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França: extrema-direita sai na frente no 1º turno, aponta boca de urna

O partido de extrema direita Reagrupamento Nacional (RN), de Marine Le Pen, venceu o primeiro turno das eleições parlamentares da França neste domingo (30), mostraram as pesquisas de boca de urna, mas o resultado final dependerá de dias de negociações antes do segundo turno na próxima semana.

O RN foi visto obtendo cerca de 34% dos votos, de acordo com as pesquisas de boca de urna da Ipsos, Ifop, OpinionWay e Elabe.

Isso deixa o partido à frente dos rivais de esquerda e centro, incluindo a aliança Juntos do presidente Emmanuel Macron, cujo bloco foi visto obtendo entre 20,5% e 23%. A Nova Frente Popular, uma coalizão de esquerda montada às pressas, foi projetada para ganhar cerca de 29% dos votos, mostraram as pesquisas de boca de urna.

As pesquisas de boca de urna estavam alinhadas com as pesquisas de opinião antes da eleição, mas forneceram pouca clareza sobre se, uma vez concluído o segundo turno no próximo domingo, o RN anti-imigração e eurocético será capaz de formar um governo para “coabitar” com o pró-União Europeia (UE) Macron.

O RN foi visto ganhando a maioria dos assentos na Assembleia Nacional, mas apenas um dos institutos de pesquisa, o Elabe, previu que o partido ganharia uma maioria absoluta de 289 assentos no segundo turno de 7 de julho.

Especialistas dizem que as projeções de assentos após os votos do primeiro turno podem ser altamente imprecisas, especialmente nesta eleição.

A participação dos eleitores foi alta em comparação com as eleições parlamentares anteriores, ilustrando o fervor político que Macron despertou com sua decisão surpreendente de convocar uma votação parlamentar depois que o RN derrotou seu partido nas eleições para o Parlamento Europeu no início deste mês.

Uma semana de negociações políticas agora vem pela frente. Em uma declaração escrita à imprensa, Macron pediu aos eleitores que se unam em torno de candidatos que são “claramente republicanos e democráticos”, o que, com base em suas declarações recentes, excluiria candidatos do RN e do partido de extrema-esquerda França Insubmissa.

Unindo forças

O resultado final dependerá de como os partidos decidem unir forças em cada um dos 577 distritos eleitorais da França para o segundo turno.

No passado, partidos de centro-direita e centro-esquerda se uniram para impedir o RN de chegar ao poder, mas essa dinâmica, chamada de “frente republicana” na França, é mais incerta do que nunca.

A decisão do presidente de convocar eleições antecipadas mergulhou o país em incerteza política, enviou ondas de choque por toda a Europa e provocou uma venda de ativos franceses nos mercados financeiros.

Um pária de longa data, o RN agora está mais perto do poder do que nunca. Le Pen procurou limpar a imagem de um partido conhecido pelo racismo e antissemitismo, uma tática que funcionou em meio à raiva dos eleitores contra Macron, ao alto custo de vida e às crescentes preocupações com a imigração.

Até as 15h (horário local), a participação era de quase 60%, em comparação com 39,42% dois anos atrás – as maiores taxas de participação comparáveis desde a votação legislativa de 1986, disse Mathieu Gallard, diretor de pesquisa da Ipsos França.

(Reportagem adicional de Ardee Napolitano e Janis Laizans em Hénin-Beaumont e Clotaire Achi, Imad Creidi, Lucien Libert em Paris; Texto de Estelle Shirbon e Gabriel Stargardter)

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Avanço da extrema-direita na Europa pode impactar agenda ambiental

O avanço da extrema-direita no Parlamento Europeu, ainda que limitado em número e focado em alguns países, pode influenciar a agenda ambiental em todo o mundo, avaliam especialistas ouvidos pela Agência Brasil.

Isso porque as legendas de extrema-direita negam o quase consenso científico de que o aquecimento da Terra é consequência da ação dos seres humanos sobre a natureza, postura semelhante à do Partido Republicano dos Estados Unidos, hoje liderado por Donald Trump, que vai tentar a Presidência novamente em novembro deste ano.

Professora de relações Internacionais do Ibmec de São Paulo Natalia Fingermann – Arquivo pessoal

A professora de relações Internacionais do Ibmec de São Paulo Natalia Fingermann avalia que mudanças na Europa e nos Estados Unidos em relação à pauta ambiental devem ter consequências para o Brasil, uma vez que o atual governo tenta se posicionar no plano global como uma liderança nessa agenda.

“A gente pode ter dificuldades de fazer com que esse tema, que é caro para o Brasil na política externa brasileira, tenha vazão no sistema internacional”, disse a especialista.

Nos últimos meses, mobilizações de fazendeiros paralisaram a França contra, entre outras pautas, mudanças em regras ambientais que poderiam prejudicar a produtividade da agricultura local.

O professor de relações internacionais e economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) Giorgio Romano Schutte afirmou que mesmo antes das eleições a pauta ambiental começou a retroceder na Europa.

“A mensagem é clara: sem considerar a questão social e a questão de soberania energética, a pauta ambiental vai provocar resistência, na Europa, nos EUA, aqui ou na China. A extrema-direita mobiliza essa resistência, não inventou ela”, ponderou Giorgio Schutte.

Professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni – Arquivo pessoal

O professor de relações internacionais da UFABC Gilberto Maringoni tem dúvidas em relação ao impacto do avanço da extrema-direita na Europa em relação à pauta ambiental, apesar de haver negacionismo climático nesses partidos.

“Não me parece que o negacionismo verbal possa ser traduzido em um perigo maior, até porque o que está em pauta é o protecionismo, o que está em pauta é o nacionalismo econômico e a xenofobia contra os imigrantes”, disse.

Já o professor Giorgio Romano destaca que, para combater a extrema-direita, os partidos de centro-direita e centro-esquerda da Europa têm adotado pautas mais duras contra a imigração e reduzido as regras de proteção ambiental.

“A centro-direita e até o centro-esquerda começaram a apoiar as mesmas pautas, ser mais dura com a migração e mais devagar com as legislações ambientais. Esse é o risco. A centro-esquerda da Dinamarca tem a mesma bandeira com relação à migração que a extrema-direita e conseguiu ganhar com essas pautas. Então, esse é o problema”, avaliou.

Algo semelhante ocorre com o recém-constituído partido alemão de esquerda BSW, que estreou nessa eleição com 6,2% dos votos, computando seis cadeiras. Liderado pela deputada Sahra Wagenknecht, a legenda defende restrições à imigração por entender que ela favorece a redução dos salários na Alemanha ao aumentar a oferta de mão de obra, beneficiando os empresários.

Multilateralismo e Gaza

Para a professora Natália Fingermann, o avanço da extrema-direita, ainda que limitado, pode impactar também o apoio aos mecanismos internacionais como Banco Mundial e Organização das Nações Unidas.

“Talvez vejamos uma derrocada das organizações internacionais com essas frentes articulando cortes de recursos para o financiamento dessas organizações que atuam buscando a segurança coletiva mundial, a paz mundial, e financiando também vários projetos de cooperação em países em desenvolvimento”, disse.

Outro impacto do avanço da extrema-direita na Europa pode ser o fortalecimento da posição do primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, com consequências para a guerra na Faixa de Gaza.

“A extrema-direita tem uma relação intrínseca e uma organização internacional própria e está muito relacionada ao governo de Netanyahu. Então, essas lideranças dialogam muito com Netanyahu e provavelmente vão dar continuidade a um apoio europeu ao conflito”, completou Natália Fingermann.

Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na França – ONU/Rick Bajornas

Parlamento Europeu

O Parlamento Europeu, em comparação aos parlamentos nacionais, tem funções mais limitadas e se posicionam apenas para as leis em comum a todos os 27 Estados. Com 702 cadeiras, o Parlamento da União Europeia não tem poder de influenciar mais diretamente o cotidiano dos países do bloco.

O professor Gilberto Maringoni destacou que o resultado dessas eleições tem mais um efeito de termômetro “das relações internas da Europa do que algo efetivo”.

“São 27 países com leis eleitorais distintas, [em] alguns países o voto é obrigatório, outros não. Claro que eles podem ter legislações comuns na questão especial da imigração, que é o que mais pega”, disse.

A professora Natália Fingermann lembrou que o Parlamento Europeu também atua nas relações comerciais e diplomáticas do conjunto da Europa com os países de fora do bloco.

“Entrada e saída de pessoas, entrada e saída de comércio, relações com outros países fora da União Europeia e com outras instituições internacionais. Esse Parlamento tem uma competência que é muito diferente daquela do parlamento de um país”, explicou.

Congressistas dos EUA e Brasil articulam frente contra extrema-direita

Uma carta compromisso em defesa da democracia e contrária aos movimentos de contestação dos processos eleitorais está em construção entre deputados e senadores brasileiros e estadunidenses. Os envolvidos esperam expandir esse compromisso para congressistas e organizações sociais de outros países da América Latina e Europa, criando uma frente internacional contra movimentos da extrema-direita mundial.

Essa frente internacional deve enfrentar os ataques aos processos eleitorais, a exemplo do que ocorreu no Brasil, com o 8 de janeiro de 2023 e nos Estados Unidos, com a invasão do Capitólio, o congresso norte-americano, em 6 de janeiro de 2021. 

Esse foi o compromisso firmado entre a comitiva de seis parlamentares do Brasil, liderada pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), e congressistas dos Estados Unidos, em Washington, como o democrata Jamie Raskin, um dos principais nomes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a invasão do Capitólio.

“A gente percebe que ataques à democracia estão acontecendo no mundo todo. A gente tem visto mais recentemente, agora na Argentina, tem células [de extrema-direita] no Chile, aí vai Colômbia, agora inclusive tem processo de julgamento de tentativas de ataque ao processo democrático na Alemanha. A gente quer costurar um alinhamento internacional de forma que a gente possa ter uma frente ampla internacional em defesa da democracia”, explicou a senadora Eliziane Gama, relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou o 8 de janeiro.

A senadora, que atualmente preside a Comissão de Defesa da Democracia do Senado, explicou que a ideia é usar essa comissão para articular apoio em outros países, começando pela Argentina, priorizando a América Latina, mas envolvendo também os países europeus.

A comitiva brasileira que foi aos EUA nesta semana também se reuniu com o senador independente Bernie Sanders, que tentou disputar a presidência dos Estado Unidos em 2016 e 2020, e com outros quatro deputados democratas Jim McGovern, Greg Casar, Chuy Garcia e Delia Ramirez.

Congressistas dos EUA e Brasil articulam frente contra extrema-direita – Foto: Caio Guatelli/Instituto Vladimir Herzog

“A carta [que deve ser assinada entre os parlamentares] vai ter como questão central a defesa da democracia e a responsabilidade desses parlamentares em acompanhar os movimentos antidemocráticos e, sobretudo, fazer uma defesa firme da democracia, que sejam reconhecidos os processos eleitorais, que sejam reconhecido os tribunais eleitorais e as juntas eletrônicas, e que toque de uma forma muito importante sobre o problema da desinformação das plataformas”, disse o diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili, que ajudou a articular esse encontro entre os congressistas de ambos os países.

Sottili acrescentou que a carta compromisso deve ser publicada nos próximos dias. Para o representante do Instituto Vladimir Herzog, a extrema-direita mundial é uma ameaça às democracias.

“O que esses movimentos que estão acontecendo na Europa agora, com reuniões da extrema direita autoritária e antidemocrática, é para destruir as democracias e o processo eleitoral”, avalia, acrescentando que “o mundo está ameaçado por esses movimentos autoritários antidemocráticos, e isso não pode existir. Isso é crime e tem que ser tratado como criminoso”, afirma.

Em uma rede social, o senador Humberto Costa (PT-PE) informou que as reuniões com os congressistas estadunidenses discutiram os “ataques à democracia perpetrados pela extrema-direita e a necessidade de fortalecer mecanismos para defendê-la, que nos renderão muitos frutos em ações no nosso país”.

De acordo com a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), os congressistas discutiram com Bernie Sanders a preocupação com a articulação da extrema-direita mundial, e a necessidade de uma defesa coordenada da democracia em todo o mundo. “O senador se colocou à disposição para ajudar a construir este movimento internacional”, disse.

Também participaram da comitiva brasileira os deputados Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), Rogério Correia (PT-MG) e Rafael Brito (MDB-AL), todos membros da CPMI do 8 de janeiro, que pediu o indiciamento, por tentativa de Golpe de Estado, do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 60 pessoas, incluindo militares de altas patentes.

Entenda

Partidos políticos, organizações da sociedade civil e movimentos sociais do Brasil têm denunciado ataques à democracia organizados no Brasil pelos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, a exemplo dos ataques, sem provas, às urnas eletrônicas, que justificaram os bloqueios de estradas, os acampamentos em frente aos quartéis e a invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro, pedindo um golpe militar no Brasil.

Políticos e parlamentares identificados com o ex-presidente Bolsonaro, por outro lado, têm denunciado no Brasil, e também nos Estados Unidos, que o país estaria caminhando para uma ditadura, com suposta censura às redes sociais. Recentemente, esse grupo recebeu apoio do multibilionário Elon Musk, dono da plataforma X.

No início de março, uma comitiva de parlamentares brasileiros liderados pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi aos Estados Unidos denunciar suposto cerceamento à liberdade de expressão no Brasil. No dia 17 de abril, o Comitê de Assuntos Jurídicos da Câmara dos Deputados dos EUA, controlado por parlamentares aliados do ex-presidente Donald Trump, divulgou um relatório defendendo a tese de censura à liberdade de expressão no Brasil.

Congressistas dos EUA e Brasil articulam frente contra extrema-direita – Foto: Caio Guatelli/Instituto Vladimir Herzog

A iniciativa do comitê dos EUA foi classificada pela organização não governamental Washington Brazil Office (WBO), com sede nos Estados Unidos, como uma distorção da realidade e das leis brasileiras promovida pela extrema-direita do Brasil e dos Estados Unidos, com objetivo de confundir a opinião pública estrangeira de que o Brasil está sob um regime de censura e, com isso, dificultar as investigações sobre o 8 de janeiro.

A senadora Eliziane Gama destacou que é preciso fazer um movimento internacional que se contraponha a esses movimentos da extrema-direita.

“Eles vivem nos Estados Unidos e dizem que o Brasil está caminhando como uma ditadura. E a gente sabe que toda a tentativa de obstrução democrática foi feita por eles no governo anterior. Então, é por isso que eu acho que não dá para deixá-los prosseguirem sem fazer um contraponto”, defende.

Lula defende estratégia internacional contra extrema-direita

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer propor uma estratégia internacional para enfrentar o crescimento de movimentos de extrema-direita no mundo. A ideia de Lula é reunir “presidentes democratas” em evento à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que acorre em setembro, em Nova York.

“Nós estamos vivendo um novo período, os setores de esquerda, os setores progressistas, os setores democráticos têm que se organizar, têm que se preparar”, disse, nesta terça-feira (23), durante café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto. Lula afirmou que já conversou sobre a proposta com os presidentes da Espanha, Pedro Sánchez, e da França, Emmanuel Macron.

Em café da manhã com jornalistas, Lula citou casos de violência e intolerância no Brasil e disse que há um ódio estabelecido que “não existia no país e agora virou uma coisa corriqueira”.. Ele lembrou que movimentos semelhantes acontecem em nações da Europa e nos Estados Unidos, país que já foi “o espelho mais fantástico da democracia”.

Segundo o presidente brasileiro, hoje, centenas de pessoas estão presas nos Estados Unidos pela invasão ao Capitólio. Em 6 de janeiro de 2021, apoiadores de Donald Trump invadiram a casa legislativa para tentar reverter a derrota eleitoral do ex-presidente.

“Foi uma afronta à democracia, e você não pode permitir que a negação das instituições prevaleça. Instituições que foram criadas para manter a democracia, por mais defeitos que elas tenham, é  extremamente importante que sejam fortes. Então, os Estados Unidos, que eram a imagem do respeito à democracia, do respeito às instituições, estão do jeito que estão”, disse.

O presidente lembrou que, há algumas décadas, a América do Sul era formada por maioria de governos “com compromisso com a esquerda e com a tese de um Estado socialmente justo”. “Se você pegar América do Sul hoje, você percebe que houve um retrocesso exatamente pelo conhecimento da extrema-direita, pelo crescimento da xenofobia, pelo crescimento do racismo, da perseguição a minorias, a pauta de costumes muitas vezes com assuntos retrógrados. Isso ganhou corpo e, por isso, o Brasil tem destaque”, disse.

O presidente quer aproveitar o “otimismo nas relações diplomáticas” com o Brasil para fazer uma “discussão política do fundo” sobre esses movimentos e o seu enfrentamento.

“Pelo que eu vejo de informação, eu sou considerado persona non grata [que não é bem-vindo] pela extrema-direita do mundo inteiro”, disse. “Há uma expectativa muito grande com relação ao Brasil e uma expectativa muito grande com relação ao simbolismo da volta da democracia neste país”, disse, destacando sua participação em diversos fóruns internacionais deste o início do terceiro mandato.

Encontro com Milei

Na conversa com os jornalistas, Lula também comentou as relações do Brasil com países da América do Sul, como a Argentina. No último dia 15, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, recebeu a chanceler argentina, Diana Mondino, em sua primeira visita oficial a Brasília desde a posse do presidente Javier Milei.

Durante a campanha eleitoral, o político da extrema-direita chegou a ameaçar cortar relações com o Brasil. Ele e Lula ainda não se encontraram; durante a posse do argentino, o Brasil foi representado pelo chanceler Mauro Vieira.

De acordo com Lula, Vieira recebeu uma carta de Milei, mas o presidente ainda não sabe o conteúdo do documento, nem se há interesse em um encontro. “Acontece que o meu chanceler viajou, e eu ainda não vi a carta, não sei o que o Milei está dizendo na carta”, disse.

O Itamaraty informou que, durante o encontro na semana passada, Vieira e Diana Mondino discutiram temas como a infraestrutura física fronteiriça, cooperação em energia e defesa, melhoria da Hidrovia Paraguai-Paraná e fortalecimento do Mercosul e dos processos de integração regional.

Extrema-direita usa Comitê dos EUA para distorcer realidade brasileira

A carta do Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos (EUA) distorceu a realidade brasileira visando atacar as investigações sobre a suposta tentativa de golpe de Estado que terminou com o 8 de janeiro de 2023. Por trás dessa estratégia, estariam forças da extrema-direita tentando convencer a opinião pública estrangeira de que o Brasil está sob um regime de censura.

A avaliação é da Organização Não Governamental (ONG) Washington Brazil Office (WBO). Ela se diz “apartidária e independente” e reúne especialistas brasileiros de diversas áreas nos Estados Unidos com objetivo de difundir análises sobre temas relacionados a sociedade brasileira em pauta na opinião pública internacional.

“[A carta] distorce aspectos da realidade brasileira e, por isso, ficou claro que há grupos de interesse induzindo a erro e a uma leitura tendenciosa por parte dessa importante comissão”, disse Paulo Abrão, diretor-executivo do WBO e ex-secretário-executivo da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), em nota publicada pela organização nessa sexta-feira (19).

Para Abraão, um dos objetivos da carta é a impunidade para aqueles que promoveram o movimento que queria anular o resultado das eleições de outubro de 2022.

“Isso foi uma manobra induzida por membros da oposição de extrema direita brasileira para fragilizar as investigações dos crimes cometidos dentro do país. É uma clara estratégia de impunidade deles”, completou.

A nota da entidade destacou que, em março, parlamentes brasileiros tentaram vender, nos Estados Unidos, a tese de que há violação à liberdade de expressão no Brasil por se exigir que plataformas digitais bloqueiem conteúdo com informação ilícita, mas essa versão não foi aceita pela Comissão de Direitos Humanos do Congresso dos EUA.

No início de março, uma comitiva de parlamentares da oposição, liderada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), foi ao Congresso dos Estados Unidos denunciar suposto cerceamento à liberdade de expressão no Brasil.

O coordenador do Programa de Democracia do WBO, Pedro Kelson, disse que, dessa vez, a Comissão Judiciária foi instrumentalizada por este grupo de interesse para vazar dados sigilosos da justiça brasileira.

“[Essa estratégia] tem como objetivo tentar desmoralizar as investigações de responsabilizações contra os ataques ao Estado Democrático de Direito do Brasil com informações incompletas e superficiais sobre a realidade brasileira”, afirmou Kelson.

Liberdade de expressão

A liberdade de expressão no Brasil encontra limites legais, ao contrário do que pode ser interpretado pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que veda limitar a liberdade de expressão. Nos EUA, por exemplo, pode-se até fundar um partido nazista, que defende a superioridade racial. No Brasil, tanto racismo é crime como defender a ideologia nazista.  

“No Brasil, a ‘liberdade de expressão’ encontra limites na proteção de outros bens jurídicos individuais, como a honra; ou coletivos, como a segurança e o equilíbrio eleitoral. Além disso, o Judiciário brasileiro tem respaldo legal e independência judicial para determinar o bloqueio a perfis e postagens nas redes sociais”, argumentou Fábio de Sá e Silva, pesquisador associado do WBO.

Acrescentou que perfis ou postagens que sejam usadas para cometer crimes, como o incentivo a golpe de Estado, pedofilia ou exploração sexual de crianças, podem ser derrubados de acordo com a lei brasileira. “Embora seja possível pensar em exemplos de postagens ou contas de que foram banidas e que não se encaixam nessas hipóteses, é muito fácil pensar em postagens ou contas que se encaixam”, conclui Sá e Silva.

Democracia robusta

A nota da WBO enfatiza que o Brasil é hoje uma democracia pluralista robusta e não há nada parecido com a versão que a Comissão dos EUA propaga. O pesquisador associado da organização sediada em Washington, Andre Pagliarini, disse que essa versão busca subverter o governo democraticamente eleito do Brasil. 

“Gritar ‘censura’, como têm feito consistentemente os apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro evoca deliberada e dissimuladamente imagens do passado ditatorial do Brasil. Há muito que está claro para os observadores interessados na preservação das instituições democráticas do Brasil que o objetivo dessas pessoas tem sido o de se autoproteger e de fazer oposição política ao atual governo de Lula da Silva”, disse Pagliarini.

O especialista acrescentou que existem inúmeros caminhos para os indivíduos que desejam expressar  pontos de vista no Brasil. “Ninguém está sendo preso por compartilhar sua opinião no Brasil. Ninguém está sendo torturado ou exilado por causa de suas ideias”, ressaltou.

Regulação das redes

O Marco Civil da Internet (Lei 12.965 de 2014), nos seus artigos 18 e 19, descreve possibilidades para a remoção de conteúdo da internet e possíveis responsabilidades civis, argumentou David Nemer, também pesquisador associado do WBO. Segundo ele, as plataformas não estão totalmente imunes à responsabilização pelo conteúdo que permitem nas redes.  

“O artigo 19 enfatiza o princípio da liberdade de expressão, ao mesmo tempo que reconhece a necessidade de combater o conteúdo ilegal – o artigo 19 vai além da Seção 230, pois pode responsabilizar os provedores de internet pelo conteúdo se não seguirem as ordens judiciais”, especificou Nemer.

Para a ativista em democracia global Kristina Wilfore, diretora da organização Reset.Tech, que trabalha com direitos digitais, há interesse da empresa X (antigo Twitter), controlada pelo bilionário Elon Musk, de distorcer os fatos sobre a liberdade de expressão no Brasil para dificultar a regulação das redes.

“O Brasil deve continuar a lutar pela sua própria integridade territorial contra as Big Tech, cujo interesse principal não reside no que é bom para o Brasil, mas sim no que é bom para encher os seus próprios bolsos”, finalizou.