Skip to content

Clubes de livros estimulam leitura, vínculos e pensamento crítico

Leitora insaciável desde a adolescência, a escritora, cordelista e poeta Jarid Arraes quis ir além da leitura e da escrita em sua relação com os livros. O desejo de compartilhar seu interesse pela literatura de horror foi o que a levou, no início deste ano, a fundar o Encruzilhada, um clube de leitura dedicado a discutir os mais diversos aspectos que uma boa história de terror pode abordar.

“Queria mostrar para as pessoas que muitas questões complexas, questões sociais e discussões sobre a nossa existência, foram representadas na literatura de horror. Então, criei o clube para me aproximar de outras pessoas que também gostam de horror, mas não só. No clube existem muitas pessoas que até então nunca tinham lido nada de horror”.

Para a escritora e poeta Jarid Arraes os clubes de leitura são importantes porque criam comunidades de leitores que conseguem ampliar o seu alcance e atrair novas pessoas. Foto – Biblioteca de São Paulo/Divulgação

Nascida em Juazeiro do Norte, no Ceará, a autora de Redemoinho em dia quente, Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis e Corpo desfeito compartilha que o cordel, a escola e a internet foram importantes para o seu acesso à literatura. “Fui usando a internet para ter mais acesso, porque na minha cidade não tinha livraria onde eu pudesse comprar livros”.

Os clubes de leitura, para a escritora, são importantes porque criam comunidades de leitores que conseguem ampliar o seu alcance e atrair novas pessoas. Isso porque quem não se interessa na mesma medida pela leitura, ao ver pessoas conhecidas participando de reuniões com outros leitores, pode se interessar e querer fazer parte. “Para mim, então, a coisa mais importante dos clubes de leitura é o fator da comunidade”, afirma.

Clubes de leitura

Segundo a professora do Departamento de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Marcia Lisbôa Costa de Oliveira, os clubes são historicamente espaços de encontro. Eles ocorrem de forma coletiva e dialógica, mesmo quando são organizados por instituições públicas ou privadas.

“Os clubes de leitura podem aproximar dos livros aqueles que atualmente se posicionam como não-leitores. Ler com um grupo que se reúne a partir de certas afinidades é um grande estímulo também ao desenvolvimento de uma postura crítica diante dos textos e do mundo, pelo contato com diferentes conhecimentos e múltiplos pontos de vista”, ressalta. 

Um exemplo é o Clube de Leitura do Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro. O clube, criado durante a pandemia, começou com um pequeno grupo de leitores em 2022. No ano seguinte, de acordo com informações do CCBB, a quantidade de público cresceu 163%, chegando a 1.243 pessoas. Entre março e novembro deste ano, foram aproximadamente 1.100 pessoas participando dos encontros. 

As reuniões ocorrem com mediação e curadoria de Suzana Vargas, autora de Leitura: Uma Aprendizagem de Prazer, que ressalta o potencial dos encontros como atividade cultural.

“O objetivo é despertar as pessoas para o prazer da leitura. Sempre defendi a tese que não importa o suporte da leitura, o importante é que o leitor perceba que ler é prazeroso, que ler é uma questão de formação e aprendizagem”, destaca.

Ao longo de 2024, vários escritores passaram pelo CCBB, sendo os últimos autores Itamar Vieira Junior, de Torto Arado, Salvar o Fogo e Doramar ou a odisseia: Histórias;, Jefferson Tenório, de Estela sem Deus, O Avesso da Pele e De onde eles vêm; e Frei Betto, de Jesus militante: Evangelho e projeto político no Reino de Deus e Jesus rebelde: Mateus, o Evangelho da ruptura.

“Acredito muito na leitura como prazer, então, quando colocamos a leitura no CCBB, tanto na forma de roda de leitura como na forma de clube, estamos colocando a leitura como forma de lazer dentro de um centro cultural”, destaca Vargas. 

Desafios

Conforme a 6⁠ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o país teve uma redução de 6,7 milhões de leitores. Divulgado em 2024, o levantamento realizado pelo Instituto Pró-Livro também trouxe que a proporção de não-leitores foi maior que a de leitores, pela primeira vez na série histórica. Nos três meses anteriores à pesquisa, 53% das pessoas não leram nem parte de um livro — seja impresso ou digital — de qualquer gênero, incluindo livros didáticos e religiosos. Considerando apenas livros inteiros lidos no mesmo período, o percentual foi de 27%.

Um dos principais desafios para a formação de leitores, segundo Jarrid Arraes, é justamente o acesso ao livro. “É conseguirmos transformar a literatura em algo interessante e acessível para todas as pessoas, porque muitas têm ideia que os livros e a literatura são coisas muito intelectuais, muito inalcançáveis e só pessoas de determinada classe podem se relacionar com a literatura”, diz. “Na verdade, acho que já temos muitos exemplos de pessoas que criam literatura que pode ser mais relacionável com as pessoas”, completa.

A cordelista enfatiza a necessidade de demonstrar às pessoas que elas podem se identificar com a literatura, que também pode atuar como entretenimento e divertimento.

“Precisamos tirar a literatura de um pedestal e publicar mais pessoas com mais diversidade, de diferentes regiões do Brasil e que escrevem de maneiras diferentes para existir uma democratização da literatura, começando pelo próprio mercado editorial. Se não conseguimos fazer com que a literatura seja comum e de todos no mercado editorial, como vamos conseguir fazer isso em sociedade?”.

Além da identificação com a literatura, Márcia Oliveira aponta para fatores socioeconômicos, ressaltando características do cotidiano da maioria dos brasileiros. De acordo com a professora, “quem trabalha muito, ganha pouco, passa horas no deslocamento entre casa e trabalho, tem pouco acesso à educação de qualidade e a livros sem custo ou a baixo custo, sejam impressos ou digitais, dificilmente se apropriará da leitura, quando sequer lhe sobra tempo para viver”.

Outro ponto relevante para Márcia é o acesso à renda: apesar de existirem clubes de leitura em espaços que não exigem a aquisição de livros ou o pagamento de mensalidades para participar, fazer parte deles ainda demanda tempo dos leitores, nem sempre abundante. 

“No Brasil, os livros sempre foram e ainda são para poucos. Construir uma cultura de leitura poderia ser uma grande transformação, mas isso leva tempo. Precisamos de políticas de estado que fomentem o acesso à leitura e garantam a disponibilidade de materiais, para além da leitura escolar, assim como da mobilização da sociedade civil organizada para tentar mudar o cenário atual, em que quase metade da população brasileira não tem o direito à leitura garantido”, avalia.

Segundo o 9º Painel de Varejo de Livros no Brasil, produzido pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), o preço médio do livro no país subiu 12,20%, atingindo R$ 51,48. Em comparação, o salário mínimo em 2024 é de R$ 1.412,00

Incentivo à leitura

A pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro em 208 municípios também trouxe dados sobre o consumo de livros com relação à identidade de gênero, idade e região. Os resultados indicam que maioria dos leitores corresponde ao gênero feminino (50,4%), sendo a faixa etária de 11 a 13 anos a que mais lê (81%). Nesse ponto, o relatório aponta que livros didáticos também foram considerados para a investigação, podendo ser um dos motivos para a maior proporção de leitores com essa idade.

Quanto ao aspecto geográfico, a Região Sul apresentou a maior proporção de leitores (53%). Em seguida, surgem as regiões Norte (48%), Centro-Oeste (47%), Sudeste (46%) e Nordeste (43%), destacando-se com a menor quantidade.

“É difícil explicar essa diferença, tendo em vista a complexidade dos fatores envolvidos, porém, é notória a disparidade entre as regiões brasileiras. Essa pode ser uma pista para o entendimento da distribuição entre leitores e não-leitores no Brasil. A Região Sul, em contraponto à Região Nordeste, apresenta um dos mais baixos índices de analfabetismo do país (3%) e tem a terceira maior renda per capita média do país”, observa Márcia. 

Diante dos dados apresentados pela pesquisa, a professora reforça a necessidade de políticas de estado voltadas para o fomento à leitura, com foco, principalmente, na formação de professores, bibliotecários e agentes de leitura, além da importância de programas de implementação de bibliotecas públicas e de ampliação dos acervos literários em escolas. “Assim como espaços comunitários de diferentes perfis, além de campanhas de valorização da leitura como fonte de prazer e acesso a diferentes formas de conhecimento”.

Professora do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ana Isabel Borges afirma que “qualquer atividade que aproxime as pessoas à leitura é positiva, sem dúvida”, incluindo os clubes de leitura. “Acredito que os clubes de leitura podem funcionar bem, se conseguirem reunir pessoas para conversar sobre o que estão lendo. Não basta informar ‘estou lendo isso’ ou ‘estou lendo aquilo’: é preciso trocar ideias”.

Em entrevista à reportagem, a pesquisadora traz que, para que o número de leitores no Brasil cresça e volte a ser superior à quantidade de não-leitores, é preciso oferecer melhores condições de vida, como jornadas de trabalho de, no máximo, oito horas diárias, salários que correspondam ao atual custo de vida e “um pouco de segurança no futuro”, para diminuir os níveis de ansiedade e estresse entre os brasileiros. “Sem ócio não existe leitura nem outro uso não ‘produtivo’ do tempo, é só trabalhar e dormir”, conclui.

*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa

Itamar Vieira Junior: desinteresse de brasileiros pelos livros é mito

Com a marca de 1 milhão de livros vendidos, o escritor baiano Itamar Vieira Junior acredita que a tese de que o brasileiro não se interessa por livros ou leituras é um mito. Ele conversou com a Agência Brasil dias antes de participar da Festa Literária Internacional de Maricá (Flim), na região metropolitana do Rio, que receberá visitantes até o dia 10 de novembro. 

Para o autor, a participação do público brasileiro em eventos e feiras literárias vem crescendo. “Isso mostra o interesse do brasilerio pela leitura, por este encontro com o autor e cai por terra esse mito de que o brasileiro não se interessa por literatura e por livros. Estas feiras são importantes porque às vezes elas chegam em cidades que não têm uma livraria, ou não têm uma biblioteca.”, afirmou. 

Ele também destacou a proximidade de seus personagens com os brasileiros e garantiu que prepara um novo romance para ser lançado em breve. “A gente só precisa falar da gente mesmo. Então, olhar para nós mesmos. Isso é que é importante. Acho que é dessa maneira que a gente vai conquistar mais leitores”.

A marca de 1 milhão de livros vendidos no Brasil em cinco anos será celebrada com o lançamento de uma edição comemorativa de Torto Arado em capa dura serigrafada, no dia 7 de novembro. Itamar Vieira Junior também é autor de Salvar o Fogo, de Doramar ou a Odisseia e do livro infantil Chupim

Itamar Vieira Junior, que nasceu em Salvador, na Bahia, em 1979, é geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Foi vencedor dos prêmios Leya, Oceanos e Jabuti. 

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o autor disse que tem participado de várias feiras literárias e fica satisfeito em ver que esses eventos levam a cultura a várias regiões do país.

Agência Brasil – Como você vê o crescimento da participação do público em eventos literários?
Itamar Vieira Junior – “É sempre muito bom. Tenho participado de muitas feiras em cidades pequenas, em cidades médias e o que percebo é que estão sempre repletas de gente, sempre têm uma grande circulação. Eu não participei em nenhum desses eventos para ter poucas pessoas, sempre tem muitas. Isso mostra o interesse do brasilerio pela leitura, por este encontro com o autor e cai por terra esse mito de que o brasileiro não se interessa por literatura e por livros. Estas feiras são importantes porque às vezes elas chegam em cidades que não têm uma livraria, ou não têm uma biblioteca. Elas movimentam não só a cidade, mas as cidades do entorno. Então, sempre vejo com bons olhos o acontecimento dessas feiras.

Agência Brasil – Você que percorre tantos lugares diferentes do país, tem notado um maior interesse por estas feiras?
Itamar – Eu acho que nos últimos anos houve uma mudança significativa na literatura brasileira, Acho que se tornou, de alguma maneira, mais diversa, tem mais gente publicando de lugares e de origem diferentes. Isso renovou o interesse dos leitores por nossa literatura. Pessoas do nordeste, pessoas negras e indígenas têm publicado. Ainda é de maneira pequena e incipiente, acho que ainda pode melhorar muito, mas essa mudança tem de fato ocorrido e isso renovou o interesse dos leitores por nossa literatura. Acho que, sim, as pessoas estão interessadas no que escrevemos e na literatura brasileira.

Agência Brasil – Além disso, porque também se sentem representadas na literatura, não é?
Itamar- Claro. O Brasil é um país diverso. Segundo os dados do próprio IBGE do último Censo, mais de 50% da população se declara como negra, ou seja, preta e parda. Isso mostra que as pessoas querem se sentir representadas de alguma maneira nessa história. Que elas falem tudo das coisas que conhecemos, que falem do Brasil, que elas possam recontar a nossa história. Que a gente possa falar sobre as nossas dores, mas também nossas esperanças, Acho que de fato a literatura brasileira tem experimentado um pouco disso nos últimos anos.

Agência Brasil – Nesta feira específica, a secretaria de educação do município tem o objetivo de levar mais de 30 mil alunos da rede municipal de ensino e dar a eles o benefício da Mumbuca Literária, estendendo a medida aos estudantes do Programa Passaporte Universitário. Maricá tem uma moeda social que se chama Mumbuca e na feira os estudantes vão ganhar o benefício equivalente a 200 mumbucas para a compra de livros. Isso também é uma forma de incentivar a procura pelos livros?
Itamar – Com certeza. O Brasil é um país muito desigual, muitas pessoas não chegam a leitura ou pela falta de condições para comprar ou para empréstimo desses livros. Tudo que for feito para reduzir e mitigar esta desigualdade e fazer com que as pessoas se interessem e busquem os livros. que possam ter a oportunidade de ter o livro na mão e levar para casa para ler ou emprestar, tudo que é feito para reduzir essa desigualdade é muito benvindo. Outras feiras literárias tiveram experiências parecidas, acho que na Bahia. Na Bienal de São Paulo, a prefeitura fez este trabalho. Faz toda diferença, porque vai criando na população essa cultura de que a leitura é importante e de que o livro é importante. Não vai excluir pelo menos aqueles alunos que estão participando, ou as pessoas da cidade. Eles não vão deixar de comprar o livro, porque simplesmente não têm condição financeira. Vai ter lá um valor, uma importância, que ele vai utilizar para comprar um livro e fazer as suas escolhas no que desejarem. Acho que é muito válido, importante. É algo que deveria ser replicado sempre que possível em todas as feiras.

Escritor Itamar Vieira Junior participou da 9ª Festa Literária Internacional de Maricá (Flim) – Bernardo Gomes/Prefeitura de Maricá

Agência Brasil – Você alcançou agora uma marca até insólita de 1 milhão de exemplares vendidos dos seus livros e, inclusive, vai ter a edição comemorativa. O que você, que se destaca tanto dentro de uma feira dessa, qual é a mensagem que pode levar justamente no momento de uma marca tão expressiva na venda de livros?
Itamar – Eu fico feliz e percebo que não estou sozinho nesses números. É algo que eu compartilho com os autores e com os leitores também. Isso mostra que a nossa literatura pode chegar em muitos lugares. É uma literatura que é excelente, que quando tem oportunidade é premiada, mesmo fora do Brasil, pode conseguir novos leitores. Eu não estou sozinho nesta estrada. Muitos autores contemporâneos como Jeferson Tenório, Carla Madeira, também têm números expressivos de venda. Isso é muito bom, mostra um interesse que se renovou pela literatura do país e nos coloca em uma posição de importância de que a nossa literatura pode não só conquistar leitores aqui, mas leitores fora do Brasil. Acho que está mais do que na hora do Brasil figurar como uma potência criativa, uma potência literária no mundo. Tudo isso é importante para que a gente, de fato, se orgulhe das nossas criações, da nossa produção literária e do que nós fazemos. Esse número diz menos sobre mim. Diz mais sobre o Brasil, sobre os leitores, sobre o momento que a nossa literatura vive hoje.

Agência Brasil – Os seus personagens retratam muito uma parte do Brasil, muito o espírito brasileiro também, não é?
Itamar – Sim. Acho importante que para escrever boas histórias para leitores, a gente não precisa ir muito longe. A gente só precisa falar da gente mesmo. Então, olhar para nós mesmos. Isso é que é importante. Acho que é dessa maneira que a gente vai conquistar mais leitores.

Agência Brasil – Como está a sua programação e o seu trabalho agora? O que vem pela frente?
Itamar – Estou escrevendo o romance que fecha esse ciclo que iniciei com Torto Arado e continuou com Salvar o Fogo. Não sei quando concluirei, mas é algo que tem ocupado meu trabalho como autor e acabei de lançar um livro infantil em agosto. Tenho circulado também e rodado para falar desse livro.

Agência Brasil – O que você traz neste livro e porque se dedicou ao público infantil?
Itamar – O livro se chama Chupim e saiu com o selo Baião da Todavia. Conta a história de um menino que vive em um campo de arroz com os pais e outros trabalhadores. Ele tem como função espantar uma praga que ele depois vai descobrir que é um pássaro chamado Chupim. Essa é a história contada pelos olhos de uma criança com as imagens da Manuela Navas [artista plástica]. É um livro que tem me trazido muitas alegrias. Tenho participado de contação de histórias, de eventos para lançar e falar sobre esse livro também. Acho que é, importantíssimo me dedicar um pouco para a literatura infantil, afinal, se eu me formei porque descobri a literatura ainda muito cedo e foi a literatura infantil que despertou em mim a leitura, se não fosse a leitura, eu não seria autor, então para mim é um trabalho importante porque me dedico à literatura da infância.

Dino determina recolhimento de livros acadêmicos discriminatórios

Em uma decisão individual, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que quatro livros acadêmicos de Direito sejam recolhidos por conterem trechos considerados homofóbicos e discriminatórios contra grupos minoritários, em particular mulheres e a comunidade LGBTQIA+.

Tornada pública nesta sexta-feira (1º), a decisão de Dino atende, parcialmente, a um pedido do Ministério Público Federal (MPF). O órgão recorreu à Suprema Corte depois que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) recusou um primeiro pedido para que a Justiça determinasse que os livros fossem retirados de circulação.

Segundo o STF, o MPF ingressou com a ação após ter sido acionado por alunos de uma universidade de Londrina que identificaram e denunciaram o que entenderam ser um conteúdo claramente homofóbico contido nos livros disponíveis na biblioteca da instituição.

Após analisar as considerações do MPF e trechos das obras em questão, Dino concluiu que as publicações excedem o direito à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento, “configurando tratamento degradante, capaz de abalar a honra e a imagem de grupos minoritários e de mulheres na sociedade brasileira”.

Com a sentença, todos os exemplares já impressos das obras Curso Avançado de Biodireito; Teoria e Prática do Direito Penal; Curso Avançado de Direito do Consumidor e Manual de Prática Trabalhista deverão ser “retirados de circulação”, inclusive de qualquer biblioteca do país e, posteriormente, destruídos.

“Essas publicações não estão protegidas pela liberdade de expressão, porquanto, nas palavras do Ministério Público Federal, ‘apenas servem para endossar o cenário de violência e preconceito já existente contra essas minorias’”, sustenta Dino em sua decisão.

“Não se pode utilizar do altar da liberdade de expressão de forma ilimitada, sacrificando direitos pessoais, em especial a honra e dignidade humana de toda a população LGBTQI+ e/ou feminina”, acrescentou o ministro, para quem “a hostilização e ofensas gratuitas não estão acobertadas pela liberdade de expressão”.

Conforme a decisão de Dino, as editoras responsáveis pelas quatro publicações poderão reeditá-las e oferecê-las ao público em geral, “desde que expungidos [eliminados] do seu teor os trechos incompatíveis com a Constituição Federal e decisões deste Supremo Tribunal Federal”. O ministro ressaltou que sua decisão não se confunde com censura prévia.

Editores de livros sugerem propostas para retomar aumento de leitores

Com a assinatura do decreto que regulamenta a Política Nacional de Leitura e Escrita na quinta-feira (5) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a discussão em torno de propostas é retomada no setor. O presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Dante Cid, defende que se combine a distribuição de livros em formato digital e impressos para aumentar o número de leitores espontâneos no país. 

A regulamentação possibilitará ao governo federal criar um novo Plano Nacional de Livro e Leitura (PNLL), buscando reverter a queda de leitores dos últimos anos.  A última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em 2020, aponta uma perda de 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019. O levantamento foi elaborado pelo Instituto Pró Livro e o Itaú Cultural.

Para motivar a retomada do interesse pelos livros, o representante da Snel enfatiza que experiências feitas em escolas no exterior, em países como a Suécia, podem orientar o Brasil em relação a essa questão. Ele comenta que instituições que adotaram apenas o modelo digital obtiveram resultado pior na assimilação dos conteúdos por parte dos alunos. 

Apesar dessa constatação, Cid considera que a versão eletrônica pode ser uma solução para locais em que o transporte de volumes é complicado e para ampliar o acesso a livros especializados. Como exemplo, cita a categoria dos livros técnico-científicos que compuseram bibliotecas digitais e puderam, assim, serem lidos, como observou em sua própria vivência com uma editora. Isso poderia ser complementado pela biblioteca física. 

“Grande parte das classes socialmente desfavorecidas está em municípios de grande acesso. A gente sabe da dificuldade dos jovens para chegar à escola e ao trabalho, de transporte. Para o livro chegar a eles, é igualmente difícil. A gente sabe que o Ministério da Educação sempre trabalha com a disponibilização do livro digital”, lembra, sugerindo que a pasta trabalhe em conjunto com os Ministérios das Cidades e da Cultura. 

“A gente pode ter um mix de soluções: bibliotecas físicas em municípios tradicionais e, em municípios com acesso mais complicado, ter um conjunto de produtos impressos que chegam paulatinamente, junto com livros digitais de disponibilidade imediata”, adiciona.

Para o diretor executivo da biblioteca digital gratuita de São Paulo SP Leituras, Pierre André Ruprecht, o decreto é fundamental para encaminhar medidas que sejam colocadas em prática. “É mais do que uma afirmação de interesse ou de intenção. É um compromisso de execução de ações concretas e importantes para caminharmos juntos nesse objetivo, de termos, de fato, um país leitor, com acesso a conhecimento e à literatura”, afirmou. 

“Jorge Amado mudou a vida de muita gente por seus livros”, diz neto

No último sábado (10), o escritor Jorge Amado (1912-2001) completaria 112 anos de nascimento. Há oito anos, como forma de celebrar a sua memória e o seu legado, a Fundação Casa de Jorge Amado realiza a Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), sempre em seu aniversário.

Autor de livros como Dona Flor e Seus Dois Maridos, Tenda dos Milagres, Tieta do Agreste, Gabriela, Cravo e Canela e Tereza Batista Cansada de Guerra, Jorge Amado é a tradução da Bahia. “Meu avô sempre dizia que não tinha criado os personagens que lhe deram fama e notoriedade. Ele apenas tinha reconhecido aqueles personagens prontos no povo da Bahia”, contou o neto do escritor, Jorge Amado Neto.

Os romances escritos por Jorge Amado apresentam as ruas, os casarios, o povo, os cheiros e os costumes baianos, mas em sua obra também sempre esteve muito presente a reflexão sobre os problemas sociais brasileiros. “A partir do momento em que Jorge Amado começa a escrever e à medida em que vai desenvolvendo sua literatura, ele vai demonstrando que é necessário, sim, por meio da cultura e da literatura, enfrentar questões sociais. Ele coloca esses problemas em uma situação de evidência para chamar as pessoas a repensar e a criar uma consciência social”, acrescentou Neto.

“Ele fez parte de uma geração de notáveis, que foi responsável pela própria construção da identidade do baiano. Aquilo que a gente hoje chama de baianidade – da forma de falar, de resolver questões, de se posicionar, a forma de se comunicar, de se vestir e de externar a cultura por meio da alegria, da dança, da música e das artes – ele, juntamente com outras pessoas da época, como Calasans Neto, Carybé, João Ubaldo Ribeiro e Dorival Caymmi, foi responsável por dar uma identidade ou consolidar essa identidade muito marcada da Bahia”, afirmou.

Memórias de família

Jorge Amado Neto tinha 16 anos quando seu avô morreu. “Eu tinha uma ligação muito grande com ele, que me chamava de meu compadre. Ele falava: ‘meu compadre, vem aqui para eu conversar com você’. Aí eu ia lá, eu devia ter uns cinco para seis anos. Minha avó vinha atrás de mim e ele falava: ‘Zélia, isso aqui é uma conversa de homens. Aqui sou eu e meu compadre aqui’. E eu ficava todo chique, me achando”, contou.

“Tem uma história que é famosa, que eu já contei até algumas vezes, que foi quando eu saí pra colher uns jambos aqui [na casa do Rio Vermelho]. No jardim, colhi um cesto de jambos. Cheguei com esses jambos pra ele, que estava assistindo televisão. Eu falei: ‘tudo bom, meu amor? Quer comprar uns jambos aqui na minha mão?’ Aí ele respondeu: ‘mas, vem cá, você vai no meu jardim, pega meus jambos, e vem aqui pra me vender?’. E eu respondi: ‘mas tive trabalho de colher, subi no jambeiro podendo cair, tá tudo lavadinho aqui pra você’. Ele achava o máximo essas coisas e dizia: ‘Pegue lá minha carteira. Qual é o preço dessa cesta aqui de jambos?’. Eu dizia um valor e depois chegava nele e falava: ‘me dá um desses jambos aí?’. E ele respondia: ‘mas você acabou de vender!’. E eu acrescentava: ‘Pois é, agora são seus. Estou lhe pedindo um porque não comi antes de lhe vender’. E ele então me deixava pegar os jambos”.

Legado

Em entrevista à Agência Brasil na Casa do Rio Vermelho, em Salvador, onde seu avô e sua avó Zélia Gattai viveram, Jorge Amado Neto refletiu sobre o legado deixado por ele. “Repare que muitas pessoas que não conheciam o Brasil, que nunca tinham vindo à Bahia, vieram nos visitar a exemplo de [Jean-Paul] Sartre, de Simone de Beauvoir, de Nicolas Guillén e tantas outras personalidades, porque leram Jorge Amado. Como foi muito divulgado e publicado em outros países, ele deu a oportunidade de as pessoas do outro lado do mundo experimentarem um pouco dos cheiros e dos sabores da nossa terra. Ninguém mais do que Jorge Amado trouxe mais gente de outros países pra cá, a fim de conhecer aquilo que só estava nas folhas dos livros”.

Esse legado, contou Neto, perpassa os romances escritos pelo avô e sua importância para a cultura brasileira. Há também, muito fortes, as memórias que ele deixou dentro da família. “Meu avô foi uma das melhores pessoas que conheci porque era amoroso, brincalhão, presente. Ele fazia tudo que um avô faz com seus netos: levava pra passear, brincava, tomava sorvete. Sinto muita saudade dele e digo que as pessoas que reconhecem Jorge Amado como um grande escritor, muitas vezes não o conhecem na sua intimidade”.

Para a família, o escritor deixou valores como honestidade, hombridade e justiça. “Eu tenho certeza que esse foi o maior patrimônio que ele deixou pra gente”, disse. Já para o Brasil, analisou o neto, ficou como herança o exemplo de escutar os marginalizados pela sociedade.

“Meu avô foi um dos maiores escritores do Brasil e o responsável por uma mudança de paradigma na literatura brasileira, porque começou a dar voz a vários segmentos sociais que eram totalmente colocados à margem como a figura da mulher, do negro, do pobre e dos desvalidos”, disse o neto. “Em um período em que você não tinha os direitos reconhecidos para essas pessoas, ele teve papel muito importante em dar voz e visão para elas. Acho que ele foi um grande mestre de literatura, mas teve também importância social muito grande. Mudou a vida de muita gente por meio de seus livros”.

*A repórter e a fotógrafa viajaram a convite do Instituto CCR, patrocinador da Flipelô.

Correios doam 21,5 mil livros para abastecer bibliotecas no RS

Os Correios doaram 21,5 mil livros para o Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Rio Grande do Sul, depois da situação de calamidade pública devido às chuvas volumosas que atingiram o estado, em maio deste ano.

As obras doadas pela empresa pública são de diversas áreas do conhecimento, como administração, biografias, espiritualidade, filosofia, história, literatura, matemática, psicologia e sociologia.

O primeiro lote de livros foi entregue na terça-feira (9), ao Instituto Cervantes de Porto Alegre (RS), organização sem fins lucrativos vinculada ao governo da Espanha. A instituição de ensino fará a triagem e a distribuição do material a 44 bibliotecas de escolas públicas afetadas pelas cheias.

Os títulos pertenciam ao acervo das bibliotecas dos Correios nos Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, além da região metropolitana de São Paulo e estavam armazenados no campus da Universidade Corporativa dos Correios, em Brasília.

Recomposição de acervo

Outra ação promovida para recomposição do acervo de 138 bibliotecas escolares destruídas pelas enchentes, nos municípios gaúchos, é a campanha Mochila Cheia, coordenada pela Secretaria da Educação (Seduc) do Rio Grande do Sul.

A lista completa dos livros aceitos para doação está disponível no site da Seduc.

Em Porto Alegre, o ponto de coleta da campanha é a Escola Estadual Maria Thereza da Silveira, que funciona de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h. No interior do estado, as doações são organizadas pelas respectivas coordenadorias Regionais de Educação.

Distribuição de kits escolares

A Campanha Mochila Cheia também entregou, nesta quinta-feira (11), os primeiros kits escolares para crianças e jovens atingidos pelas enchentes, montados a partir das doações de pessoas físicas e jurídicas, como entidades, associações e instituições da sociedade civil.

Os primeiros beneficiados foram os estudantes abrigados no Centro Esportivo Sesi Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre.

A meta da Secretaria da Educação estadual é reunir mais de 100 mil kits escolares completos para garantir que os estudantes possam acompanhar as aulas em boas condições.

Até o momento foram doados cerca de 217 mil itens – incluindo mochilas, cadernos, lápis de cor, canetas hidrocor, apontadores, giz de cera, canetas, estojos, lápis preto, lapiseiras, caixas de grafite, borrachas, calculadoras, réguas e garrafas squeezes.

As equipes da secretaria selecionam e organizam os donativos, conforme a idade e a série escolar dos beneficiários.

Rio Grande do Sul faz campanha por doação de livros e material escolar

O governo do Rio Grande do Sul iniciou, nesta segunda-feira (10), a campanha Mochila Cheia, para pedir a doação de livros e material escolar a crianças e jovens da rede estadual de ensino que foram afetados pelas enchentes do fim de abril e parte do mês de maio.

A meta da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) é arrecadar o suficiente para montar cerca de 100 mil kits escolares completos que possibilitem que os estudantes voltem às aulas em boas condições.

Entre os itens sugeridos para doação estão mochilas, cadernos, conjuntos de lápis de cor e canetas hidrocor, apontadores, giz de cera, caneta (azul, preta ou vermelha), estojos, lápis preto e lapiseiras, caixas de grafite, borrachas, calculadoras, réguas e squeezes (garrafas para transportar líquidos).

A direção-geral da Seduc fará a seleção e a organização dos donativos para compor cada kit, de acordo com idade e série escolar do beneficiário.

Livros de literatura

A secretaria estima que será necessário recompor o acervo mínimo em 138 bibliotecas escolares destruídas pelas enchentes nos municípios gaúchos. Para isso, são necessários 48.662 títulos de literatura brasileira e universal em bom estado. A intenção é arrecadar, aproximadamente, cinco exemplares por aluno e atingir a meta de 245.090 livros doados.

Por isso, a campanha estadual Mochila Cheia também aceitará livros de literatura infantojuvenil. A lista completa dos livros está disponível no site da Seduc.

O primeiro ponto de coleta da campanha Mochila Cheia está localizado em Porto Alegre, na Escola Estadual Maria Thereza da Silveira (Rua Furriel Luíz Antônio de Vargas, 135, bairro Bela Vista). O espaço funciona das 10h às 16h.

No interior, as doações serão organizadas pelas Coordenadorias Regionais de Educação, que definirá os locais onde os itens estão sendo recebidos.

Situação da educação

O Rio Grande do Sul conta com 2.338 escolas públicas estaduais, com mais de 741,8 mil estudantes matriculados em 2024.

De acordo com boletim do governo estadual que atualiza diariamente o panorama de escolas, 94,2% do total de unidades de ensino estaduais já retomaram as atividades, com 92,8%, ou 688.387 estudantes, de volta às salas de aula.

Porém, 1.086 escolas estaduais foram impactadas pelas fortes chuvas em 255 municípios gaúchos. Essas unidades foram danificadas, têm problemas de acesso ou estão servindo de abrigo emergencial a famílias que foram forçados a deixar as próprias casas por causa dos temporais.

Polêmicas envolvendo literatura infantojuvenil, que incluem cancelamentos e banimento de livros em escolas, já preocupam editoras

Monteiro Lobato

24 de maio de 2024

 

No início de março, os governos estaduais de Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná orientaram as respectivas secretarias de educação que retirassem dos acervos das escolas o livro O Avesso da Pele, do autor Jefferson Tenório, sob o argumento de que ele contém expressões impróprias para menores de 18 anos. A obra, vencedora do prêmio Jabuti de 2021, foi selecionada para distribuição nas escolas públicas por meio de edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) publicado pelo Ministério da Educação em 2021. A iniciativa foi recebida com uma saraivada de críticas, e após algumas semanas os três governos estaduais reverteram suas decisões. A controvérsia, porém, somou-se a outros episódios de tentativa de censura e de cancelamento de obras literárias registrados no país nos últimos anos, e que afetaram, principalmente, obras destinadas ao público infantojuvenil.

Dentre os autores que vêm sendo combatidos por críticos das duas extremidades do espectro ideológico encontram-se desde novos valores, como o próprio Tenório, até escritores do cânon da literatura infantil brasileira, como Monteiro Lobato, cuja obra vem sendo frequentemente criticada na última década, acusado de apresentar personagens estereotipados e empregar termos racistas em seus livros.

Escritores e acadêmicos que atuam no segmento da literatura infantojuvenil dizem que o que está ocorrendo é uma tentativa de censura e apontam desdobramentos, entre eles uma crescente insegurança, por parte das editoras, de abordar determinados temas em seus livros. Esse movimento, que em certos momentos parece configurar quase uma autocensura, estaria ocorrendo à margem do debate público, mas recentemente foi discutido em um evento denominado “A censura e a literatura infantojuvenil”, que foi sediado pela Academia Paulista de Letras (APL), no início de maio.

Critérios para escolha dos livros envolvem até legislação

Com mestrado e doutorado em educação cursados na Unesp, Fernando Rodrigues de Oliveira se especializou no ensino de literatura infantil, e atuou em diferentes funções dentro do processo de avaliação das obras literárias do PNLD. Hoje vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ele explica que o PNLD estabelece uma série de critérios de avaliação das obras literárias, que incluem mais de vinte leis brasileiras.

Temas mais complexos, quando surgem nas obras, são exaustivamente discutidos entre coordenadores e avaliadores, considerando, entre outros pontos, a pertinência destes elementos para a compreensão geral da obra e para aquilo que ela propõe. Além disso, quando se trata de temas mais delicados, como uma cena de suicídio, por exemplo, o programa exige, além da obra em si, um material para orientar o professor na mediação da leitura em sala de aula. “Acho que o princípio de mediação de leitura precisa ser melhorado tanto no conteúdo dos editais quanto por parte das editoras. O que temos visto nos últimos editais do PNLD é que quando as obras tratam dessas questões mais complexas esse material é muito frágil”, aponta.

Ele acha compreensível que as editoras sejam cautelosas em relação ao conteúdo das obras, posto que a literatura não é um território de ninguém. “Por mais que eu seja um grande defensor da literatura, há de se discutir se existe um limite estético. Não dá para repetir certas práticas somente sob o argumento de que a obra literária está isenta. Afinal, a obra literária não é apenas uma representação do seu tempo, ela também produz um novo tempo. Por outro lado, me parece que também existe um exagero sobre algumas questões que acabam limitando a própria natureza artística do texto. Há de se pensar o limite dessa cautela para entendermos quando ela deixa de ser um olhar mais apurado e crítico para se tornar uma pré-censura”, diz.

Oliveira avalia que parte das iniciativas que contestam trechos de obras literárias se baseiam em motivações ideológicas de determinados grupos políticos. Outras se originam de demandas mais sólidas, advindas de movimentos sociais que questionam, por exemplo, conteúdos que poderiam legitimar estruturas racistas da sociedade. A aderência a essas pautas, entretanto, também está relacionada a um cenário em que o mais comum é o de sujeitos com pouca leitura, que demonstram dificuldade em transcender a literalidade das palavras e formular uma visão mais complexa daquilo que é apresentado no texto.

Como alternativa ao puro e simples banimento de obras, Oliveira propõe que se avance em relação a mera oferta de livros aos alunos das escolas públicas. Um caminho pode ser o oferecimento de uma formação sólida e específica aos professores, que atuam como mediadores de leitura. Ele diz que o entendimento de determinados fatos e contextos históricos contribui para evitar que se repitam. “Isso não significa colocar um livro numa redoma de cristal e obrigar todo mundo a ler. Precisamos debatê-los, até para entender por que as coisas eram de outra forma, e como chegamos até aqui”, diz.

O que fazer com o acervo de Lobato?

Além das editoras, outras instituições ligadas ao universo literário estão sendo afetadas pelas críticas e ameaças de censura e de cancelamento a autores consagrados. Em março passado, o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp organizou uma mesa-redonda intitulada “O IEL deve cancelar Lobato?” para debater qual a melhor forma de trabalhar o acervo do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que desde 1999 está abrigado no Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio (Cedae), que pertence à universidade. A ideia da mesa-redonda surgiu porque, em 2023, o Cedae organizou uma exposição que apresentou imagens e informações sobre alguns dos 70 autores cujos acervos estão preservados no Cedae. Uma pessoa não identificada escreveu sobre o cartaz destinado a Monteiro Lobato a palavra “racista”, e a peça foi retirada da exibição. O evento na Unicamp não chegou a apresentar um veredito quanto a conveniência de por de lado ou não a obra lobatiana, e nem se propôs a tal, servindo, antes, como fórum para debater publicamente estas questões que serviu para fomentar o diálogo,

Especialista na obra lobatiana, Lajolo rememorou, em sua fala durante o evento na Academia Paulista de Letras, a perseguição que a obra do autor sofreu por parte da ditadura de Getúlio Vargas nos anos 1930 e 1940. E apontou a difícil condição em que são colocados os professores que, em meio às crescentes polêmicas, lidam com essa literatura no cotidiano da sala de aula. Ela diz que os docentes não suscitam mais, junto aos alunos e seus pais, o mesmo respeito que era característico até décadas atrás. “O professor é o lado frágil nesse aparato violento e censório”, disse. “Nesse contexto, cabe ao professor, na sua dimensão pequena da sala de aula, onde é autônomo, fazer aquilo que seu coração e seu estudo lhe dizem que deve ser feito”, diz.

 .mw-parser-output .ambox{border:1px solid #a2a9b1;border-left:10px solid #36c;background:#fbfbfb;box-sizing:border-box}.mw-parser-output .ambox+link+.ambox,.mw-parser-output .ambox+link+style+.ambox,.mw-parser-output .ambox+link+link+.ambox,.mw-parser-output .ambox+.mw-empty-elt+link+.ambox,.mw-parser-output .ambox+.mw-empty-elt+link+style+.ambox,.mw-parser-output .ambox+.mw-empty-elt+link+link+.ambox{margin-top:-1px}html body.mediawiki .mw-parser-output .ambox.mbox-small-left{margin:4px 1em 4px 0;overflow:hidden;width:238px;border-collapse:collapse;font-size:88%;line-height:1.25em}.mw-parser-output .ambox-speedy{border-left:10px solid #b32424;background:#fee7e6}.mw-parser-output .ambox-delete{border-left:10px solid #b32424}.mw-parser-output .ambox-content{border-left:10px solid #f28500}.mw-parser-output .ambox-style{border-left:10px solid #fc3}.mw-parser-output .ambox-move{border-left:10px solid #9932cc}.mw-parser-output .ambox-protection{border-left:10px solid #a2a9b1}.mw-parser-output .ambox .mbox-text{border:none;padding:0.25em 0.5em;width:100%}.mw-parser-output .ambox .mbox-image{border:none;padding:2px 0 2px 0.5em;text-align:center}.mw-parser-output .ambox .mbox-imageright{border:none;padding:2px 0.5em 2px 0;text-align:center}.mw-parser-output .ambox .mbox-empty-cell{border:none;padding:0;width:1px}.mw-parser-output .ambox .mbox-image-div{width:52px}@media(min-width:720px){.mw-parser-output .ambox{margin:0 10%}}

Conforme Política de uso no rodapé do portal, “a reprodução de conteúdos é livre desde que sejam creditados o Jornal da Unesp e os respectivos autores, com indicação do endereço eletrônico (URL) da publicação original”.

Museu da Língua Portuguesa estreia feira mensal de troca de livros

Estreia neste sábado (13) a Feira de Troca de Livros do Museu da Língua Portuguesa, cujo objetivo é proporcionar um espaço de encontro e, por meio do livro e da literatura, incentivar a leitura entre os visitantes. A feira, que será mensal e gratuita, funcionará das 14 às 17h no Pátio B do museu, localizado na Estação da Luz, centro histórico de São Paulo.

Os participantes serão estimulados a doar livros para o museu e, a cada edição doada, a pessoa ganha um ingresso para visitar a instituição até 29 de dezembro. O limite é de quatro ingressos por pessoa.

Os livros devem estar em bom estado de conservação e podem ser de literatura infantil, infantojuvenil e adulta, ou de poesia e ficção, histórias em quadrinhos, zine, cordéis, biografias, autobiografias, ensaios e de arte. As obras doadas ficarão disponíveis para troca ou serão oferecidos a pessoas em situação de vulnerabilidade.

Segundo a organização, o museu pretende tornar a feira um evento acolhedor e acessível a todos os públicos. Os visitantes poderão realizar as trocas de seus livros entre si, sem a intermediação da equipe do museu. 

Ainda como atração da feira e sob comando do coletivo Itinerância Poética, a Roda de Saberes promoverá uma conversa sobre publicações independentes, estímulo à leitura e estratégias de facilitação de acesso aos livros. Haverá ainda uma oficina de marca-página e área destinada à primeira infância.

No Leia e Leve, o Núcleo Educativo fará mediação de leituras. Já o programa De Mão em Mão, da Coordenação do Sistema Municipal de Bibliotecas, vai distribuir gratuitamente livros na calçada do museu com o objetivo de fomentar e incentivar a leitura.

A Feira de Troca de Livros é organizada pelo Programa de Articulação Social do Museu da Língua Portuguesa em parceria com o coletivo Itinerância Poética e o Sistema Municipal de Bibliotecas da prefeitura de São Paulo. O Centro de Referência e o Núcleo Educativo do museu também integram a iniciativa.

Feira de Livros da Unesp começa nesta quarta com 160 editoras

“O livro ainda é um dos elementos mais eficazes para transmissão de pensamentos complexos e essa organicidade da palavra escrita em livro ela não é alcançada pela imagem, não é alcançada pelo áudio. Ela só é alcançada pelo processo de leitura tradicional”. É com essas palavras que o diretor-presidente da fundação responsável pela Editora Unesp, Jézio Hernani Bomfim Gutierre, apresenta o evento literário que a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho abriga a partir desta quarta-feira (3), no campus paulistano: a Feira de Livros em sua sexta edição.

Até domingo, 160 editoras, das maiores às menores, segmentadas ou não, ofertam aos leitores uma infinidade de títulos com descontos que partem dos 50%. Os estandes ficam espalhados pelo campus localizado ao lado da estação Metrô Palmeiras-Barra Funda, no bairro do mesmo nome, na capital. Há também uma versão virtual do evento, de olho no público leitor de fora da capital paulista.

Pelo site do evento é possível adquirir os livros com desconto e saber qual é a programação, embora não seja possível acompanhar as mesas-redondas, apresentações e debates, que não são transmitidas em tempo real.

A programação cultural é um outro capítulo da feira. A cada dia, escritores, tradutores, acadêmicos, sociólogos, historiadores, comandam apresentações e discussões sobre assuntos diversos pertinentes ao universo literário e ao mercado editorial. Hoje, por exemplo, o sociólogo e escritor José de Souza Martins fez a conferência de abertura sobre Capitalismo e Escravidão na Sociedade Pós-escravista. À tarde, as escritoras Luciane Bonace Lopes Fernandes, Nanci Nascimento de Souza e Sarita Mucinic Sarue falam sobre Crianças Refugiadas e Vitimadas por Guerras na Literatura Brasileira. .

A última das apresentações será a única a ser transmitida ao vivo pela internet. Trata-se de um bate-papo com o brasilianista James Green sobre seu mais recente lançamento, o livro Escritos de um Viado Vermelho, com mediação do jornalista e escritor Jean Wyllys.

“A programação da feira procura atender aos mesmos objetivos da feira em geral: aproximação de autores e leitores”, resume o diretor-presidente da Fundação Editora Unesp.

Fomento à leitura

Fundamentais na preparação do caminho para se alcançar um maior número de leitores no país, feiras literárias promovidas por universidades são uma realidade nos grandes centros do Brasil. Do mesmo modo como é realidade também um número constante de leitores no país, que não cresce e delimita um problema que o diretor-presidente da Editora Unesp define como crônico.

“É um problema tanto para o avanço da indústria editorial quanto realmente – e agora eu falo mais como pessoa ligada à universidade do que ao mundo editorial – isso limita o alcance do conhecimento, seja ele científico ou não. Quando se pergunta se nós temos público para comprar o que se produz, eu diria que sim, mas isso faz com que as tiragens [dos livros], o escopo de publicações que o Brasil tem hoje, ainda fique muito a dever diante dos patamares de outros países. Particularmente países desenvolvidos, mas países latino-americanos também”, explica.

Para Jézio Gutierre é fato que existe uma massa de leitores potencialmente interessante no Brasil, mas que ainda precisa ser significativamente desenvolvida. “Como produzir e fomentar inquietas e fiéis gerações de leitores? Essa é a pergunta de um milhão de dólares que todos os estrategistas, sejam estrategistas editoriais, sejam estrategistas de políticas educacionais, procuram. Esse é um ponto que merece muita atenção por parte de todos os que trabalham dentro da ordem do livro”, diz.

A equação do fomento à leitura, observa, não é simples. Políticas públicas relacionadas ao assunto, como isenção de impostos para o mercado editorial, por exemplo, são parte da solução. “O que se pode fazer é basicamente propiciar ganho de escala. Ou seja, se tivermos a possibilidade de aumentar o universo de leitores, talvez possamos fazer com que o livro nacional seja mais barato. Isso poderia propiciar um círculo virtuoso onde os livros possam ficar cada vez mais baratos e assim aumentar a base de leitores de forma constante”, avalia o diretor da Editora Unesp.

Editoras

Reconhecida no mercado de livros do país, a Editora 34 é um dos exemplos de editora com larga trajetória, entre as 160 que participam da feira. Na feira, a editora oferece 250 títulos com 50% de desconto, dos mais variados gêneros: ficção, poesia, filosofia, ciências sociais, economia, história e outras áreas publicadas em 30 anos de vida.

Segundo informação da assessoria de imprensa da editora, a expectativa pela participação na feira é sempre grande. “Pessoas nos escrevem perguntando se estaremos na Feira do Livro da Unesp, perguntam se teremos um determinado título – dos mais recentes aos mais específicos -, preparam as suas listas de desejo o ano todo. Além dos nossos livros mais técnicos, também há muita demanda pelos mais recentes e as nossas traduções dos clássicos da literatura estrangeira, especialmente a russa”, informa.

Do outro lado do espectro das editoras em exposição na feira, há a segmentada Ediotora Malê, com foco na literatura afrobrasileira e que há dois anos participa do evento. Nesta edição, expõe para o público 57 títulos do catálogo.

“Acho super importante participarmos das feiras universitárias que acontecem em São Paulo e outros estados porque nossa literatura não chega tão fortemente às livrarias e esses espaços são qualificados para a gente atingir leitores qualificados e com isso nossos títulos passam a ser conhecidos por um perfil leitor que busca leituras que estão além dos espaços comerciais”, sintetiza Francisco Jorge, sócio e editor da Malê.

Serviço

6ª Feira do Livro da Unesp

Data: de 3 a 7 de abril

Horário:- das 9h às 21h (domingo até 18h)

Local: Presencial – Campus da Unesp em São Paulo, localizado à Rua Dr. Bento Teobaldo Ferraz, 271, ao lado da Estação Palmeiras–Barra Funda do Metrô (saída à esquerda, ao passar pelas catracas).

Entrada franca.