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Krenak: literatura pode ajudar a propor novas formas de viver na Terra

De forma direta ou indireta, todos estão participando do consumo indistinto do planeta. É o que acredita o escritor e ativista ambiental Ailton Krenak (foto). O líder indígena, autor dos livros Ideias para adiar o fim do mundo e Futuro ancestral, entre outros, afirma que todos participam da bagunça que está acontecendo no planeta, uma vez que “nós somos o corpo da Terra”.

“Se você disser que a sua mão não tem culpa do que o seu pé faz, você está considerando a possibilidade do seu pé se mover sem a ajuda da mão. Algum tipo de ajuda vai ter. Nem que seja a indiferença, a não resposta”, salienta.

Krenak não tira a responsabilidade nem dos povos indígenas. “Os povos originários costumam entender-se como filhos da Terra. E eu incito os meus companheiros dizendo: se ela é nossa mãe, como é que vocês deixam fazer bullying com ela? Se ela é nossa mãe e estão predando-a, que tal a gente partir para cima desses caras?”, sugere.

Ao falar do processo que ele denuncia como “comer a Terra”, o ambientalista cita, em sua opinião, as três expressões mais visíveis de destruição: mineração, devastação das florestas e exploração do petróleo. Dessa última, Krenak acredita que não tem como escapar. Nem os mais remotos povos.

Extrativismo

Para ele, ninguém fica de fora do extrativismo determinado pela escolha do petróleo como matriz energética. E que está presente em todos os lugares e em diversas versões.

“Sabia que a capa do seu celular é feita de petróleo? Que, provavelmente, a minha sandália é feita de petróleo? Que o seu tênis é de petróleo? Os seus óculos, o seu boné?”, provoca.

Krenak foi o autor homenageado da segunda edição do Festival Literário Internacional de Paracatu, que terminou no último domingo (1º). Traduzido para mais de 13 países e imortal pela Academia Brasileira de Letras, ele afirmou que é preciso “ter poesia em nossa experiência de luta”.

“Acho que cada um de nós deve despertar o seu poder interior e pensar como fazer: se vai ser produzindo mais conhecimento, se vai ser produzindo arte, se vai ser escrevendo, falando, desenhando, plantando bananeira. Tem gente que acha que a maneira de fazer isso é plantando floresta, agrofloresta; ou fazendo campanha, cuidando da água, protegendo a vida selvagem. Até ontem, as pessoas achavam que só os humanos pensavam. Hoje, a gente sabe que as árvores, os peixes, todo organismo vivo tem ciência”, garante.

Literatura

Ailton Krenak na 2ª edição do Festival Literário Internacional de Paracatu. Foto: Fliparacatu/Divulgação

Em seu mais recente lançamento, “Kuján e os meninos sabidos”, Ailton Krenak escreve para as crianças. Ele explica que kuján, na língua krenak, significa tamanduá. E que o livro conta uma história da criação da humanidade para que as crianças tenham outra opção de como nós aparecemos na Terra, além da versão de Adão e Eva.

Os meninos sabidos são dois heróis culturais, para quem o criador ensina os artefatos, a pintura corporal, as cantigas. Ao escrever para as crianças, Krenak coloca a esperança em outras formas de viver no planeta, nos pequenos.

“A gente está exatamente pensando que ainda pode ter esperança em outras maneiras de habitar o mundo. E quem pode fazer isso serão as crianças, porque os adultos já estão todos manjados. Os adultos estão tarados por grana, por poder, por disputas”, argumenta.

Leitor, Krenak define o poeta Carlos Drummond de Andrade como seu escudo invisível. Ele diz que o poeta mineiro passou a vida avisando “que a aldeia, a Itabira (MG) dele, tinha se transformado em um retrato na parede. Quer dizer, o chão que ele pisava ruiu”.

Citando o poema “O homem; as viagens”, escrito por Drummond em 1973, Krenak aponta que o que o está no poema – as viagens do homem para habitar outros planetas, a lua e o sol – pode acontecer antes de o homem estar disposto a con-viver, como no verso final.

“A coisa mais simples da existência seria a gente habitar a Terra só com o contentamento de conviver. Um amigo me disse, ‘ah! Krenak, mas se não houvesse essas coisas que a gente julga danosas, ruins, a gente ia chegar em lugares onde não ia ter nada. Você ia chegar não ia ter luz elétrica, não ia ter a internet, não ia ter o carro’. Eu falei ‘mas são essas coisas que estão comendo o nosso mundo’. Seria mais ou menos como você ir passear num jardim e reclamar que está faltando demônios lá”.

Meteoro

O ambientalista também cita a obra de Joca Reiners Terron, “A morte e o meteoro”, lançada em 2019. No livro, um mundo distópico em que uma tribo da Amazônia está prestes a desaparecer por causa da destruição da floresta.

Krenak acredita que é como se a gente “estivesse vivendo na era moderna uma literatura de profecia”. Para ele, alguns autores, ao escrever, estão tomados por um sentimento tão poderoso que não estão mais fazendo literatura, mas profetizando, antecipando.

“Nós estamos num tempo onde as pessoas que são criativas, os poetas sempre foram chamados de antena, têm essa capacidade de verbalizar uma tragédia que a gente quer evitar. O sentido verdadeiro de uma literatura que expressa o seu tempo é exatamente mostrar para todo mundo o que eles não querem ver”, argumenta.

O ativista ainda acredita que a literatura pode ser um lugar da proposição e da busca por outras maneiras de conviver com a Terra.   

“É imaginar a possibilidade de a gente habitar outros mundos sem sair da Terra. É diferente do poema do Drummond, que o humano quer sair da Terra para ir para outro lugar. Quando ele fala con-viver, ele está dizendo que não vai ter que aprender a aguentar o balanço da canoa e segurar a onda, viver aqui. A gente vai ter que viver na Terra, não tem outro lugar para o humano viver. O equipamento fisiológico que o humano tem, a nossa anatomia, só dá para viver na Terra”, finaliza.

 

*Repórter viajou a convite da organização do festival

“Minha literatura convoca todo mundo”, afirma Conceição Evaristo

Conceição Evaristo se emociona escrevendo. Chora, precisa levantar e retomar o fôlego ao fim de uma cena particularmente dolorosa. Edifica os personagens como quem cria filhos. Também se demora em um texto. Às vezes mais de década. É que toda palavra que sai de suas mãos tem que ser bem trabalhada. O texto flui, mas flui de maneira cuidadosa.

“Eu acho que esse isso também faz parte do prazer da criação. Para mim, é prazeroso, é muito bom quando você acaba de escrever um texto e sente que aquele texto é um texto feliz. Mesmo quando estamos falando de coisas duras”, afirma a escritora.

Conceição é um dos nomes mais queridos da segunda edição do Festival Literário Internacional de Paracatu. Ano passado foi a homenageada, junto com o escritor moçambicano Mia Couto. Nesta conversa, ela falou com a Agência Brasil sobre seu processo criativo, preço do livro no Brasil, os autores que têm lido e as modas que ainda pretende inventar.

 escritora, Conceição Evaristo, Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Agência Brasil: Como é a emoção de estar em uma feira? 
Conceição Evaristo: Pra mim, desmistifica essa fala, que é muito comum, que o brasileiro não gosta de ler, que as pessoas não leem. Eu fico sempre pensando que não é oferecido às pessoas a oportunidade da leitura. Quem tem a oportunidade da leitura, de ir se formando como leitor, gosta de ler, sim. Falta estímulo. E tem uma questão que eu acho mais séria ainda: livro no Brasil é caro. Por exemplo, este livro aqui está a R$49. Eu comprei agora para de presente para criança. Um texto ilustrado, colorido, sai caro. Então, talvez se tivesse mais ou se tivesse políticas de publicação, políticas voltadas para a publicação. Eu acho que, talvez o que impede a leitura no Brasil, é que livro sempre foi muito caro.

Agência Brasil: Na mesa com Itamar Vieira Júnior, a senhora falou sobre afeto e que as mulheres negras têm falado muito sobre afeto. Como o afeto aparece na sua literatura?
Conceição Evaristo: Ontem quando o Itamar tava dizendo da construção das personagens dele, que as personagens acabam ecoando alguma experiência que ele tem, eu também acho que as minhas personagens acabam ecoando alguma experiência. Isso não significa que cada personagem sou eu, mas, na construção de determinadas personagens minhas, é como se eu tivesse, realmente, construindo ou edificado filho. Tem um texto meu que eu começo falando de parentes, para dizer que cada personagem é um parente. E aí, quando você se cumplicia com o personagem vem do afeto. Quando eu tava escrevendo Ponciá Vicêncio, tem uma cena, depois do marido ter espancado ela diversas vezes, já tá naquela fase de compreensão dela. Então, ele vem com uma canequinha de café e oferece café para ela. Quando ele chega perto, ela se recua e abaixa o corpo esperando as pancadas. E ele então chega com a canequinha debaixo do nariz dela, quando ela sempre cheira, que ela percebe que é um ato de afeto que ele tá levando para ela. Eu escrevi aquela cena chorando. Várias vezes tive de levantar para tomar fôlego.

Agência Brasil: Conceição nunca foi vítima de violência doméstica e acredita que os homens podem mudar.
Conceição Evaristo: Nesse romance, Ponciá Vicêncio, há um momento que o marido de Ponciá se transforma. Há um momento em que ele olha para essa mulher que ele batia, porque não tinha paciência nenhuma com ela, porque ela ficava vários momentos fora de si, e ele percebe a solidão dessa mulher. Aí ele percebe a própria solidão. Ele muda. Então, eu acredito que possa haver uma mudança, sim. Pode vir com a própria consciência, o sujeito se descobrir. Como também eu acho que pode vir até de uma punição mesmo. Talvez esses homens que cometem violência contra mulher se eles recebessem uma punição, mas uma punição não é também… um processo educativo, de conscientização, talvez eles possam perceber.  Em um outro lugar, a gente não tá falando de mesma coisa, mas eu acredito que haja pessoas brancas que um dia vão perceber quão racistas elas são e podem ter esse processo de esforço, de aprendizagem, de compreensão e mudar. E ser, inclusive nossos aliados na luta contra o racismo, né? Eu acho que esse processo também pode acontecer com o homem.

Agência Brasil: Sobre as mudanças do mundo, Conceição acredita que há um esgotamento, um cansaço. E que não há espaço para brutalidade e guerras.
Conceição Evaristo: Eu acho que é um cansaço na humanidade. Há um esgotamento das pessoas. Por exemplo, a Europa perdeu o rumo. Hoje não é mais novidade. Hoje não, há muito tempo a Europa não é mais novidade hoje não, tá? Talvez por isso eles se voltem com tanto a ênfase ou se voltou com tanta ênfase com as populações tradicionais, com as populações africanas, as populações indígenas. E, individualmente, até mesmo em termos de grupos sociais, eu acho que há um esgotamento. Eu acho que isso também é muito por força do capitalismo. O que que as pessoas querem? O que as pessoas procuram? Em que nós depositamos a nossa vida? Outro dia me impressionou muito. Eu passei perto de dois jovens e eles estavam discutindo aposentadoria. Aí um dizia que vai se aposentar com 65 anos. Ora, com 65 anos, se você não tiver é uma vida saudável, você vai estar muito doente. E aí você não tem mais nem como aproveitar a vida, né? Ao mesmo tempo que se olha muito para o futuro, também tem uma ânsia muito grande nesse presente, né?

Agência Brasil: A senhora já falou em outros lugares, que a literatura negra não é apenas para lazer, mas também para incomodar, fazer pensar. A senhora acredita que a literatura ainda é este lugar?
Conceição Evaristo: Acredito. E acho que aqui cabe uma outra questão. Há uma tendência em dizer que a arte é universal, né? Então a literatura ela é universal, ela não guardaria determinadas especificidades, né? E quando essa literatura guarda agora determinadas especificidades ela é chamada de literatura militante, literatura panfletária. Mas o que que eu percebo? Tem várias obras da literatura brasileira, obras belíssimas que eu gosto imensamente, mas ela me incomoda, na medida que o sujeito negro não cabe ali naquela obra. E quando ele aparece, aparece estereotipado. Então, ela é uma literatura é que eu gosto muito, mas que ela não me convoca. Pelo contrário, ela me expulsa, nesse processo de ficcionalização.

Ora, quando eu escrevo livro e, como eu sempre digo, toda a minha literatura é contaminada pela minha experiência de mulher negra na sociedade brasileira. Então, quando eu escrevo um livro e esse livro convoca mulheres, homens, pretos, brancos, brasileiros, estrangeiros, e tem um público leitor fora do âmbito nacional, então, a gente faz uma literatura Universal. A partir de minha experiência como mulher negra, a partir da minha subjetividade, eu consigo criar um texto que convoca todo mundo. Então, esta sim, sem modéstia nenhuma, esta sim, é literatura universal.

Agência Brasil: O que a senhora tem lido ultimamente?
Conceição Evaristo: Eu tenho livro esses escritores de países africanos de língua portuguesa; tenho lido as obras de Carolina Maria de Jesus, para além do Quarto de Despejo. Paulina Chiziane, que é justamente essa escritora de Moçambique, né? Acabei de reler Eu , Tituba: bruxa negra de Salem, de Maryse Condé. Eu releio livros porque às vezes e minha primeira leitura é para trabalho. Então, eu gosto de fazer uma leitura despretensiosa, que é mais gostosa.

Agência Brasil: Conceição diz que está sem tempo para ler e que tem escritos parados há mais de dez anos. Agora, ela prepara um livro com poesias eróticas. E fala do cuidado com esse texto.
Conceição Evaristo: É uma coletânea de poemas, que já deve nascer como uma tradução para o inglês. Devo fazer esse livro com muito cuidado, com muito cuidado. Por que? Porque eu gosto muito dessa linguagem que insinua, dessa linguagem que a pessoa que lê depois tem que ter um tempo de maturação: será que foi isso mesmo que eu li? Gosto muito disso. E também porque falar de sexo, falar de sexualidade, ou falar de amor, de gozo, nessa relação passional, é muito difícil. E também para as mulheres negras talvez seja mais difícil ainda, né? Por causa dessa objetificação do corpo negro. Tanto do corpo do homem, como do corpo da mulher. As pessoas negras são vistas como com potencial sexual. Eu não posso fazer um livro de poemas eróticos e trabalhar em cima dos mesmos estereótipos do corpo negro, né?

Agência Brasil: Conceição está lendo Carolina Maria de Jesus para além do Quarto de despejo, obra pela qual a autora é mais conhecida. E fala sobre os olhares para as mulheres negras.
Conceição Evaristo: Hoje mesmo eu tava pensando, né? O olhar sobre nós, mulheres negras, é um olhar muito, muito cruel. Carolina Maria de Jesus tinha um comportamento que era, muitas vezes, considerada como louca, sem educação, ainda mais que ela vinha de uma favela. Carolina é uma pessoa muito intensa. Tão intensa quanto Clarice Lispector. As pessoas se referem à intensidade de Clarice Lispector de uma outra forma, né? Tem uma tendência de compreensão com as atitudes de Clarice, com o modo de Clarice ser.

Eu nunca vi alguém falando que Clarice era sem educação, que era louca. Carolina era pessoa extremamente também angustiada. Ela enfrentava esse processo de solidão que o ser humano enfrenta, com mais ou menos intensidade. Carolina era assim. Aurora, a mulher que tomava banho no rio (personagem do livro Canção para ninar menino grande), simboliza um desejo e uma realização de liberdade que todos nós temos. Então, esse é o exercício, de agarrar a personagem naquilo que tem escondido na personagem e na gente e que as pessoas não veem nas pessoas negras. Todo mundo lê Carolina pensando que ela tá falando só da fome física. A angústia de Carolina ultrapassava o fato dela não ter dinheiro para comprar o pão pros filhos.

*A repórter viajou a convite da organização da Fliparacatu

Invisibilidade feminina na literatura ainda está presente no Brasil

A partir de 2026, a Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), responsável pelo vestibular para ingresso na Universidade de São Paulo (USP), vai ter pela primeira vez na história uma lista de leitura obrigatória só com obras escritas por mulheres autoras da língua portuguesa. Essa iniciativa, diz a USP, se justifica pela necessidade de valorizar o papel das mulheres na literatura, não apenas como personagens, mas como autoras.

Na ocasião de anúncio, ocorrido no ano passado, a presidente do Conselho Curador da Fuvest e vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, justificou essa decisão dizendo que muitas dessas escritoras “foram alvo de décadas de invisibilidade pelo fato de serem mulheres”.

Para a fundadora e coordenadora do Escreva, garota!, um grupo de apoio, engajamento e capacitação para mulheres que escrevem, Lella Malta, a invisibilidade feminina na literatura ainda é muito presente na sociedade brasileira. “O apagamento da escrita de mulheres é um fenômeno que ainda existe”, disse ela, em entrevista à Agência Brasil durante a Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), em Salvador.

“A gente acha que acabou, mas é só olhar nas prateleiras para vermos que a gente ainda lê mais homens. Os próprios eventos do mercado editorial fazem isso [valorizam mais a escrita feita por homens]. E nós, mulheres, temos uma coisa ali da autossabotagem, achando que nunca somos o bastante. Acho que temos que trabalhar essa mulher, essa futura escritora, para que ela tenha coragem, mais autoestima, e que chegue nesse mercado mais profissional. A escrita é um instrumento de empoderamento feminino e essa é a bandeira que a gente levanta dentro do projeto”, explicou.

Para ela, o ato de escrever carrega muitos simbolismos e significados para a mulher. “A escrita estende essa nossa existência. Acho isso tão bonito da gente deixar algo para essas mulheres que estão vindo depois, como tantas já deixaram para a gente. E também traz autoestima. Muitas vezes, a mulher ganha uma profissão dentro desse mercado editorial, não só como escritora, mas às vezes como revisora, preparadora de texto, editora”, disse.

Lella Malta entende que, além disso, é importante o olhar feminino sobre o mundo. “Durante tanto tempo a gente viu os homens falando como nós somos e o que nós sentimos. Mas acho que agora é a nossa vez de dizer, bom, não é aquilo ali não, a gente é um pouquinho diferente do que vocês viram”, acrescentou.

Durante a Flipelô, que se encerrou nesse domingo (11), o grupo Escreva, garota! criou um espaço para discutir a literatura feminina e também para promover os trabalhos que estão sendo desenvolvidos por escritoras que fazem parte do coletivo. Entre elas, Antonia Maria da Silva, autora de Sobre Ventos Passados. Em entrevista à reportagem, ela contou que escreve desde os 17 anos, mas que somente há dois anos se lançou no mercado literário, com a ajuda da filha, que descobriu alguns de seus escritos que estavam escondidos pela casa.

“A liberdade de escrever é uma coisa que foi negada a muitas mulheres até bem pouco tempo atrás. Então, essa foi uma dificuldade [que encontrei]. Mas minha avó foi minha grande fonte de inspiração e hoje eu, na condição de mulher realmente negra, baiana e com cabelos grisalhos, comecei nessa nova seara”, contou.

“Esse é um desafio que escutamos ao longo da vida: de que o lugar da mulher é ficar em casa, cuidando de filho e de marido. E, na verdade, eu me considero uma excelente mãe, mas a minha maternidade não me impediu de eu ser protagonista da minha própria história”, acrescentou a escritora baiana.

Para Antonia, a literatura feminina é importante para dar voz às mulheres.  Destaca que, no passado, a mulher era proibida de falar de seus sentimentos e do próprio prazer. “A gente tinha que esconder tudo para não ser considerada uma mulher da vida, uma mulher, entre aspas, vadia, uma mulher sem valor. E no momento que eu me sinto aberta e foi me dada essa oportunidade de colocar as minhas emoções para fora e de compartilhar meus sentimentos e meus pensamentos com a sociedade, isso para mim eu vejo como um grande triunfo. É como se eu estivesse, de certa forma, brindando o que os meus antepassados começaram e não conseguiram. É como se eu estivesse também dando voz aos meus antepassados”, afirmou.

A escritora Gil Lourenço, autora de O Sal do Amor, seu primeiro livro solo, ressalta que escrever também é uma forma de empoderamento. “Escrever me realizou. Sou educadora e não me imaginava nesse universo, mas uma vez que a porta abriu-se, eu descobri tanta beleza e tanto aprendizado que cada vez mais me apaixono. Isso mudou a minha vida completamente. Hoje eu falo pra todos de como eu enxergo o mundo, como eu me sinto no mundo, como eu me represento e como sou representada por outras mulheres. Escrever empodera e, publicar, mais ainda”, disse.

Para ela, não basta que a mulher escreva. Também é importante que mulheres leiam outras mulheres. “Ler a mulher é criar uma rede de apoio. Nós temos que nos fortalecer enquanto gênero, porque nós estamos nessa luta sempre histórica e não seria diferente no mercado editorial. Se nós nos fortalecermos vai ser muito melhor”, concluiu.

Pesquisa

Nathalia de Oliveira escreveu o livro [i] de Injúria com base em sua pesquisa de mestrado chamada “Corpos injuriados na escola, problematizações para o ensino de Filosofia”, desenvolvida na Universidade Federal do ABC (UFABC) e que recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Teses e Dissertações de 2022.

Por meio desse trabalho, desenvolvido na comunidade escolar de instituições públicas da periferia de São Bernardo do Campo, em São Paulo, ela foi percebendo as dificuldades que as mulheres encontram no dia a dia e que acabam perpassando também pelo mundo literário. “Como eu estou em sala de aula, a princípio a pesquisa aparece com as meninas questionando algumas posturas no espaço e aí a gente começa a entender que posturas são essas e a escrita perpassa todo o trabalho”, explicou.

Entre as dificuldades encontradas por essas mulheres, disse, está a falta de espaço. “Muitas vezes a gente é menosprezada, a escrita talvez não é aquilo que alguns esperam. A escrita das mulheres sempre foi vista como algo menor e a gente tem trabalhado isso, sobretudo em sala de aula, para mostrar a potência e a importância dessas escritas, como cartas e diários, e como isso transforma realidades e transforma espaços e o mundo, de certo modo”.

Para enfrentar essas dificuldades, Nathalia considera necessário que as mulheres encontrem espaços ou pessoas abertas a esse diálogo. “É preciso encontrar espaço como esse aqui [o Escreva, garota!] que é um coletivo de mulheres. Encontre esses espaços, outras mulheres ou pessoas que te incentivam”, disse. “Incentive uns aos outros, escrevam juntas, participem desses coletivos, porque são espaços para a gente poder ser quem somos e construir”, concluiu.

Corpos Injuriados na Escola de Promatização de Ensino de Filosofia, que é a dissertação de mestrado mesmo. Ela está pública para quem quiser ter acesso.

*A repórter e a fotógrafa viajaram a convite do Instituto CCR, patrocinador da Flipelô.

Invisibilidade feminina persiste na literatura, diz escritora

A partir de 2026, a Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), responsável pela seleção para ingresso na Universidade de São Paulo (USP), vai ter pela primeira vez na história uma lista de leitura obrigatória só com obras escritas por mulheres autoras da língua portuguesa. Essa iniciativa, diz a USP, se justifica pela necessidade de valorizar o papel das mulheres na literatura, não apenas como personagens, mas como autoras.

Na ocasião do anúncio, ocorrido no ano passado, a presidente do Conselho Curador da Fuvest e vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, justificou a decisão dizendo que muitas dessas escritoras “foram alvo de décadas de invisibilidade pelo fato de serem mulheres”.

Para a fundadora e coordenadora do Escreva, garota!, um grupo de apoio, engajamento e capacitação para mulheres que escrevem, Lella Malta, a invisibilidade feminina na literatura ainda é muito presente na sociedade brasileira. “O apagamento da escrita de mulheres é um fenômeno que ainda existe”, disse ela, em entrevista à Agência Brasil durante a Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), em Salvador.

“Achamos que acabou, mas é só olhar nas prateleiras para ver que a gente ainda lê mais homens. Os próprios eventos do mercado editorial fazem isso [valorizam mais a escrita feita por homens]. E nós, mulheres, temos uma coisa ali da autossabotagem, achando que nunca somos o bastante. Acho que temos que trabalhar essa mulher, essa futura escritora, para que ela tenha coragem, mais autoestima e que chegue nesse mercado mais profissional. A escrita é um instrumento de empoderamento feminino e essa é a bandeira que a gente levanta dentro do projeto”, explicou.

Para ela, o ato de escrever carrega muitos simbolismos e significados para a mulher. “A escrita estende nossa existência. Acho isso tão bonito – a gente deixar algo para essas mulheres que estão vindo depois, como tantas já deixaram pra gente. E também traz autoestima. Muitas vezes, a mulher ganha uma profissão dentro desse mercado editorial, não só como escritora, mas às vezes como revisora, preparadora de texto, editora. Além disso, colocar a nossa visão de mundo é importante. Durante tanto tempo a gente viu os homens falando como nós somos e o que nós sentimos. Mas acho que agora é a nossa vez de dizer: bom, não é aquilo ali não, a gente é um pouquinho diferente do que vocês viram”, acrescentou.

Durante a Flipelô, encerrada nesse domingo (11), o grupo Escreva, garota! criou um espaço para discutir a literatura feminina e promover os trabalhos que estão sendo desenvolvidos por escritoras que fazem parte do coletivo. Entre elas está Antonia Maria da Silva, autora de Sobre Ventos Passados. Em entrevista à reportagem, ela contou que escreve desde os 17 anos, mas que somente há dois anos se lançou no mercado literário, com a ajuda da filha, que descobriu alguns de seus escritos escondidos pela casa.

“A liberdade de escrever é uma coisa que foi negada a muitas mulheres até bem pouco tempo. Então, essa foi uma dificuldade [que encontrei]. Mas minha avó foi minha grande fonte de inspiração e hoje eu, na condição de mulher negra, baiana e com cabelos grisalhos, comecei nessa nova seara”, contou. “Esse é um desafio que escutamos ao longo da vida: de que o lugar da mulher é ficar em casa, cuidando de filho e de marido. E, na verdade, eu me considero uma excelente mãe, mas a minha maternidade não me impediu de eu ser protagonista da minha própria história”, disse a autora baiana.

Para Antonia, a literatura feminina é importante para dar voz às mulheres. “No passado, era proibido a gente falar, inclusive de sentimentos e do próprio prazer. A gente tinha que esconder tudo para não ser considerada mulher da vida, uma mulher, entre aspas, vadia, sem valor. E, no momento em que eu me sinto aberta e me foi dada essa oportunidade de colocar as emoções para fora e de compartilhar sentimentos e pensamentos com a sociedade, vejo como grande triunfo. É como se eu estivesse, de certa forma, brindando o que os meus antepassados começaram e não conseguiram. É como se eu estivesse também dando voz aos meus antepassados”, afirmou.

A escritora Gil Lourenço, autora de O Sal do Amor, seu primeiro livro solo, diz que escrever também é uma forma de empoderamento. “Escrever me realizou. Sou educadora e não me imaginava nesse universo, mas uma vez que a porta se abriu, descobri tanta beleza e aprendizado que cada vez mais me apaixono. Isso mudou a minha vida completamente. Hoje, falo pra todos de como eu enxergo o mundo, como eu me sinto no mundo, como eu me represento e como sou representada por outras mulheres. Escrever empodera e, publicar, mais ainda”.

Para Gil, não basta que a mulher escreva. Também é importante que mulheres leiam outras mulheres. “Ler a mulher é criar uma rede de apoio, Temos que nos fortalecer enquanto gênero, porque estamos nessa luta sempre histórica e não seria diferente no mercado editorial. Se nós nos fortalecermos vai ser muito melhor”.

Pesquisa

Nathalia de Oliveira escreveu o livro [i] de Injúria com base em sua pesquisa de mestrado chamada “Corpos injuriados na escola, problematizações para o ensino de Filosofia”, desenvolvida na Universidade Federal do ABC (UFABC) e que recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Teses e Dissertações de 2022.

Por meio desse trabalho, desenvolvido na comunidade escolar de instituições públicas da periferia de São Bernardo do Campo (SP), ela foi percebendo as dificuldades que as mulheres encontram no dia a dia e que acabam transcorrendo também pelo mundo literário. “Como estou em sala de aula, em princípio a pesquisa aparece com as meninas questionando algumas posturas no espaço e aí a gente começa a entender que posturas são essas e a escrita perpassa todo o trabalho”, explicou.

Entre as dificuldades encontradas por essas mulheres, disse ela, está a falta de espaço. “Muitas vezes, a gente é menosprezada, a escrita talvez não é aquilo que alguns esperam. A escrita das mulheres sempre foi vista como algo menor e temos trabalhado isso, sobretudo em sala de aula, para mostrar a potência e a importância dessas escritas, como cartas e diários, e como isso transforma realidades, espaços e o mundo, de certo modo”.

Para enfrentar essas dificuldades, afirmou Nathalia, é preciso que as mulheres encontrem espaços ou pessoas abertas a esse diálogo. “É preciso encontrar espaço como esse aqui [o Escreva, garota!] que é um coletivo de mulheres. Encontre esses espaços, outras mulheres ou pessoas que te incentivam. Incentive uns aos outros, escrevam juntas, participem desses coletivos, porque são espaços para a gente poder ser quem somos e construir”, concluiu.

A dissertação de mestrado Corpos Injuriados na Escola: problematizações para o ensino de Filosofia pode ser acessada aqui.

*A repórter e a fotógrafa viajaram a convite do Instituto CCR, patrocinador da Flipelô.

Invisibilidade feminina persiste na literatura, afirma escritora

A partir de 2026, a Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), responsável pela seleção para ingresso na Universidade de São Paulo (USP), vai ter pela primeira vez na história uma lista de leitura obrigatória só com obras escritas por mulheres autoras da língua portuguesa. Essa iniciativa, diz a USP, se justifica pela necessidade de valorizar o papel das mulheres na literatura, não apenas como personagens, mas como autoras.

Na ocasião do anúncio, ocorrido no ano passado, a presidente do Conselho Curador da Fuvest e vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, justificou a decisão dizendo que muitas dessas escritoras “foram alvo de décadas de invisibilidade pelo fato de serem mulheres”.

Para a fundadora e coordenadora do Escreva, garota!, um grupo de apoio, engajamento e capacitação para mulheres que escrevem, Lella Malta, a invisibilidade feminina na literatura ainda é muito presente na sociedade brasileira. “O apagamento da escrita de mulheres é um fenômeno que ainda existe”, disse ela, em entrevista à Agência Brasil durante a Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), em Salvador.

“Achamos que acabou, mas é só olhar nas prateleiras para ver que a gente ainda lê mais homens. Os próprios eventos do mercado editorial fazem isso [valorizam mais a escrita feita por homens]. E nós, mulheres, temos uma coisa ali da autossabotagem, achando que nunca somos o bastante. Acho que temos que trabalhar essa mulher, essa futura escritora, para que ela tenha coragem, mais autoestima e que chegue nesse mercado mais profissional. A escrita é um instrumento de empoderamento feminino e essa é a bandeira que a gente levanta dentro do projeto”, explicou.

Para ela, o ato de escrever carrega muitos simbolismos e significados para a mulher. “A escrita estende nossa existência. Acho isso tão bonito – a gente deixar algo para essas mulheres que estão vindo depois, como tantas já deixaram pra gente. E também traz autoestima. Muitas vezes, a mulher ganha uma profissão dentro desse mercado editorial, não só como escritora, mas às vezes como revisora, preparadora de texto, editora. Além disso, colocar a nossa visão de mundo é importante. Durante tanto tempo a gente viu os homens falando como nós somos e o que nós sentimos. Mas acho que agora é a nossa vez de dizer: bom, não é aquilo ali não, a gente é um pouquinho diferente do que vocês viram”, acrescentou.

Durante a Flipelô, encerrada nesse domingo (11), o grupo Escreva, garota! criou um espaço para discutir a literatura feminina e promover os trabalhos que estão sendo desenvolvidos por escritoras que fazem parte do coletivo. Entre elas está Antonia Maria da Silva, autora de Sobre Ventos Passados. Em entrevista à reportagem, ela contou que escreve desde os 17 anos, mas que somente há dois anos se lançou no mercado literário, com a ajuda da filha, que descobriu alguns de seus escritos escondidos pela casa.

“A liberdade de escrever é uma coisa que foi negada a muitas mulheres até bem pouco tempo. Então, essa foi uma dificuldade [que encontrei]. Mas minha avó foi minha grande fonte de inspiração e hoje eu, na condição de mulher negra, baiana e com cabelos grisalhos, comecei nessa nova seara”, contou. “Esse é um desafio que escutamos ao longo da vida: de que o lugar da mulher é ficar em casa, cuidando de filho e de marido. E, na verdade, eu me considero uma excelente mãe, mas a minha maternidade não me impediu de eu ser protagonista da minha própria história”, disse a autora baiana.

Para Antonia, a literatura feminina é importante para dar voz às mulheres. “No passado, era proibido a gente falar, inclusive de sentimentos e do próprio prazer. A gente tinha que esconder tudo para não ser considerada mulher da vida, uma mulher, entre aspas, vadia, sem valor. E, no momento em que eu me sinto aberta e me foi dada essa oportunidade de colocar as emoções para fora e de compartilhar sentimentos e pensamentos com a sociedade, vejo como grande triunfo. É como se eu estivesse, de certa forma, brindando o que os meus antepassados começaram e não conseguiram. É como se eu estivesse também dando voz aos meus antepassados”, afirmou.

A escritora Gil Lourenço, autora de O Sal do Amor, seu primeiro livro solo, diz que escrever também é uma forma de empoderamento. “Escrever me realizou. Sou educadora e não me imaginava nesse universo, mas uma vez que a porta se abriu, descobri tanta beleza e aprendizado que cada vez mais me apaixono. Isso mudou a minha vida completamente. Hoje, falo pra todos de como eu enxergo o mundo, como eu me sinto no mundo, como eu me represento e como sou representada por outras mulheres. Escrever empodera e, publicar, mais ainda”.

Para Gil, não basta que a mulher escreva. Também é importante que mulheres leiam outras mulheres. “Ler a mulher é criar uma rede de apoio, Temos que nos fortalecer enquanto gênero, porque estamos nessa luta sempre histórica e não seria diferente no mercado editorial. Se nós nos fortalecermos vai ser muito melhor”.

Pesquisa

Nathalia de Oliveira escreveu o livro [i] de Injúria com base em sua pesquisa de mestrado chamada “Corpos injuriados na escola, problematizações para o ensino de Filosofia”, desenvolvida na Universidade Federal do ABC (UFABC) e que recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Teses e Dissertações de 2022.

Por meio desse trabalho, desenvolvido na comunidade escolar de instituições públicas da periferia de São Bernardo do Campo (SP), ela foi percebendo as dificuldades que as mulheres encontram no dia a dia e que acabam transcorrendo também pelo mundo literário. “Como estou em sala de aula, em princípio a pesquisa aparece com as meninas questionando algumas posturas no espaço e aí a gente começa a entender que posturas são essas e a escrita perpassa todo o trabalho”, explicou.

Entre as dificuldades encontradas por essas mulheres, disse ela, está a falta de espaço. “Muitas vezes, a gente é menosprezada, a escrita talvez não é aquilo que alguns esperam. A escrita das mulheres sempre foi vista como algo menor e temos trabalhado isso, sobretudo em sala de aula, para mostrar a potência e a importância dessas escritas, como cartas e diários, e como isso transforma realidades, espaços e o mundo, de certo modo”.

Para enfrentar essas dificuldades, afirmou Nathalia, é preciso que as mulheres encontrem espaços ou pessoas abertas a esse diálogo. “É preciso encontrar espaço como esse aqui [o Escreva, garota!] que é um coletivo de mulheres. Encontre esses espaços, outras mulheres ou pessoas que te incentivam. Incentive uns aos outros, escrevam juntas, participem desses coletivos, porque são espaços para a gente poder ser quem somos e construir”, concluiu.

A dissertação de mestrado Corpos Injuriados na Escola: problematizações para o ensino de Filosofia pode ser acessada aqui.

*A repórter e a fotógrafa viajaram a convite do Instituto CCR, patrocinador da Flipelô.

Coletivo no DF promove literatura de autoras negras

No último dia da 17ª edição do Festival Latinidades na capital federal, as escritoras negras de Brasília se encontraram no Museu Nacional da República, na região central da capital federal, para fazer um sarau onde leram poemas e textos em prosa.

A reunião ocorre periodicamente há quatro anos, e é organizada pelo coletivo Julho das Pretas que Escrevem no DF. O nome do grupo faz referência direta ao Mês da Mulher Preta Latino-Americana. O propósito do coletivo é estimular a escrita das mulheres e a publicação dos seus livros.

Encontro Julho das Mulheres Pretas que escrevem no DF. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

“A gente não quer ficar com os livros na gaveta”, afirma a escritora e jornalista Waleska Barbosa, idealizadora do coletivo.

As mulheres negras são o maior grupo populacional do Brasil: 60,6 milhões de pessoas, sendo 11,30 milhões de mulheres pretas e 49,3 milhões de mulheres pardas – 28,3% da população, de acordo com o Censo de 2022 (IBGE).

Waleska Barbosa, idealizadora do coletivo que promove escritoras negras no DF. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Apesar disso, e da contribuição da mulher negra para vários elementos da cultura brasileira, a participação e reconhecimento na literatura é diminuta, lembra Waleska. Apenas três autoras tendem a ser mais lembradas: a pioneira Maria Firmina dos Reis, com o romance Úrsula (1859); Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de Despejo: diário de uma favelada (1960); e Maria da Conceição Evaristo de Brito, que começou a publicar somente em 2003, com o romance Ponciá Vicêncio.

“Conceição Evaristo publicou um livro com mais de 20 anos na gaveta. Então, eu sempre digo que esse encontro de pretas que escrevem no DF é para a gente não passar tanto tempo sem publicar e sem falar”, enfatiza Waleska Barbosa.

Segundo a autora, o vazio da escrita feminina e negra na literatura brasileira foi ocupado por homens brancos, o que em alguns casos acarretou na construção de personagens caricatos: “a empregada, a gostosa, a pessoa hiper sexualizada, personagens subalternas e ridicularizadas.” Esses tipos se alimentam de preconceitos e alimentam preconceitos. A caricatura dos livros escritos por homens brancos “vai estar nos filmes e na TV”.

Para espantar preconceitos literários e promover mais autoras negras, o coletivo Julho das Pretas que Escrevem no DF faz homenagens a autoras locais de diferentes gerações. Este ano foram celebradas as escritoras Adelaide Paula, Ailin Talibah, Conceição Freitas, Elisa Matos, Norma Hamilton e as irmãs Giovana Teodoro e Lourdes Teodoro.

TV Brasil estreia nova série infantil sobre literatura brasileira

A TV Brasil estreia, nesta segunda-feira (24), mais uma atração para a sua faixa infantil. A série Manual de Sobrevivência da Literatura Brasileira acompanha os primos Gabriela e Rodrigo em uma aventura no mundo dos livros. A obra é uma produção independente realizada por meio do edital do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro (Prodav) TVs Públicas.

A atração vai ao ar de segunda a sábado, às 10h30, dentro da faixa TV Brasil Animada, dedicada à programação infantil. A emissora é uma das principais janelas em TV aberta para animações nacionais e conteúdos voltados a esse público. São mais de quatro horas diárias de conteúdo para crianças, livres de inserções comerciais, com transmissão para todo o país por intermédio das emissoras afiliadas à Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP), gerida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Em Manual de Sobrevivência da Literatura Brasileira, os dois protagonistas recebem a visita inesperada do avô Edgard, que desencadeia uma aventura mágica. Uma biblioteca secreta e mística se revela num portal para os diversos mundos encantados da literatura brasileira. A cada livro, a dupla encara um novo desafio e embarca em missões sob a tutela do avô. A direção da série é de Diego Lopes, Cláudio Bittencourt e Aly Muritiba, responsável por produções de peso na TV e no streaming, como Carcereiros, O Caso Evandro e Cangaço Novo.

Sobre o Prodav

O Prodav é uma parceria entre a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para incentivar a produção regional e independente. A proposta é ofertar esse conteúdo para as emissoras públicas de televisão. A EBC distribui o material ao disponibilizar as obras para todas as emissoras de televisão do campo público que aderirem ao projeto.

Serviço

Manual de Sobrevivência da Literatura Brasileira – TV Brasil Animada

Estreia 24 de junho, às 10h30, na TV Brasil

Polêmicas envolvendo literatura infantojuvenil, que incluem cancelamentos e banimento de livros em escolas, já preocupam editoras

Monteiro Lobato

24 de maio de 2024

 

No início de março, os governos estaduais de Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná orientaram as respectivas secretarias de educação que retirassem dos acervos das escolas o livro O Avesso da Pele, do autor Jefferson Tenório, sob o argumento de que ele contém expressões impróprias para menores de 18 anos. A obra, vencedora do prêmio Jabuti de 2021, foi selecionada para distribuição nas escolas públicas por meio de edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) publicado pelo Ministério da Educação em 2021. A iniciativa foi recebida com uma saraivada de críticas, e após algumas semanas os três governos estaduais reverteram suas decisões. A controvérsia, porém, somou-se a outros episódios de tentativa de censura e de cancelamento de obras literárias registrados no país nos últimos anos, e que afetaram, principalmente, obras destinadas ao público infantojuvenil.

Dentre os autores que vêm sendo combatidos por críticos das duas extremidades do espectro ideológico encontram-se desde novos valores, como o próprio Tenório, até escritores do cânon da literatura infantil brasileira, como Monteiro Lobato, cuja obra vem sendo frequentemente criticada na última década, acusado de apresentar personagens estereotipados e empregar termos racistas em seus livros.

Escritores e acadêmicos que atuam no segmento da literatura infantojuvenil dizem que o que está ocorrendo é uma tentativa de censura e apontam desdobramentos, entre eles uma crescente insegurança, por parte das editoras, de abordar determinados temas em seus livros. Esse movimento, que em certos momentos parece configurar quase uma autocensura, estaria ocorrendo à margem do debate público, mas recentemente foi discutido em um evento denominado “A censura e a literatura infantojuvenil”, que foi sediado pela Academia Paulista de Letras (APL), no início de maio.

Critérios para escolha dos livros envolvem até legislação

Com mestrado e doutorado em educação cursados na Unesp, Fernando Rodrigues de Oliveira se especializou no ensino de literatura infantil, e atuou em diferentes funções dentro do processo de avaliação das obras literárias do PNLD. Hoje vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ele explica que o PNLD estabelece uma série de critérios de avaliação das obras literárias, que incluem mais de vinte leis brasileiras.

Temas mais complexos, quando surgem nas obras, são exaustivamente discutidos entre coordenadores e avaliadores, considerando, entre outros pontos, a pertinência destes elementos para a compreensão geral da obra e para aquilo que ela propõe. Além disso, quando se trata de temas mais delicados, como uma cena de suicídio, por exemplo, o programa exige, além da obra em si, um material para orientar o professor na mediação da leitura em sala de aula. “Acho que o princípio de mediação de leitura precisa ser melhorado tanto no conteúdo dos editais quanto por parte das editoras. O que temos visto nos últimos editais do PNLD é que quando as obras tratam dessas questões mais complexas esse material é muito frágil”, aponta.

Ele acha compreensível que as editoras sejam cautelosas em relação ao conteúdo das obras, posto que a literatura não é um território de ninguém. “Por mais que eu seja um grande defensor da literatura, há de se discutir se existe um limite estético. Não dá para repetir certas práticas somente sob o argumento de que a obra literária está isenta. Afinal, a obra literária não é apenas uma representação do seu tempo, ela também produz um novo tempo. Por outro lado, me parece que também existe um exagero sobre algumas questões que acabam limitando a própria natureza artística do texto. Há de se pensar o limite dessa cautela para entendermos quando ela deixa de ser um olhar mais apurado e crítico para se tornar uma pré-censura”, diz.

Oliveira avalia que parte das iniciativas que contestam trechos de obras literárias se baseiam em motivações ideológicas de determinados grupos políticos. Outras se originam de demandas mais sólidas, advindas de movimentos sociais que questionam, por exemplo, conteúdos que poderiam legitimar estruturas racistas da sociedade. A aderência a essas pautas, entretanto, também está relacionada a um cenário em que o mais comum é o de sujeitos com pouca leitura, que demonstram dificuldade em transcender a literalidade das palavras e formular uma visão mais complexa daquilo que é apresentado no texto.

Como alternativa ao puro e simples banimento de obras, Oliveira propõe que se avance em relação a mera oferta de livros aos alunos das escolas públicas. Um caminho pode ser o oferecimento de uma formação sólida e específica aos professores, que atuam como mediadores de leitura. Ele diz que o entendimento de determinados fatos e contextos históricos contribui para evitar que se repitam. “Isso não significa colocar um livro numa redoma de cristal e obrigar todo mundo a ler. Precisamos debatê-los, até para entender por que as coisas eram de outra forma, e como chegamos até aqui”, diz.

O que fazer com o acervo de Lobato?

Além das editoras, outras instituições ligadas ao universo literário estão sendo afetadas pelas críticas e ameaças de censura e de cancelamento a autores consagrados. Em março passado, o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp organizou uma mesa-redonda intitulada “O IEL deve cancelar Lobato?” para debater qual a melhor forma de trabalhar o acervo do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que desde 1999 está abrigado no Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio (Cedae), que pertence à universidade. A ideia da mesa-redonda surgiu porque, em 2023, o Cedae organizou uma exposição que apresentou imagens e informações sobre alguns dos 70 autores cujos acervos estão preservados no Cedae. Uma pessoa não identificada escreveu sobre o cartaz destinado a Monteiro Lobato a palavra “racista”, e a peça foi retirada da exibição. O evento na Unicamp não chegou a apresentar um veredito quanto a conveniência de por de lado ou não a obra lobatiana, e nem se propôs a tal, servindo, antes, como fórum para debater publicamente estas questões que serviu para fomentar o diálogo,

Especialista na obra lobatiana, Lajolo rememorou, em sua fala durante o evento na Academia Paulista de Letras, a perseguição que a obra do autor sofreu por parte da ditadura de Getúlio Vargas nos anos 1930 e 1940. E apontou a difícil condição em que são colocados os professores que, em meio às crescentes polêmicas, lidam com essa literatura no cotidiano da sala de aula. Ela diz que os docentes não suscitam mais, junto aos alunos e seus pais, o mesmo respeito que era característico até décadas atrás. “O professor é o lado frágil nesse aparato violento e censório”, disse. “Nesse contexto, cabe ao professor, na sua dimensão pequena da sala de aula, onde é autônomo, fazer aquilo que seu coração e seu estudo lhe dizem que deve ser feito”, diz.

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No Rio, Clube do CCBB debate literatura feminina negra

O Clube de Leitura do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB RJ) inicia suas atividades anuais, no próximo dia 13, no Salão de Leitura da Biblioteca, a partir das 17h30, tendo como tema de estreia, em alusão ao mês da mulher, a literatura negra feminina no Brasil.

“Na verdade, nos reunimos em torno de uma pergunta: Literatura tem gênero e cor?”, disse à Agência Brasil a curadora do clube, Suzana Vargas, poeta, ensaísta, escritora, professora e mestre em teoria literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

As rodas de conversa ficarão gravadas e serão disponibilizadas no canal do Banco do Brasil no YouTube, na semana seguinte ao evento.

Para o encontro de abertura, foram convidadas duas escritoras negras: Marilene Felinto, autora da obra As Mulheres de Tijucopapo, escrita na década de 1980 e que foi definida como uma bandeira do feminismo, e a escritora contemporânea Eliana Alves Cruz, com o livro O Crime do Cais do Valongo, que aborda a questão da negritude, tendo como pano de fundo a história do Brasil escravocrata.

O debate conta com participação especial da poeta e filósofa Viviane Mosé. Nele serão levantadas, entre outras questões, se uma mulher pode escrever como homem ou um homem pode escrever como mulher; e quais são as marcas de que uma literatura é feminina ou negra, informou Suzana Vargas.

Os dois livros que serão discutidos foram escolhidos por votação popular entre os participantes do Clube no X (antigo Twitter), logo depois do carnaval. Foram sugeridos ao público dois livros de cada autora convidada.

Autoras

Marilene Felinto é pernambucana, jornalista e escritora, graduada em letras. É também tradutora, romancista e cronista. Seu primeiro livro, As mulheres de Tijucopapo, ganhou o Prêmio da União Brasileira dos Escritores (1981) e o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, em 1982.

“É sempre surpreendente que o romance As Mulheres de Tijucopapo, publicado 42 anos atrás, escrito quando eu tinha 22 anos, desperte a atenção de gerações mais jovens, como acontece hoje”, destacou Marilene. Eliana Alves Cruz é escritora, roteirista, jornalista e apresentadora. Ganhou o Prêmio Jabuti de contos, em 2022.

A obra As Mulheres de Tijucopapo narra a viagem de retorno da narradora Rísia a Tijucopapo, local fictício de nascimento de sua mãe, evocando a história real do local, em Pernambuco.

No século 17, a cidade foi palco de uma batalha entre mulheres da região e holandeses interessados em saquear o estado. Nas entrelinhas, As Mulheres de Tijucopapo revelam as contradições inerentes à sociedade e à cultura multirracial brasileira.

Já O crime do Cais do Valongo é um romance histórico policial que começa em Moçambique e se estende até o Cais do Valongo, que foi porta de entrada de cerca de um milhão de escravizados entre 1811 e 1831 no Rio de Janeiro e reconhecido como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2017.

Tema contemporâneo

Na avaliação de Suzana Vargas, a literatura feminina negra é um tema muito contemporâneo, que precisa de reflexão. “Tanto para quem faz literatura, como para quem é leitor. Porque o Brasil está vivendo um momento em que as questões da negritude, as questões da mulher, a diversidade, estão muito presentes hoje na produção literária contemporânea. Assim como a literatura indígena”.

Por isso, a curadora acredita que o Clube de Leitura vem trazendo um modo de formar e informar os seus leitores sobre as questões principais da literatura produzida no Brasil atual. “Acho que, de fato, é uma discussão urgente e importante nesse dia, com as duas autoras e personagens que a gente vai poder brindar o público, e com a literatura que elas produzem”. Este será o quarto ano do Clube de Leitura do CCBB RJ.

Calendário

O Clube de Leitura do CCBB RJ terá dez encontros este ano, cada um com duração de uma hora e meia. Até o próximo mês de julho, já estão definidos os temas e convidados que participarão das atividades. A retirada dos ingressos é feita a partir das 9h do dia do evento na bilheteria física ou no site.

Em abril, o clube terá como tema caminhos e descaminhos indígenas. Participarão a autora Eliane Potiguara e a jornalista, escritora e documentarista Eliane Brum. O convidado especial será Anapuaka Tupinambá, comunicador e entusiasta da cultura digital indígena. É fundador e presidente-executivo (CEO) da Rádio Yandê, primeira rádio indígena do Brasil.

Em maio, o clube vai tratar do escritor clássico brasileiro Lima Barreto. Quem falará sobre ele é Lilia Schwarcz, historiadora e antropóloga brasileira, e Beatriz Resende, pesquisadora e professora titular de letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Suzana Vargas será a mediadora.

Em junho, o tema de debate será a escritora Clarice Lispector e seu livro A Paixão Segundo G.H. O cineasta Luiz Fernando Carvalho, que está lançando um filme sobre essa obra, conversará com o público, além da biógrafa da escritora, Nádia Gotlib, e a roteirista Melina Dalboni. Haverá participação especial da atriz Maria Fernanda Cândido, por vídeo conferência, que fez o papel de Clarice Lispector no filme.

Para o encontro de julho, o tema escolhido é As 7 Cores da Palavra, Literatura e Diversidade. Já estão confirmadas as presenças de Guilherme Terreri Lima Pereira, mais conhecido pelo nome artístico Rita von Hunty, que é professor, ator, youtber, comediante, palestrante e drag queen brasileiro, e Tom Grito, artista trans que defende a tradição da poesia falada. A programação do segundo semestre ainda está sendo elaborada.

No ano passado, 1.243 pessoas participaram presencialmente do Clube, que recebeu os escritores Paula Tavares; Milton Hatoum; Gonçalo Tavares; Gregório Duvivier; Cida Pedrosa; Eliakin Rufino; José Eduardo Agualusa; Luiz Fernando Carvalho e Ítalo Moriconi; Conceição Evaristo; Mia Couto; e Antonio Torres.