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“Guerra cultural” via redes sociais estimula violência política

Os disparos contra o ex-presidente Donald Trump, nos Estados Unidos (EUA), reacenderam o debate sobre o aumento da violência política em algumas sociedades nos últimos anos, como a brasileira e a norte-americana.

Para especialistas consultados pela Agência Brasil, os discursos de ódio e a chamada “guerra cultural”, potencializada pelas redes sociais, alimentam essa violência política que tem características distintas da vivida durante a Guerra Fria, quando os EUA e a antiga União Soviética (URSS) disputavam influências no planeta, resultando nas ditaduras pela América Latina.

O pós-doutor do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) sociólogo Pablo Almada destaca que a “guerra cultural” é uma estratégia usada não apenas para demarcar um posicionamento político, mas também criar espaços de batalha nas redes sociais.  

“A guerra cultural tem uma lógica bastante binária e excludente. Pensa-se em binarismos que são insuperáveis. É aquela ideia de nós, os nativos, contra os imigrantes. Nós, os locais, contra o globalismo, entre outras dicotomias. Isso cria um problema, que é muito grave, que é uma polarização que ultrapassa a esfera da política”, explicou.

Segundo o especialista, a “guerra cultural” é a disputa política no campo ideológico que disputa valores, crenças e normas culturais, sendo utilizada por grupos conservadores e de direita para manipular a opinião pública com retórica incendiária.

Almada avalia que essa lógica da “guerra cultural” ganhou força a partir dos anos 2010, especialmente com a eleição de Donald Trump, em 2016, quando o político republicano convocou o estrategista Steve Bannon para ser seu marqueteiro político.   

Violência legitimada 

O professor da Universidade de Denver, dos Estados Unidos, e pesquisador do Washington Brazil Office (WBO) Rafael R. Ioris, avalia que a violência política tem crescido nos últimos anos impulsionada pelos discursos de ódio que pregam a intolerância e legitimam o uso da força para resolver questões políticas.

“Tem diferença entre os contextos nacionais, mas o que essa nova violência política tem em comum é essa visão autoritária e homogênea da sociedade que prega que as diferenças têm que ser eliminadas e que isso tem que ser resolvido pela força, se necessário. Então isso faz parte de uma dinâmica mais ampla”, avalia.

Para Ioris, imaginou-se no final do século 20 que a violência política poderia ser superada em algumas sociedades. Porém, o que se viu nos últimos anos foi o crescimento dessa violência no Brasil, na Europa, e em outros países da América Latina.

“É uma retomada desse discurso da violência, das forças mais oligárquicas, mais conservadoras, defendendo que não se deve admitir que a esquerda dê certo na América Latina, por exemplo. Há uma nova manifestação de ações violentas dentro da política. Isso é preocupante, até mesmo chocante, porque a gente imaginava que tinha superado isso”, destacou.

Redes sociais

Os dois especialistas destacaram o papel das redes sociais e da desinformação no crescimento da violência política atual. Para eles, a internet potencializou a disseminação de discursos de ódio que, antes da internet, não circulavam de forma tão ampla.  

“Uma das características dessa nova forma de violência política é que ela perpassa os discursos construídos nas redes sociais. A desinformação amplifica essas visões equivocadas que se tem sobre o outro. Não é simplesmente uma notícia falsa, é a construção de discursos e narrativas a partir de memes e virais que circulam amplamente nas redes sociais”, explica o pesquisador da USP Pablo Almada.

Para o especialista da WBO Rafael Ioris, as redes sociais são centrais para o estímulo à violência política. “A ferramenta das redes sociais não é o mal em si, mas como ela serviu como instrumento para dar muita voz para esse discurso anti-sistêmico. Isso foi fundamental”, acrescentou.

Democracia

O crescimento da violência política é um sintoma de uma crise nas ditas democracias liberais do mundo que, ao não conseguirem resolver os problemas dos povos, abrem espaço para atores que propõem uma ruptura da própria democracia, segundo avalia o professor da Universidade de Denver Rafael Ioris. 

Para ele, há uma insatisfação crescente das pessoas nas sociedades modernas que, apesar de produzirem muitas riquezas, não são capazes de distribuí-las, concentrando os recursos no 1% mais rico.

“As pessoas não se sentem muito representadas pelos partidos que existem. Sentem que as eleições não dão conta das suas demandas. Com isso, um setor da população passa a defender a ruptura, ou seja, explodir tudo, romper com essa democracia”, acredita.

Para o sociólogo Pablo Almada, as instituições e práticas democráticas são alvos da “guerra cultural” e desinformação que circula nas redes, citando como exemplo os ataques aos resultados eleitorais no Brasil e nos Estados Unidos.  

“Os discursos da desinformação tencionam a democracia, deslegitimando as figuras que estão no poder público, os políticos. E, quando se deslegitima, acaba também associando às instituições às quais fazem parte. Por exemplo, a campanha de desinformação aqui no Brasil em relação ao Supremo Tribunal Federal (STF)”, pontuou.

Juventude

O pós-doutor do Núcleo de Estudos da Violência da USP Pablo Almada acrescenta ainda que a desinformação disseminada pelas redes sociais tem apelo especial na juventude, que é o público que mais consome internet.

“Para os jovens, a rede social funciona como um espaço para obter informações. Muitos não lêem outros meios, como portais de notícias. Eles acessam suas mídias sociais com as notícias que lhes interessam. Isso também faz com que eles estejam mais vulneráveis a essa desinformação”, ponderou.

Para o pesquisador da WBO Rafael Ioris, é difícil dizer se a juventude, em sua maioria, aderiu aos discursos mais radicalizados. “Nessa eleição na França, muitos jovens insatisfeitos, com subemprego, também acabaram apoiando um pouco essa visão de explodir o sistema. Então, talvez sim, mas eu não sei se é uma coisa que dá para generalizar”, afirmou.

Projeto da USP estimula o interesse de meninas pelas ciências exatas

Um projeto de extensão da Universidade de São Paulo (USP), que estimula meninas a aprenderem astronomia, ciências atmosféricas, geociências, física, dentre outras áreas da ciência, está com inscrições abertas a partir desta segunda-feira (20). 

O objetivo do projeto Astrominas é ensinar as ciências da terra e do universo para adolescentes entre 14 a 17 anos para desconstruir a ideia de que as ciências exatas não são para garotas. As turmas irão conectar mulheres cientistas e jovens alunas como forma de incentivá-las a seguirem carreira em ciência e tecnologia.

Serão ofertadas 400 vagas a serem sorteadas entre as inscritas. 20% serão reservadas para estudantes pretas, pardas ou indígenas e 60% das vagas serão destinadas a estudantes de escolas públicas. Para poderem concorrer, as inscritas devem comprovar que estão regularmente matriculadas em uma instituição de ensino básico. 

As inscrições vão até o dia 16 de junho e as atividades irão transcorrer em três semanas, com duração de 3 a 4 horas por dia. Mais informações estão disponíveis no site do projeto.

Ensino a distância estimula inclusão indígena, mas qualidade é desafio

Aos 21 anos, a indígena Macuxi, Roberta de Lima, acredita que fez uma boa escolha quando ingressou no curso a distância de tecnologia em empreendedorismo. Ela conta que iniciou os estudos no meio da pandemia de covid-19, quando as universidades paralisaram suas atividades presenciais. Mas esse não foi o único motivo que impactou em sua escolha. Não há universidades nos arredores de sua comunidade, no interior de Roraima.

“Não tinha condições de vir para a capital”, explica ela, justificando sua decisão de se matricular na UniCesumar, instituição vinculada à mantenedora Vitru Educação. A situação mudou e hoje, se aproximando da conclusão do curso, ela vive em Boa Vista. Roberta conta que o ensino superior lhe abriu portas e atualmente faz estágio no polo de ensino a distância da própria UniCesumar, o que lhe garante renda.

O polo de ensino a distância nada mais é do que um centro de apoio, devidamente credenciado pelo Ministério da Educação (MEC), onde é oferecido suporte aos estudantes desse cursos. Ali podem ocorrer algumas aulas, ocorridas de forma pontual, e também atividades avaliativas, cuja aplicação presencial é obrigatória. Além disso, no polo, é realizado atendimento técnico e pedagógico. Segundo Roberta, o estágio é o primeiro passo e ela sonha com um emprego de carteira assinada. Futuramente quer abrir o próprio negócio.

“Antes de estudar, eu já tinha meu próprio negócio, que era o artesanato. Também trabalhava em agricultura. Pra mim, entrar no curso foi muito bom. Abriu a minha mente e também melhorou a questão financeira, consegui o estágio. O ensino a distância é um meio de levar mais conhecimento para a minha comunidade, para o meu povo. E para os outros povos também. Acho que falta mais infraestrutura para atender a comunidade. Mais computadores, mais livros e mais cursos, na verdade, porque muitos deles ainda não chegaram aqui”, cobra ela.

A demanda por mais cursos é atestada pelos números. De acordo com dados do Censo da Educação Superior 2022, divulgado no ano passado pelo MEC, o crescimento da modalidade a distância no Brasil é impressionante, o que vem garantindo também aumento do número de estudantes de graduação no país. Simultaneamente, essa expansão tem gerado preocupações acerca da qualidade do ensino. Em uma década, o número de cursos saltou mais de 700% chegando a 9.186. O total de estudantes ingressantes por ano saiu de 1.113.850 em 2012 para 4.330.934 em 2022. É um salto de 288%. Considerando os dados de 2022, 95,7% das novas matrículas ocorreram em cursos ministrados por instituições privadas.

A quantidade de matrículas no ensino superior realizada por alunos autodeclarados indígenas também disparou ao longo da última década. Um levantamento do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Brasil (Semesp), realizado esmiuçando os microdados do Censo da Educação Superior 2021, indicou que houve uma evolução de 374% ao longo de uma década, entre 2011 e 2021. O avanço, no entanto, foi impulsionado sobretudo pelas matrículas em cursos presenciais. Ainda assim, nesse período, entre o contingente dos indígenas que concluíram o curso e pegaram o diploma, 19,8% foram na modalidade a distância.

É possível que esse percentual ainda cresça bastante nos próximos anos com as novas possibilidades da tecnologia moderna. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o uso da internet no Brasil alcançou em 2022 com recorde de 87,2% das pessoas com 10 anos ou mais. A ampliação do acesso ao mundo online é pré-requisito para a expansão dos cursos da modalidade a distância, que vem registrando seu crescimento mais robusto justamente nos últimos anos.

Em 2018, uma pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), entidade que representa grande parte do ensino superior particular do país, mostrava que o número de novas matrículas em cursos ministrados na modalidade a distância crescia em uma velocidade mais acelerada do que nos cursos presenciais. Em 2022, os dados do MEC mostram que houve 3,1 milhões de alunos ingressantes na graduação a distancia, quase o dobro dos 1,6 milhão que deram entrada na modalidade presencial.

Mas embora o acesso ao ambiente online venha sendo possível a partir de lugares cada vez mais remotos, ainda há significativas assimetrias regionais. Na região Norte, por exemplo, apenas 58,6% dos domicílios na área rural fazia utilização de internet. É nessa região que se concentram 44,48% da população indígena do país segundo o Censo Demográfico 2022.

  Ensino a distância nas comunidades – Marcelo Camargo/Agência Brasil

“O ensino a distância tem a capacidade de chegar mais nas comunidades, mas tem que ter uma infraestrutura mínima local que muitas aldeias não têm. Mesmo no estado de São Paulo, que tem mais recursos, às vezes elas não têm computadores e acesso à internet. O ensino a distância é uma democratização importante. Mas há desafios não apenas relacionados à qualidade do ensino. A metodologia é uma questão: é bastante desafiador realizar um acompanhamento mais próximo do aluno. Tem a questão de como esses estudantes podem se apropriar da tecnologia e do material didático. Isso é bem importante para povos que falam outras línguas”, diz Talita Lazarin, pesquisadora do Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo (CEstA-USP).

Embora a Constituição de 1988 tenha fixado a educação como um direito de todos e um dever do Estado, foram as ações afirmativas das últimas duas décadas que viabilizaram um maior acesso dos indígenas à educação superior. Isso inclui, por exemplo, as cotas, as políticas de assistência estudantil e a criação de licenciaturas específicas para a educação indígena. Elas ajudaram a driblar barreiras sociais e culturais que dificultavam o acesso às instituições tradicionais de ensino.

Nos últimos anos, o ensino a distância passou a ser um nova ferramenta de aceleração dessa inclusão. De acordo com Talita Lazarin, ela vem se mostrando eficaz não apenas para contornar barreiras sociais e culturais, mas também geográficas. Nestes cursos, os estudantes não precisam deixar suas comunidades, que muitas vezes se localizam em áreas de difícil acesso, e ainda podem conciliar os estudos com suas atividades comunitárias.

Em 2021, o levantamento do Semesp mostrava que 0,5% do total de alunos do ensino superior haviam se autodeclarado indígenas. Considerando os dados demográficos, esse percentual se torna significativo. Conforme o Censo 2022, cujos resultados foram divulgados pelo IBGE no ano passado, os indígenas residentes no Brasil representam 0,83% da população total do país. De toda forma, a diferença desses percentuais mostra que há espaço para o crescimento no número de matrículas.

Qualidade

Desde o ano passado, o MEC tem informado que estuda reavaliar o marco regulatório do ensino a distância no Brasil. A decisão foi anunciada após os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2022, que é aplicado em diferentes países sob a coordenação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os resultados do Brasil indicaram um alto percentual de alunos sem conhecimentos básicos em matemática e ciências.

A maior atenção se voltou para os cursos de licenciatura, nos quais os universitários se formam para atuar como professor no Ensino Fundamental ou Ensino Médio. O desempenho no Pisa gerou preocupação porque uma boa formação destes futuros professores é considerada essencial para melhorar a qualidade da aprendizagem das crianças e jovens da educação básica.

Um dado do Censo da Educação Superior 2022, divulgado no ano passado pelo MEC, também é apontado como justificativa para uma maior atenção ao assunto. A modalidade de ensino a distância absorveu 81% de todos os alunos ingressantes em cursos de licenciatura em 2022. Nas instituições privadas, esse percentual chega a 93,7%.

Diante do cenário, o MEC sinaliza que irá proibir a oferta de licenciatura 100% a distância e deve estabelecer um mínimo obrigatório de atividades presenciais. A expectativa é que ocorra assim uma melhora na qualidade dos cursos. A medida parece estar alinhada o que se observa em resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), por meio do qual uma prova escrita é aplicada aos alunos para avaliação dos cursos de ensino superior brasileiros. Os dados costumam indicar um desempenho melhor dos estudantes de cursos presenciais e de semipresenciais em comparação com os de cursos 100% a distância.

Celly Saba, professora e coordenadora do curso de Ciências Biológicas a distância oferecido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), acredita que as universidades públicas não devem sofrer com as mudanças. Ela dá o exemplo do Rio de Janeiro. No estado, as diferentes universidades públicas – como a Uerj, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), entre outras – se uniram para desenvolver uma plataforma de ensino a distância. Foi assim criado o Centro de Educação Superior a Distância do Rio de Janeiro (Cederj), por meio do qual os cursos são administrados.

“Nossas licenciaturas já possuem atividades práticas obrigatórias que o aluno tem que fazer na escola. A gente cumpre a legislação que exige um estágio supervisionado na escola. Sabemos que algumas universidade não cumprem, mas não é o nosso caso”, afirma. Ainda assim, ela faz ponderações.”No geral, estou vendo a postura do MEC com bons olhos. É preciso fixar regras porque quando a gente fala de licenciatura, estamos falando de formação de educadores. Mas eu entendo que de uma maneira geral para o Brasil, algumas regras podem ser puxadas. Principalmente se a gente entende que tem aluno que é trabalhador e que mora longe da região metropolitana, o que gera dificuldade maior de acesso. Talvez fosse o caso de pegar um pouquinho mais leve na questão da carga horária presencial”, avalia.

Celly destaca que o fato de ser ministrado a distância não pode significar que haverá menor exigência. “Nós observamos um fenômeno muito parecido com o que ocorre nos nossos cursos presenciais. A evasão geralmente acontece logo no início do curso, até o segundo período. Porque há um mito de que ensino à distância é fácil. E não é bem assim. Quando eles percebem que não vão conseguir se adaptar, eles desistem. Porque tem que estudar, tem que ter toda uma disciplina, cumprir um cronograma”.

Ela também levanta dados que desafiam a ideia de que o mercado de trabalho menospreza esses cursos e não valoriza os concluintes. “O que a gente observa é que os alunos da educação a distancia levam um pouquinho mais de tempo para concluir. Mas posso dizer que 90% dos concluintes na Uerj vão para o mercado de trabalho rapidamente e a maioria deles vai para aquela área do curso que ele fez. É uma grande satisfação que a gente”, diz ela.

Mantenedora da UniCesumar e da Uniasselvi, a Vitru Educação encomendou à consultoria Nomads um estudo sobre a inserção no mercado de trabalho de seus alunos e ex-alunos da modalidade de ensino a distância. Os resultados indicam que 15,5% obtiveram seu primeiro emprego na área em que estavam cursando e outros 16% relataram que os estudos lhe proporcionaram uma promoção ou um mudança no cargo que possuíam antes. Houve ainda outros 17,5% que afirmaram ter obtido aumento salarial.

A discussão mobiliza diversos pesquisadores. Mas apesar das preocupações com a qualidade, há geralmente um reconhecimento de que a modalidade a distância será fundamental para ajudar o país a alcançar metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Uma delas estabelece que 33% dos jovens de 18 a 24 anos estejam na educação superior. No último balanço divulgado, de 2022, esse percentual era de 25,3%.

Perfil

O levantamento da Abmes realizado em 2018 agregou dados que indicam diferenças no perfil dos estudantes de graduação conforme a modalidade de ensino. Os jovens respondiam majoritariamente pelas matrículas de educação presencial: 53% tinham até 30 anos. Já no ensino a distância, 67% tinham mais de 30 anos. Além disso, nessa modalidade, havia um maior percentual de alunos que trabalhavam, que estudaram em escolas públicas e que situavam-se nas classes C e D.

Na época em que esses dados foram divulgados, o então vice-presidente da ABMES, Celso Niskier, avaliou que a expansão do ensino a distância promovia uma inclusão educacional de pessoas mais velhas que já estavam no mercado de trabalho. “Esse público precisa da flexibilidade da educação a distância para completar o curso superior”, disse Niskier, que hoje preside a ABMES.

No caso específico dos indígenas, faltam estudos mais detalhados. Não há pesquisas que se dedicaram a traçar um perfil desses ingressantes em cursos de ensino a distância. Celly Saba revela uma dificuldade na Uerj. “O que acontece é que nós não temos esses alunos identificados. Se entraram pela reserva de vagas, consta que é cotista. E a cota é para negros, oriundos de escolas públicas, povos indígenas e quilombolas. Então os indígenas ficam nesse meio”, diz.

De acordo com Talita Lazarin, há elementos na cultura indígena que também podem explicar a boa aceitação do ensino a distância por parte deste público. “Ele permite que as pessoas continuem vivendo nas suas comunidades enquanto estão estudando. Porque umas das grandes questões para estudantes indígenas é ter que morar fora. Para vários povos, é muito difícil passar muito tempo longe da família e da comunidade. Por outro lado, irá demandar dele uma maior independência. O ensino a distância exige que a pessoa faça um planejamento de estudo, tenha uma disciplina”, diz a pesquisadora do CEstA-USP.

Lazarin também observa que, mesmo após formados, eles geralmente querem seguir vivendo na aldeia, como profissionais atuando, por exemplo, na escola ou no posto de saúde comunitário. Nos polos de Feijó e Tarauacá, no Acre, as universidades vinculadas à Vitru Educação atendem cerca de 200 estudantes indígenas oriundos de sete aldeias. O gestor acadêmico Geisson de Souza, que atua no suporte a esses alunos, faz constatação similar.

“Eles não querem se transformar em pessoas brancas. Eles querem assimilar a nossa cultura, assim como nós queremos aprender a deles, sem deixar de ter a própria essência. A procura maior é por Pedagogia, Gestão Pública, Enfermagem e   Biomedicina. O que a gente observa é que 99% dos nossos alunos indígenas não querem fazer uma graduação para passar em um concurso e vir para a cidade, porque tem mais oportunidade. Eles querem absorver o conhecimento, se tornar um profissional de excelência e voltar para aplicar esse conhecimento com o intuito de melhorar a vida das pessoas que cresceram com eles”, explicou.

A experiência nas universidades vinculadas à Vitru Educação refletem os dados do levantamento do Semesp realizado em 2021. Eles indicam que os cursos a distância com mais estudantes indígenas eram pedagogia (21,3%) e administração (7,0%). “A evasão do aluno indígena é pelo menos 50% menor do que dos demais alunos. Assiduidade e pagamento também. É quase 90% a adimplência deles, o que indica que estão levando o curso a sério, estão realmente interessados”, acrescenta Geisson. Segundo ele, esses estudantes afirmam que concluir o ensino superior e compartilhar seus conhecimentos é uma forma de mostrar o compromisso com sua comunidade.

Essa é a expectativa da indígena macuxi Consolata Gregorio, de Normandia (RR). “Sou falante da língua maimu, e escolhi o curso Pedagogia porque sou professora, trabalho com crianças da educação infantil e fundamental ensinando a elas a língua materna Macuxi. Quero aprofundar mais o que eu já tenho de conhecimento”, explica.

Nobel de Química estimula alunos da USP a seguirem carreira científica

Ganhar o Prêmio Nobel de Química em 2021 serviu como um lembrete ao pesquisador escocês David MacMillan da paixão que nutre pela área de conhecimento que escolheu para dar sua contribuição ao mundo. Catedrático da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, MacMillan participou nesta quarta-feira (17) de um evento realizado na Universidade de São Paulo (USP), organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), em parceria com a Fundação Nobel.

MacMillan recebeu a distinção com Benjamin List, pelo caráter inovador de métodos de construção de moléculas orgânicas. O processo que aprimoraram é conhecido como organocatálise assimétrica e serve, por exemplo, à indústria farmacêutica.

Diante de um auditório cheio, o pesquisador revelou que, enquanto desenvolvia o projeto com o colega, tinha uma preocupação mais ordinária, que era a de manter seu emprego de professor, e que um dos benefícios trazidos pelo reconhecimento atingido foi o de ampliar contatos na comunidade científica. Na época, ele ocupava o cargo de professor assistente na Universidade de Berkeley, também nos Estados Unidos, e tinha um prazo de seis anos para mudar de categoria e, com isso, garantir sua vaga no quadro docente, o que evidencia as cobranças em torno da produtividade e excelência dos pesquisadores.

O escocês disse, ainda, que a experiência também fez com que passasse a se ver como um embaixador da ciência, “tarefa levada com seriedade”, e que algo que o ajudou a receber o prêmio foi cogitar possibilidades diferentes das já pavimentadas por outros colegas.

“O impacto pelo que eu estava esperando era: será que conseguirei manter meu emprego?”, contou, rindo.

“Em última análise, eu estava pensando mais em estava olhando as coisas que estávamos fazendo e me perguntando: do modo com a química funciona, todos fazem desse jeito aqui. Esse jeito faz sentido? Algumas maneiras faziam sentido, mas outras pareciam estranhas para mim. Então, comecei a pensar: existem maneiras diferentes de se fazer, de se pensar? E foi aí que começamos a enveredar por uma direção completamente distinta”, emendou.

Também participaram do evento a psicóloga e neurocientista norueguesa May-Britt Moser, que ganhou o Nobel de Medicina em 2014 e chefia o departamento do Centro de Computação Neural na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, e o físico francês Serge Haroche, laureado com o Nobel de Física em 2012 e que leciona no Collège de France. O diálogo foi realizado no auditório do Centro de Difusão Internacional da USP.

Projeto estimula leitura entre jovens em regime socioeducativo no PR

“Precisamos ampliar nossas poéticas de viver em um mundo que está afundando sob nossos pés. Temos que aprender a amar como uma defesa contra a dor e a violência do mundo.” Com essa saudação por escrito, o líder indígena e escritor Ailton Krenak, da Academia Brasileira de Letras (ABL), dirigiu-se, na última quinta-feira (7), a cerca de 200 adolescentes e 30 professores de 19 unidades socioeducativas no Paraná, que o aguardavam no Clube de Leitura (conferência virtual) para uma conversa sobre o seu livro Um rio um pássaro, com memórias e reflexões sobre a vida e a formação do movimento indígena no Brasil.

Krenak era um convidado especial. Neste mês, faz quatro anos que o Centro de Socioeducação de Londrina II (Cense II) iniciou uma rotina para estimular a leitura entre jovens internados. Desde então, todo mês, professores, psicólogos, assistentes sociais e juízes conversam com os educandos sobre livros com que estes tiveram contato em sala de aula.

O papo é por meio de videoconferência. A tecnologia coloca unidades de internação em rede, e isso permite que os jovens se vejam e debatam sobre as leituras, podendo, eventualmente, ter contato com os próprios escritores.

Desde 2000, o Clube de Leitura recebe escritores como Itamar Vieira Júnior, autor de Torto Arado, vencedor dos prêmios Jabuti e Oceanos; o rapper Edi Rock, do Racionais MC’s, um dos autores do livro Sobrevivendo no Inferno; o jornalista Laurentino Gomes, autor dos três volumes de Escravidão; o padre Júlio Lancelotti, que escreveu Amor à Maneira de Deus; e Ferréz (Reginaldo Ferreira da Silva) autor de Capão Pecado, romance sobre um adolescente que quer sair do lugar muito violento onde vive e cresceu.

Na quinta-feira, Ailton Krenak não pôde participar do Clube de Leitura por causa de uma emergência e perdeu a chance de ouvir diretamente dos meninos, inclusive dois indígenas, e meninas (12, no total) o que aprenderam com a leitura de seu livro. Também não teve oportunidade de saber o que foi discutido em sala de aula sobre projetos pedagógicos que tratavam da língua portuguesa e da indígena, de geografia, história, sociologia, meio ambiente e diversidade cultural – todos conteúdos inspirados no texto do primeiro indígena imortal eleito para a ABL.

“Aprendo com os meninos”

Assíduo participante das videoconferências com os adolescentes leitores, escritores e professores, o desembargador Ruy Muggiat, do Tribunal de Justiça do Paraná, diz que, além do contato com livros e autores, o Clube de Leitura possibilita o compartilhamento de experiências.

A presença do desembargador muda a ótica dos adolescentes sobre os juízes, mas também amplia a visão do desembargador sobre os educandos, afirma Muggiat. “Aprendo muito com os meninos e as perguntas que fazem.”

Aumentar o conhecimento e a experiência profissional também tem dado boas oportunidades no Clube de Leitura para Maria Moreira, professora de literatura dos centros de socioeducação do Paraná, que gostou muito do livro de Krenak. “Foi o livro com que tanto eu quanto os meninos mais nos identificamos”, testemunha a professora.

Segundo Maria, o livro de Krenak “dialoga com a maneira como os meninos veem”, e eles se identificaram muito” com o que o autor aborda, como, por exemplo, os sonhos. “A gente ainda é indígena, sabe? Então os meninos curtiram ler”, comenta a professora.

O projeto é iniciativa da assistente social Andressa Ferreira Cândido, servidora do Estado do Paraná e lotada no Cense II.

Em abril, o Clube de Leitura se prepara para receber a escritora Marina Miyazaki Araujo, que vai falar do seu livro Pai Francisco, sobre a história de um menino que está longe do pai, afastado do convívio social. Para os meses seguintes, Andressa já trata de novos convites para os autores, que falam gratuitamente com os adolescentes.

Enquanto prepara as sessões do Clube de Leitura, a assistente social sonha com alguns convidados. “Eu estou focada no [ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania] Silvio Almeida”, revela. Para Andressa, o autor de Racismo Estrutural seria um ótimo nome para conversar com os adolescentes em uma data próxima ao Dia da Consciência Negra, 20 de novembro.

Segundo Andressa, os jovens querem conversar com Drauzio Varella no Clube de Leitura. “É perfeito porque ele trabalhou dentro de unidade fechada, né?”, comenta ao citar o interesse dos jovens pelo livro Estação Carandiru, em que autor narra sua experiência como médico voluntário, a partir de 1989, na Casa de Detenção de São Paulo.

O direito a atividades culturais, assim como o direito à escolarização, está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescentes (1990). O Clube de Leitura do Cense II foi vencedor da primeira edição do Prêmio Prioridade Absoluta, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na categoria Poder Público em 2021.