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Ensino de história afro-brasileira deve estar em todas as disciplinas

A lei brasileira prevê que conteúdos referentes a história e cultura afro-brasileira devem ser ministrados em todas as etapas escolares, da educação infantil ao ensino médio, marcando presença em todas as disciplinas. Implementar a lei 10.639/03, no entanto, segue sendo um desafio para o país, mesmo após 21 anos de aprovação.

Especialistas entrevistados pela Agência Brasil trazem orientações sobre como levá-la para as salas de aula e mostram que a implementação vai além de conteúdos formais e passa, às vezes, apenas pela promoção de diálogo entre os próprios alunos e por abordagens por parte dos professores que considerem as diferentes realidades.  

A professora e escritora Sheila Perina de Souza estuda no doutorado da faculdade de educação da Universidade de São Paulo (USP) uma etapa delicada do ensino, a alfabetização. Ela pesquisa o ensino do português influenciado por algumas línguas africanas. Além de contribuírem com o vocabulário, como por exemplo, com a palavra moleque, que vem do quimbundo, uma língua falada em Angola, elas têm outro tipo de influência: “Quando usam o plural, muitas vezes as crianças, principalmente de classe popular, marcam o plural uma única vez, então dizem: ‘Pega os livro’. Elas não marcam o plural ‘Pega os livros’. Isso é influência das línguas de origem banto, que trazem a marcação do plural no início e não no plural”, explica.  

A forma com que a escola lida com situações como esta faz toda a diferença na formação das crianças. Se tratam apenas com um erro, criticando a criança, ou se têm uma postura acolhedora. “Tento observar de que modo o racismo linguístico, que muitas vezes é confundido com o preconceito linguístico, é tratado na alfabetização, nesse período da escolarização que é de fundamental importância para a relação que a criança vai estabelecer com o conhecimento”, explica Souza.  

São questões como esta que as escolas precisam lidar diariamente e sobre as quais a 10.639/03 e as diretrizes para aplicá-la tratam. Cada etapa de ensino tem peculiaridades que precisar ser levadas em consideração e também questões para as quais as escolas devem estar atentas.  

Educação infantil  

Na educação infantil, etapa que compreende a creche e a pré-escola, segundo Souza, a literatura tem sido uma porta fundamental para a implementação da lei 10.639/03. Para além dos livros, é possível trabalhar as artes, a música e também as danças.  

“A linguagem musical é fundamental, quando a gente olha para o que nós oferecemos para nossas crianças no cotidiano, quais as músicas que nós apresentamos. Nós apresentamos músicas de diferentes povos, conseguimos trazer músicas de diferentes etnias e aprofundar”.

De acordo com a professora, ao apresentar uma música, pode-se não apenas dizer que é de África, mas explicar que é de determinado país, de determinada região.   

“A nossa origem é marcada por relações de poder que são construídas por meio da raça também. Então, é a gente olhar para músicas que tradicionalmente são músicas da cultura da infância e questionar se essas músicas dialogam com o currículo, com o que queremos construir, porque temos um repertorio de música que crianças têm aprendido que possuem um teor racista”, ressalta a professora.  

A coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa, Edneia Gonçalves, acrescenta que para além de proporcionar materiais e brincadeiras, é preciso que os professores estejam atentos às interações entre as crianças. “Trazer o cuidado para ver como as crianças se aproximam. Na hora da roda [se alguém diz algo como]: ‘não vou pegar na mão dela porque é preta’. Isso é super comum. Que tipo de mensagem está trazendo, que tipo de educação está trazendo. Quando não se traz a história dos ancestrais dessa criança e não ressignifica a presença negra na história brasileira, se faz a mesma coisa, rejeita não só o corpo como a linguagem ancestral da criança”, diz.  

Nesta etapa é preciso também, de acordo com Edneia Gonçalves, estar atento às referências que são apresentadas às crianças, aos personagens que são apresentados, garantir que também se assemelhem às próprias crianças e às famílias. Verificar também como os personagens negros aparecem nas histórias infantis e que tipos de heróis são apresentados. 

Ensino fundamental  

O ensino fundamental compreende do 1º ao 9º ano, período em que as crianças aprendem a ler e também período em que passam a ter mais um professor e começam a fazer uma transição para o ensino médio, deixam infância e entram na adolescência.  

Também nesta etapa, segundo Edneia Gonçalves, é preciso olhar para os textos que são apresentados e, caso eles possuam conteúdos racistas, isso deve ser apontado, contextualizado e discutido.  

A aplicação da lei vai além das áreas de humanidades, devendo ser considerada nas exatas e nas ciências. “A África tem um conjunto de jogos para trabalhar a matemática. Primeiro, exige uma pesquisa mais ampla, porque nossa educação é eurocêntrica. Vamos buscar personagens, referências e matrizes africanas para trazer, vamos pensar a África antes da colonização. Isso no ensino fundamental é essencial. Ensinar a África anterior à colonização e pensar após o período de colonização. Isso exige pesquisa, mapas, novos textos e novas fontes”, explica.  

No campo da linguagem, Gonçalves diz que se pode considerar os sistemas de comunicação e linguagem que são anteriores ao sistema ortográfico que usamos. “Sempre no sentido de ampliar o conhecimento. [O conteúdo] tem que atravessar [várias disciplinas] e quando atravessa, exige que professoras e professores também se preparem e que as redes façam formação dos educadores”, diz.  

Ensino médio  

O ensino médio é a última etapa da educação básica. É também a etapa com as maiores taxas de evasão. “O ensino médio tem o enorme desafio que é o desafio da juventude negra, as suas culturas, como é que a gente está trabalhando a cultura negra juvenil”. A coordenadora explica que é muito importante que os professores também escutem os estudantes, ensinamento que vem do educador e filósofo Paulo Freire e da educação popular.  

“Os alunos sabem. O nosso trabalho é fazer emergir o conhecimento que esse estudante tem para que esse conhecimento se articule com o nosso conhecimento para produzir transformações tanto na aprendizagem do estudante, quanto do professor. Saber o que esse estudante sabe faz com que a gente tenha acesso aos territórios que esse estudante percorre e isso vai ter aplicações para todas as áreas de conhecimento”, diz Edneia Gonçalves.

Ela acrescenta: “uma batalha de slam [batalha de poesia falada], por exemplo, você ouve e pensa onde esse jovem adquiriu todo esse repertório se escola não está ensinando isso? Quer dizer que existe um ambiente de circulação de cultura e conhecimento que a escola tem que acessar também”. 

Nesta etapa, a coordenadora ressalta que também é importante que seja feita uma educação antirracista, que redesenhe a narrativa da história brasileira, trazendo a perspectiva da resistência da população negra. Nesse sentido é importante conhecer e levar para as salas de aula as histórias traçadas pelos movimentos sociais.  

“Sempre, em qualquer uma das etapas escolares, você parte do princípio de que é função social da escola articular o conhecimento sistematizado pela ciência com o conhecimento das diferentes culturas para que a gente produza aprendizagem significativa para todas as pessoas”, sintetiza Gonçalves. 

Implementar a Lei 10.639 é garantir o direito ao acesso à história

 “Na língua zulu [uma das línguas da África do Sul], quando uma pessoa passa pela outra, uma diz: ‘Eu estou te vendo’. A outra responde: ‘Sim, eu estou aqui’. Quando eu digo ‘oi’ para alguém ou quando eu olho essa pessoa e essa pessoa corresponde me olhando, eu estou reconhecendo a sua presença, reconhecendo a sua humanidade. Isso que significa essa saudação”. 

A professora emérita da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), vinculada ao Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas do Centro de Educação e Ciências, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva usa a saudação para explicar a importância da educação étnico-racial e da Lei 10.639/2003, que estabelece que os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira sejam ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, ou seja, em todas as etapas de ensino, da educação infantil ao ensino médio.

Brasília (DF) 13/01/2024 – Uma das lideranças da luta antirracista na Educação a professora, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva Foto: Academia de Ciências da Bahia/Divulgação – Academia de Ciências da Bahia/Divulgação

 Silva foi, em 2004, a relatora, no Conselho Nacional de Educação (CNE), do parecer que definiu as diretrizes curriculares para a implementação da lei em todo o país, em escolas públicas e particulares. Para a professora, a importância da educação étnico-racial nas escolas é que as diferentes culturas sejam valorizadas e respeitadas. “Eu costumo dizer que educação étnico-racial se dá no convívio. Por exemplo, quando eu passo por uma pessoa. Se eu passo e viro o rosto, não estou reconhecendo a sua presença a sua humanidade”, diz, explicando a saudação zulu. 

Segundo ela, esse reconhecimento só vem com o conhecimento: “Valorizar e respeitar, exige que se conheça e que seja se tenha respeito pelas distintas maneiras de ser, porque isso vai permitir que se intensifique um diálogo para que se decida junto para que nação estamos trabalhando, para que nação brasileira estamos contribuindo com nosso estudo, com nossa participação na sociedade e com o nosso convívio diário”. 

A luta por conhecimento da cultura afro-brasileira e africana, que levou, entre outras mudanças, a aprovação da Lei 10.639/2003, é uma luta de muitos anos, do movimento negro, dos movimentos sociais e de muitas pessoas. “O que aconteceu durante muitos anos é que se reconhecia como a história mais valiosa do povo brasileiro a que tivesse sido construída pelos europeus. Então, essa que foi ensinada para nós nas escolas e o que sabíamos sobre histórias dos nossos povos negros, indígenas, vinham por meio das famílias das associações”, explica Silva. 

A lei, que mudou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a principal lei da educação no Brasil, veio como objetivo de mudar esse cenário, de incluir nas salas de aula, os conhecimentos, a cultura e a história de grande parte da população brasileira. 

Ainda hoje, no entanto, 21 anos após a aprovação, a lei ainda não é cumprida. Uma pesquisa divulgada no ano passado mostrou que 71% das secretarias municipais de Educação não têm ações consistentes para atender a legislação. Outro estudo divulgado este ano mostra que cerca de 90% das turmas de educação de creche e pré-escola ignoram temas raciais. Silva é taxativa: “Eu começaria dizendo que não é que conseguem. É que não querem implementar”. 

Silva conta que no momento que o CNE se manifestou, ele considerou as diferentes experiências que já existiam no país, experiências que vinham sendo construídas pelos movimentos sociais e também por professores. Há, portanto, indicações de caminhos. O próprio parecer do CNE estabelece que seja feito um mapeamento e divulgação de experiências pedagógicas de escolas. 

Combate ao racismo 

Segundo a coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa, Edneia Gonçalves, o grande empecilho para a aplicação da lei é o próprio racismo. “Tem uma questão de fundo. Essa lei é uma ação afirmativa e é uma ação que reafirma o racismo no Brasil. Então, a dificuldade dessa aplicação tem a ver justamente com o racismo, que ensina que isso não é importante”, diz. 

A implementação exige um esforço para a formação de professores, produção de materiais didáticos e uma reorganização da própria escola. Mas, mais uma mudança é necessária, segundo Gonçalves, assumir que o racismo existe. 

“A mudança que acontece antes de chegar à sala de aula é uma mudança que a gente considera como muito mais profunda que é efeito das manifestações institucionais do Brasil, considerando o racismo institucional no ambiente escolar, na política escolar, no sistema educacional brasileiro. Tem muitas coisas que precisamos discutir, mas para chegar na sala de aula, primeiro, tem que passar por essa discussão, enfrentar o mito da democracia racial, que ainda é muito forte nas escolas”, defende. 

Gonçalves ressalta ainda que não se trata de uma simples lei, mas de uma lei que modificou a LDB, incluindo na principal lei da educação o ensino étnico-racial. Além da lei, estão as diretrizes definidas pelo CNE. Nelas, estão mais detalhes de como essa lei deve ser implementada e que tipo de atividades e conteúdos devem ser trabalhados nas salas de aula. “Se a legislação não foi aplicada até agora, imagina as diretrizes. É preciso estudar diretrizes e pensar aplicações para todas as áreas do conhecimento e possiblidades de articulação e diálogo com a comunidade escolar. É um desafio muito grande”, diz. 

Postura crítica

Segundo a professora, escritora e doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Sheila Perina de Souza, o país avançou em um quesito fundamental para a aplicação da lei, que é a produção de materiais didáticos. “Também por conta das políticas afirmativas, cada vez mais a gente tem pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento produzindo materiais, professores que também se colocam nesse lugar de produzir material para tratar da história e da cultura negra. Essa barreira dos materiais didáticos temos avançado bastante, ainda é algo que falta, mas é algo que tem evoluído”, diz. 

Professora e escritora Sheila Perina de Souza, estuda no doutorado da faculdade de educação da Universidade de São Paulo (USP) Foto: USP/Divulgação

Mesmo assim, é necessário um olhar crítico até mesmo dos próprios professores. De acordo com Souza, o estudo do Continente Africano ainda permanece como um “puxadinho” nos livros didáticos, um conteúdo que acaba sendo deixado para o final e que às vezes não é nem mesmo concluído. 

“É fundamental que a gente também como professoras e professores revisitemos os livros didáticos com uma postura crítica, com postura de pesquisador, questionando se as informações que o livro traz são informações que estão de acordo com a educação antirracista que estamos construindo, porque embora tenhamos avançado ainda há muito trabalho a fazer”, diz. 

Outro grande desafio, segundo Souza é construir um currículo que se proponha a discutir a presença negra não apenas nas ciências humanas, mas que seja transversal, abrangendo todas as disciplinas do currículo. 

Por isso, para ela, o foco deve ser no Projeto Político Pedagógico (PPP), que é um documento elaborado anualmente que reúne os objetivos, metas e diretrizes de cada escola. “É um momento no qual se faz um pacto da escola com uma educação antirracista, uma educação para as relações étnico-raciais. É de fundamental importância que esse compromisso também apareça no PPP, que é um documento que é construído pelos professores, pelas famílias, um documento da comunidade escolar”, explica. 

Implementar a lei é, segundo Souza, fundamental: “É uma lei mais que importante, acho que é fundamental. Quando a gente pensa em Brasil e pensa na importância dos negros na construção desse país, pensar em uma educação que se pretende democrática e essa educação não contempla o ensino da cultura e da história dos povos que a formaram, não se pode dizer que de fato se trata de uma educação democrática. Ela nega o direito a todos os brasileiros, a todas as etnias a terem acesso a sua história”. 

História de Tia Ciata reforça resistência cultural do povo preto

Neste sábado (13) faz 170 anos que Hilária Batista de Almeida nasceu em Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano. Conhecida no Rio de Janeiro como Tia Ciata, em abril faz cem anos que ela faleceu, após vida de intensa participação na preservação da cultura brasileira, especialmente, da população preta e no fortalecimento do candomblé contra a intolerância religiosa.

A atuação de Tia Ciata é considerada especialmente importante na formação do samba em terras cariocas. Entre tantas pessoas, ela recebia em sua casa, que era também o seu terreiro, a chamada santíssima trindade do samba, composta por Donga, Pixinguinha e João da Baiana. Foi onde se juntou o estilo da musicalidade do Rio com o samba de roda da Bahia.

Tia Ciata é homenageada em muro do Largo João da Baiana, na Pedra do Sal, zona portuária do Rio de Janeiro, tradicional reduto do samba.- Tomaz Silva/Agência Brasil

“Enquanto na casa de Tia Ciata tinha os rituais de candomblé, depois, como acontece até hoje, é o samba que graça. Primeiro tem as obrigações religiosas, depois tem a festa. Todo mundo samba e todo mundo dança. É a confraternização. É aquilombamento com nossas músicas de base africana”, comentou a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em filosofia e em história comparada, Helena Theodoro, em entrevista à Agência Brasil. A especialista destaca que esse envolvimento musical de Tia Ciata resultou ainda na criação das escolas de samba com os primeiros desfiles na Praça Onze, próximo a casa dela.

“Quando fazia isso, protegia essas duas expressões importantes da nossa cultura ancestral”, completou à Agência Brasil, o babalawo Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR) e doutor em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Candomblé

A religiosidade sempre foi muito presente na vida de Tia Ciata. Filha de Oxum, aos 16 anos já participou da fundação da Irmandade da Boa Morte, em Cachoeira, também uma cidade do recôncavo baiano. A irmandade continua até hoje graças à resistência das seguidoras. No candomblé, Hilária foi iniciada na casa do babalawo Bámgbósé Òbítíkò, da nação Ketu. Chegou ao Rio com uma filha quando tinha 22 anos e foi na cidade que se tornou Mãe-Pequena de João de Alabá, função que dá suporte ao líder do terreiro, também chamado de barracão. Na continuidade dos preceitos da religião, se tornou uma ialorixá, uma mãe de santo.

Na cidade, se casou com o funcionário público João Baptista da Silva e a família cresceu com mais 14 filhos. Morou em diversos endereços na região central do Rio, como a Pedra do Sal, ponto de referência na área conhecida como Pequena África; no Beco João Inácio; nas ruas da Alfândega, General Pedra e dos Cajueiros. Mas foi na casa da Rua Visconde de Itaúna que o encontro da cultura com a religião ficou mais forte. O casarão histórico não existe mais. Toda a área foi demolida para a construção da Avenida Presidente Vargas, uma das vias mais movimentadas da capital fluminense.

Na casa da Rua da Alfândega, onde hoje é uma loja de roupas femininas, nasceu em 1909 o músico e compositor Bucy Moreira, neto de Tia Ciata e pai de Gracy Mary Moreira, a presidente da Casa Tia Ciata, um ponto de cultura na Rua Camerino, 5, que permite ao visitante conhecer a história desta importante personagem brasileira.

Entevista com Gracy Mary Moreira, bisneta de Tia Ciata e sambista, presidente do espaço cultural Casa da Tia Ciata – Fernando Frazão/Agência Brasil

“Eu vejo que a força da Tia Ciata está representada em vários locais. Não é só no samba, mas em outros lugares. A gente pode dizer que ela atuou também como assistente social. Independente das festas, onde tinha muita comida, ela oferecia comida para as pessoas que batiam a sua porta”, apontou a bisneta à reportagem da Agência Brasil, acrescentando que Tia Ciata ainda ajudava a localizar as famílias de negros que chegavam no porto do Rio.

“Quando a gente fala dela, a gente fala na pluralidade e na diversidade que ela conseguiu colocar na casa dela. Com isso, Heitor dos Prazeres, vendo aquelas pessoas, os islâmicos, os judeus, ciganos descendentes de África, começou a dizer que a casa de Tia Ciata era a capital de uma África pequena que depois ficou como a Pequena África”, refletiu a bisneta.

Gracy contou ainda que a bisavó tinha um meio de burlar a repressão policial que havia contra os sambistas. “A polícia batia na casa de Tia Ciata e ela tinha uma expertise de mudar o gênero musical. Dizia que ali não estava tocando samba e estava tocando choro, que não era proibido. Meu pai falava isso direto. Tia Ciata foi uma mulher plural e à frente do seu tempo”, contou.

Economia

Na visão de Helena Theodoro, Tia Ciata liderou um movimento econômico informal, que assegurou renda para mulheres quituteiras. Tudo começou quando, vestida de baiana, ela montou um tabuleiro no centro do Rio para vender acarajés e foi se juntando a outras mulheres que com o trabalho passaram a garantir a renda da família. O lugar é o Largo da Carioca, que a partir daquele momento começou a ser chamado também de Tabuleiro da Baiana. “O que traz com Tia Ciata é a independência econômica e cultural das mulheres pretas do Rio de Janeiro”, afirmou a professora.

“Ela consolidou realmente um espaço de empoderamento da mulher negra, um espaço de bom convívio”, pontuou Gracy.

Segundo Helena Theodoro, além dessa força, as mulheres passam a influenciar a política. Tia Ciata foi procurada por assessores do presidente Wenceslau Braz para ver se ela poderia curar uma ferida que ele tinha na perna e não fechava nunca. Ela foi ao Palácio do Catete, na época sede da presidência da República do Brasil.

“Depois de um jogo [de búzios para consulta aos orixás] ela fez uma infusão de ervas e foi ao Palácio do Catete. Ela banhou as pernas do presidente e falou que em três dias ia secar e ele ia ficar curado. E foi isso que aconteceu”, relatou Gracy.

Em agradecimento, o presidente determinou que a polícia deixasse de fazer operações de repressão no reduto de sambistas que era a casa de Tia Ciata. “O marido dela ganhou um emprego e ela teve autorização para tocar os seus atabaques e fazer seus encontros de samba”, disse Helena Theodoro.

“Ela foi uma estrategista brilhante. Já naquele período difícil de um código criminal que mandava prender e tomar os utensílios religiosos, ela criou esta rede de proteção, a partir da sua influência com pessoas importantes atendidas por ela. Ela fazia isso como proteção para essas culturas, tanto espiritual, como a do samba e a das comidas”, apontou Ivanir dos Santos.

Espaço cultural Casa da Tia Ciata – Fernando Frazão/Agência Brasil

Preservação

Para a bisneta, a força da sua ancestral alimenta atualmente o desejo de preservação do seu legado, que é notado em uma vasta região do Rio.

“A reafirmação desse território da Pequena África é muito importante e Tia Ciata está inserida nisso. Você passa em qualquer lugar aqui, tanto no Largo da Prainha, tem imagem da Tia Ciata, na Pedra do Sal, no Morro da Conceição, no Morro da Providência. As pessoas abraçando e reconhecendo todas as atitudes e expressões que Tia Ciata trouxe. Esse é o legado dela”, indicou.

A professora Helena Theodoro lembrou que Tia Ciata também costumava se reunir com estivadores, muitos eram escravizados libertos, e que os encontros deram origem ao primeiro sindicato do Rio formado pela categoria, considerada forte nas reivindicações. “São os primeiros trabalhadores que criam o sindicato da resistência. Era uma categoria muito forte e eram todos jongueiros [que dançavam jongo de origem africana], inclusive por isso o Império Serrano é visto como uma escola sindicalista”, concluiu.

Oralidade

Tia Ciata passou os seus conhecimentos para pessoas da família, integrantes do candomblé e do samba. E foi por meio da oralidade que o legado foi passado para o neto e chegou à bisneta. “Ela conseguiu que o meu pai aprendesse para passar para as futuras gerações”, comentou Gracy, que teve dificuldade em explicar o sentimento de estar à frente da Casa Tia Ciata, guardando a memória da bisavó.

“Não tenho nem palavras para expressar. É um amor, é um carinho tão grande de mostrar essa bagagem cultural que a Tia Ciata nos deixou e trazendo isso de um modo verdadeiro para que as pessoas entendam todo o processo. É muita responsabilidade”, disse emocionada.

Espaço cultural Casa da Tia Ciata – Fernando Frazão/Agência Brasil

O visitante da Casa Tia Ciata pode também contratar um passeio guiado, no qual vai percorrer todos os pontos importantes da região da Pequena África, que segundo o babalawo, era originalmente uma área muito maior do que se mostra atualmente, porque ia desde a região portuária até o bairro do Estácio, na região central do Rio.

“Tia Ciata tem uma importância enorme. Ela representa a mulher independente, trabalhadora, religiosa, dona do seu nariz e administradora com liderança comunitária”, concluiu Helena Theodoro.

O espaço cultural Casa da Tia Ciata vai contar com programação especial em comemoração à data de nascimento da “matriarca do samba”.

Escritor Cesar Calejon fala sobre história e política no DR com Demori

O apresentador Leandro Demori entrevista o jornalista e escritor Cesar Calejon na edição inédita do DR com Demori desta terça-feira (9), às 22h, na TV Brasil. O programa da emissora pública tem uma versão radiofônica transmitida no mesmo dia, mais tarde, às 23h, na Rádio MEC e na Rádio Nacional. O conteúdo ainda pode ser conferido no app TV Brasil Play.

Durante a conversa, o convidado reflete sobre assuntos como desigualdade, empreendedorismo, meritocracia, pensamento crítico, política, história e mudança social. Pautas relacionadas à religião, às redes sociais e à imprensa também ganham espaço no diálogo. “O advento da internet e dos celulares subverte paradigmas”, argumenta.

Cesar Calejon traz para o papo reto e direto da atração semanal conceitos como elitismo histórico e cultural em uma linguagem acessível. Autor do livro Esfarrapados, em que trata da questão, ele explica a referência de maneira bem clara.

Desigualdade e hierarquia moral

O entrevistado conta como embasa o raciocínio desenvolvido na sua publicação. “O elitismo histórico e cultural é uma força social que organiza os arranjos da nossa sociedade com base em categorias de distinção de forma a criar uma espécie de gramática da desigualdade e, em última análise, uma hierarquia moral que rege o funcionamento social, político e econômico”, resume.

Os pilares centrais desse pensamento sobre o elitismo histórico e cultural observado por Cesar Calejon são o capital, enquanto processo, e a invasão das monarquias europeias realizada há séculos nas Américas. Ele pondera sobre as dimensões moral e ética envolvidas naquela visão eurocentrista.

Jornalista e escritor, Cesar Calejon é o convidado do programa DR com Demori – Joédson Alves/Agência Brasil

Ainda ressalta a influência da colonização no contexto geopolítico atual – ao citar as guerras contemporâneas – e recorre a conceitos tratados por pensadores como o filósofo inglês John Locke ao criticar essa lógica da hierarquia moral.

“As comunidades que não trabalham a agricultura de forma ostensiva não têm direito de posse sobre a terra. Eram considerados selvagens”, menciona ao referir-se ao ponto de que discorda. Cesar Calejon destaca outros autores que seguem essa linha de argumento, como o economista Adam Smith.

O entrevistado aprofunda o debate a respeito do capital e da propriedade ao examinar a sociedade contemporânea na perspectiva que relaciona pessoas a produtos com valores diferentes no mercado na sua mais recente obra. “Existe um modelo de sociabilidade que transforma todo mundo em produto, em mercadoria. Nesse contexto, algumas mercadorias valem mais do que outras”, destaca.

Constituição humana e sistema opressor

Cesar Calejon analisa a visão exclusivamente biológica da vida, em que o mais forte deve sobreviver e que existem pessoas mais capazes que outras. Também é enfático ao desaprovar essa visão de “perceber o desenvolvimento humano a partir de uma dimensão biológica”. Ele indica a importância de “estímulos históricos e culturais no desenvolvimento” para essa complexa construção social humana.

“A forma como sua personalidade se constitui é um entrelaçamento dinâmico entre o tempo autobiográfico e o contexto histórico-geracional. Elementos de esforço e dedicação seguramente estão presentes. Eles são potencializados em detrimento de alguém que nasce em uma comunidade”, pontua.

O convidado e o anfitrião conversam sobre o sistema que traz um discurso empacotado na busca de convencer sobre essa realidade imutável de pessoas superiores e inferiores. “É uma mentalidade que vem sendo trabalhada ao longo dos últimos 500 anos e no nível mais profundo”, observa Calejon. “Temos um modelo de sociabilidade que organiza privilégios para uma parcela ínfima da população”, afirma.

O analista esclarece por que muitas pessoas aceitam esse discurso sem questioná-lo. “Sofrimento não é convertido automaticamente em pensamento crítico”, reflete Cesar Calejon, que prossegue. “Sofrer não quer dizer que a maior parte da população vai ser capaz de entender o sistema que a oprime. Ele simplesmente fica amargurada”, finaliza sobre a dificuldade de emancipação popular.

O jornalista e escritor deixou o mundo corporativo para se tornar um dos mais atentos observadores da política brasileira. Se tudo parece muito complicado, ele coloca um pouco de ciência nas suas observações para esclarecer pensamentos obscuros. Cesar Calejon tem especialização em relações internacionais e é mestre em mudança social e participação política.

Sobre o programa

O talk show Dando a Real com Leandro Demori, ou simplesmente DR com Demori, traz personalidades do mundo da política para um papo mais íntimo e direto. Já passaram pela mesa nomes como o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, a deputada federal Erika Hilton, o psicólogo Alexandre Coimbra e o fundador da banda Pink Floyd, Roger Waters.

A atração vai ao ar às terças-feiras, às 22h, na telinha da emissora pública. DR com Demori tem janela alternativa aos sábados, às 19h30, e aos domingos às 22h30. Disponível no app TV Brasil Play, a nova produção ainda é veiculada pela Rádio Nacional e pela Rádio MEC na programação de terça, às 23h.

Ao vivo e on demand

Acompanhe a programação da TV Brasil pelo canal aberto, TV por assinatura e parabólica. Sintonize: https://tvbrasil.ebc.com.br/comosintonizar.

Seus programas favoritos estão no TV Brasil Play, pelo site http://tvbrasilplay.com.br ou por aplicativo no smartphone. O app pode ser baixado gratuitamente e está disponível para Android e iOS. Assista também pela WebTV: https://tvbrasil.ebc.com.br/webtv.

Serviço

Dando a Real com Leandro Demori – terça-feira, dia 9/1, às 22h, na TV Brasil
Dando a Real com Leandro Demori – terça-feira, dia 9/1, às 23h, na Rádio Nacional e na Rádio MEC
Dando a Real com Leandro Demori – terça-feira, dia 9/1, para quarta-feira, dia 10/1, às 3h30, na TV Brasil
Dando a Real com Leandro Demori – sábado, dia 13/1, às 19h30, na TV Brasil
Dando a Real com Leandro Demori – domingo, dia 14/1, às 22h30, na TV Brasil
Dando a Real com Leandro Demori – domingo, dia 14/1, para segunda-feira, dia 15/1, às 4h, na TV Brasil

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Lucas Moraes faz história com vitória inédita do Brasil no Rali Dakar

O piloto Lucas Moraes venceu nesta segunda-feira (8) uma das etapas do Rali Dakar, na Arábia Saudita, e se tornou o primeiro brasileiro a triunfar na prova especial da categoria carros (trecho cronometrado)  desde que o país estreou na tradicional competição há 36 anos. 

🏁 Stage 3️⃣ – Cars 🚗

Provisional top 3:
🥇 Lucas Moraes
🥈 Mattias Ekström
🥉 Yazeed Al Rajhi

1️⃣st Dakar stage victory for Moraes 👏
🏆 @YazeedRacing takes the overall lead

See the full results and standings here 👉https://t.co/fYY9fDnZmo#Dakar2024 pic.twitter.com/JtoV7j3iTu

— DAKAR RALLY (@dakar) January 8, 2024

Piloto oficial da Toyota, Moraes levou a melhor após disputa acirrada da etapa especial de 447 quilômetros, entre as cidades de  Ad Dawadimi e Al Salamiya, que envolveu o sueco Mattias Ekstrom (Audi), o saudita e campeão mundial Yazeed Al-Rajhi (Overdrive) e o atual campeão do Dakar, o catari Nasser Al-Athiya (Prodrive). Ao lado do navegador Armand Monleon, o brasileiro que pilota um T1+ (modelo cross-country 4×4) cruzou a linha de chegada com vantagem de apenas  nove segundos sobre o segundo colocado, o sueco Ekströme e seu navegador.Emil Bergkvist. 

O piloto brasileiro desabou em lágrimas após sair do carro. Ele dedicou o triunfo à filha de quatro anos, internada com meningite. 

“No começo, a condição dela nos assustou. Foi difícil, como pai, ficar aqui, mas os médicos disseram que tudo correria bem. Agora ela já está bem melhor e a previsão é de que amanhã já saia do hospital e vai pra casa. É, então, um dia duplamente feliz”, disse emocionado..

A especial desta segunda (8) foi a terceira de 12 etapas. Com o triunfo hoje, Lucas subiu do oitavo para o quarto lugar na classificação geral da prova, que é liderada pela dupla Yazeed Al-Rajhi (Arábia Saudita)/Timo Gottschalk (Alemanha). O Rali Dakar começou na última sexta (6) e vai até dia 19 de janeiro. 

“O Dakar é extremamente duro com o carro todo, mas os pneus sofrem demais. E poupar pneus e o carro é uma das principais estratégias para chegar bem na corrida. Não é fácil – todo mundo quebra ou tem pneus furados. Mas hoje nós conseguimos fazer uma corrida “limpa” e com boa velocidade o tempo todo”, detalhou Lucas, que ao passado já se destacara no Rali Dakar ao terminar em terceiro lugar. 

Exposição lembra história do icônico Hotel Quitandinha em Petrópolis

A exposição Da Kutanda ao Quitandinha, que fica aberta ao público até 25 de fevereiro, relembra histórias do antigo hotel-cassino, inaugurado em 1944 e considerado o maior do gênero da América Latina. Em 1946, após o presidente Eurico Gaspar Dutra proibir os jogos de azar no Brasil, passou a desenvolver somente atividade hoteleira. Um dos cartões-postais mais conhecidos de Petrópolis, por causa de sua arquitetura, o Quitandinha faz 80 anos em 2024.

Desde 2007, a área pertence ao Serviço Social do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Sesc RJ) que, em 2023, a transformou em centro cultural.

Segundo o curador geral Marcelo Campos, a exposição, que tem entrada gratuita, foi pensada na própria construção do Quitandinha e reúne fotografias e imagens diversas. “Nós reconstituímos alguns mobiliários originais. O público hoje pode sentar nos sofás e cadeiras originais, que constituem uma parte da exposição”, disse Campos à Agência Brasil nesta segunda-feira (8).

Além disso, foram buscados fatos históricos em torno das artes visuais que tiveram como sede o Quitandinha, como a 1ª Exposição de Arte Abstrata, na qual a artista plástica Anna Bella Geiger se apresentou pela primeira vez, aos 18 anos de idade. “Isso aconteceu no Quitandinha, organizado pelo Décio Vieira, que era um dos artistas da mostra e morador de Petrópolis.

Destaques

Também são destaque os murais do artista Tomás Santa Rosa, responsável por cenários de peças teatrais importantes, como Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. “Temos uma ousadia ali que foi reconstituir a decoração de carnaval que Tomás Santa Rosa fez em 1954, que eram os coretos da cidade do Rio de Janeiro. E nós fizemos em escala natural, grande. No chamado Corredor das Estrelas, no Quitandinha, estão as alegorias que aconteciam nas ruas do Rio, nos anos de 1950”, disse Campos.

O curador da mostra também destacou a obra de Wilson Tibério, que também teve uma exposição individual no Quitandinha. Era um pintor negro dedicado às questões da cidade. “Tudo isso acontecia no Quitandinha que foi, realmente, um centro de excelência para as artes, para o teatro, os espetáculos. Por lá passaram nomes como [os cantores] Roberto Carlos e Elis Regina. Então, é muito impressionante recontar essa história.”

Para isso, foi dado o nome à exposição Da Kutanda ao Quitandinha, uma vez que o nome quitanda é de origem africana, que caracterizava o comércio daquela região, feito pelas quitandeiras. O território tem forte identidade afro-brasileira por conta dos quilombos formadores da cidade de Petrópolis. “Assim desenhamos lá essa exposição”, afirmou o curador geral, que lembrou um fato curioso: o primeiro momento do Furacão 2000 foi no teatro do Quitandinha. “Até o funk começa no Quitandinha. É muito impressionante isso.”

Visitas

O hotel cassino recebeu visitas de grandes personalidades do mundo artístico, entre as quais atores, diretores e atrizes como Errol Flynn, Orson Welles, Lana Turner, Henry Fonda, Maurice Chevalier, Greta Garbo, Carmen Miranda, Walt Disney e Bing Crosby, e nomes da política, como Getúlio Vargas e a argentina Evita Perón, por ocasião da Conferência Interamericana de 1946, e o presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman.

Marcelo Campos destacou ainda que, como o Quitandinha foi inaugurado nos anos de 1940, por ocasião da segunda guerra mundial, ali foram assinados vários tratados de paz. “Era um lugar de encontros, mas um lugar de pacificação do mundo.”

Outros eventos de sucesso realizados no Quitandinha foram os concursos de beleza para escolha da Miss Brasil nos anos de 1950. No local, em 1954, a baiana Martha Rocha foi a vencedora.

Núcleos

Nome do hotel vem da palavra kutanda, de origem africana – Sesc Quitandinha

 

A mostra está dividida em seis núcleos, distribuídos pelos diferentes salões do hotel. O primeiro, com curadoria de Filipe Graciano e Renata Aquino, traz fotografias, pinturas e vídeos que remontam à origem histórica da presença africana naquele território. O nome Quitandinha tem origem no quimbundo, língua falada em Angola, lugar de origem de muitos dos africanos que formaram a população afro-brasileira. Nesse espaço, destacam-se obras de artistas novos, como Ana Beatriz Almeida, PV Dias, Gê Viana, Rafaela Pinah, Wallace Pato e Aline Castella.

O segundo núcleo homenageia Tomás Santa Rosa, primeiro cenógrafo moderno brasileiro e diagramador e ilustrador de livros, com curadoria de Marcelo Campos e Bruno Pinheiro. As obras de Santa Rosa ganharam tratamento e restauro e poderão ser vistas na piscina, na Galeria das Estrelas e no jardim de inverno. O visitante poderá apreciar criações de diversas fases da carreira do artista, livros ilustrados por ele e maquetes de cenários de sua autoria. Outro destaque é a cenografia alusiva aos adereços criados por ele para o carnaval de rua de 1954.

Outro núcleo expositivo tem curadoria e pesquisa de Bruno Pinheiro e presta homenagem a Wilson Barcelos Tibério, artista gaúcho radicado no Rio de Janeiro, que teve sua primeira exposição individual no Quitandinha, em 1946. As telas expostas retratam o interesse contínuo do pintor em documentar o cotidiano de pessoas negras.

Para celebrar os 70 anos da primeira exposição de arte abstrata do Brasil, realizada em 1953 no então Hotel Quitandinha, esse núcleo apresenta peças de artistas que participaram da mostra, com destaque para Anna Bella Geiger, que, aos 90 anos, é um dos nomes mais importantes em atividade no país. O público terá acesso a trabalhos exibidos em 1953 e a produções inéditas.

Na varanda, pode ser vista exposição de imagens, documentos, áudios e objetos dos primeiros anos de funcionamento do hotel. Com pesquisa e o desenvolvimento de Ana Cunha, Flávio Menna Barreto e Jeff Celophane, esse núcleo conta a história e mostra diferentes facetas do empreendimento, em um ambiente com sons e músicas de época. Inaugurada um ano antes do fim da segunda guerra mundial, a edificação foi palco da Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz e da Segurança no Continente, em 1947.

A sexta parte é um elemento novo. “A gente convida um artista do grafite que cria, inspirado em Tomás Santa Rosa, seres marinhos. Ele faz uma grande água-viva de quase dez metros de altura. É um trabalho inflável que ocupa o grande salão azul”, informou Marcelo Campos. Iluminada por luzes LED, a arte ocupa o Salão Mauá, a cúpula do centro cultural. Assinada pelo artista plástico paulistano Felipe Yung, a peça dialoga com as obras de Tomás Santa Rosa, que, inspiradas no livro Vinte mil léguas submarinas, de Julio Verne, decoram a piscina interna do edifício. O espaço, até então fechado ao público, é aberto à visitação pela primeira vez para apreciação das obras.

Multicultura

Marcelo Campos informou ainda que a programação inclui também shows musicais, bailes e espetáculo de teatro, além de seminários, palestras e oficinas. O acesso às atividades pode ser feito por meio do Instagram.

A exposição estará aberta de terça-feira a domingo, das 11h às 18h, no Centro Cultural Quitandinha. A entrada é franca para todas as atividades.