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Corte IDH ouve relato de mulher torturada grávida na ditadura

Os juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) ouviram nesta sexta-feira (5), em audiência pública na sede de instituição, em San José da Costa Rica, o relato de Denise Perez Crispim sobre suas sessões de tortura, realizadas por agentes da ditadura civil-militar no Brasil, em 1970, quando estava grávida de seis meses.

Denise contou ter sido espancada sucessivas vezes e torturada com ameaças de choque elétrico e de ser assassinada. Por seu relato, as sessões de horas de tortura se repetiram por dias, até que ela entrou em trabalho de parto, dando à luz sua filha. Em seguida, foi liberada pelos agentes do aparato repressivo estatal, tendo no colo uma bebê prematura e sem registros. 

“Subi para uma sala de tortura, que já tinha nas paredes manchas de sangue escuras, que tinham secado, fazendo parte do cenário. Ali começou a pancadaria, eles me batiam em toda a parte do corpo, no alto, nas pernas, levantaram o vestido, botaram a barriga pra fora”, detalhou ela, que ficou presa nas dependências em São Paulo do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), a polícia política da ditadura. 

Ela disse ter sentido contrações por um dia, mas que não conseguiu parir, sendo então levada a um hospital para uma cesariana precoce. “Eu tinha medo de parir minha filha naquelas condições. Não sabia o destino que ela poderia ter. Eu tinha certeza de que eles iam me matar”, relatou. 

Depois de ser liberada e seguir para o exílio, ela foi condenada pela Justiça Militar a 10 anos de prisão, perdendo seus direitos políticos.

Os crimes e perseguições cometidos contra Denise foram documentados no processo em que ela teve concedida sua anistia, em 2009, pela Comissão da Anistia. Ele também fez o mesmo relato a comissões da verdade, em São Paulo e nacional. 

Ouvida pela Corte IDH na condição de vítima, Denise prestou depoimento na audiência de instrução do caso Collen Leite e Outros vs. Brasil, no qual o Estado brasileiro é processado por não ter investigado as violações de direitos humanos praticadas contra o militante político Eduardo Collen Leite, conhecido como Bacuri, e sua esposa, Denise. 

Caso Bacuri

Bacuri é considerado o preso político que mais tempo foi submetido a sessões de tortura por parte de agentes do Exército. Ele ficou detido por mais de 100 dias, sendo executado ao final do processo, quando já se encontrava incapacitado de andar, segundo relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que levou o caso à Corte IDH. 

Em seu relatório, a CIDH afirmou que “a prisão de Eduardo Collen Leite foi arbitrária, visto que não há indícios de ordem de prisão contra ele, nem de flagrante. A vítima não conhecia os motivos da sua detenção, nem foi colocado à disposição de um juiz. Seu assassinato foi uma execução extrajudicial, já que se encontrava sob custódia do Estado e já que o Brasil não contestou a conclusão de que a vítima foi executada por ordens de um coronel”. 

Segundo relato de Denise, ao ser mostrado à família para reconhecimento, o corpo de Eduardo tinha hematomas, escoriações, marcas de queimadura, dentes arrancados, orelhas decepadas e os olhos vazados. Sua morte teria ocorrido no sítio utilizado pelo delegado Sergio Paranhos Fleury para torturas

Após ser anistiada, em 2009, Denise disse ter buscado o Ministério Público Federal (MPF), tanto em Brasília como em São Paulo, pedindo para que o caso de Bacuri fosse investigado, e os responsáveis, punidos. Teve como resposta que o caso estaria já prescrito, passados mais de 30 anos dos fatos. 

Em razão disso, a CIDH concluiu que o Estado brasileiro “não investigou os fatos de modo diligente”, justificando a abertura do caso Collen Leite na Corte IDH. 

A comissão pediu a reparação material e imaterial das vítimas pelo Brasil, bem como que o Estado seja obrigado a prestar assistência à saúde física e mental das vítimas e de seus parentes, e a investigar de maneira séria, diligente, efetiva e em prazo razoável os fatos ocorridos com Denise Peres Crispim e Eduardo Collen Leite, a fim de identificar e punir as pessoas responsáveis.

Condenação

O caso Bacuri pode levar à terceira condenação do Brasil por violações dos Direitos Humanos durante a ditadura civil-militar. O país já foi condenado no caso da Guerrilha do Araguaia, em que houve tortura e execução extrajudicial de militantes contrários ao regime, e no caso Vladmir Herzog, sobre a prisão e execução sob custódia do jornalista. 

Nas duas sentenças, a Corte Interamericana dos Direitos Humanos decidiu que alguns dispositivos da Lei de Anistia, de 1979, são incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. 

A Corte IDH afirmou ainda que crimes contra a humanidade – como tortura, execução e desaparecimento forçado –  são imprescritíveis, em especial quando praticados por agentes estatais. 

Apesar disso, a responsabilização de agentes estatais ainda é barrada no Brasil por uma interpretação da Lei da Anistia que foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010. Na ocasião, a Corte considerou constitucional o perdão dado a crimes “de qualquer natureza”, conforme consta na legislação. Desde então, diversos recursos sobre o tema ainda aguardam julgamento. 

A audiência de instrução no caso Collen Leite vs. Brasil ocorre um dia depois do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter reativado a Comissão Nacional de Mortos e Desaparecidos Políticos, que chegou a ser desativada no governo anterior, de Jair Bolsonaro.

IDH brasileiro retrocedeu seis anos a partir da pandemia

A pandemia de covid-19 impactou o desenvolvimento humano de forma global, mas foi mais significativo nos países da América Latina.

No Brasil, representou um retrocesso médio de 22,5%, o que equivaleria a voltar para o estado de desenvolvimento humano de seis anos antes do início da crise estabelecida pela doença, concluiu um relatório lançado nesta terça-feira (28), em Brasília, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O estudo traz um recorte sobre os estados brasileiros em relação à trajetória do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) entre 2012 e 2022 e os impactos sofridos durante a crise sanitária.

Com as três dimensões usadas para medir o desenvolvimento humano – longevidade da população, renda e educação –, é possível compreender melhor a importância dessa análise mutidimensional, diz a coordenadora de Desenvolvimento do PNUD, Betina Barbosa.

“A reação no IDH brasileiro nos faz perder 10 anos de melhoria no IDH longevidade, 10 anos de melhoria no IDH renda e dois anos de melhoria no IDH educação”, acrescenta.

Desigualdade

De acordo com Betina, o estudo mostra que, da mesma forma que a pandemia afetou de forma diferenciada os países em todo o mundo, as populações também foram impactadas de forma diferente.

As mulheres negras foram as que ficaram mais vulneráveis em termos de desenvolvimento de seu potencial e aproveitamento de oportunidades. “A gente tem 27% dos lares brasileiros chefiados por mulheres negras. Esses lares constituem quase 30% da população brasileira, e neles estão quase 34% de todas as crianças e jovens de até 14 anos. No entanto, o rendimento total desses lares chega a apenas 16% de todo o rendimento do Brasil”, ressalta.

Projetando os dados para o futuro, a pesquisadora entende que a maior parte da população que vai compor o país daqui a alguns anos será de negros e pardos, como já ocorre no Norte, onde esse grupo representa 80%. Diante de tal vulnerabilidade, o estudo recomenda a repactuação do desenvolvimento humano por meio de conquistas que impactem educação, saúde e renda com foco em raça e gênero.

Segundo a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, que participou do lançamento do relatório, o recorte trazido pelo estudo representa uma importante ferramenta para repensar políticas públicas. “Uma das grandes mensagens do governo Lula é justamente a questão do combate às desigualdades, mas favorecendo a nossa diversidade”, diz a ministra.

Efeito Nordeste

Na construção de políticas públicas sólidas, que diminuam o impacto no desenvolvimento humano em momentos de crise como o enfrentado na pandemia da covid-19 e, recentemente no Rio Grande do Sul, o relatório cita ainda um achado que surpreendeu pesquisadores nos dados sobre o Brasil. No sentido contrário às expectativas, o maior desenvolvimento humano nos estados não foi refletido em baixas taxas de mortalidade.

Os estados que lideraram os maiores números de mortes pela doença foram o Rio de Janeiro e o Paraná, além do Distrito Federal. Enquanto isso, o Maranhão, que mantém o menor IDH do país, teve taxa de mortalidade tão baixa que, se replicada em todo o país, significaria uma redução de metade das mortes verificadas no Brasil entre 2020 e 2021, em decorrência da doença.

Na avaliação de Betina, esse resultado foi alcançado por meio das 487 medidas de combate à covid-19 adotadas pelo estado e fortalecidas com a pactuação com outros entes federados que possibilitou compra conjugada de medicamentos, mobilização de leitos entre estados e outras respostas mais efetivas durante a crise.

IDH do Brasil sobe em 2022, mas país cai 2 posições em ranking da ONU

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil cresceu de 2021 para 2022, ao passar de 0,756 para 0,760, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (13) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Por outro lado, o Brasil caiu duas posições no ranking global da organização da ONU, passando da 87ª para a 89ª posição, entre 193 nações. Em 2020, o Brasil estava na 84ª colocação, com 0,758 de IDH. Com isso, o país ainda não retomou ao índice de 2019, antes da pandemia de covid-19, quando estava com o IDH em 0,764.

O IDH compara indicadores como riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros, com o intuito de avaliar o bem-estar de uma população. Ele varia de 0 a 1 e é divulgado pelo Pnud em seu relatório anual. Quanto mais próximo de 1, maior é desenvolvimento humano do país.

Entre 1990 e 2022, o IDH do Brasil cresceu 22,6%, registrando quedas apenas nos anos de 2015, 2020 e 2021. Os dados do Pnud ainda mostraram que, desde a pandemia, vem crescendo a distância entre IDHs de países ricos e pobres, revertendo a tendência de aproximação desses índices que vinha sendo observada desde 1990.

Proteção social

A gerente de Programas, Incidências e Campanhas da Oxfam Brasil, Maitê Gauto, destacou que o Brasil vem, desde 2015, em um período de dificuldades econômicas, agravadas pela pandemia.

“A gente chegou nesse patamar de 33 milhões de pessoas em situação de fome, que era o patamar da década de 1990. Diante de um cenário em que você precisava aumentar o investimento em proteção social, o Brasil fez o processo de desinvestimento”, afirmou Maitê.

Para a especialista da Oxfam Brasil, organização que atua em temas como desigualdade e justiça social, nem mesmo políticas de transferência de renda como o Auxílio Emergencial e posterior Auxílio Brasil, que hoje virou Bolsa Família, foram capazes de retomar o IDH ao nível pré-pandêmico.

“Apesar da política de transferência de renda, muitas famílias continuavam sem ter condição de manter a sua alimentação minimamente adequada. Mais do que olhar o valor, precisamos olhar o conjunto do cenário, como estavam os preços, o nível de desemprego e a precarização dos postos de trabalho”, completou.

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) apontou que houve uma redução de verbas das políticas sociais no Brasil até 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro. “O resultado do desmonte das políticas públicas no Brasil, entre 2016 e 2022, resultou na piora das condições de vida da população brasileira, que, de certa forma, se refletem no IDH”, destacou a integrante do Colegiado de Gestão do Inesc, Nathalie Beghin.

Comparação internacional

Na América Latina e Caribe, o Brasil ficou na 17ª posição, atrás de países como México (77ª, no ranking global), Equador (83ª), Cuba (85ª) e Peru (87ª). O topo da lista dos países latino-americanos e caribenhos é formado por Chile (44ª), Argentina (48ª), São Cristóvam e Neves (51ª), Uruguai (52ª) e Antígua e Barbuda (54ª). Os países com piores IDHs da região são Haiti (158ª), Honduras (138ª), Guatemala (136ª), Nicarágua (130ª) e El Salvador (127º).

Já o ranking global é liderado por Suíça, Noruega, Islândia, Hong Kong, Dinamarca e Suécia. Os países com os piores índices são Somália e Sudão do Sul. O ranking completo pode ser conferido aqui.

Após pandemia, cresce distância entre IDH de países ricos e pobres

A distância entre os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) dos países mais ricos e dos mais pobres cresceu em 2022, mantendo tendência que vem de 2020, com o início da pandemia de covid-19. Os dados foram divulgados quarta-feira (13) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

O IDH compara indicadores de países nos itens riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros, com o intuito de avaliar o bem-estar de uma população, especialmente das crianças. Varia de 0 a 1 e é divulgado pelo Pnud em seu relatório anual.

A diferença vinha se reduzindo desde 1990. “A crescente lacuna no desenvolvimento humano revelada pelo relatório mostra que a tendência de duas décadas de redução constante nas desigualdades entre nações ricas e pobres foi revertida”, afirmou o chefe mundial do Pnud, Achim Steiner.

De acordo com o documento, em 2023, os 38 países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que reúne a maioria das nações mais ricas do mundo, alcançaram pontuações mais altas no IDH em comparação com os níveis obtidos em 2019.

Por outro lado, os 35 países menos desenvolvidos, que experimentaram queda no IDH entre 2020 e 2021, mais da metade (18 países) ainda não retornou aos níveis de 2019. “Aparentemente, mudaram para uma trajetória de IDH inferior, o que indica potenciais retrocessos permanentes no futuro progresso do desenvolvimento humano”, diz o documento da ONU.

Maitê Gauto, gerente de Programas da Oxfam Brasil – Arquivo pessoal

“A ampliação dessa desigualdade está diretamente relacionada à capacidade de resiliência que os diferentes países têm no enfrentamento de crises”, destacou Maitê Gauto, gerente de Programas, Incidências e Campanhas da Oxfam Brasil, organização que atua em temas como desigualdade e justiça social.

Pesquisa da Oxfam mostrou que, enquanto os cinco homens mais ricos do mundo dobraram sua fortuna entre 2020 e 2023, 5 bilhões de pessoas ficaram mais pobres. “Quando a gente olha para esse tipo de cenário, é impossível não imaginar que haveria uma mudança, um aumento dessa desigualdade entre os países mais ricos e os países mais pobres”, completou Maitê.

Uma das sugestões da Oxfam Brasil para reduzir a desigualdade entre países, que é debatida nas reuniões do G20 no Brasil, é a ampliação dos investimentos dos países ricos nos países de baixa e média renda e a taxação dos super-ricos.

“A questão da taxação internacional, que é a definição de compromissos e mecanismos de taxação dos super-ricos, no nível individual e no nível das empresas, da taxação de lucros extraordinários, a construção de diferentes mecanismos que vão compor diferentes fundos que assim vão direcionar essa receita, enfim, para os países que mais precisam”, acrescentou.

A economista Nathalie Beghin, do Inesc – Arquivo pessoal

Para a economista Nathalie Beghin, integrante do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), somente a atuação dos estados pode reverter esse quadro de aumento da desigualdade.

“Temos dinheiro. Nunca antes o mundo produziu tanta riqueza, mas a pobreza, a fome e as desigualdades aumentam porque as nossas instituições de Estado estão muito fragilizadas, tanto dentro dos Estados mesmo, quanto internacionalmente. O que precisamos fazer é nos mobilizarmos para fortalecer as instituições estatais em âmbitos democráticos”, sugeriu Nathalie.

Concentração de mercados

O relatório do Pnud chama atenção também para o fato de o aumento das desigualdades estar relacionado à concentração dos mercados na mão de poucas corporações internacionais, que detêm o poder de afetar diretamente várias economias.

“As empresas transnacionais podem impulsionar o investimento, a inovação e as oportunidades econômicas, mas também podem expulsar as empresas nacionais, especialmente em países de baixa e média renda. A concentração do mercado nas cadeias de valor globais permite aumentos e procura de renda por parte das principais empresas, que têm sido ligadas ao declínio da participação global do trabalho no rendimento e a preços mais elevados ao consumidor”, afirma o documento.

O relatório destaca que quase 40% do comércio global de mercadorias se concentra em três ou menos países e que a capitalização de mercado de cada uma das três maiores empresas de tecnologia do mundo superou o Produto Interno Bruto (PIB) de mais de 90% dos países em 2021.

“A concentração do mercado é particularmente elevada nas cadeias globais de valor para bens de necessidades básicas, como alimentos, bem como no espaço da tecnologia digital. Hoje, um punhado de empresas de tecnologia exerce um poder de mercado significativo e as suas decisões influenciam a dinâmica social e política”, afirma o relatório.