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Evento em São Paulo faz intercâmbio comercial entre Brasil e África

Começa nesta sexta-feira (25), na capital paulista, a Expo África Brasil Connection,f primeiro evento da América Latina voltado ao intercâmbio comercial de empresas africanas de diversos segmentos. Organizado pelo Instituto Literáfrica, o evento, de dois dias, será realizado no Expo Center Norte, com entrada franca. 

A expectativa dos organizadores é de um público de mais de 20 mil visitantes. Ao todo, devem participar mais de 200 empresas e pessoas com diferentes perfis, de investidores e empresários a acadêmicos. 

A programação conta com outras atividades capazes de aproximar o Brasil do continente africano, além da esfera de negócios. Também fazem parte da agenda apresentações de arte, a exposição Reis e Rainhas Africanos e uma vivência gastronômica, que servem como oportunidade de pactuações de contratos e sociedades, do mesmo modo que as conferências, palestras e fóruns. Em paralelo, acontece o Festival Arte-Cultura Africana e Afro-Brasileira, com artistas africanos e brasileiros, incluindo imigrantes e refugiados que vivem no Brasil. 

Para compartilhar experiências de sucesso com o público, o evento selecionou nomes como Nangula Uaandja, diretora executiva da NIPDB, da Namíbia; Tibe Bi Gole Blaise, cônsul honorário da Costa do Marfim; Edinam Adjei-Sika, presidente da câmara de comércio Gana Brasil; Segun Arinze, presidente AGN e AVOA da Nigéria; Bernabas Kidane, presidente da TradeEthiopia Company, da Etiopia; Ana Paula, diretora executiva da Vita grupo, de Cabo Verde; e Othman Baba, diretor geral da Royal Air Maroc para o Brasil, de Marrocos.

Já o Brasil estará representado por figuras como Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza. No total, serão mais de 40 palestrantes e mediadores do país.

Mais detalhes podem ser conferidos no site oficial do evento. Pelo link, é possível também obter ingressos gratuitamente.

 

Kaiowá que aprendeu a ler com quase 40 anos fará intercâmbio na França

“Já sei falar meu nome: Anastaciô”, responde o senhor de 64 anos, bem-humorado, transformando seu nome em uma palavra oxítona, característica do idioma francês, ao ser questionado sobre como vai se comunicar na França, país onde fará um intercâmbio acadêmico durante seis meses.

Anastácio Peralta é um kaiowá, uma das etnias que compõem o povo guarani. Uma liderança indígena que cresceu falando a língua de seu povo e que, apesar de também saber português, só aprendeu a ler e escrever depois de iniciar um projeto de educação de jovens e adultos, aos 37 anos de idade.

O indígena kaiowá Anastácio Peralta, 64 anos, é doutorando na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Nas três últimas décadas, passou de iletrado a estudante de doutorado na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). “Nasci em uma aldeia em Caarapó [MS], em 2 de maio de 1960, e fui criado em fazenda. Trabalhei uns 20 anos em fazenda, na roça, fazendo derrubada de mato”, conta.

Na década de 1990, Anastácio se mudou para Dourados e passou a trabalhar carregando produtos pesados, até machucar a coluna. “Aí eu fui estudar. Já tinha 37 anos, mas não sabia ler nem escrever. Eu também conheci alguns colegas estudiosos, antropólogos, que me incentivaram a estudar.”

Os estudos iniciais levaram Anastácio a trabalhar, junto com outras lideranças, na criação de um curso de formação de normal, em nível médio, para professores indígenas, chamado Ara Vera. Posteriormente, o projeto evoluiu para um curso de licenciatura indígena, na UFGD, o Teko Arandu.

Área rural ocupada por indígenas nos arredores da reserva indígena de Dourados (MS) – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Os cursos abriram os caminhos para o kaiowá, que fez o seu mestrado na universidade federal e apresentou a dissertação Tecnologias Espirituais: Roça, Reza e Sustentabilidade entre os Kaiowá e Guarani. Depois, emendou o ingresso no programa de doutorado, para aprofundar seus estudos no tema.

“Hoje a gente vive de cesta básica. E como a gente vivia no passado? Então, no doutorado, continuo pesquisando sobre a roça. Por que a gente vivia de roça no passado e hoje a gente vive de cesta básica? Eu falo [na pesquisa] de tecnologias espirituais, de ferramentas tradicionais, como o sarakwá [instrumento usado para abrir buracos na terra para o plantio de sementes], do jeito de colher, do jeito de plantar. Nós, kaiowá, temos toda uma ciência”, conta Anastácio.

Para os guarani, explica o acadêmico, cuida-se da roça como se cuida de qualquer outro ser vivo. “Para nós, a terra é mãe. E a mãe tem que ser cuidada. Agora está ficando mais difícil porque a terra também está doente, está com febre. Então minha pesquisa está em busca da cura da terra.”

Neste ano, Anastácio foi selecionado para participar do programa Guatá, um projeto do governo francês, em parceria com universidades brasileiras, que oferece uma bolsa de intercâmbio em instituições de ensino superior francês para doutorandos indígenas brasileiros.

Anastácio Peralta (à esquerda) é um dos oito doutorandos indígenas que farão intercâmbio na França – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ele parte em setembro deste ano para um intercâmbio de seis meses na Universidade Paris 8, em Saint Denis, na França. “Guatá é andar [na língua guarani]. E eu gosto de andar. Quero aproveitar para ter outros conhecimentos. Essa troca de experiência é muito boa. Também é bom conhecer outros lugares além do Brasil”, afirma Anastácio, que já visitou o Parlamento Europeu, como liderança indígena, em 2010.

“Essa troca de experiência talvez vá me provocar a entender mais o meu povo. Como é a ciência de fora? E como a minha ciência pode ajudar essa outra ciência? Isso é uma troca de conhecimento. No que eu posso ajudar o planeta? E o que eu posso trazer de lá para ajudar o meu povo.”

*A equipe da Agência Brasil viajou a convite Embaixada da França no Brasil.

Oito doutorandos indígenas farão intercâmbio na França

Guatá ou gwata, na língua guarani, tem, entre outros sentidos, o de viajar, de se movimentar. Tradicionalmente, entre os indígenas brasileiros, a viagem era feita a pé, por isso o termo guatá também pode ser traduzido como andar, caminhar. Nas décadas mais recentes, com novos meios de transporte, o sentido foi ampliado para incluir viagens de avião.

E isso permitiu que cada indígena possa guatá para mais longe, cruzando, inclusive, um oceano. Em setembro, oito doutorandos indígenas brasileiros viajarão para a França, para um intercâmbio que durará de seis a dez meses, em universidades daquele país: dois guarani (nhãndeva e kaiowá), dois terenas, além de integrantes dos povos pipipã, xokleng, tupinambá de Olivença e trumai.

A estudante guarani nhãndeva Maristela Aquino (foto de destaque), de 44 anos, vive na região de Dourados (MS), é falante de guarani e português, mas já se arrisca na língua com a qual terá que conviver pelos próximos meses, quando participará do intercâmbio na Universidade Paris 8. “Je m’appelle Maristela… Ça va? [Me chamo Maristela. Como vai?]”, faz questão de dizer, ao se encontrar com uma comitiva francesa.

“Eu falo português, guarani e hablo [falo] um pouco de espanhol. A gente está fazendo um cursinho de francês há uns três meses, desde que fui aprovada, mas não é fácil. Mas a gente vai conseguir aprender. A gente já está pegando coisas, como se apresentar, pedir alimentos. A gente vai conseguir, tem que se dedicar, tentar escrever, tentar falar”, conta a estudante.

Estudante guarani kaiowá Maristela Aquino, de 44 anos, participante do projeto Guatá – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Maristela nasceu e cresceu nas aldeias guarani da parte meridional de Mato Grosso do Sul. Estudou, deu aulas nas escolas indígenas quando ainda nem tinha entrado na faculdade e finalmente se formou em pedagogia, com muito esforço.

“O que me amparava era ser conhecedora da cultura, do povo, da luta, e eu estava amparada por um documento indígena que é o referencial curricular nacional para as escolas indígenas. A partir daí, comecei a estudar mais e dar a devida importância aos estudos. Mas sempre com muito desafios, porque eu não nasci no berço da intelectualidade, dos estudos”, diz Maristela, que teve que trabalhar cozinhando e limpando a casa de um fazendeiro, enquanto estudava.

A conclusão da graduação não foi o suficiente para ela, que decidiu emendar um mestrado na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), na área de antropologia, explorando os conhecimentos guarani a fim de propor alternativas de agroecologia para combater a insegurança alimentar nas aldeias onde vivem esses povos.

“Eu nunca aceitei a precariedade do território, sem água, sem roça, sem plantas nativas. As crianças, com fome o tempo todo, iam para a escola para ter um prato de comida”, afirma Maristela, destacando as dificuldades na vida dos indígenas que vivem em áreas que, muitas vezes, passaram por uma degradação prévia, fruto de uma ocupação colonial destrutiva.

Ao concluir o mestrado, Maristela passou a trabalhar em um projeto para garantir a segurança alimentar e nutricional das comunidades guarani de Mato Grosso do Sul, por meio do uso de sementes crioulas (desenvolvidas por comunidades tradicionais e pequenos agricultores). E esse trabalho levou a estudante a seguir adiante no caminho acadêmico, com um doutorado na mesma universidade.

“Em dois territórios onde vivi, Passo Piraju e Guyraroka, fiz um trabalho com as mulheres, com produção agroecológica, sem venenos. Essa luta contra os agrotóxicos é muito forte. Literalmente a gente está consumindo veneno e as famílias guarani são mais afetadas. Isso fere seus direitos de soberania alimentar e nutricional.”

Maristela é uma das selecionadas para participar, neste ano, do programa de bolsas Guatá, realizado pela Embaixada da França no Brasil. A experiência permitirá que ela aprofunde seus estudos na Europa, troque experiências com estudantes e pesquisadores daquele continente e faça uma imersão em uma cultura bem diferente da sua.

“Quero estudar um pouco mais e também dar um pouco de visibilidade do que acontece aqui no território de Mato Grosso do Sul. E quero voltar fortalecida para continuar a luta, porque a luta é grande e ela que me faz viver minha vida”, destaca a estudante guarani.

O doutorando Idjahure Kadiwel, contemplado pelo projeto Guatá, na casa da avó, Margarida Terena – Tânia Rêgo/Agência Brasil

O doutorando Idjahure Kadiwel, de 34 anos, tem uma trajetória um pouco diferente da de Maristela. Filho do ator Mac Suara Kadiwel, um dos pioneiros indígenas no cinema brasileiro, nasceu no Rio de Janeiro. Aos 18 anos, decidiu retomar o contato com suas origens terena e kadiwéu e viajou para Mato Grosso do Sul, a fim de conhecer sua família.

“Quando conheci minha avó [Margarida Terena, hoje com 93 anos], ela cantou para mim. Um canto improvisado, movido pela emoção de conhecer seu neto”, lembra Idjahure, que, em sua tese de doutorado, pela Universidade de São Paulo (USP), pensa em escrever sobre esse canto terena, associando-o a uma tradição semelhante de outro povo aruak, os baniwa, do norte da Amazônia, a que pertence sua companheira. “Os povos terena e baniwa são da mesma família linguística, então têm uma ancestralidade, uma história comum.”

Guatá para lugares distantes não é novo para Idjahure. No meio de seu curso de graduação, decidiu fazer um intercâmbio de cinco meses na França. Foi uma adaptação difícil para um jovem de 22 anos, que teve que enfrentar diferenças linguísticas e climáticas. “Era frio, estranho. Eu não conhecia nada.”

Isso não impediu que ele viajasse outras vezes. Recentemente, esteve com a namorada e o pai dela na Europa, participando de conferências e eventos culturais na Inglaterra, Alemanha e em Portugal. “Fiquei com vontade de ser, pelo menos por algum período, professor no exterior”, conta Idjahure.

O acadêmico espera aproveitar a viagem para avançar em sua tese, escrever artigos em francês e também contribuir para que os pesquisadores europeus tenham uma compreensão melhor da realidade dos povos indígenas no Brasil.

“Há um florescimento da produção intelectual, cultural e acadêmica indígena no Brasil. Tem muita coisa nova acontecendo por aqui, inclusive com antropólogos indígenas. Acho que a tradição francesa [na antropologia] não se conecta muito com o que está acontecendo aqui hoje. Quem sabe eu possa compartilhar um pouco disso?”, diz o estudante, que também está enveredando pelo meio musical e recentemente gravou um disco.

O programa Guatá começou no ano passado, enviando quatro alunos indígenas para o intercâmbio na França. Cinco universidades participaram em 2023. Neste ano, 11 universidades brasileiras participaram do processo seletivo, e oito alunos foram selecionados.

A adida para Ciência e Tecnologia do Consulado da França em São Paulo, Nadège Mézié, fala sobre o projeto Guatá – Tânia Rêgo/Agência Brasil

A adida para Ciência e Tecnologia do Consulado da França em São Paulo, Nadège Mézié, explica que o programa funciona como um doutorado sanduíche, sem a obrigatoriedade de cursar disciplinas nas universidades francesas.

“Tem a inscrição em uma universidade ou em um laboratório, mas não dá créditos nem tem um trabalho de finalização. Ou seja, eles chegam lá e têm uma certa liberdade para escolher seminários e aulas. Mas também poderão conhecer museus, outros espaços acadêmicos, participar de colóquios na Alemanha, na Europa toda. É muito mais amplo do que ficar sentado numa sala de aula. Então eles voltam e terminam o doutorado aqui, no Brasil.”

Os indígenas contarão com a ajuda de um professor supervisor, falante de português ou espanhol, que fará o acompanhamento dos estudantes durante a estada na França. Além de contar com a passagem aérea, eles recebem uma bolsa de 1.700 euros por mês enquanto estiverem no programa.

Em relação à língua francesa, o programa sugere que as universidades brasileiras providenciem um curso de francês básico enquanto eles ainda estão no Brasil. Quando chegarem à França, poderão frequentar as aulas do idioma oferecidas pelas universidades daquele país.

“Vimos no ano passado que eles adquirem a língua na rua, com amigos e participando das aulas, aos poucos. No ano passado, por exemplo, dois estudantes não quiseram entrar [no curso de francês] e aprenderam na rua. Mas teve uma outra que seguiu até o fim [no curso de francês] e fez a prova para saber o nível de proficiência”, explica Nadège.

Professores da Universidade Paris 8 visitam a Reserva indígena de Douradas – Tânia Rêgo/Agência Brasil

A professora da Universidade Paris 8 Delphine Leroy será a supervisora de Maristela e mais dois doutorandos indígenas provenientes da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

“É importante receber esses estudantes indígenas. Há o reconhecimento e valorização de outros tipos de saberes. Não apenas o saber acadêmico europeu consolidado, mas de outros tipos de saber que são ignorados”, afirma Delphine. “Programas de mobilidade [intercâmbio] servem como uma efervescência de ideias”, completa a professora.

O grande ganho para a Paris 8, por exemplo, é levar esse conhecimento, de outros povos para os alunos da universidade, que, por seu perfil socioeconômico, não costumam viajar para outros países.

“Trazer estudantes de fora é uma forma de dar uma sacudida nesses estudantes [franceses], de mostrar para eles que é importante viajar. A gente quer incomodar nossos estudantes, sacudi-los. Eles estão um pouco parados”, acrescenta Christiane Gilon, outra professora da Paris 8.

*A equipe da Agência Brasil viajou a convite Embaixada da França no Brasil.