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Especialistas alertam para escalada de conflito no Oriente Médio

O ataque do Irã a Israel representa uma mudança na situação do Oriente Médio e pode levar a uma escalada nos conflitos na região, de acordo com especialistas entrevistados pela Agência Brasil. O ataque evidenciou alianças e mostrou claramente um posicionamento iraniano.

“O que aconteceu ontem muda a situação do Oriente Médio”, diz o professor do Departamento de Sociologia e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Michel Gherman. “Não é novo que Israel e Irã se ataquem mutuamente nos últimos 40 anos, mas eles fazem isso de maneira a usar intermediários. O que aconteceu ontem é que o Irã ataca diretamente Israel”, acrescenta.

Segundo Gherman, o ataque marca o posicionamento iraniano na região. “Um reposicionamento se colocando frente à frente com Israel, em algum sentido se preparando para uma guerra regional em algum momento”, diz.

“Então o que o Irã mostrou é que ele está no jogo, que ele está disposto a avançar algumas casas, mas em algum sentido ele apostou no ataque médio. Não foi um ataque pequeno, foi longe de ser pequeno, mas não foi um ataque no limite das possibilidades do Irã. O Irã poderia ter lançado 3,5 mil mísseis e lançou 350”, destaca Michel Gherman.

No início do mês, aviões de combate supostamente israelenses bombardearam a Embaixada do Irã na Síria. O ataque matou sete conselheiros militares iranianos e três comandantes seniores. Neste sábado (13), a ofensiva foi do Irã, que atacou o território israelense com mísseis e drones, que em grande parte foram interceptados pelas forças de defesa israelenses.

A professora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Rashmi Singh diz que é importante contextualizar o ataque. “Precisamos lembrar que o Irã não está fazendo isso do nada, é uma retaliação do bombardeamento do consulado em Damasco, que foi uma coisa muito inaceitável em termos de normas internacionais. Ninguém pode tocar em consulados de outro país em um terceiro país. Então isso foi uma coisa bem errada do lado do Israel”, diz.

Rashmi Singh, que é codiretora da Rede de Pesquisa Colaborativa sobre Terrorismo, Radicalização e Crime Organizado e autora do livro Hamas e o Terrorismo Suicida, chama atenção ainda para uma falta de resposta do Conselho de Segurança das Nações Unidas em relação a esse ataque feito por Israel. “Então, isso já foi um problema em termos de a reposta do Ocidente, do Norte Global, que nós estamos vendo claramente, que não está tratando o conflito Oriente Médio de forma equilibrada, é totalmente em apoio do Israel, sem ver exatamente o que está acontecendo, e tentando pintar ou colocar qualquer país, especialmente o Irã, como se este fosse um ato irracional. Até agora o ato mais irracional nessa situação é de Israel. Então, nós precisamos colocar isso também no contexto”, enfatiza.

O pesquisador e professor do curso de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Bruno Huberman acrescenta que o ataque do Irã respeitou as normais internacionais. “O Irã faz essa resposta previsível, essa informação já tinha sido vazada na sexta-feira, nos jornais, que isso poderia acontecer. No sábado, estava todo mundo esperando isso acontecer e, quando aconteceu, demorou horas para de fato acontecer o início do ataque e a realização dele. Então, teve toda uma preparação, que foi revelada. E esse ataque do Irã, ele respeita o direito internacional”, avalia.

Alianças em evidência

Para Gherman, o ataque evidenciou o apoio que Israel tem de outros países. “Os aliados foram aliados novos e velhos. Os novos, eu diria que tem o reposicionamento da Jordânia e da Arábia Saudita, e os velhos aliados que se colocaram ao lado de Israel foram Grã-Bretanha e Estados Unidos. Então, em algum sentido, o Irã produziu uma coalizão de apoio a Israel contra ele”, diz.

Apesar da aliança, Huberman ressalta que os Estados Unidos mostraram que não estão dispostos a uma ofensiva.

“Isso colocaria Israel sozinho nesse contra-ataque. Porque os Estados Unidos parecem dispostos a auxiliar na defesa israelense, mas não na ofensiva israelense. E esse ataque feito pelo Irã foi extremamente moderado”, destaca Bruno Huberman

O pesquisador enfatiza que não se conhece ao certo as capacidades bélicas iranianas. O conflito poderia levar ainda a um envolvimento da Rússia. “A gente não sabe das capacidades defensivas e ofensivas iranianas. E um movimento diretamente de Israel em território iraniano certamente levaria ao envolvimento russo nesse conflito.” A aliança entre Irã e Rússia vem da Guerra Civil de Síria, permanece e se torna uma aliança estratégica entre os dois atores, de acordo com o pesquisador. “Então, um escalonamento será certamente desastroso. E vai gerar diversas repercussões”, alerta.

O professor chama atenção ainda a outras possíveis repercussões para além dos conflitos externos. O apoio dado pela Jordânia a Israel pode gerar um descontentamento interno. “A Jordânia auxiliou Israel na defesa, o que vai contra completamente os interesses da sua população. Eu acredito que nos próximos dias, semanas, a gente vai ver revoltas populares bastante duras na Jordânia contra a manutenção do atual Reino Haxemita. A maior parte da população jordaniana é de descendência palestina, por exemplo. Então, essa aliança da Jordânia com Israel e com os Estados Unidos não é bem-vista pela população. Então, pode gerar diversos desdobramentos para além do confronto militar em si”.

De acordo com Gherman, a nova configuração pode gerar pressão para o fim do genocídio que Israel está promovendo em Gaza. “Essa guerra em Gaza tem que acabar, porque, enquanto ela não acaba, você tem a produção de mortes em Gaza, é uma situação de produção de instabilidade regional”, diz. “Eu acho que hoje, mostrando como o mundo está instável naquela região, é preciso que a haja um cessar-fogo imediato em Gaza para evitar um alastramento efetivo de uma guerra regional, que seria ruim para todo mundo, inclusive para Israel.”

Desde o dia 7 de outubro de 2023, mais de 32 mil pessoas perderam a vida em toda a Faixa de Gaza e na Cisjordânia, incluindo 13 mil crianças, e mais de 74 mil ficaram feridos, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Cerca de 1,7 milhão, quase 80% da população da Faixa de Gaza, foram deslocadas. Dessas, 850 mil são crianças.

Na análise do pesquisador, embora o ataque iraniano não impacte diretamente em Gaza, os países que apoiaram Israel nesse contexto podem também pressionar o país para o fim desse massacre. “Eu vejo possibilidades concretas agora de avanço, de esforços para o final do que está acontecendo em Gaza. O que está acontecendo em Gaza tem que parar. Eu acho que é isso que os países envolvidos na defesa de Israel ontem, inclusive Jordânia e Arábia Saudita, de algum jeito, podem avançar numa pressão junto com Biden [presidente dos Estados Unidos, Joe Biden] para que Netanyahu [primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu] se retire definitivamente e Gaza deixe de ser um locus de instabilidade no Oriente Médio.”

Posicionamento brasileiro

Após o ataque iraniano, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil divulgou, no sábado (13) à noite, uma nota no qual o governo brasileiro manifesta “grave preocupação” com relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel. De acordo com a nota, a ação militar deixou em alerta países vizinhos e exige que a comunidade internacional mobilize esforços para evitar uma escalada no conflito.

Na avaliação da pesquisadora Rashmi Singh, a resposta do Brasil foi equilibrada.

“Eu acho que a posição do Brasil ficou bem clara. O Brasil está criando um espaço próprio dentro do sistema internacional onde ele está claramente se colocando em uma posição de moralidade em termos do que está acontecendo contra os palestinos, ao mesmo tempo ele está tentando colocar um pouco mais de responsabilidade em ações de Israel”, diz a pesquisadora. “Foi [uma nota] muito equilibrada, que nós podemos perceber que eles não condenaram o ataque, mas ficaram bem preocupados com o ataque em termos da escalada do conflito regionalmente.”

Já para Gherman, o posicionamento do Brasil deixou a desejar. “É uma nota que diz pouco e em um momento em que ela poderia dizer muito mais. Eu acho que o Brasil tem que se colocar publicamente como uma alternativa concreta para o avanço da paz e de acordos na região. Não está fazendo isso. Está resolvendo as questões, tentando manter alianças que já tinha constituído. Parece que é pouco perto do papel que o Brasil pode exercer”, avalia.

A escalada da chikungunya nas Américas: 3,7 milhões de casos em uma década

26 de janeiro de 2023

 

O artigo “Chikungunya: a decade of burden in the Americas”, recém-publicado na revista “The Lancet Regional Health – Americas”, ressalta a atual situação epidemiológica da febre chikungunya nas Américas e discute perspectivas para futuras pesquisas e estratégias de saúde pública para combater o vírus (CHIKV) causador da doença. Em um trabalho de fôlego, renomados cientistas de diversos países mapeiam a disseminação do vírus, mostrando que a doença já conta 3,7 milhões de casos confirmados em 50 países ou territórios da região, entre 2013 e 2023. A professora Maria Anice Mureb Sallum, do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, é uma das autoras do trabalho.

De acordo com o texto, os primeiros casos autóctones (de origem no local) do vírus chikungunya na região foram registrados na Ilha de São Martinho, em dezembro de 2013, e rapidamente se espalharam pelas Américas, causando epidemias até os dias atuais. No artigo, diversos gráficos ilustram o histórico de disseminação do vírus, trazendo um apanhado das epidemias e locais de ocorrência.

Desde 2016, o Brasil é considerado o epicentro das epidemias de chikungunya nas Américas, com 1,6 milhão de casos registrados, enfrentando surtos anuais da doença, segundo o artigo. Uma das razões para essa eminência do vírus no País é o grande número de pessoas suscetíveis, o clima adequado e a abundante presença do vetor do vírus – o mosquito Aedes aegypti. Contudo, a espacialidade da distribuição da doença e do vírus está condicionada à heterogeneidade do território brasileiro.

De acordo com o estudo, ao manter a circulação prolongada do CHIKV, o Brasil tem potencial de se tornar uma fonte de disseminação do vírus para novas regiões geográficas com grandes populações suscetíveis. Algumas regiões podem tornar-se mais suscetíveis a surtos devido às alterações climáticas, incluindo a América do Norte, a Europa e outros países da região do Cone Sul da América do Sul. Além disso, existe o risco de reintrodução em áreas anteriormente afetadas, onde ainda podem existir populações suscetíveis. Por exemplo, o Paraguai, um país com uma população de 6,7 milhões de habitantes, notificou 85.889 casos de chikungunya em 2023. Da mesma forma, a Argentina notificou 1.336 casos de chikungunya em 2023, após um hiato de seis anos desde sua primeira epidemia em 2016.

O texto ainda menciona algumas medidas que poderiam ser tomadas para diminuir o impacto do vírus nas Américas, como a vigilância molecular contínua, o diagnóstico imediato e o tratamento adequado da febre da chikungunya e de outras doenças intermediadas por mosquitos; um melhor monitoramento da evolução e propagação do CHIKV através de dados genômicos e sorológicos; uma melhor compreensão da dinâmica de transmissão espaço-temporal do CHIKV em múltiplas escalas geográficas; novas abordagens para o controle dos vetores e para a redução da capacidade vetora dos mosquitos para a transmissão do CHIKV e a distribuição de vacinas para as populações em risco de adquirir a infecção.