera que os indígenas foram os mais atingidos pela violência empreendida ao longo do governo militar.

Realizado sempre na segunda e quarta-feira de cada mês, o Clube de Leitura tem entrada gratuita, mediante retirada prévia de ingresso na bilheteria. De acordo com Suzana Vargas, mediadora e curadora da iniciativa, o convite aceito por Frei Betto para o último encontro do ano deu ao público a oportunidade de “refletir como a literatura é capaz de elevar a outro patamar nossa consciência existencial e cidadã, muitas vezes ocupada por preocupações puramente materiais”.

Clube do Livro do CCBB-RJ com Frei Betto. Foto:  Alexandre Brum/Clube do Livro CCBB-RJ

Na entrevista concedida à Agência Brasil antes do encontro, Frei Betto transita por múltiplos temas. Conta detalhes sobre Tom Vermelho do Verde e provoca reflexões sobre o período militar e sobre os desafios no mundo atual. Compartilha ainda informações sobre o trabalho que desenvolve em Cuba, voltado para a promoção da soberania alimentar, e chama atenção para a presença da religiosidade na vida das pessoas.

Agência Brasil: Tom Vermelho do Verde é um romance que aborda questões indígenas e ao mesmo tempo faz uma denúncia da violência empregada pela ditadura militar. De onde surgiu a inspiração para esse livro?

Frei Betto: Há mais de 10 anos, eu li um livro sobre uma expedição “pacificadora” – entre aspas – de indígenas que foi massacrada na Amazônia. Por absoluta incompetência, as pessoas que se envolveram nessa expedição foram à área dos waimiri atroari. E era um padre que dirigia essa expedição. Um padre sem nenhuma experiência, apenas já tinha tido contato com os yanomami que são mais ou menos vizinhos dos waimiri atroari. Eu fiquei muito impressionado com o relato.

A ideia de uma ficção me bate e fica remoendo. Quando vem uma inspiração que me morde por dentro, eu me sinto grávido desse romance. E assim foi: durante 10 anos, eu pesquisei muito sobre os waimiri atroari e depois, em algum momento, resolvi colocar no papel baseado naqueles fatos reais, mas mudando completamente vários aspectos da história. Por exemplo, a figura do padre não aparece no romance. Aparece um sertanista vinculado a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas].

Agência Brasil: E por que exatamente esse relato te impressionou?

Frei Betto: Eu pensava que o segmento mais atingido pela ditadura militar havia sido o pessoal que integrou a resistência armada, o movimento estudantil, o movimento sindical ou mesmo os grupos e partidos clandestinos. Mas não foi nada disso. O segmento mais atingido foram os povos indígenas. Principalmente na abertura de duas rodovias.

Uma é a Transamazônica, que liga a Paraíba ao Peru. A outra é a BR-174, entre Manaus a Boa Vista, que é menos conhecida e que é a que eu descrevo no romance. Para abrir essa rodovia, a ditadura massacrou mais de 2 mil waimiri atroari com incêndio nas palhoças, com napalm, helicópteros como metralhadora e vários outros recursos. Colocavam o fogo nas choças dos indígenas com as famílias todas lá dentro, inclusiva com crianças. Então eu quis primeiro descrever o mundo amazônico. O romance trabalha muito a questão da linguagem indígena. E ao mesmo tempo resgatar a memória do povo waimiri atroari.

Agência Brasil: Dentre suas diversas obras, Tom Vermelho do Verde foi o livro escolhido pelo público para ser o tema do Clube de Leitura do CCBB. A que você atribui esse interesse?

Frei Betto: Confesso que me surpreendeu um pouco. Geralmente quando há esse processo de escolha mediante votação do público leitor, os preferidos costumam ser Cartas da Prisão, Batismo de Sangue ou até o meu romance mais conhecido que é o Hotel Brasil. Eu acho que o fato do tema indígena estar na pauta atualmente pode ter suscitado o interesse. E a ligação com a questão da ditadura talvez tenha pesado. Além disso, o romance está entre os 10 finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura, que é atualmente o mais importante do Brasil. Então pode ser que isso também tenha influído.

Agência Brasil: O debate em torno da ditadura militar está sendo mais revisitado diante dos desdobramentos da tentativa de golpe ocorrida no ano passado? Como você, que integrou a resistência na década de 1970, vê o cenário hoje?

Frei Betto: O Brasil cometeu um erro histórico muito grave que foi não apurar os crimes da ditadura militar. Ao contrário, países como a Argentina, o Chile e o Uruguai levaram os criminosos aos tribunais. Inclusive generais. Na Argentina, alguns foram condenados à prisão perpétua.

Já o Brasil criou uma aberração jurídica que foi a anistia recíproca. E como é que você pode anistiar alguém que sequer foi denunciado, investigado, julgado e condenado? Isso não existe. O resultado é que ficou esse resquício nas nossas academias militares, onde o golpe de 1964, que foi uma violação grave da Constituição brasileira e da democracia, é glorificado como revolução, como avanço. E aqueles torturadores e assassinos são considerados heróis.

Não me surpreende a tentativa de golpe no 8 de janeiro de 2023. Nem essa trama recém-descoberta de que se pretendia assassinar o presidente Lula, o vice Alckmin e o juiz Alexandre de Moraes e criar campos de concentrações para recolher os opositores do governo. Isso é consequência dessa falha grave de não haver uma punição rigorosa. Não se separou o joio do trigo. Então esse resquício, como brasa debaixo do lixo, continua aquecido e de repente pode virar fogo.

Enquanto não houver uma revisão rigorosa, nós vamos estar sempre ameaçados por esse setor militar fundamentalista, que é bastante representativo. Embora os comandantes da Aeronáutica e do Exército tenham se negado a participar do golpe, a Marinha aceitou. E mesmo na Aeronáutica e no Exército, a recusa foi dos comandantes, não propriamente da tropa. Tanto que nós estamos vendo aí vários oficiais presos e outros denunciados. É uma situação que coloca um entrave para nossa democracia.

Agência Brasil: A orientação do presidente Lula para que os órgãos da administração direta não realizassem eventos que lembrassem os 60 anos do golpe reitera esse erro?

Frei Betto: Seguramente. Deve-se resgatar a memória do golpe. Felizmente isso não foi suficientemente acatado pelo correligionários do presidente. O próprio Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de onde ele veio, fez um ato. Se não se manter viva essa memória, tudo tende a se repetir.

Agência Brasil: Um tema que sempre mobilizou a sua militância é a questão da fome. Temos visto neste ano uma mobilização muito intensa do governo brasileiro para articular um programa de combate à fome de amplitude mundial. E aí foi lançado no Rio de Janeiro, durante a Cúpula dos Líderes do G20, a  Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza . Como você tem visto essa mobilização? Você acha que ela é promissora?

Frei Betto: Talvez um dos sintomas do caráter perverso do capitalismo seja existir pessoas com fome, em um planeta que é habitado por 8 bilhões de pessoas e que tem uma produção alimentícia capaz de alimentar 12 bilhões de bocas. Não há falta de alimentos, há falta de Justiça. Temos quase 1 bilhão de pessoas que vivem em situação de desnutrição, fome, etc. É um absurdo isso. Mostra como o sistema é cruel e perverso.

Infelizmente, essas mobilizações são periodicamente refeitas e atualizadas, mas não levam a nada. É um escândalo ver como os países que assinam esses tratados, na hora de abrir o bolso, não contribuem como deveriam. Enquanto isso, gastam mais de 2 trilhões de dólares por ano com armamentos. Quando se trata da morte, não falta dinheiro. Quando se trata da vida, falta. É a perversidade do sistema capitalista. Não há futuro positivo para a humanidade enquanto esse sistema perdurar.

No mundo de hoje, o capital tem supremacia sobre os direitos humanos. Há que fazer essa inversão: os direitos humanos têm que estar acima dos interesses do capital. A situação é grave, mas podemos dizer que o governo Lula tem feito muito no sentido de combater a fome. Isso não é por acaso. O Lula é único chefe de Estado progressista que veio da miséria. Todos os outros, inclusive líderes da história do socialismo, como Lenin, Ho Chi Minh, Mao Tsé-Tung, Fidel, vieram da classe média. O Lech Walesa, na Polônia, também veio da classe trabalhadora, mas não da pobreza.

Agência Brasil: Essa origem estaria relacionada com uma maior sensibilidade?

Frei Betto: O Lula foi retirante. A mãe dele viu quatro filhos morrerem de fome. Pegou os outros oito filhos e saiu de Garanhuns no pau de arara para para buscar um futuro melhor em São Paulo. Então isso o toca. No seu primeiro mandato, ele conseguiu tirar o Brasil do mapa da fome da Organização das Nações Unidas (ONU), com o programa Fome Zero, que depois foi transformado em Bolsa Família. No governo Temer, o Brasil voltou ao mapa da fome. Ainda continua. Mas os dados do IBGE tem mostrado, nesse novo governo Lula, há uma redução significativa do número de pessoas na extrema pobreza.

O problema é que a elite brasileira não tem absolutamente nenhuma sensibilidade para questão social. Ela naturaliza a desigualdade e não apoia nenhuma política eficaz no sentido de combater as causas estruturais. Alguns até apoiam iniciativas solidárias, mas não se interessam em saber a raiz do problema. Por que que existe gente sem alimento?

Eu me lembro quando a União das Nações Indígenas, a UNI, tinha sua sede nacional em São Paulo, em uma sala no nosso convento. E me lembro de uma reunião onde alguns indígenas foram à São Paulo pela primeira vez. Eles ficaram chocados porque não entendiam como havia gente com fome pedindo esmola na porta de um supermercado. Na cabeça deles, era um nó. O alimento, para um grupo tribalizado, não tem valor de troca. Ele só tem valor de uso. E o capitalismo e a sociedade que nós vivemos transformou o alimento em valor de troca. Ou seja, quem não paga não come.

Na proposta dos países socialista, alimentação é um dever do Estado e um direito do cidadão. Principalmente em Cuba, onde atualmente trabalho junto à FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] na questão de soberania alimentar. Os três principais direitos humanos são assegurados a toda à população cubana: alimentação, saúde e educação. Isso deveria ser universal, mas infelizmente não é.

Agência Brasil: Você sempre se dedicou muito a compreender a trajetória de Cuba. O país vem atualmente enfrentando dificuldades para assegurar o fornecimento de energia à população. Passados oito anos da morte de Fidel Castro, a situação hoje é mais complicada?

Frei Betto: Desde que caiu o muro de Berlim, Cuba enfrenta sucessivamente inúmeras dificuldades por várias razões. Primeiro por ser uma ilha com poucos recursos. Cuba não tem nenhum rio e toda energia cubana é movida a petróleo. Acontece que Cuba não produz nenhum barril de petróleo. Então isso tudo tem que ser importado. Talvez hoje a gente possa dizer que houve erros, como a aposta na monocultura de cana. Cuba chegou a ter a maior produção mundial de açúcar. Mas o fato é que hoje Cuba importa 80% dos alimentos que consomem. E isso é um absurdo.

Esse projeto no qual estou envolvido – o Plano de Soberania Alimentar e Educação Nutricional – tem como objetivo substituir as importações de maneira que o cubano produza os seus próprios alimentos. Não é fácil porque nós temos vícios alimentares. Por exemplo, o cubano não pode passar um dia sem pão. Mas o pão é feito de trigo e Cuba não produz um pé de trigo. Acontece que Cuba produz milho e mandioca, mas o cubano não tem nenhum hábito de comer pães de milho e de mandioca. Isso demanda um trabalho de gerações. Tem que começar dentro da infância porque é muito difícil mudar hábitos alimentares de adultos.

Também é preciso dizer que Cuba sofre um bloqueio genocida. Não tem outra palavra porque são 64 anos de sabotagem permanente à economia cubana. De longe, a gente muitas vezes não tem ideia do que significa o bloqueio. Hoje Cuba tem relações comerciais com inúmeros países, mas não tem crédito porque não tem saldo para pagar as dívidas que contraiu. E lida com o problema do fornecimento do petróleo para energia, que está relacionado com os apagões. Os três maiores fornecedores de petróleo para Cuba já não podem continuar fornecendo no volume que faziam antes. A Venezuela está numa crise econômica. O Irã está em guerra e a Rússia também.

Agência Brasil: É possível acreditar em dias melhores para os moradores da ilha?

Frei Betto: É muito difícil encontrar saídas estruturais. Se você me perguntar qual é o futuro de Cuba, eu não sei responder. Mas eu fico impressionado com a resiliência daquele povo. É uma resistência heroica: contrariou todos os prognósticos de que o socialismo lá acabaria pelo efeito dominó depois da queda do muro de Berlim. Embora muitos cubanos saiam de Cuba, não o fazem por razões políticas e ideológicas e sim por razões econômicas. Muito jovens buscam uma oportunidade melhor de trabalho já que o país está literalmente quebrado.

Haveria uma saída se a China fizesse com Cuba o que a União Soviética fazia. Os soviéticos praticamente incorporaram Cuba como mais um de seus Estados membros. A questão é que a China não foi cristianizada. Isso é uma tese amadora minha de que só países que foram cristianizados são solidários.

A Rússia foi e, por isso, é solidária. Mas a China não foi. O substrato cultural do povo chinês são duas tradições muito individualistas: o confucionismo e o budismo. São tradições espirituais de aprimoramento pessoal, não propriamente de abertura para o social. Então os chineses não são solidários. Os chineses são “toma lá dá cá”. Eles sempre querem saber o que recebem em troca. Os cubanos são muito agradecidos com a relação que possuem com a China, mas ela poderia fazer mais.

Agência Brasil: Mas ao mesmo tempo que o cristianismo fornece as bases para a noção de solidariedade, a partir dele tem crescido também discursos religiosos fundamentalistas. É um cenário que traz preocupações?

Frei Betto: O fundamentalismo sempre existiu tanto na religião como na política. Inclusive se você ler o evangelho, principalmente o capítulo 23 de Mateus, todo o atrito de Jesus é com os fundamentalistas religiosos: fariseus, saduceus. Ele inclusive xinga, chama de raça de víboras, de sepulcros caiados, etc. Então a extrema-direita sempre manipulou a religião para sacramentar os seus interesses. O problema é que a esquerda cometeu o erro de não perceber a força da religião na cultura popular. Também devido ao Iluminismo e à toda a fase racionalista do ateísmo, o marxismo acabou adotando uma profissão de fé ateia. Meio paradoxal o que eu acabo de dizer, mas é um pouco isso.

É muito difícil na América Latina você encontrar um povo não religioso. Se você perguntar a uma faxineira, a um vigia de obra, a um trabalhador da construção civil, o que ele acha da vida, da morte e do mundo, ele certamente vai te dar uma resposta em categorias religiosas. E isso só foi percebido pela esquerda através da Teologia da Libertação, que acabou tendo muita influência. Resultou na maior rede de movimento popular criada no Brasil do século 20, que foram as Comunidades Eclesiais de Base, que por sua vez geraram um número significativo de militantes tanto sindicais, quanto políticos.

Infelizmente, quando vieram os dois pontificados conservadores, com João Paulo II e Bento XVI, elas arrefeceram. Até hoje a Igreja está penalizada por esses dois pontificados, porque duraram 34 anos. Toda essa geração atual de padres e bispos basicamente é fruto desse período. E o Papa Francisco, por mais que ele seja identificado com a Teologia da Libertação, ele não consegue provocar as mudanças que ele gostaria de fazer. Ele se esforça, mas enfrenta resistência. Eu digo que a Igreja Católica hoje é um corpo conservador com a cabeça progressista.

Agência Brasil: Em agosto você completou 80 anos. Se considera hoje tão otimista quanto aquele jovem Frei Betto que atuou na resistência contra a ditadura e que acreditava em uma grande mudança social?

Frei Betto: Eu acho o seguinte: você não pode viver sem utopia. Eu estou convencido que quanto mais utopia, menos drogas. E quanto menos utopia, mais drogas. Não dá para viver sem sonhos. Se o sonho não é político, se o sonho não é social, o sonho vai ser químico. Às vezes, converso com adolescentes em escolas e eles perguntam: ‘na geração do senhor, tinha muita gente curtindo droga?’. Eu respondo que existia sim, mas não eram tantos porque nós éramos viciados em utopia. A gente injetava utopia na veia.

Eu sou de uma geração que confundia o seu tempo pessoal com o seu tempo histórico. Eu achava que eu ia assistir o Brasil sair da ditadura e caminhar para o socialismo. E me arrisquei por isso. Achava que a gente poderia fazer uma revolução. Eu me enganei, mas não tenho nenhuma vergonha de ter me enganado, não me arrependo de nada. Acho que há muitos méritos na minha geração. Eu sei que o meu tempo histórico não vai coincidir o meu tempo pessoal. Porém insisto: não vou participar da colheita, mas faço questão de morrer semente. Eu continuo socialista. Não tanto socialista, mas convicto de que, dentro do capitalismo, a humanidade não tem futuro.

Agência Brasil: Em que medida você acha que o desenvolvimento tecnológico e a força das redes sociais impactam a juventude? Elas podem ser um espaço para promover a utopia?

Frei Betto: Eu costumo dizer nós não estamos vivendo uma época de mudança, nós estamos vivendo uma mudança de época. Tivemos a modernidade, a pós-modernidade e estamos entrando agora numa outra época que eu não sei ainda que nome vai ter. É uma época regida pela cultura digital. É uma coisa inteiramente nova. E a nossa luta deverá se dar em várias trincheiras. Primeiro é preciso fazer com que essas plataformas sejam controladas pelo Estado. Isso é fundamental porque são armas extremamente poderosas. Estão sendo mal usadas na mão da iniciativa privada.

Eu acho que antes de mais nada precisamos responder: para que servem as chamadas redes sociais, que eu prefiro chamar pelo nome técnico de redes digitais? Servem para facilitar nossa comunicação, para nos informar. Não é para o dono fazer dinheiro. Só que as plataformas hoje só visam o lucro. Ainda que as aparências possam nos enganar. É como aconteceu com a televisão. Ninguém ligaria a televisão para ver só anúncio. Então precisava ter filme, programa de auditório, telejornal. Ninguém também vai entrar numa rede dessa para ver anúncio. Então elas oferecem outras coisas. Mas a questão é o que está por trás. Nas redes, há várias maneiras do usuário ser atingido pelo consumismo. Não é só pelo anúncio explícito.

Hoje, existe uma doença já catalogada e diagnosticada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) chamada nomofobia, que é a dependência do celular. É preciso ler A Máquina do Caos, de Max Fisher. Como as redes digitais tornam um usuário dependente? Muito simples: as pessoas guardam mais as ofensas que receberam nos últimos cinco ou dez anos do que os elogios. Então quanto mais ódio nas redes, mais dependência. Além disso, as redes incutem nos seus usuários um individualismo e um narcisismo. Ela é o meu espelho: eu posto e quero saber como foi a repercussão do que eu postei. E minha ação passa a depender do retorno. Hoje, há inúmeros casos de suicídio de jovens provocado pelo cancelamento.

Mas as redes são maravilhosas do ponto de vista de facilitar comunicação e promover democratização da informação. Os grandes veículos estão desesperados, porque hoje a maioria das pessoas está pouco se lixando para a TV Globo, o SBT, a Record, o Estadão, a Folha de S. Paulo. As pessoas estão buscando os seus nichos de informação e comunicação. Então o que eu acho é que é preciso uma regulação. E é preciso uma educação digital nas escolas. Assim como tem ou deveria ter uma boa educação em português, em matemática. Isso é fundamental.

Mais de 1,7 mil jornalistas foram mortos em 20 anos em todo o mundo

Nos últimos 20 anos, mais de 1,7 mil jornalistas foram assassinados no planeta trabalhando ou em razão de suas funções. Em 2024, 54 jornalistas foram mortos – 52 homens e duas mulheres. Os dados são da organização não governamental (ONG) Repórteres sem Fronteiras (RSF), fundada em 1985 na França, e foram divulgados nessa sexta-feira (13).

“É o ano com o maior número de casos de jornalistas mortos no contexto de conflitos armados”, informa o jornalista Artur Romeu, diretor do escritório da RSF para a América Latina, em entrevista à Agência Brasil.

Até 1º de dezembro, 31 jornalistas foram a óbito em zonas de conflito, especialmente na Palestina – onde morreram 16 profissionais que cobriam o conflito entre Israel e o Hamas. As forças armadas israelenses são consideradas pela ONG como a “principal agressora da liberdade de imprensa.”

“A gente não está falando de vítimas colaterais”, destaca o diretor. Segundo ele, muitos profissionais da imprensa sofreram ataques diretos, pois passaram a ser vistos como potenciais reféns para que grupos ou países em conflito atinjam objetivos específicos, ou ao menos desencorajem a cobertura jornalística.

A RSF anotou que, além dos assassinatos de jornalistas na Palestina, foram mortos profissionais da mídia em diferentes partes do globo: Paquistão (sete), Bangladesh (cinco), México (cinco), Sudão (quatro), Birmânia (três), Colômbia (dois), Líbano (dois), Ucrânia (dois), Chade (um), Indonésia (um), Iraque (um) e Rússia (um).

Reféns, desaparecidos e sequestrados

O balanço de 2024 da Repórteres sem Fronteiras ainda contabiliza que 550 jornalistas estão ou estiveram presos neste ano por causa do ofício – 473 homens e 77 mulheres, crescimento de 7,2% dos casos em relação a 2023 (513 profissionais).

O país que mais tem jornalistas presos é a China (124), seguida da Birmânia (61) e Israel (41). A maioria dos repórteres presos (462) é do mesmo país que estão encarcerados. Quase 300 jornalistas estão presos sem julgamento, de forma preventiva.

Há 55 jornalistas feitos refém (52 homens e três mulheres). Quase a totalidade (53) é formada por cidadãos do país onde foram sequestrados. Trinta e oito casos foram registrados na Síria, e o principal agente sequestrador do mundo é o Estado Islâmico (25).

Noventa e cinco jornalistas estavam desaparecidos em 1º de dezembro – 88 homens e sete mulheres. A maioria desses profissionais desapareceu em seu próprio país. O balanço do RSF mostra que 39 desaparecimentos aconteceram nas Américas, especialmente no México (30 casos).

Regulação das redes sociais

O Brasil não é citado no balanço da RSF. “Mas isso, de maneira nenhuma, nos faz considerar que o Brasil é um país seguro para o exercício da imprensa”, pondera Artur Romeu, que cita, por exemplo, episódios de intimidações e ameaças em ambiente digital. No período de campanha eleitoral para prefeitos e vereadores, foram identificadas mais de 37 mil postagens ofensivas contra jornalistas nas redes sociais.

A ONG Repórteres sem Fronteiras “se posiciona de maneira favorável a uma regulamentação das plataformas das redes sociais”, pontua o diretor da ONG para a América Latina. “A regulamentação, na prática, se traduz por um pedido de maior responsabilização dessas grandes empresas em relação ao conteúdo que circula pelas suas interfaces.”

Além da necessidade de regulamentação das redes sociais, preocupa a RSF a volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e a situação da Síria após a queda de Bashar al-Assad.

“Na Síria há muitas incógnitas. É muito difícil prever o que vai acontecer. O que a gente tem de mais previsível, de certa forma, é um contexto no Oriente Médio profundamente marcado por instabilidade, com crescimento de conflitos armados, e esse aumento de conflitos normalmente se traduz em um cenário mais complexo para a cobertura jornalística, em muitos casos com mais jornalistas mortos”, avalia Artur Romeu.

Sobre Donald Trump, o diretor não tem “a menor dúvida” que quando o republicano voltar à Casa Branca “vai manter o discurso hostil à imprensa, apostando numa retórica que identificam jornalistas como inimigos da sociedade e do povo americano”. “Nada do que a gente viu durante a campanha eleitoral faz supor que ele vai pegar mais leve”, complementa.

Para Artur Romeu, a beligerância de Trump contra a imprensa “faz parte de uma estratégia política de manter essas bases aquecidas. Ele não é único [nessa atitude]. De maneira nenhuma é um perfil isolado. A gente vê esse mesmo tipo de atuação em várias partes do mundo”.

Performance no ato AI-5 Nunca Mais reforça memória contra ditadura

Um corpo humano adulto é formado por 250 gramas de sal. Em frente à sede do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro do Rio de Janeiro, foram carregados e posicionados oito sacos de 25 quilos de sal, totalizando 200 quilos. Mais do que apenas sal, os sacos têm um simbolismo maior: 800 pessoas.

São pessoas que lutaram contra a ditadura militar e cuja memória e ausência são lembradas na performance artística de Julia Cseko, que fez parte do ato AI-5 Nunca mais, realizado nesta sexta-feira (13), para lembrar a assinatura, em 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 5, o mais repressor dos 17 atos institucionais decretados na ditadura militar e que marcou o início do período mais sangrento do regime autoritário.

“[A performance é] Para a gente pensar nas pessoas que perdemos, na fisicalidade das ausências que temos e tudo que perdemos também na ditadura. Foram vidas, foi a sanidade. A polícia apenas se tornou mais truculenta, mais violenta. A corrupção se tornou uma coisa cada vez endêmica”, disse a artista.

O ato, que reúne artistas, pessoas que viveram a ditadura e que perderam entes queridos no período, políticos, ativistas e defensores dos direitos humanos é realizado há 11 anos em frente ao Dops e reivindica que esse espaço se torne um espaço de memória de toda a repressão e tortura que ocorreu justamente no local. 

Centro de memória 

O prédio da Polícia Central é atualmente um dos bens do patrimônio histórico e artístico do estado do Rio de Janeiro. Hoje, não há qualquer indicação ou placa do papel desse edifício ao longo da história. Nele funcionou o Dops, criado para assegurar e disciplinar a ordem militar no país. Ele foi utilizado principalmente durante o Estado Novo e na ditadura militar. Foi usado como um aparato do Estado para perseguir e torturar quem se opunha aos regimes autoritários.

“Nós lutamos, há muitos anos, para transformar esse prédio num centro de memória. Essa é mais uma iniciativa, sempre lembrando que nós não queremos nem ditadura, nem sequer AI-5, que foi um período onde nós perdemos muitos companheiros, tivemos muitos desaparecidos. Além daqueles que lutavam contra a ditadura, muitos segmentos foram atingidos vilmente por uma crueldade inaceitável. Então, ditadura nunca mais, AI-5 nunca mais”, disse uma das organizadoras do ato Vera Vital Brasil, do Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia.

O historiador Paulo Cesar Azevedo Ribeiro, que também integra o Coletivo, ressalta a importância em transformar o edifício em um espaço de memória. 

“Isso aqui foi palco de prisões de gente famosa, de Graciliano Ramos [um dos mais importantes autores da literatura brasileira], de Nise da Silveira [psiquiatra brasileira reconhecida por revolucionar o tratamento mental]. É, enfim, um lugar simbólico”, lembra.

“Aqui tem 600 metros quadrados. Imagina, no centro da cidade do Rio de Janeiro, um centro de memória e cultura, com oficinas para os jovens aprenderem, com cinema, com arte, para armazenar o que se sabe. O Rio de Janeiro merece isso. Nós não temos um centro de memória das lutas contra a repressão”, defende o historiador.

Para não repetir

Segundo a Comissão Nacional da Verdade, 50 mil pessoas foram presas apenas em 1964, ano do golpe militar, e boa parte delas sofreram torturas. A comissão também identificou pelo menos 434 pessoas mortas ou desaparecidas pelas forças ditatoriais.

Para a secretária dos Direitos Humanos do Partido Comunista do Brasil, Dilceia Quintela, a preservação da memória é importante para que a história não se repita.

“Todos os anos, sempre no dia 13 de dezembro, nós viemos aqui para rememorar, para não deixar que seja esquecida ‘aquela página infeliz da nossa história’, como diria Chico Buarque. E no ano que completa 60 anos do golpe, com golpistas andando por aí, né? Com o que aconteceu no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, com tudo que se descobriu, com a tentativa de golpe ainda lá em 2022, após as eleições. Não podemos deixar passar desapercebido”, alerta.

Em novembro, a Polícia Federal deflagrou uma operação para desarticular uma organização criminosa responsável por planejar um golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após o pleito de 2022. O plano que incluía o assassinato de Lula e do vice-presidente, Geraldo Alckmin, foi impresso no Palácio do Planalto, em novembro daquele ano.

Botar sal

A artista Julia Cseko nasceu nos Estados Unidos, porque o pai, o compositor Luiz Carlos Cseko, se viu obrigado a deixar o país para evitar a perseguição pela ditadura. Atualmente, vendo que a ditadura e os crimes cometidos no período têm pouca repercussão na América do Norte, ela utiliza o financiamento de uma bolsa para elaborar obras de arte com essa temática, como a performada desta sexta-feira.

“A gente está num momento histórico complicadíssimo. Querem anistiar pessoas que tentaram fazer um golpe. Acho que anistia para essas pessoas nem pensar. Isso é importante dizer também. E é esse o símbolo de estar junto, em solidariedade, resistindo, continuando esse trabalho de resistência, continuando o trabalho de luta pelos direitos humanos, com os coletivos. É uma colaboração muito bonita. É isso. Vamos lá, vamos botar sal aqui”, convoca.

Brasileiros pretendem gastar mais com viagens no fim do ano

De cada dez brasileiros, seis devem gastar mais com viagens neste fim de ano do que no ano passado, é o que aponta uma pesquisa divulgada nesta sexta-feira (13) pelo Instituto Locomotiva. Segundo o levantamento, 58% dos entrevistados responderam que pretendem gastar mais. As cidades com praias são os destinos mais citados entre quem pretende viajar.

O estudo, que ouviu 1.461 pessoas entre 2 e 4 de dezembro, aponta que metade (52%) dos entrevistados pretende viajar; 29% gastar o mesmo que no último ano e 13% querem gastar menos.

De acordo com o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, os jovens são os que mais desejam passar o fim de ano em outra cidade, com 58% afirmando querer estar longe de casa.

“Os dados demonstram que os brasileiros estão conseguindo investir mais nas viagens de férias este ano. Claro que as classes mais altas têm mais fôlego, mas as classes C e D também querem curtir as festas de fim de ano longe de casa, principalmente o público mais jovem”, disse.

A pretensão de passar o fim do ano em outra cidade também é maior entre as classes A e B (63%). Entre a classe C, 48% apontaram ter intenção de viajar no fim do ano. Já entre as classes D e E, 45% pretendem passar as festas de fim de ano em outra cidade.

Ainda de acordo com a pesquisa, 57% dos entrevistados dizem buscar cidades com praia para o fim de ano, e 18% querem viajar para cidades grandes fora do litoral. Já 16% revelam preferir cidades menores e pouco agitadas para descansar neste período.

Em relação aos locais de hospedagem, 49% disseram que hotéis ou pousadas são a opção; 24% pretendem alugar casa ou apartamento; 16% devem se hospedar em casa/apartamento próprio ou emprestado; 4% querem acampar; e 2% devem ficar em hostel ou albergues.

Habitações brasileiras têm mais cômodos e menos moradores

Brasileiros estão morando em habitações com mais cômodos e com menos pessoas dividindo o mesmo espaço, de acordo com os dados preliminares do Censo Demográfico 2022: Características dos Domicílios, divulgados nesta quinta-feira (12), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A pesquisa mostra que, em 2022, a maior parcela da população, 44,4%, residia em domicílios de seis a nove cômodos. Na outra ponta, apenas 0,2% da população morava em domicílios de apenas um cômodo e 1,5% residiam em domicílios de dois cômodos.

Outros 5,3% moravam em domicílios de três cômodos; 13,5%, de quatro cômodos e 29,2%, de cinco cômodos. Os 5,9% restantes da população residiam em domicílios com 10 cômodos ou mais. 

Para o IBGE, é considerado cômodo cada um dos compartimentos do domicílio que é coberto por um teto e limitado por paredes. Além dos quartos, por exemplo, são considerados cômodos cozinha e banheiro. Corredores, varandas e mesmo cozinha americana – integrada à sala – não são considerados cômodos. Domicílios indígenas sem paredes são considerados como tendo apenas um cômodo.

A pesquisa considera apenas domicílios particulares permanentes ocupados. Não inclui moradores de domicílios improvisados e coletivos, tampouco domicílios de uso ocasional ou vagos.

Os dados mostram que, ao longo das últimas décadas, os domicílios de até três cômodos foram reduzindo em quantidade. Em 1970, representavam 29,1% dos domicílios brasileiros; em 2010, no último Censo, chegaram a 12%; e, em 2022, a 9% dos domicílios. Já os domicílios de cinco cômodos aumentaram continuamente, crescendo de 19,4%, em 1970, para 29,5% em 2022.

Os domicílios de seis cômodos ou mais cresceram entre 1970 e 2000, passando de  29,5% para 45,7% dos domicílios. Nas décadas seguintes, atingiram uma estabilidade, chegando a 46,6% dos domicílios brasileiros em 2022. Segundo o IBGE, a interrupção no crescimento da participação dos domicílios com seis cômodos ou mais possivelmente está associada à redução do número médio de moradores por domicílio ao longo das últimas décadas.

“Em relação à estrutura física dos domicílios, a gente pode afirmar que censos nos mostram que houve uma evolução positiva no sentido de ter mais estrutura, tanto do material usado nas habitações como do espaço”, diz o analista da divulgação do Censo, Bruno Mandelli.

Menos pessoas dormindo juntas

A pesquisa mostra também que há menos pessoas dividindo o mesmo dormitório no Brasil. Em 2022, mais da metade dos domicílios (53,9%) tinha duas pessoas dormindo no mesmo ambiente e mais de um terço (35,1%) tinha apenas uma pessoa por dormitório. Em outros 8,4% dos domicílios, três pessoas dividiam o mesmo ambiente e, em 2,6%, quatro pessoas ou mais dormiam no mesmo ambiente.

Essas porcentagens se alteraram ao longo dos anos. Segundo o Censo Demográfico de 2000, 9,6% dos domicílios tinham mais de 3 moradores por dormitório, um percentual quase quatro vezes superior ao verificado em 2022. A participação dos domicílios com mais de dois até três moradores por dormitório também reduziu, passando de 18,1% para 8,4%, no mesmo período. 

Já os domicílios com apenas um morador por dormitório elevaram a participação em 14,6 pontos percentuais, indo de 20,5%, em 2000, para 35,1%, em 2022.

Censo revela que há menos pessoas dividindo o mesmo dormitório no Brasil – Marcelo Camargo/Agência Brasil

Características dos domicílios

Em 2022, o Censo mostra que mais pessoas residem em domicílios que contam com revestimento. Ao todo, 87% da população brasileira residia em domicílios com paredes externas de alvenaria ou taipa com revestimento. A segunda opção mais comum foi a alvenaria sem revestimento, com 7,6%, seguido da madeira para construção, com 4,1%.

Em 2010, essas proporções eram de 79%, 11,6% e 6,9%, respectivamente.  

“Cada vez é uma proporção maior de domicílios com materiais mais permanentes, como alvenaria, em substituição às casas de taipa, de palha ou mesmo de madeira, que eram mais comuns antigamente. E há também uma ampliação do espaço físico dos domicílios, com uma redução na proporção dos domicílios com um número pequeno de cômodos”, diz Mandelli.

Variações e desigualdades

Os dados mostram ainda variações e desigualdades tanto entre as unidades federativas, em relação ao número de cômodos das habitações e quantidade de pessoas dormindo juntas no mesmo ambiente, quanto em relação a cor ou raça da população em cada residência.

No nível das unidades da federação, por exemplo, a publicação destaca a situação do Distrito Federal, pela alta proporção da população residindo em domicílios com 10 cômodos ou mais (13%), que é mais que o dobro da média nacional. Para se ter ideia da discrepância, a segunda unidade da federação com proporção mais alta, Minas Gerais, registrou 8% da população residindo em domicílios semelhantes. Já a unidade com a menor proporção foi o Acre, com 1,8%.

Em relação aos moradores por dormitório, a região Norte tem as maiores proporções de domicílios com três moradores por dormitório (15,4%) ou mais (7,5%). No outro extremo, a Região Sul apresentou o menor percentual dessas duas categorias: 5,2% e 1,1%, respectivamente.

Levando em consideração a cor ou raça, pessoas de cor ou raça amarela residiam em maior proporção em domicílios com número de cômodos, menor densidade de moradores por dormitório e paredes externas de materiais mais permanentes. A população de cor ou raça branca também aparece com indicadores de estrutura do domicílio melhores do que a média nacional, ainda que inferiores ao verificado entre as pessoas de cor ou raça amarela.

As pessoas de cor ou raça preta ou parda apresentaram uma proporção maior de domicílio com menor estrutura, resultado que foi ainda mais acentuado para as pessoas de cor ou raça indígena.

Enquanto 22,3% da população parda, 20,6% da população da população preta residem em domicílios com dois ou mais moradores por dormitório, entre a população branca, esse percentual é 12,6% e, entre a amarela, 6,8%. Para indígenas, essa proporção foi de 53,6% do total, porém esse resultado deve ser analisado levando em conta suas especificidades culturais. 

“A população de cor ou raça parda, a população de cor ou raça preta e a população indígena apresentam proporções maiores nos indicadores relacionados à precariedade do domicílio”, diz Mandelli.

“Em relação aos indígenas, a gente faz uma ressalva no texto. Isso precisa ser analisado à luz das especificidades culturais. Não necessariamente, um domicílio de palha, por exemplo, é uma precariedade. Pode ser  um traço de cultura tradicional. Mas quando a gente fala de outros agrupamentos, aí sim, a gente pode falar mais claramente que existem maiores proporções de situações de precariedade”, acrescenta.
 

Aldeia Kurãma, comunidade indígena Pataxó hã-hã-hãe, na zona rural de Brumadinho. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Resultados preliminares

Esta é a primeira divulgação do questionário amostral do Censo Demográfico 2022. As questões foram aplicadas a 10% da população e, de acordo com o próprio IBGE, os dados precisam de uma ponderação para que se tornem representativos da população nacional. Essa ponderação ainda não foi totalmente definida, por isso, a divulgação desta quinta-feira é ainda preliminar.

A delimitação das áreas de ponderação passará ainda por consulta às prefeituras, para que as áreas estejam aderentes ao planejamento da política pública. Após essa definição, serão divulgados os dados definitivos.

PF indicia mais três investigados no inquérito do golpe de Estado

A Polícia Federal (PF) indiciou nesta quarta-feira (11) mais três investigados no inquérito que apura a formatação de um plano de golpe de Estado durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Os novos indiciados são Aparecido Andrade Portela, militar da reserva do Exército e suplente da senadora Tereza Cristina (PL-MS); Reginaldo Vieira de Abreu, ex-chefe de Gabinete do general da reserva Mario Fernandes na Secretaria-Geral da Presidência, acusado de atuar no planejamento do golpe, e o militar Rodrigo Bezerra de Azevedo, kid-preto do Exército, acusado de participar do trabalho de monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Com os indiciamentos, o inquérito que investiga a tentativa de golpe passa a contar com 40 indiciados, entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro e os ex-ministros Braga Netto e Augusto Heleno.

Programa Autonomia e Renda Petrobras abre mais 12,7 mil vagas

O Programa Autonomia e Renda Petrobras lançou nessa terça-feira (10), no Rio, edital de vagas gratuitas com objetivo de qualificar profissionalmente e ampliar oportunidades para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Os participantes do projeto – realizado em parceria com a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Social da Indústria (Sesi) – devem ser moradores de áreas de abrangência das operações da Petrobras das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil.

Com investimento de R$ 205 milhões, o programa vai oferecer 12.750 vagas nos próximos quatro anos. As inscrições podem ser realizadas até dia 23 de dezembro através do site www.autonomiaerenda.com.br ou nas unidades do Senai.

Em 2025, unidades Senai Sesi de sete estados (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Pernambuco) vão ofertar 285 cursos técnicos e de qualificação profissional nas seguintes áreas: elétrica, edificações, mecânica, metalurgia, soldagem, automação industrial, planejamento e controle de produção e segurança do trabalho, entre outras. Serão mais de 12.700 vagas oferecidas pelo Senai.

Além da formação profissional, o Programa Autonomia e Renda conta com uma carga horária voltada para oficinas de Desenvolvimento Humano, uma metodologia da Firjan/Sesi que tem como finalidade fortalecer as competências sociais dos participantes, elevando o potencial de empregabilidade.

Demanda crescente

“O Autonomia e Rende surge pela demanda crescente de mão de obra qualificada na indústria de energia e nas regiões atendidas pela Petrobras. Trata-se de um investimento social privado e voluntário da maior empresa brasileira e uma das maiores petroleiras do mundo. A Firjan, Senai e Sesi se unem à Petrobras, utilizando toda a sua expertise para a formação profissional e o desenvolvimento humano de jovens e adultos que podem se tornar futuros trabalhadores da indústria”, disse Alexandre dos Reis, diretor executivo da Firjan/Senai/Sesi.

“As vagas abertas têm conexão com o déficit de mão de obra qualificada nas empresas fornecedoras do setor de óleo e gás. Faltam profissionais capacitados para atuar em paradas de manutenção e projetos de investimento previstos no Plano Estratégico da Petrobras e acreditamos que a oferta desses cursos pode impulsionar as oportunidades para as comunidades próximas das nossas instalações. Com o curso concluído, os egressos serão orientados a buscar vagas no Sistema Nacional de Emprego (Sine). Da mesma forma, vamos estimular nossos fornecedores a oferecerem oportunidades de trabalho no Sine”, explica José Maria Rangel, gerente executivo de Responsabilidade Social da Petrobras.

Os pré-requisitos para o ingresso no programa são ter mais de 18 anos, escolaridade mínima exigida por cada curso, ser morador das áreas de abrangência da Petrobras e estar em situação de vulnerabilidade social. A seleção dos candidatos e candidatas será realizada por meio de sorteio eletrônico.

Além da gratuidade nos cursos de formação profissional e das oficinas de Desenvolvimento Humano, o programa prevê a concessão de bolsas-auxílio de R$ 660 mensais aos participantes. E as mulheres com filhos de até 11 anos de idade completos receberão bolsa com valor diferenciado de R$ 858 mensais.

Bolsas de estudo

“Essas bolsas de estudo são parte importante do programa para que a pessoa não desista do curso no meio do caminho. Outro destaque é o fornecimento diferenciado de bolsa-auxílio para mulheres com filhos pequenos. [A meta] é contribuir para que elas possam contar com um apoio para as crianças enquanto estão estudando, já que em nossa sociedade ainda é comum a mulher ter essa dupla jornada. Para garantir a bolsa durante todo o período do curso é necessário cumprir o mínimo de 75% de frequência mensal”, afirma Marcela Souza Levigard, gerente de Projetos Sociais da Petrobras.

Mulheres, pessoas transgêneros, transexuais e travestis, indígenas, quilombolas, pretos e pardos, refugiados e pessoas com deficiência terão preferência. “O programa, como seu próprio nome sugere, tem como foco a inclusão social e o olhar para esses grupos minorizados. Junto à Petrobras, queremos proporcionar melhores condições de empregabilidade, de qualidade de vida e, consequentemente, autonomia financeira. O nosso objetivo é contribuir com as necessidades do setor de energia e possibilitar que os participantes do programa enxerguem oportunidades de trabalho em seus próprios territórios”, avalia Eliane Damasceno, gerente de Responsabilidade Social da Firjan/Sesi.

Mais de 41% dos resíduos urbanos tiveram destinação inadequada em 2023

Apenas 58,5% dos resíduos sólidos urbanos gerados em 2023 foram encaminhados para destinação ambientalmente adequada, aponta o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2024, divulgado nesta segunda-feira (9) pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). De acordo com o estudo, 41,5% do que foi descartado pelos brasileiros e encaminhado para disposição final tiveram destinação inadequada, como os lixões, que receberam 35,5% dos resíduos gerados no país.

O relatório com os dados divulgados chama a atenção para o não cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída em 2018 pela Lei 12.30, que estabelecia o ano de 2024 como prazo final para o encerramento definitivo dos lixões no país.

“Além de apresentar riscos ao meio ambiente equilibrado e à saúde pública, esse cenário revela que o gerenciamento de resíduos no Brasil ainda está distante de atender as diretrizes determinadas pela PNRS”, destaca o documento, que aponta ainda avanço em relação ao ano de 2022, quando o percentual de destinação adequada foi de 57%. “Essa redução sugere um avanço pequeno, porém positivo, no gerenciamento de RSU [resíduo sólido urbano] no país, com um aumento da fração de resíduos que é encaminhada para outros processos e disposição final ambientalmente adequada”, ressalta o relatório.

Geração

De acordo com a estimativa apresentada no panorama, em 2023, o brasileiro gerou, em média, 1,047 quilos de resíduos sólidos urbanos por dia, o que leva a uma geração equivalente a mais de 221 mil toneladas de resíduos e de 81 milhões de toneladas ao longo do ano, em todo o país.

A região brasileira responsável pelo maior volume de resíduo sólido urbano é o Sudeste, que gerou no ano passado quase 40 milhões de toneladas, representando 49,3% do total gerado no país. A Região Norte foi a que menos gerou resíduos, tendo sido responsável por 7,5% do total no país, com produção de 16,5 mil toneladas diárias e pouco mais de 6 milhões de toneladas em todo ano. Em números absolutos, o Centro-Oeste foi responsável por 7,7%, a Região Sul, por 10,8%, e o Nordeste, por 24,7% do total de resíduos sólidos urbanos do país.

Ao todo, foram coletadas 75,6 milhões de toneladas do resíduo gerado no país em 2023, o que representa 93,4%, cabendo aos serviços públicos o recolhimento de cerca de 71,1 milhões de toneladas, a partir da coleta porta a porta, em pontos de entrega, da parceria com associações de catadores e cooperativas, o equivalente a 87,8% do que foi gerado. E 4,5 milhões de toneladas, 5,6%, foram coletadas pela atividade informal de mais de 700 mil catadores autônomos.

Não foram coletados 6,6%, sendo que cerca de 5,7% dos resíduos gerados no país em 2023, aproximadamente 4,6 milhões de toneladas, foram queimados a céu aberto na propriedade em que tiveram origem.

Reciclagem

Do total de material descartado que recebe destinação ambientalmente adequada, 8% dos resíduos secos são encaminhados para a reciclagem. São mais de 6,7 milhões de toneladas, que em 2023 foram avaliados para serem reinseridos na cadeia produtiva, sendo que a maior parte desse encaminhamento, 67,2% foi realizada por coletores informais e apenas 32,8% pelos serviços públicos de coleta, associações e cooperativas.

No ano passado, 0,4% dos resíduos sólidos urbanos gerados no país foram encaminhados aos pátios ou usinas de compostagem do país, o que equivale a cerca de 300 mil toneladas, das quais, após triagem e processo de compostagem, resultaram na produção de 85,5 mil toneladas de composto orgânico.

Também foram recebidas 144,2 mil toneladas de RSU nas unidades de preparo de combustível derivado de resíduos urbanos do Brasil, menos de 0,2% do total gerado, que resultou no uso de 47,6 mil toneladas para produção de energia térmica em fornos industriais, como alternativa aos combustíveis fósseis.

Despesas

De acordo com o estudo, no último ano, os municípios brasileiros gastaram R$ 34,7 bilhões com gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, As despesas incluem serviços como varrição de vias, limpeza de áreas públicas, coleta, transporte, tratamento e disposição final de resíduos e rejeitos. Quando as despesas incluem gastos privados o valor total sobe para R$ 37 bilhões, o que corresponde a um incremento de 9,4% em relação aos gastos públicos e privados para o setor, em 2022.

O setor de gestão de resíduos sólidos urbanos também empregou 386 mil pessoas no ano passado, sendo a maioria, 93%, nas atividades finalísticas, como varrição, capina, roçada, ou nas unidades de processamento e 7% em cargos administrativos.

“A análise objetiva desses dados indica quais soluções terão maior impacto no gerenciamento de RSU e quais devem ser priorizadas – e onde. Essa análise também permite estimar os custos e investimentos necessários para que as soluções escolhidas sejam implementadas e tenham continuidade”, conclui o relatório.

Cármen Lúcia defende mais participação de eleitores maiores de 70 anos

A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, defendeu nesta segunda-feira (9) o aumento da participação de eleitores maiores de 70 anos nas eleições de 2026. Nessa faixa de idade, o voto é facultativo.

A ministra apresentou, no início desta noite, o relatório final de avaliação das eleições municipais de outubro. O documento revela as principais causas do aumento da abstenção no segundo turno do pleito deste ano, que ficou em 29,26% do eleitorado.

Cármen Lúcia afirmou que houve comparecimento de menos de 50% do eleitorado com idade acima de 70 anos e defendeu a realização de campanhas para aumentar a participação efetiva de idosos.

“Isso joga luz sobre os preconceitos que nós temos no Brasil, como o etarismo, em que a pessoa com mais de 70 anos não é convidada a votar com afinco, como fazemos com o eleitorado jovem. Nós temos depoimentos de eleitores que chegam para votar, a despeito das nossas campanhas de providências para acessibilidade, e são destratados nas filas”, afirmou.

A presidente do TSE disse que as alterações feitas nas comemorações do Dia do Servidor Público (28 de outubro) também podem ter contribuído para o aumento da abstenção, além da facilidade para o eleitor fazer a justificativa pelo aplicativo e-Título.

“Por questões de política, que podem interferir, e interferem, no resultado das eleições, isso fica a cargo de cada município resolver para quando vai flexibilizar. Se quer que se esvazie, ele passa para segunda ou para sexta naquele fim de semana que vai ter a eleição. Isso é feito para propiciar que a pessoa que vai para a serra ou para a praia não volte para votar”, completou.

Diplomação

Os candidatos eleitos no pleito municipal de outubro devem ser diplomados pelos tribunais regionais eleitorais (TREs) até o dia 19 deste mês. As cerimônias de posse estão previstas para 1° de janeiro de 2025.