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Cemitério dos Pretos Novos celebra 250 anos com exposição

O Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), reconhecido como Patrimônio Cultural da Cidade do Rio de Janeiro, comemora no próximo dia 10 os 250 anos do sítio arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos, um dos mais importantes vestígios da chegada dos africanos escravizados no Brasil, que funcionou entre 1774 e 1830, e também os 19 anos de existência do próprio IPN. A exposição Será o Benedito?, da artista visual Fátima Farkas, abre a programação comemorativa dos dois aniversários, com curadoria de Mauro Trindade.

O coordenador de Comunicação do IPN, Alexandre Nadai, informou à Agência Brasil que também no dia 10 haverá o lançamento de três livros, além do evento Samba no Museu e degustação de gastronomia afrobrasileira, com Tia Mara. 

As ações para festejar os dois aniversários, entretanto, ocorrem durante todo o ano. “São mais de mil circuitos históricos gratuitos de território de herança africana e mais de 43 oficinas online, também gratuitas, com temática afrocentrada”, informou Nadai. 

Um dos circuitos, por exemplo, tem por objeto quilombolas e povos de terreiro, enquanto uma das oficinas é dedicada à educação antirracista para professores. O IPN atende escolas públicas do estado. 

Estão previstas ainda mais quatro exposições, sendo a primeira de Isabelle Mesquita. As três restantes estão definindo a curadoria, informou Alexandre Nadai.

Descoberta

O Cemitério dos Pretos Novos foi descoberto em 1996 e tem o seu solo tombado. Ali foram enterrados entre 20 mil e 30 mil pretos novos, como eram chamados os escravos que morriam após a entrada dos navios na Baía de Guanabara ou imediatamente depois do desembarque, antes de serem vendidos. Ele funcionou de 1772 a 1830, no Valongo, faixa do litoral carioca que ia da Prainha à Gamboa, após ter operado no Largo de Santa Rita, próximo ao mercado de escravos recém-chegados.

Segundo Alexandre Nadai, o Complexo do Valongo movimentou mais de 1 milhão de pessoas, das quais cerca de 400 mil eram mulheres, tratadas como mercadoria e, em consequência, como reprodutoras. Todas foram estupradas, disse Nadai.

O cemitério foi descoberto em 1996, pelo casal Merced e Petruccio Guimarães dos Anjos, quando compraram a casa onde funciona o instituto e iniciaram a reforma do imóvel. Em seguida, encontraram, nas escavações, ossadas humanas que confirmaram ser o local o cemitério de negros africanos.

A primeira ossada completa foi encontrada no Cemitério dos Pretos Novos depois de sete meses de escavações. As escavações ocorreram em uma área de 2 metros quadrados de um dos poços de observação do cemitério. Coordenado pelo arqueólogo Reinaldo Tavares, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trabalho identificou que o esqueleto pertencia a uma mulher jovem, que morreu com cerca de 20 anos de idade, no início do século 19. O esqueleto encontrado no Cemitério dos Pretos Novos recebeu o nome de Josefina Bakhita, homenageando a primeira santa africana da igreja católica.

Exposição

A exposição Será o Benedito?, de Fátima Farkas, reúne cerca de 32 telas, que trazem à tona personagens marcantes das lutas raciais, muitos dos quais esquecidos em razão da herança racista e patriarcal. Fátima utiliza sua pintura expressiva para reconstruir a memória, utilizando retratos fotográficos de negros. Um deles é Benedito Caravelas (1805-1885), também conhecido como Benedito Meia-Légua, líder de grupos quilombolas que libertavam escravos no Nordeste e no Espírito Santo. A artista se inspira em fotografias antigas para dar vida a esses personagens históricos, como as de Alberto Henschel, fotógrafo teuto-brasileiro e um dos mais importantes da segunda metade do século 19, com atuação no Brasil. Considerado excelente retratista, recebeu o título de Fotógrafo da Casa Imperial. Além de fotografar o Imperador Dom Pedro II e sua família, Henschel fez registro fotográfico dos negros livres e escravos que viviam no país.

Outros retratos incluem figuras como João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata; o escritor e abolicionista Luiz Gama; Nzinga (rainha de Ndongo e de Matamba); e o premiado arquiteto burquinês Diébédo Francis Kéré. Fátima Farkas denuncia também o apagamento histórico ao substituir rostos por vegetação ou por um vazio branco, representando o sumiço de corpos e vidas.

O curador da exposição, Mauro Trindade, destacou que a artista, além de revelar o processo de apagamento das pessoas, propõe, ao mesmo tempo, uma reelaboração da memória por meio da apropriação de retratos fotográficos de negros que recriam grandes personagens do passado e do presente. Será o Benedito? poderá ser visitada no Instituto Pretos Novos até 20 julho, de terça-feira a sexta-feira, das 10h às 16h e, aos sábados, de 10h às 13h.

Exposição homenageia trajetória de mulheres na saúde

A exposição Dona Ivone Lara e Mulheres da Saúde, inaugurada nesta terça-feira (23), no Ministério da Saúde, em Brasília, tem como proposta enaltecer o legado de trajetórias femininas importantes para a construção da saúde pública no Brasil. Durante o evento, foi lançado ainda o Espaço Cultural Dona Ivone Lara, sambista carioca, enfermeira e antiga servidora do ministério.

Estruturada como um desfile de escola de samba, a exposição apresenta as origens e o ambiente familiar da trajetória de Ivone Lara (foto) na saúde e em sua carreira musical, com enfoque em composições, parcerias e participações na agremiação Império Serrano, escola de samba do Rio de Janeiro. A sambista dedicou 37 anos de sua vida em defesa de tratamentos humanizados nos serviços psiquiátricos.

Foram homenageadas, ainda, outras 10 mulheres negras, brancas e indígenas cujas trajetórias marcaram a história da saúde pública brasileira, incluindo as enfermeiras Wanda Horta, Roseni Rosangela de Sena, Anna Nery, Simone Maria Leite Batista, Isabel dos Santos e a médica Fatima Oliveira.

Em maio, a exposição terá uma segunda etapa, que vai celebrar a trajetória de mulheres vivas e atuantes.

Quem foi Ivone Lara

Primeira mulher brasileira a assinar um samba-enredo, Ivone Lara era enfermeira por formação e atuou como servidora do Ministério da Saúde por 37 anos, período em que se especializou como terapeuta ocupacional e lutou pela humanização do tratamento psiquiátrico. No Instituto de Psiquiatria do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, foi pioneira ao oferecer uma abordagem musical para tratar e acolher pacientes.

Em 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou lei que cria o Dia Nacional da Mulher Sambista, comemorado em 13 de abril – data do nascimento de Ivone Lara da Costa, nome de batismo da compositora. Ela morreu em 2018 aos 96 anos.

FGV Arte inaugura exposição Brasília, a arte da democracia

A FGV Arte, espaço experimental e de pesquisa artística da Fundação Getulio Vargas, inaugurou sua segunda exposição intitulada Brasília, a arte da democracia, sob curadoria de Paulo Herkenhoff. De acordo com o curador, “a conceituação desta exposição perfaz um arco histórico, desde a criação da cidade até os atuais movimentos em defesa da democracia e da liberdade. Se Brasília é uma epopeia notável no plano internacional, sua história da cultura se desdobra, ao longo de seis décadas, por brasilienses e por brasileiros de todos os recantos”.

Durante os últimos 4 anos, Herkenhoff levantou um material tão extenso que precisou dividir em etapas. Segundo o curador, a de Brasília, a arte da democracia reúne artistas das cinco regiões do país, que recorrem a uma vasta diversidade de técnicas e modos de vivenciar a arte, “como ‘exercício experimental da liberdade’, conforme o aforismo de Mário Pedrosa, considerado o maior crítico de arte de todos os tempos”.

Com aproximadamente 180 itens de cerca de 80 artistas, incluindo documentos, como o diploma de candango conferido aos operários que levantaram a nova cidade por Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil, de 1955 a 1961, responsável pela construção de Brasília e a transferência do poder do Rio de Janeiro para o planalto central; o croqui do plano piloto assinado por Lúcio Costa; e o manuscrito de Oscar Niemeyer sobre o monumento JK.

FGV Arte

Localizada na sede da FGV, na Praia de Botafogo, no Rio de Janeiro, a FGV Arte é um espaço voltado à valorização, à experimentação artística e aos debates contemporâneos em torno da arte e da cultura que busca incentivar o diálogo com setores mais criativos e heterogêneos da sociedade.

A mostra fica aberta ao público até 14 de julho e pode ser vista de terça-feira a domingo. Nos fins de semana e feriados, a mostra fica aberta das 10h às 18h. A mostra tem recursos de acessibilidade, no formato de libras e audiodescrição.

Exposição debate espaço para pessoas negras na arte contemporânea

A presença de pessoas negras nos espaços elitizados da arte contemporânea é o tema da série Novo Poder: Passabilidade, do artista carioca Maxwell Alexandre. Crescido na favela da Rocinha, o artista tem explorado o assunto em pinturas desde 2021.

“Para isso, dou ênfase a três signos básicos: as cores preta, branca e parda. Em Novo Poder, a cor preta atua como o corpo preto manifestado pela figuração de personagens; a cor branca aponta para o cubo branco espelhando o espaço expositivo; e a cor parda representa a obra de arte e também faz autorreferência ao próprio papel que é o suporte principal da série”, explica.

Com 56 trabalhos, a série pode ser vista a partir deste sexta-feira (19) no Sesc Avenida Paulista, na região central da capital.

Exposição em SP reúne trabalhos do artista carioca Maxwell Alexandre – Arte Thiago Barros/Divulgação

Os contrastes que envolvem as pessoas negras transitando pelo “cubo branco”, jargão que determina espaços expositivos tradicionais, são atenuados pelo fator da “passabilidade”, como explica o artista.

“‘Passar’ é o mesmo que ser reconhecido na vida cotidiana como alguém que está de acordo com as normas, sejam elas sociais, raciais ou de gênero’, disse Maxwell em entrevista à Agência Brasil.

Por isso, a “‘passabilidade’ é a forma segura e tranquila de pessoas pretas caminharem pelo cubo branco” afirma. No entanto, na visão de Maxwell, as possibilidades se afunilam a depender do lugar social. “Acredito que existam limites sim, dependendo de onde você vem, qual fenótipo você tem, a cor da sua pele, você não vai conseguir alcançar certos lugares. Sobretudo dentro do mercado da arte contemporânea”, comenta.

Trajetória

O artista afirma enxergar na própria trajetória, com ampla circulação em instituições internacionais e nacionais, como um sinal de mudança nas estruturas atuais. “Acredito que eu mesmo seja uma profecia de ‘Novo Poder’ que está se cumprindo”, diz o artista de 34 anos.

Em 2021, Maxwell foi vencedor do prêmio Pipa, um dos mais importantes da artes visuais do país, e, em 2020, foi eleito artista do ano pelo Deutsche Bank. Em 2018, recebeu o Prêmio São Sebastião de Cultura da Associação Cultural da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Esteve no Museu de Arte Contemporânea de Lyon, na França, com a exposição Pardo é Papel, e no Palais de Tokyo, em Paris, com a Novo Poder. Em Marraquexe, no Marrocos, participou da mostra coletiva Have You Seen A Horizon Lately, no Museu de Arte Contemporânea Africana Al Maaden.

Os trabalhos expostos no Sesc foram executados em um período de um mês em meio, em que o artista se baseou em fotografias, mas também em memórias próprias de cenas que presenciou.

Exposição gratuita na Av. Paulista celebra a magia do Maracatu Rural

Aos 13 anos, José Luiz da Silva começou a brincar o maracatu. Hoje, aos 65, ele é o Mestre Luiz Caboclo do Estrela de Ouro de Aliança, difundindo os saberes e histórias dessa tradição cultural nordestina.

Nesta semana, Mestre Luiz Caboclo chegou a São Paulo para promover não só a cultura do maracatu, mas a nova exposição dedicada ao tema que está em cartaz no Centro Cultural Fiesp, na Avenida Paulista: Maracatu Rural – A Magia dos Canaviais. A exposição, gratuita, poderá ser visitada a partir de desta quarta-feira (3) até o dia 9 de junho, de terça a domingo, das 10h às 20h. A curadoria é de Afonso Oliveira, que tem uma vivência de mais de 30 anos nesta manifestação cultural.

Jose Luiz da Silva com a indumentária do Maracatu Rural –  Paulo Pinto/Agência Brasil

O Maracatu Estrela de Ouro de Aliança, do qual o Mestre Luiz Caboclo faz parte, foi fundado em janeiro de 1966 no Sítio Chã de Camará, município de Aliança, na Zona da Mata Norte pernambucana. Seu idealizador foi Severino Lourenço da Silva, o Mestre Batista. Um dos principais símbolos carnavalescos da cultura popular de Pernambuco, o Maracatu Estrela de Ouro de Aliança é um dos representantes do chamado Maracatu Rural.

Em Pernambuco, há os Maracatus de Baque Virado (Maracatu Nação) e os Maracatus de Baque Solto (Maracatu Rural). Cada um tem sua característica própria. O Maracatu Nação, por exemplo, remonta às festas organizadas por grupos de escravos que celebravam nos pátios das igrejas a coroação do Rei do Congo. O ritmo foi depois inserido aos festejos carnavalescos.

Já na Zona da Mata, o maracatu tomou outra feição e recebeu o nome de Maracatu Rural, tema da nova exposição da Fiesp. Lá, os caboclos de lança fazem um desfile que lembra batalha. Há duas trincheiras, cada uma obedece ao comando de um caboclo de frente, que conduz as manobras ordenadas pelo mestre. Eles correm de um lado para o outro, sacudindo as lanças, executando manobras chamadas de “caídas”. A apresentação também tem um ritmo mais rápido dos chocalhos, além do uso de cuíca e instrumentos de sopro (trombone e trompete). O canto é de responsabilidade do mestre de apito ou poeta e contra-mestre.

Centro Cultural FIESP abre a exposição Maracatu Rural – A Magia dos Canaviais, que traz à capital paulista a produção artística de trabalhadores da Zona da Mata de Pernambuco – Paulo Pinto/Agência Brasil

Considerado uma das manifestações mais fortes do carnaval, existem atualmente cerca de 110 grupos de Maracatu Rural, principalmente nos municípios de Nazaré da Mata, Aliança, Tracunhaém, Goiana, Condado, Itaquitinga, Lagoa de Itaenga, Araçoiaba e Carpina.

Os primeiros grupos de Maracatu Rural surgiram no início do século 20, com influências indígenas e afro-brasileiras e produzida pelos trabalhadores da monocultura do açúcar. “A maioria dos integrantes do maracatu são cortadores de cana. Ele nasceu no setor canavieiro, na zona da mata”, explicou Ângelo Filizola, produtor-executivo da exposição.

“Para a gente lá, quando eu comecei a brincar, em 1971, era a diversão que tinha na Zona da Mata. A Zona da Mata é a Zona da Cana. Até 1971, ainda tinha escravidão na Zona da Mata. E então começou a levantar maracatu nas zonas da mata, que hoje é o lugar que mais tem maracatu rural”, conta Mestre Luiz Caboclo, em entrevista à Agência Brasil.

A principal diferença entre esses maracatus é que no Rural não existe a Corte Real e seu principal destaque é a presença do caboclo de lança, que se encarrega de abrir espaço na multidão com saltos e piruetas, manejando as lanças. Os caboclos de lança usam um galho de arruda atrás da orelha e um cravo ou rosa branca na boca para manter o corpo fechado, se proteger. Usam fantasia pesada, de mais de 30 quilos, que consiste principalmente em uma camisa de manga comprida de cor viva com uma armação de madeira por cima. Eles também usam um lenço amarrado na cabeça e sobre ele um chapéu de palha. Por cima, uma cabeleira colorida.

“Eu saio vestido com uma fantasia bonita. Eu sou o mestre caboclo do Estrela de Ouro. Sou eu quem puxo a nação. Sou o mestre caboclo da dança. Eu montei um estilo de dança na frente de Estrela de Ouro”, conta Mestre Caboclo. “O Maracatu não pode terminar do jeito que começou. Então você tem que mudar uma estratégia na frente do maracatu pra ele não se acabar do jeito que começou. Fica sempre uma história”.

Tem a arte

“Quem segura o porta-estandarte. Tem a arte, tem a arte”. A letra da música Maracatu Atômico, escrita por Jorge Mautner e Nelson Jacobina e conhecida pela voz de Chico Science & Nação Zumbi, resume a nova exposição, diz o curador. “Essa frase é, para mim, emblemática de valorização da cultura popular. Essa frase quer dizer tudo”.

Afonso Oliveira é o curador da exposição – Paulo Pinto/Agência Brasil

É esta frase que abre a exposição e guiará o público a uma cenografia composta por documentos, vídeos, fotografias, objetos, textos, indumentárias e peças de artesanato. Tudo isso para contar a história dessa tradição cultural nordestina, que é considerada Patrimônio Cultural Brasileiro. Entre os objetos está uma medalha da Ordem do Mérito Cultural, que foi concedida pelo Ministério da Cultura, e uma Mesa de Jurema Sagrada, ritual religioso de origem indígena e cultuado por aqueles que fazem o Maracatu Rural.

Além de contar a história do maracatu, a exposição também apresenta o universo do trabalho, da religião e das influências que o Maracatu Rural exerceu sobre artistas contemporâneos como Chico Science, Gilberto Gil, Jorge Mautner e Siba.

Outra curiosidade da mostra é o destaque feito pelo curador à figura das mulheres. “As mulheres, como em toda a arte no Brasil, sempre foram discriminadas e escondidas. E no Maracatu Rural também. Mas a gente tem uma história interessante sobre as mulheres no Maracatu Rural. Elas criaram uma associação chamada Amunam, Associação das Mulheres de Nazaré da Mata, formada por mulheres agricultoras. E elas resolveram criar um maracatu rural, chamado Maracatu de Baque Solto Feminino Coração Nazareno, que esse ano completa 20 anos”, explicou Oliveira. “Esse Maracatu Coração Nazareno é o símbolo da luta da mulher da cana-de-açúcar”, destacou.

Todos esses elementos, disse o curador, ajudam a contar a história dessa tradição pernambucana, que é também uma história de resistência. “A exposição Maracatu Rural representa a luta de um povo contra o racismo que permeia toda a sociedade brasileira”, falou.

Exposição traz diversos elementos do maracatu- Paulo Pinto/Agência Brasil

“Aqui dentro do maracatu rural está toda a formação brasileira. Os povos originários tinham uma proposta de sociedade, mas eles foram dizimados ou impuseram a eles uma outra forma de viver, uma forma capitalista, uma forma autoritária, uma forma escravocrata. Depois, trouxeram de África os povos que foram escravizados e construíram essa loucura que é o Brasil, um país tão rico e diversificado culturalmente, mas tão cruel para quem não está no sistema”, disse o curador.

“Mas hoje o mundo está descobrindo que existem outras formas de viver, existem outras formas de cura, existem outras formas de trabalhar, existem outras formas de viver. E quando se traz uma exposição como essa para a Avenida Paulista, para São Paulo, local para onde muitas dessas pessoas deixaram o maracatu e passaram a viver, isso é de uma representatividade gigantesca”.

Mais informações sobre a exposição podem ser encontradas no site do Centro Cultural Fiesp.

Exposição mostra os impactos das grandes obras durante a ditadura

A exposição Paisagem e Poder: construções do Brasil na ditadura, aberta na noite de terça-feira (19), no histórico Centro MariAntonia da Universidade de São Paulo (USP), procura refletir sobre as transformações ocorridas no Brasil nos anos da ditadura civil-militar. Com uma vasta documentação de época e material audiovisual, exposição mostra as contradições das grandes obras no período e seus impactos sociais e ambientais. A curadoria é dos arquitetos Paula Dedecca, Victor Próspero, João Fiammenghi, Magaly Pulhez e José Lira. Mostra fica em cartaz até o dia 30 de junho.

Nos 21 anos de ditadura civil-militar, o Brasil se transformou profundamente com a construção de conjuntos residenciais, estradas, barragens, viadutos, grandes hidrelétricas e avenidas. Mas foi também nesse período que os recursos naturais foram amplamente explorados, prédios e lugares históricos foram removidos ou destruídos, e em que as desigualdades sociais foram expandidas.

Em entrevista à Agência Brasil, o curador Victor Próspero, que acabou de defender seu doutorado na Faculdade de Arquitetura da USP, explica que essas obras, embora tenham sido projeto de desenvolvimento do país, guardam uma face contraditória, porque também retratam uma modernização conservadora e autoritária. 

Exposição Paisagem e Poder: construções do Brasil na ditadura, no Centro Maria Antonia da Universidade de São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

“Essa modernização conservadora foi diretamente ligada com a repressão. Não existe milagre econômico sem o rebaixamento dos salários e sem a intervenção dos sindicatos. Várias reformas estruturais deixaram os trabalhadores um pouco mais controlados, como a repressão e a lei de greves, por exemplo, que viabilizaram uma certa forma de modernização sem freios, sem oposição”, disse.

“Esse milagre [econômico] é baseado em números, como em um crescimento do PIB [Produto Interno Bruto, a soma de riquezas do país] sempre acima de 11%, por exemplo, mas que, na verdade, pressupõe um congelamento do salário mínimo e o controle dos sindicatos e da oposição. É um tipo de desenvolvimento econômico sem rebatimento no desenvolvimento social. É claro que tem um aumento do emprego, mas geralmente esse emprego está relacionado à exploração da mão de obra na construção civil”, avalia Próspero.

Um dos exemplos dessa contradição do período, segundo o curador, é a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Duas fotos apresentadas na exposição, colocadas lado a lado, ilustram essa contradição. Uma foto mostra a população visitando a usina durante a sua inauguração e a outra apresenta a usina vista de longe, em construção. “Essa representação do momento de inauguração mostra como essas grandes obras eram uma peça de propaganda importante para a ditadura. Já a outra imagem mostra Itaipu em obras e o grau de violência de transformação do espaço daquela paisagem. Ao lado dessa imagem, colocamos uma reportagem que destaca o Salto das Sete Quedas, que era um ponto turístico, uma paisagem reconhecida, e que dava certa identidade para a população daquela região, e que foi inundada para fazer a represa”.

Eixos

A exposição conta com diversos registros audiovisuais da época, como reportagens, fotografias, filmes, desenhos e diapositivos, além de documentos e cadernos técnicos. Também mostra que críticas já existiam naquele período, apresentando livros que contestavam o desenvolvimento exploratório e não igualitário desse modelo desenvolvimentista.

Todos esses registros foram agrupados em cinco eixos principais. O primeiro trata sobre a urbanização e o planejamento do território. Esse núcleo mostra que o incentivo ao desenvolvimento nos chamados “vazios demográficos”, com a criação da Rodovia Transamazônica e do Banco da Amazônia, por exemplo, também teve uma outra face, marcada pela violência e assimilação dos povos originários e pela devastação ambiental.

“Muitas populações originárias foram removidas e seus modos de vida foram transformados. Foi um tipo de produção do espaço muito violenta”, destacou o curador João Fiammenghi. 

“Essa exploração da Amazônia teve desenho, teve projeto e teve pesquisa. Ou seja, não foi uma destruição caótica, como a gente pensa. Era tudo parte de um plano, de um projeto de país, de uma ideologia do regime militar, de segurança nacional e de ocupação dos vazios demográficos, que não eram vazios, tinham pessoas, tinham pequenos agricultores e indígenas vivendo lá. Quisemos mostrar nesse eixo como que essa produção do espaço violenta foi muito planejada”, explicou.

O segundo núcleo trata sobre o extrativismo e sua relação com a produção de componentes para a indústria da construção civil. “E, com isso, a gente não pode deixar de falar do trabalho, da industrialização e do sindicalismo. Então, esse é um núcleo mais ligado com trabalho e produção”, destaca Fiammenghi. 

Em relação à questão trabalhista, por exemplo, a exposição destaca que o projeto desenvolvimentista da ditadura envolveu um alto número de acidentes e mortes trabalhistas.

O terceiro eixo, por sua vez, destaca o território e a integração nacional, tratando sobre a circulação entre as cidades, onde são apresentadas as rodovias, as grandes avenidas e as obras de construção de metrô. Há também um eixo todo dedicado à construção da cidade de São Paulo, que apresenta obras como o Minhocão e o Anhembi.

O último núcleo discute a questão da moradia e conta um pouco sobre a verticalização dos espaços urbanos e a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH). “Quando a gente adentra os anos 60 e, sobretudo, após o golpe civil-militar, a gente tem o desenho e a promoção de um grande plano habitacional naquele momento, que está ligado à implementação de um Sistema Financeiro de Habitação e ao Banco Nacional de Habitação. O banco se estrutura justamente nessa perspectiva de enfrentamento do déficit habitacional, mas com um discurso, já desde então, ligado a essa espécie de controle das massas e das populações moradoras desses territórios”, explicou a arquiteta, urbanista e também curadora da mostra Magaly Pulhez.

Criado com a proposta de reduzir o déficit habitacional, o BNH acaba, no entanto, se transformando em um “motor de arranque” da economia. “Fomentando a construção habitacional, fomenta-se a construção civil e, portanto, se agencia uma série de agentes privados, empresas, construtoras e incorporadoras. E o que a gente vai ver, a partir dessa movimentação toda, não é propriamente uma produção habitacional voltada para as massas populares necessitadas de fato, mas o banco funcionando nessa cadeia produtiva da construção civil”, disse Magaly Pulhez. 

“Apenas 15% da produção do banco nesse período foi voltada para atendimento das populações de baixa renda”, destacou.

A exposição também mostra outro grande paradoxo do período. O trabalhador responsável pela construção dessas grandes obras desenvolvimentistas era o mesmo que, aos finais de semana, precisava construir a sua moradia, quase sempre sem recursos suficientes. “Os trabalhadores que estão na própria indústria da construção civil construindo essas grandes obras não têm casa”, ressalta Magaly.

Centro

No ano passado, o Centro MariAntonia, espaço importante de luta e de resistência contra a ditadura brasileira, completou 30 anos.

O espaço é conhecido, principalmente, por ter sido palco, em outubro de 1968, de uma das mais importantes batalhas pela democracia na ditadura militar. Esse episódio ficou conhecido como a Batalha da Maria Antonia e envolveu estudantes de posições ideológicas opostas – os estudantes da USP e os estudantes do Mackenzie – e a polícia.

Nessa batalha, o prédio foi parcialmente incendiado e, em seguida, tomado pelo governo de São Paulo. Somente em 1993, a USP recebeu o prédio de volta e decidiu criar no local um espaço cultural, com exposições regulares e dedicadas à memória e à arte.

“Neste ano, nós achamos que seria muito bom olhar para esse período da ditadura pelo ângulo da arquitetura, do urbanismo, do planejamento, da geografia e do meio ambiente, ou seja, da paisagem e do espaço físico brasileiro”, explica José Lira, professor e diretor do Centro Maria Antônia.

“A exposição é principalmente uma mostra documental. Durante a seleção desses documentos, nós procuramos focalizar questões que são muito presentes no nosso território ainda hoje, como a questão do desrespeito às populações tradicionais e a questão envolvendo a exploração do meio ambiente. Hoje, o mundo inteiro está sensibilizado pelas questões da crise ambiental e climática. E nós vemos que, naquele momento [da ditadura], essa era uma das coisas menos observadas. A natureza era pensada como fonte inesgotável de riquezas e de recursos e explorada como se fosse substituível. Hoje a gente vê que é bem o contrário. Se a gente não construir de maneira a permitir que a natureza se reconstrua ou se conserve, a gente não tem futuro”, disse o diretor do centro à Agência Brasil.

Sua expectativa é de que a mostra possa enriquecer o debate sobre a ditadura e sobre o modelo de construção do país. “Nós esperamos que a exposição possa ser vista por esse cidadão comum, esse habitante do Brasil, principalmente interessado no seu espaço, interessado no ambiente em que ele vive, interessado nas suas cidades, no seu bairro, na sua qualidade de vida, nas suas liberdades, nos seus espaços públicos, para que nesse ano de 60 anos do golpe possa ajudar na autoanálise do país”.

Programação

Paralelo à exposição, o centro preparou uma programação gratuita e aberta ao público, com mesas de debates e exibições de filmes. 

Outras informações sobre a exposição e a programação paralela podem ser obtidas no site do Centro MariAntonia.

Itaú Cultural homenageia Maria Bethânia com exposição sensorial

“Meu Deus, me dê a coragem de viver 365 dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude”. São esses versos de Clarice Lispector, declamados na doce voz de Maria Bethânia, que ecoam agora no primeiro andar do Itaú Cultural e abrem a nova exposição do espaço, toda dedicada à cantora.

A Ocupação Maria Bethânia abre ao público nesta quarta-feira (13) à noite, em São Paulo, e destaca a força da palavra e da literatura na vida dessa cantora, celebrada como um dos maiores nomes da música brasileira. A curadoria é do Núcleo de Curadorias e Programação Artística do Itaú Cultural e da diretora Bia Lessa, com pesquisa audiovisual de Antônio Venâncio.

“A Bethânia é um extrato de Brasil muito relevante para nosso imaginário e para nossa noção identitária e cultural”, disse Galiana Brasil, gerente do Núcleo de Curadoria e Programação Artística do Itaú Cultural e integrante da equipe curatorial da mostra.

São Paulo – Itaú Cultural homenageia Maria Bethânia com exposição sensorial – Foto Itaú/Divulgação

Essa exposição, afirmou, pretende reforçar o legado da cantora e celebrar sua trajetória de 60 anos de carreira. “Ela [Bethânia] traz essa importância da identidade vocal e de pensamento. É uma artista que imprime um pensamento sobre o que faz. Nada do que faz é gratuito”, reforçou.

Para essa mostra foram destinados dois espaços expositivos. O primeiro deles está no andar térreo, onde se apresentam 98 fotos que flutuam pela sala, suportadas por cabos de aço até a altura do público. As fotos apresentam a família de Bethânia, seu lugar de nascimento (a cidade de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano), seus amigos, seu cotidiano e imagens de shows. Os cabos de aço também sustentam saquinhos de água e de terra, onde se lê o nome da cantora.

“Esse é o espaço do território. Aqui é muito a força de Santo Amaro no que constitui a Bethânia”, explicou Galiana, em entrevista à Agência Brasil.

Para cada uma dessas fotos há uma frase refletida no chão, criando um contraponto entre o que se vê e o que se escreve. Entre elas, uma dita pela própria cantora: “Pessoas do Recôncavo você distingue imediatamente”. Estão ali também frases de vários escritores, compositores e poetas como Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Mário de Andrade, e que inspiraram a artista. Enquanto explora esse espaço, o público será envolvo em sons que remetem ao mar e à música.

No caminho entre o térreo e o primeiro andar, onde se encontra a segunda parte da exposição, o visitante vai se deparar com ventiladores, que foram espalhados pela escadaria. A ideia, explicou Galiana, é reforçar a ideia de natureza, que é tão importante no universo da artista.

São Paulo – Itaú Cultural homenageia Maria Bethânia com exposição sensorial – Foto Itaú/Divulgação

Por sua vez, o primeiro andar foi todo ocupado por uma instalação composta de 47 monitores com imagens documentais de diferentes períodos da obra e da vida de Bethânia, reforçando seu diálogo com a poesia e a literatura. A produção tem duração de 1h45min e é rodeada por um espelho d’água. Uma leve brisa envolve o ambiente. “Esse espaço é um convite para que as pessoas vejam a Bethânia além daquele lugar ou de idolatria ao qual o olho já está mais treinado para vê-la. Aqui vamos vê-la em partes, por meio da cidade de Santo Amaro, das pessoas, da família e de suas grandes influências”, explicou Galiana.

É nesse andar também que serão apresentados dois bordados feitos por Bethânia durante a pandemia: Rotas do Abismo e O Céu de Santo Amaro, nos quais a artista exprime, por meio de linhas, agulhas e tecido, sua intimidade com a palavra.

“Chamar isso que faço de bordado é engraçado, é uma ofensa a quem realmente sabe bordar”, disse a cantora, em nota que apresenta a exposição. “Gosto de bordar palavras, de escrever com linhas, de inventar. É um desabafo, um modo de me expressar. Como artista, além do isolamento e da solidão, ser proibida e não conseguir me expressar é insuportável para mim. São bordados que se relacionam com o presente.”

São Paulo – Itaú Cultural homenageia Maria Bethânia com exposição sensorial – Foto Itaú/Divulgação

Atividades

Além da exposição, o Itaú Cultural preparou programação especial para celebrar a vida e a obra de Maria Bethânia com ateliê de bordados e shows, entre eles, o de Moreno Veloso, que ocorre na sexta-feira (15) e no sábado (16), às 20h. Também será apresentado o filme Os Doces Bárbaros, que poderá ser assistido online na plataforma Itaú Cultural Play. “Temos também a dimensão do site que vai trazer conteúdos super exclusivos e que não estão aqui, em nenhum dos pisos, tais como depoimentos e artigos”, explicou Galiana.

A mostra, que tem entrada gratuita, permanece em cartaz até o dia 9 de junho. Mais informações sobre a exposição podem ser obtidas no site do Itaú Cultural.

Em SP, Museu das Favelas apresenta exposição Rap em Quadrinhos

A exposição Rap em Quadrinhos, em cartaz no Museu das Favelas, na cidade de São Paulo, une música e desenho de um jeito diferente. Com desenhos do ilustrador Wagner Loud e roteiro do youtuber Load, a mostra traz personalidades do rap nacional retratadas como super-heróis e super-heroínas das histórias em quadrinhos.

O músico Mano Brown, dos Racionais MC´s, como Pantera Negra. A cantora Negra Li como Tempestade do X-Men. O rapper Emicida como o Homem-Aranha. Dina Di, conhecida como a guerreira da Leste, uma das primeiras rappers de São Paulo, na década de 1980, é Jéssica Jones, personagem famosa dos desenhos da Marvel, editora de histórias em quadrinho norte-americana.

Rappers e super-heróis se misturam no traço do ilustrador Wagner Loud. Paulistano de Pirituba, bairro da zona noroeste da capital, o artista conta que cresceu lendo gibis da Turma da Mônica, histórias do Ziraldo e tirinhas de Angeli e da Laerte e desenhava ao som de rap brasileiro.

“E o legal é que como o Museu das Favelas é no centro de São Paulo, é um pedaço gigante da favela no centro da cidade. Parece tão distante da gente, mas na verdade a gente faz até mais parte do que faz da cidade. A gente está ali na margem, mas está produzindo, desenhando, conversando, debatendo. É bem rico”, conta o ilustrador Wagner Loud. 

Ao todo, 19 músicos do rap brasileiro estão representados na exposição. Visitante da mostra, a maranhense Alicy Reis, de 21 anos, acredita que essa é uma boa maneira também de conhecer as histórias das mulheres rappers brasileiras.

Alicy fala qual sua super-heroína rapper preferida na exposição: “A Negra Li. Eu escutava algumas músicas [dela]. E ela é linda. Eu me sinto representada por ela. Por ela ter alcançado um lugar de destaque. Pra mim ela é uma das maiores cantoras de rap que tem no Brasil atualmente. E isso é incrível pra gente que é preto. Ter representatividade”, diz Alicy. 

Para o estudante Thierry Lima, hip-hop, política e cultura pop tem tudo a ver com os desenhos da exposição.

“Cada artista tem, digamos, seu alter ego. Tem o Sabotage como o Dr. Manhattan, que mostra que é o ser celestial que sabe das coisas. Black Alien que é o Doutor Estranho, que tem uma pegada das letras dele. Bem bacana. Eu gostei bastante”. 

Quem quiser conferir os quadrinhos tem até o dia 19 de maio para visitar a exposição. Para conhecer mais da programação do Museu das Favelas, é só acessar www.museudasfavelas.org.br.

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Exposição revela “filosofias de vida” na Amazônia, diz Ailton Krenak

“Na aldeia Ashaninka se pode observar tudo porque as casas não têm paredes. Deitados na rede, observávamos os movimentos das casas, mas me sentia acanhado em estar sendo observado também. Com o tempo fui me acostumando. A vida integrada com o ritmo da natureza é muito prazerosa”.

O relato é do premiado fotógrafo japonês Hiromi Nagakura que, na década de 1990, acompanhou o filósofo e ativista indígena Ailton Krenak em viagens pela Amazônia. Trinta anos depois, imagens que ele produziu no período estão reunidas no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), no centro do Rio de Janeiro. São fotos inéditas para o público brasileiro. A exposição, intitulada Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak, abriu as portas nesta quarta-feira (28) e poderá ser visitada até 27 de maio, de quarta-feira a segunda-feira, entre 9h e 20h. A entrada é franca.

Fotógrafo japonês, Hiromi Nagakura, na exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak”- Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ailton Krenak assina como curador. Em entrevista à Agência Brasil, ele diz que as fotos retratam “filosofias de vida” na Amazônia e apresentam “modos de estar no mundo”. Ele propõe uma reflexão sobre as casas sem paredes da aldeia Ashaninka, que tanto impressionaram Nagakura.

“Na metrópole, a pessoa precisa ser o tempo inteiro blindada. Ela busca se prevenir do risco de ser afetado por algum dano. Esse pensamento não existe para esse povo que não usa a parede. Por que interpor a parede? É o meu corpo e o mundo. Colocar uma parede seria declarar que eu estou fora do mundo. E nós estamos enfiados no mundo. É muito comum os indígenas dizerem que os brancos vivem em caixas. Vivem se encaixando porque não conseguem ficar soltos no mundo, têm medo. É uma filosofia de vida não ter parede. Não é apenas uma escolha de como morar. É uma escolha anterior, de como se encaixar no mundo”, avalia.

Nascido em 1953 em Minas Gerais, no vale do Rio Doce, Ailton Krenak carrega uma trajetória de ativismo no movimento socioambiental, com atuação destacada durante as discussões que resultaram na inclusão de direitos para os povos indígenas na Constituição de 1988. É autor de livros como Ideias para adiar o fim do mundo (2019), A vida não é útil (2020) e Futuro ancestral (2022), entre outros. No ano passado, se tornou o primeiro indígena eleito para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Foi Nakamura a primeira pessoa a lhe atribuir o título de “filósofo da floresta”. Por sua vez, Ailton Krenak o compara com o renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. “Não encontro melhor semelhança para indicar a importância do seu trabalho além desta comparação simplista entre duas personalidades engajadas, sempre surfando na crista do perigo e antenadas com as questões mais vibrantes do planeta: seres humanos e natureza”, escreveu ele no texto de abertura da exposição.

Ao todo, ambos fizeram juntos cinco viagens pelo território amazônico, entre 1993 e 1998. Algumas delas com duração de cerca de três meses, ao longo das quais a amizade foi se aprofundando. Krenak avalia que o encontro entre os dois foi um presente que a vida lhes deu. No Japão, a imersão de Nagakura pela Floresta Amazônica resultou em livros, exposições e documentários exibidos na NHK, a emissora de televisão pública do país asiático.

Fotógrafo, Hiromi Nagakura e o filósofo indígena, Ailton Krenak, se emocionam em frente a uma foto dos dois, da década de 90. Exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” – Tânia Rêgo/Agência Brasil

As fotos apresentadas pela primeira vez ao público brasileiro mostram uma diversidade de povos: yanomami, xavante, krikati, gavião, yawanawá, huni kuin e ashaninka. Desde outubro do ano passado até o início desse mês, a exposição estava em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake. No entanto, ela chega ao Rio de Janeiro ampliada: foram incorporadas dezenas de novas imagens, totalizando 160.

“Eu já tinha uma agenda de viagens para atividades que vinha realizando desde a década de 1980, quando eu descobri que podia integrar, junto com Chico Mendes, o movimento de defesa dos direitos dos povos da floresta. Eu estive no Acre e participei da mobilização junto a indígenas, seringueiros, ribeirinhos. Criamos a Aliança dos Povos da Floresta no final da década de 1980. Quando virou a década de 1990, eu estava coordenando atividades em aldeias em diversos territórios. Envolviam pesquisas sobre a diversidade cultural e biológica. Tínhamos criado uma iniciativa que incidia sobre territórios de mais de 40 povos”, conta Krenak.

Ele conta que Nagakura o procurou interessado em acompanhar algumas jornadas e passou a integrar sua equipe, que contava com outros profissionais como biólogo, engenheiro florestal, agrônomo e botânico. “Eram lugares onde eu já estava trabalhando há 10 ou 15 anos, onde eu tinha amigos que receberiam um fotógrafo sem estranhamento. Ele tinha momentos em que saía só para fazer fotos. Ficou hospedado em casas de pessoas convivendo com as crianças. E assim foi possível fazer todas essas imagens de crianças sorrindo, demonstrando uma intimidade. Não é qualquer fotógrafo que chega numa comunidade e acessa essa convivência com as pessoas de uma maneira tão descontraída”, acrescenta.

Imersão amazônica

Hiromi Nagakura realizou muitas viagens ao redor do mundo em sua carreira profissional. Fotografou, por exemplo, conflitos no Afeganistão e a luta contra o apartheid na África do Sul. Ele explica como surgiu seu interesse em realizar uma imersão pela Amazônia.

“Eu já tinha reportado muitas guerras e conflitos. E então eu vi no noticiário que povos originários da Amazônia estavam lutando pelo seu direito à terra, o que me chamou a atenção. O primeiro povo que eu visitei foram os krikatis. Na terra deles, passavam torres de energia. Eles ameaçavam atear fogo nas torres caso o processo de demarcação não avançasse”, lembra.

De acordo com o fotógrafo, Ailton Krenak foi a conexão para que ele pudesse compreender a cultura dos indígenas. “É o olhar de uma pessoa que convivia com os indígenas das diversas aldeias. Eu não queria fotografar como se estivesse retratando uma cultura exótica. Queria retratar o ser humano”. A experiência também afetou sua visão de mundo. Nagakura diz que aprendeu a adotar um ritmo diferente para a sua vida, mais lento em comparação com a dinâmica acelerada do cotidiano no Japão. Ele também aprendeu a ver mais beleza em coisas simples.

“Fiz uma foto de uma yanomami com um bebê no colo. Ela contemplava uma montanha. Foi um dia em que todos saíram para fora de repente. Eu me assustei e fui junto. Havia um macaco subindo a montanha. Estranhei a mobilização, pois se vê muitos macacos na Amazônia. Mas era algo diferente. O macaco estava escalando pedras. E essa novidade chamou a atenção dos indígenas. Havia uma beleza nisso. E eu captei um instante de felicidade dessa mulher”. Passadas mais de duas décadas da sua última viagem à Amazônia, ele espera voltar em breve. “As crianças que eu fotografei devem estar adultas. Quero me encontrar com elas. Quero ver como eles estão preservando suas culturas, suas danças e suas festas”, afirma.

Exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” . Tânia Rêgo/Agência Brasil

Nagakura e Krenak estiveram juntos na Terra Yanomami após uma ofensiva das forças do Estado, que levou a um declínio do garimpo ilegal. Em 1992, quando o território indígena foi finalmente demarcado, o governo mobilizou a Polícia Federal e o Exército para coibir a atuação de grupos clandestinos, que haviam crescido nas décadas anteriores na esteira das políticas de ocupação da Amazônia impulsionadas pelo regime militar. Cerca de 40 mil pessoas foram expulsas do território. Havia na época uma expectativa de que fosse dado um ponto final ao problema.

“Nas viagens, busquei compreender melhor as culturas dos povos indígenas e assim transmitir esse conhecimento por meio das fotografias. Essas fotos tentam mostrar como é o povo yanomami em sua essência. É triste ver que as condições pioraram”, diz Nagakura.

As imagens que integram a exposição são muito diferentes daquelas que ganharam o noticiário nacional no início do último ano, mostrando o resultado da tragédia humanitária desencadeado pelo garimpo ilegal, que voltou a avançar com força na região na última década. A crise se traduziu em fome, em contaminação e em um alarmante aumento de diferentes doenças, sobretudo a malária. Na década de 1990, porém, as câmeras de Nagakura retrataram sorrisos, brincadeiras, manifestações culturais, atividades cotidianas em um território de beleza exuberante.

“A mídia se interessa por guerras, tragédias ambientais, tragédias imprevisíveis. Se nunca tivesse acontecido uma desgraça com os yanomami, o Brasil nunca ia ficar sabendo deles porque nós habitamos um mundo que adora consumir desgraça. Essa exposição é linda. Se ela fosse uma exposição desgraçada, ela ia ter a maior repercussão. Mas ela é linda, então ela vai ter uma média repercussão”, lamenta Krenak.

Exposição fotográfica Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak – juca.varella

Crise de pensamento

Uma das fotos que mobilizam o olhar de Ailton Krenak retrata jovens indígenas krikati se deslocando de barco na lagoa da hidrelétrica de Tucuruí (PA). Ele considera a imagem linda, mas chama atenção para árvores secas emergindo da água: era uma área de floresta alagada para a construção da usina. Krenak faz menção ao trabalho do artista plástico polonês radicado no Brasil, Frans Krajcberg. Falecido em 2017, ele denunciava a destruição da natureza em suas obras de arte produzidas a partir de elementos naturais. “Ele recolheu materiais e fez uma escultura com árvores mortas tiradas de dentro desses lagos artificiais de usinas hidrelétricas”, conta o filósofo indígena.

Em sua visão, é preciso desmistificar a Amazônia. “As pessoas ficam fascinados com essa mitologia que coloca a Amazônia como um fantástico mundo verde desconhecido, mas não imaginam, por exemplo, que você não pode beber água ao redor de Manaus. Ela está toda contaminada por resíduos urbanos. Falta saneamento e também temos a poluição das embarcações, que jogam óleo para todo lado. Tem o garimpo. Não é exatamente clorofila que você vai experimentar em todo lugar que você andar pela Amazônia. Tem lugar que você vai encontrar mercúrio, diesel e veneno”.

Para Krenak, não é mais possível acreditar que o capitalismo possa se desenvolver de maneira sustentável. Ele observa que as aldeias também se desenvolvem, mas em equilíbrio com a natureza.

“Exploram tecnologias brandas, que não são capazes de alterar a paisagem como uma típica tecnologia dura. São capazes de conviver com um rio e, 100 anos depois, aquele rio ainda ter água pura para você beber”.

O filósofo também lamenta o desinteresse das pessoas sobre o conhecimento indígena, embora destaque que os nativos resistem e continuam a insistir em transmitir seus saberes. “Veja que curioso: agora que as últimas ilusões sobre o ocidente foram para o brejo, estão dizendo que o modo indígena de conhecer o mundo pode salvar a humanidade da crise climática e da tragédia global. Nós estamos vivendo em um mundo afetado por várias crises. Mas a principal crise é de pensamento: os humanos pararam de pensar”, avalia.

Exposição interativa leva público a encontro de personagens atemporais

O Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB RJ) recebe, a partir do dia 6 de março a exposição sensorial Mundo Zira – Ziraldo Interativo, onde toda a família poderá ter contato com os personagens criados pelo quadrinista e escritor brasileiro, que fazem parte do imaginário infantil de todas as idades. A mostra ficará em cartaz até 13 de maio, celebrando o talento do artista, que completou 91 anos em outubro do ano passado.

A estreia ocorreu em 2022, em Brasília, onde a exposição imersiva foi vista por 65 mil pessoas. Os ingressos são gratuitos e podem ser retirados a partir do próximo dia 28 no site do CCBB RJ. A exposição funcionará todos os dias, exceto terça-feira, das 9h às 20h.

Ziraldo parou de produzir textos e desenhos em setembro de 2018, quando sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). Seu estúdio, onde trabalhou durante 70 anos, instalado no bairro da Lagoa, zona sul do Rio, está sendo transformado no Instituto Ziraldo.

Exposição leva visitantes ao mundo mágico do quadrinista e escritor Ziraldo – Mundo Zira/Divulgação

As histórias infantis contadas por ele em mais de 200 títulos, incluindo Flics, Menino Maluquinho, Turma do Pererê, Menino Quadradinho, entre outros, ocuparão o saguão e o quarto andar do CCBB RJ, para serem apreciadas por cariocas e outrosvisitantes.. A direção artística e curadoria são de Adriana Lins e Daniela Thomas, respectivamente sobrinha e filha do artista. A exposição é realizada pela Lumen Produções e pelo Instituto Ziraldo, com patrocínio da PRIO, empresa do setor de óleo e gás do Brasil, e do Ministério da Cultura.

Quem era criança e conheceu os livros e personagens de Ziraldo passou para os filhos e netos. “Flicts tem 60 anos, a Turma do Pererê também. São gerações. São avós, filhos e netos”, disse em entrevista à Agência Brasil a curadora Adriana Lins. Acrescentou que crianças de 10 e 12 anos, que atuam hoje em redes sociais, que nasceram quando Ziraldo tinha 80 anos, são leitores de suas histórias, o que comprova que os personagens são atemporais. “Elas conhecem os livros, os personagens e adoram”. Adriana afirmou que Flicts, lançado em 1969, é atual. “Ele fala de inclusão, de aceitação, das diferenças, da comunhão”. Sem ser didático, seus livros têm sempre uma lição para transmitir. “Ziraldo é tão literatura, poesia e sensibilidade que a mensagem chega. É por isso que tem tantos fãs. Ele conversa como leitor. Sua obra é pessoal”, destacou Adriana.

Interatividade

A exposição une interatividade e tecnologia com a arte tradicional, proporcionando nova leitura das obras icônicas do artista. “Quando pensamos na obra de Ziraldo, pensamos no prazer, no fascínio e na alegria que ele consegue transmitir com sua arte. Agora, nessa exposição, queremos ir além das páginas, sair do papel, recriando uma conversa com o seu acervo. Em Mundo Zira, livros, quadrinhos e personagens saem das páginas e ganham novas dinâmicas pelas mãos dos visitantes”, afirmou a filha mais velha de Ziraldo, Daniela Thomas, curadora artística do Instituto.

Exposição leva visitantes ao mundo mágico do quadrinista e escritor Ziraldo – Foto Mundo Zira/Divulgação

Quando o visitante entrar no saguão do CCBB RJ, já perceberá que Ziraldo está presente no prédio. Balões gigantescos. de 3 e 4 metros de diâmetro, estarão suspensos no ar com todas as cores do Flicts e com as figuras dos amigos do Menino Maluquinho, dando as boas vindas e convidando todos a brincar e a viajar no Mundo Zira. “A gente mais tura os universos de Ziraldo. A gente traz os meninos da lua, que são os meninos dos planetas, o Menino Maluquinho, a Turma do Pererê, o Planeta Lilás, Flicts, o Bichinho da Maçã, com o qual Ziraldo ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de arte em 1982”, lembrou Adriana.

Quando a pessoa chega ao quarto andar, do lado de fora da galeria, já começa a ter contato com o mundo de Ziraldo. O próprio artista dá as boas vindas ao público em uma fotografia gigante em preto e branco. “É como se ele estivesse falando: Pode chegar que é aqui!”. O Menino Maluquinho aponta então para a direção que o visitante deve seguir. Na porta de entrada, Flicts recebe as pessoas que acabam parceiras dessa orquestra de cores e sons, disse Adriana. À medida que as pessoas movem os braços e as mãos como se fossem maestros, o livro vai surgindo em um telão e se animando, fazendo aparecer cores e palavras. “Você vira o condutor dessa história. Vai mergulhando no sensorial e se apropriando dos sentimentos, de percepções, ao mesmo tempo que está brincando, se divertindo”.

Surpresas

Mais surpresas esperam o público nos espaços dedicados ao Menino Quadradinho, que fala da passagem da criança para a vida adulta, e no Planeta Lilás, que é uma homenagem ao livro, em que o personagem vai descobrindo as palavras. Já o Saci Pererê leva os visitantes para outra sala, que é a Mata do Fundão, simbolizando todas as florestas brasileiras. Ali, projeções misturam personagens e barulhos de mata que vão surgindo a cada momento atrás dos galhos. “É um pega-pega, dentro da Mata do Fundão”, disse Adriana Lins.

Exposição leva visitantes ao mundo mágico do quadrinista e escritor Ziraldo -Foto Mundo Zira/Divulgação

Na verdade, a curadora explicou que se trata de um grande salão que vai criando ambientes. Em um desses ambientes, a imagem do visitante é capturada e projetada dentro de uma ilustração de Ziraldo na parede em frente a ele. “O visitante vira então um personagem do desenho, daquela cena. Tem um menu de desenhos e o visitante pode escolher em qual imagem ele quer aparecer”. Na parte de percepção pelo desenho, há outro ambiente com mesas digitais, que o público escolhe qual desenho quer colorir, por textura diferente . Em seguida, o desenho é projetado muito grande na parede e os outros visitantes passam a ver sua arte, como você se tornou coautor de Ziraldo naquela ilustração.

A exposição destaca ainda outra linguagem ziraldiana, que são as onomatopeias. A interatividade funciona em alguns pontos do chão onde a pessoa passa e pisa, fazendo a onomatopeia surgir na parede com seu barulho característico. Daniela Thomas lembra que as exposições de Ziraldo, normalmente, são uma festa, porque seus desenhos são fascinantes. “São alegres, brilhantes, sedutores”, completou Adriana. “Isso encanta muito”. Em uma mostra interativa como essa, tudo vira festa.

De acordo com ela, que também é diretora do Instituto Ziraldo, “é uma exposição imersiva, divertida, dinâmica, indo além da contemplação, convidando o visitante a atuar e fazer parte da brincadeira. De acordo com as curadoras, Mundo Zira – Ziraldo Interativo é um convite ao estímulo da criatividade e da reflexão. A interação com as obras oferece experiência educativa, unindo arte, tecnologia e mensagens sociais e ambientais. Os temas, tratados pioneiramente por Ziraldo desde os anos 60, permanecem não apenas contemporâneos, mas também urgentes.