Skip to content

Entenda técnica que faz mosquito levar larvicida a seus criadouros

Pesquisadores brasileiros desenvolvem estratégia para combater insetos transmissores de arboviroses. O trabalho comprovou que o uso dos mosquitos para “autodisseminar” larvicidas em seus próprios criadouros pode ajudar no controle das doenças transmitidas, sobretudo aquelas levadas pelo Aedes aegypti, como a dengue.

Chamada de Estação Disseminadora de Larvicida (EDL), a técnica atrai os insetos para um pote plástico com água, recoberto com tecido preto umedecido e impregnado com um larvicida em pó muito fino. Ao pousar, o larvicida adere ao mosquito que o leva para o criadouro, permitindo que a substância alcance suas larvas e impeça a proliferação.

Elaborado por pesquisadores do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia) e do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas), em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, o projeto distribuiu cerca de 2.500 “Estações Disseminadoras de Larvicida” (EDLs) em nove bairros de Belo Horizonte ao longo de dois anos. De acordo com a investigação, houve redução da incidência de dengue em 29% nesses bairros e em 21% nos bairros vizinhos.

Publicado na revista The Lancet Infectious Diseases, a pesquisa começou em um bairro de Manaus, capital do Amazonas. Devido aos bons resultados, o estudo foi levado para novos locais, com populações maiores.

“Começamos há alguns anos testando a hipótese que existia na literatura científica de que os mosquitos poderiam carregar larvicidas de um lado para o outro”, introduz o pesquisador da Fiocruz Amazônia e um dos autores do estudo, Sérgio Luz, “como as fêmeas colocam ovos em vários lugares, elas pousam na superfície, ficam impregnados com o larvicida e depois o ‘distribuem’ em outros locais”. No inseto, o larvicida atua como um hormônio do crescimento na etapa entre a fase larval e de pupa, fazendo com que a larva continue crescendo, mas sem avançar para o próximo estágio, ou impedindo que o mosquito alcance a fase adulta.

Com apoio de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), o estudo foi realizado em Brasília e também obteve bons resultados na diminuição de doenças. “Isso aconteceu no contexto da epidemia de zika em 2016. Na época, o governo federal estava atrás de novas estratégias para fazer o combate vetorial do mosquito, tendo em vista que as ações eram as mesmas há mais de um século”, comenta Luz em entrevista à Agência Brasil. A partir disso, com o Centro de Operações de Emergência (COE) para Dengue e outras Arboviroses, foram selecionadas diferentes cidades para entender como a estratégia de autodisseminação funcionaria em áreas diferentes da Amazônia.

“Tivemos um resultado bem significativo, de redução de cerca de 30% de casos de dengue na área central, onde estão as estações disseminadoras, e 20% nas áreas adjacentes, comprovando o que já tínhamos mostrado: o mosquito voa e, se ele voa, consegue dispersar larvicida para outras áreas”, informou o pesquisador.

A estratégia desenvolvida e coordenada pelos técnicos da Fiocruz Amazônia foi adotada pelo Ministério da Saúde (MS) em seu novo plano de ação para reduzir os impactos da dengue e de outras arboviroses no Brasil, divulgado na quarta-feira (18). Na publicação, o ministério informa que vai expandir o uso das EDLs para o controle do Aedes aegypti nas periferias brasileiras. “Agora, as Estações Disseminadoras de Larvicida fazem parte do grupo de estratégias usadas como política pública no controle do mosquito transmissor da dengue”, celebra Luz.

“É importante dizer que essas medidas são complementares. A solução ainda depende muito, porque cerca de 70% dos criadouros dos mosquitos estão nas casas das pessoas, então é preciso que a comunidade e a população contribuam de forma decisiva, não deixando água acumulada, fazendo limpeza do terreno e descartando o lixo adequadamente”, alerta o pesquisador.

Segundo o Painel de Monitoramento das Arboviroses do MS, até setembro de 2024 foram registradas 5.428 mortes por dengue e 6.529.520 casos prováveis da doença. Os casos costumam ser mais comuns, sobretudo, em épocas de altas temperaturas e chuvas frequentes.

*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa

Estratégia de combate ao Aedes com larvicida vira política nacional

O Ministério da Saúde editou nota informativa estabelecendo um fluxo para a expansão da estratégia criada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para combate ao mosquito Aedes aegypti, vetor de arborviroses como dengue, zika e chikungunya. A expectativa é de que a conversão da medida em  política pública de abrangência nacional contribua para reduzir as populações dos insetos, sobretudo em cidades maiores.

A estratégia envolve as chamadas estações disseminadoras de larvicidas (EDLs). Trata-se de potes com dois litros de água parada que são distribuídos em locais onde há proliferação dos mosquitos. Em busca de um local para depositar seus ovos, as fêmeas se sentem atraídas. No entanto, antes de alcançarem a água, elas são surpreendidas por um tecido sintético que recobre os potes e que está impregnado do larvicida piriproxifeno. A substância acaba aderindo ao corpo das fêmeas que pousam na armadilha. Dessa forma, elas mesmas levarão o larvicida para os próximos criadouros que encontrarem, afetando o desenvolvimento dos ovos e as larvas ali depositados.

De acordo com a nota informativa 25/2024, editada há duas semanas pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, o fluxo para a adoção das EDLs envolve cinco etapas: manifestação de interesse do município, assinatura de acordo de cooperação técnica com a pasta e com a Fiocruz, validação da estratégia com a secretaria de saúde do respectivo estado, realização de capacitações com os agentes locais e monitoramento da implementação.

A estratégia deverá ser expandida gradativamente pelo país levando em conta a capacidade dos envolvidos nas três esferas: nacional, estadual e municipal. Inicialmente, esse trabalho contempla 15 cidades. Elas foram escolhidas com base em alguns critérios: população superior à 100 mil habitantes; alta notificação de casos de dengue, chikungunya e zika nos dois últimos anos; alta infestação por Aedes aegypti; e disponibilidade de equipe técnica operacional de campo.

As EDLs são uma inovação desenvolvida por pesquisadores da Fiocruz que atuam no Laboratório Ecologia de Doenças Transmissíveis na Amazônia (EDTA). Estudos para avaliar a estratégia começaram a ser financiados pelo Ministério da Saúde em 2016, quando a pasta passou a buscar novas possibilidades para o controle das populações de Aedes aegypti em meio à ecolosão de uma epidemia de zika. Testes realizados até 2022 em 14 cidades brasileiras, de diferentes regiões do país, registraram bons resultados.

De acordo com os pesquisadores, as fêmeas visitam muitos criadouros, colocando poucos ovos em cada um. Os estudos mostraram que aquelas que pousam na armadilha, acabam disseminando o larvicida em um raio que pode variar entre 3 e 400 metros.

Os pesquisadores consideram que a estratégia permite superar algumas barreiras enfrentadas por outros métodos de combate às populações de mosquitos. Como é o próprio inseto que propaga o larvicida, é possível alcançar criadouros situados em locais inacessíveis e indetectáveis, como dentro de imóveis fechados e em áreas de difícil acesso nas comunidades com urbanização precária. A estratégia também se mostrou propícia para galpões de catadores de materiais recicláveis, onde há muitos recipientes com condições de acumular água parada que nem sempre são facilmente encontrados.

Novas tecnologias

As EDLs já haviam sido citadas no ano passado em outra nota informativa do Ministério da Saúde que recomendou a adoção de cinco novas tecnologias no enfrentamento às arboviroses em municípios acima de 100 mil habitantes. Foram mencionadas também mais quatro tecnologias. Para monitoramento da população de mosquitos, recomenda-se o uso das ovitrampas. Trata-se de armadilhas voltada para a captura dos insetos, permitindo avaliar de tempos em tempos se houve aumento ou redução nas populações presentes em cada área.

A borrifação residual intradomiciliar, que envolve aplicação de inseticida, é indicada quando há grande infestação em imóveis especiais e de grande circulação de pessoas, como escolas, centros comunitários, centros de saúde, igrejas e rodoviárias. Já a técnica do inseto estéril por irradiação (TIE) pressupõe a liberação de grande número de mosquitos machos estéreis que, ao copularem com as fêmeas, produzirão ovos infecundos.

Por fim, também é recomendado o uso do Método Wolbachia, cuja implantação no Brasil vem sendo estudada desde 2015 também sob coordenação da Fiocruz. Originado na Austrália e presente em diversos países, ele envolve a introdução nos insetos de uma bactéria capaz de bloquear a transmissão dos vírus aos seres humanos durante a picada.

De acordo com a nota informativa publicada no ano passado, a implantação dessas tecnologias exigem um plano de ação municipal e uma definição das áreas prioritárias, a partir da prévia identificação das características epidemiológicas e socioambientais de cada território. “Cabe destacar que as metodologias podem ser combinadas entre si, considerando os cenários complexos de transmissão das arboviroses e seus determinantes, objetivando maior efetividade e melhores resultados”, acrescenta o texto.

A implementação das novas tecnologias não pressupõe o abandono das intervenções tradicionais, que dependem não apenas da mobilização de agentes públicos como também demandam a cooperação da população. Conforme a nota, as ações de educação visando à eliminação do acúmulo de água parada no interior dos imóveis, bem como as visitas dos órgãos sanitários para identificar focos, continuam sendo consideradas essenciais.