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Cerca de 2,4 mil famílias ocupam imóveis abandonados no centro do Rio

O cheiro de urina é forte ao se aproximar do edifício. Lençóis substituem as janelas. Arbustos crescem pela fachada, dando ao prédio de oito andares um aspecto a mais de abandono. Tudo parece estar caindo aos pedaços, se desfazendo aos poucos. No portão de ferro preto da entrada, dois algarismos pintados em branco informam, ao correio, que ali é o número 53 da Avenida Venezuela, na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro.

Ocupação Zumbi dos Palmares, no centro do Rio – Tomaz Silva/Agência Brasil

Esse imóvel insalubre e inseguro, que inclusive está oficialmente interditado pela Defesa Civil, é o “lar” de cerca de 100 pessoas, que, por diversos motivos, precisaram buscar uma moradia e consideraram que ali seria a alternativa menos pior.

O local é apenas um entre as 69 edificações abandonadas na região central do Rio de Janeiro, que foram transformadas em moradia por 2.435 famílias sem teto, segundo levantamento publicado recentemente pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Observatório das Metrópoles e Central de Movimentos Populares.

De acordo com a pesquisa, 50 imóveis ocupados (72,5% deles) são privados e 19 são públicos (27,5%). A maioria (34 imóveis) é formada por prédios verticalizados. Mas também há ocupações em antigos casarões (18), conjuntos de casas (11), terrenos ocupados (cinco) e instalações fabris ou galpões (um).

Em 30 ocupações visitadas, o estudo constatou que as famílias viviam geralmente em cômodos unifamiliares. Mas também foram identificados cômodos nos quais residiam mais de uma família. Os pesquisadores também perceberam que cerca de 25% dos cômodos eram ocupados por mães solos e que mais de 500 crianças moravam nesses imóveis.

O levantamento mostrou que a ocupação desses imóveis se torna alternativa habitacional para os segmentos sociais mais vulneráveis, como mulheres pretas, mães solos, pessoas em situação de rua, egressos do sistema penitenciário, desempregados, migrantes, pessoas LGBTQIA+ vítimas de violência, entre outros grupos sociais vulneráveis.

Ocupação Zumbi dos Palmares

No caso do número 53 da Avenida Venezuela, dezenas de famílias, com idosos, adultos, jovens e crianças, se dividem em cômodos improvisados espalhados pelos andares daquele prédio abandonado, numa região da cidade que vem recebendo milhões de reais em investimentos para revitalização, desde antes dos Jogos Olímpicos Rio 2016.

O coletivo de moradores, chamado de Ocupação Zumbi dos Palmares, começou em 2005 e teve que enfrentar uma retirada forçada em 2011, mas, diante da permanência da situação de abandono da edificação, voltou a sofrer ocupações por novas famílias nos anos seguintes. A atual ocupação começou pouco antes do início pandemia de covid-19.

Quase 20 anos se passaram desde a primeira ocupação por pessoas sem teto e as incertezas sobre o futuro permanece entre aqueles que vivem no local. O proprietário do edifício, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), tenta reaver a posse do imóvel na Justiça.

O prédio, que já foi sede do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (Iapetec) está sem uso pelo INSS há anos e é classificado pelo instituto como “não operacional”, segundo o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (Najup), da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ainda de acordo com o Najup, o prédio encontra-se em processo de transferência para a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que, por sua vez, informou que o imóvel ainda não está sob sua administração.

Um levantamento realizado pelo Najup em 2022, com 54 moradores da ocupação Zumbi dos Palmares, mostrou que 85,2% são pretos ou pardos, 64,8% são mulheres cis e 3,7% são mulheres trans. Entre os chefes de família, 63% são do sexo feminino, das quais 34,3% são mães solo. Dos moradores, 61 eram crianças e adolescentes.

“São famílias que estavam em outras ocupações urbanas na região central, também precárias; muitas pessoas que estavam em situação de rua; algumas mulheres vítimas de violência doméstica; algumas pessoas trans”, afirma a professora da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mariana Trotta, que coordena o Najup. “É um público majoritariamente de camelôs, catadores de material reciclável e algumas pessoas que vivem apenas de doação. São pessoas extremamente vulnerabilizadas”.

Dificuldades

Larissa Rodrigues, de 26 anos, vive com três de seus cinco filhos. Fugindo de uma situação de violência doméstica, ela saiu de sua casa e precisou buscar um novo refúgio.

“Faz três anos que eu moro aqui, mas o prédio é cheio de rachaduras e balança muito. A água é escassa e a bomba só consegue jogar até o quarto andar. Quem mora no quinto e sexto, tem que descer pra buscar água. E a luz é complicada, porque só tem luz quem consegue comprar uma fiação. Quem não tem dinheiro pra comprar fio, não tem luz”.

Larissa Rodrigues mora com três, dos cinco filhos na ocupação – Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Larissa, que é uma beneficiária do Programa Bolsa Família, mas vende doces para complementar a renda, diz que, dia desses, teve um sonho auspicioso. “Sonhei que vinha uma pessoa me procurando, com uma chave”, conta esperançosa. “Quem sabe não é a chave de uma casa nova chegando”, afirmou.

A manicure Thayane Cristina, de 28 anos, também teve que sair de casa, vítima de um relacionamento abusivo, com suas filhas. “Eu me separei do meu marido e fiquei uma semana na praia, com as crianças, sem ter pra onde ir. Antes de vir pra cá, eu tentei viver em um outro casarão. Era estranho viver sem água e sem luz. Mas para sair daquele sofrimento que eu vivia na minha casa, eu tive que ir pra lá. Depois eu vim pra cá, que era melhor e acabei ficando”.

Hoje ela tem quatro filhas, com idades entre um e nove anos. Mesmo vivendo em um imóvel com risco estrutural há cerca de dois anos, Thayane diz que prefere ficar ali do que na rua. Ela entende que a melhor solução para os moradores da Zumbi dos Palmares seria a reforma do prédio para que eles pudessem continuar no local. Se não for possível, ela gostaria de morar em outro lugar no centro da cidade.

“Todos os dias é o mesmo desespero, de alguém chegar aqui, despejar a gente e a gente não ter pra onde ir. Todo mundo aqui tem uma história. Ninguém está aqui porque quer”, diz Thayane. “O risco de viver aqui é nítido pelas rachaduras na parede. Mas se a gente sair daqui, vai pra onde com esse tanto de criança?”

Para buscar uma solução para o prédio da avenida Venezuela e seus moradores, o Ministério Público Federal convocou uma audiência pública, para o próximo dia 16. Foram convidados representantes do INSS, da Secretaria de Patrimônio da União, do Ministério das Cidades e das secretarias estadual e municipal de Habitação.

Segundo o procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto no Rio de Janeiro, Julio Araujo, o objetivo da audiência pública é garantir a resolução dos problemas estruturais do imóvel e a destinação do prédio para moradia digna das famílias de baixa renda.

“O Ministério Público entende que, independentemente dos problemas estruturais do imóvel e da necessidade eventual de retirada temporária dos moradores, é fundamental garantir a destinação daquele imóvel para uma finalidade social e uma finalidade social de moradia, já que é um prédio vago que o INSS não ocupa, [um prédio] que não cumpre sua função social bastante tempo”, explicou Araujo, à Agência Brasil.

Autoridades

A Defesa Civil Municipal realizou 23 vistorias no prédio da avenida Venezuela desde 2007, sendo a última delas em 29 de maio deste ano. Segundo o órgão, durante esta última inspeção, os técnicos identificaram “o péssimo estado de conservação do local, com condições insalubres e instalações clandestinas que podem ocasionar risco de incêndio. O imóvel foi interditado pela Defesa Civil e o documento foi entregue aos responsáveis do INSS, uma vez que a vistoria foi feita com a presença de representantes do instituto”.

A Defesa Civil informou que também encaminhou o laudo técnico para a Secretaria Municipal de Assistência Social e para a Subprefeitura do Centro.

 Ocupação Zumbi dos Palmares, na Avenida Venezuela. Prédio pertence ao INSS – Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Segundo Mariana Trotta, os problemas estruturais do imóvel colocam a vida dos moradores em risco. Para ela, a solução seria conceder provisoriamente aluguel social para essas famílias, até que elas fossem realocadas em um imóvel permanente no próprio centro da cidade.

“Ou que o imóvel fosse requalificado pelo INSS ou pela Secretaria de Patrimônio da União, por esse programa de democratização dos imóveis da União, para que fosse feita a locação social para essas famílias”, destacou a professora da UFRJ.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o INSS informou que está negociando com a prefeitura do Rio de Janeiro para que o poder público municipal compre o imóvel da avenida Venezuela e faça a devida alocação das pessoas que atualmente o ocupam.

O Ministério das Cidades não respondeu à Agência Brasil sobre possíveis propostas para o destino da ocupação. A Secretaria Estadual de Habitação informou apenas que o prédio pertence ao governo federal.

Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, a prefeitura já fez o cadastramento dos moradores da ocupação Zumbi dos Palmares e está retomando o Programa Minha Casa, Minha Vida junto ao Governo Federal para dar prosseguimento às ações necessárias.

No entanto, a Secretaria não respondeu à Agência Brasil sobre quais são os planos de moradia para as famílias que vivem nas outras ocupações do centro da cidade do Rio de Janeiro.

Embaixatriz do Gabão fala em filho traumatizado por abordagem da PM

Julie-Pascale Moudouté, embaixatriz do Gabão no Brasil, falou que o filho de 13 anos está traumatizado depois que ele e mais dois amigos, todos negros, foram abordados de forma violenta por policiais militares no Rio de Janeiro, na terça-feira (3). Os outros dois meninos também são filhos de diplomatas, um do Canadá e o outro de Burkina Faso.

Moudouté vê claros sinais de racismo no comportamento dos policiais. Outros dois amigos brancos que estavam com eles no momento da abordagem não teriam sofrido as mesmas agressões.

“O que a gente acha estranho é que só os três foram contra a parede. Que são de nacionalidades diferentes e de cor preta. A gente precisa de uma explicação também para isso. A gente acredita na Justiça brasileira. O trauma dos meninos não é só de um dia. Vai permanecer e a gente vai ter que cuidar disso”, disse a embaixatriz, em entrevista à TV Brasil.

Um vídeo mostra os policiais chegando com armas em punho e colocando os adolescentes contra a parede. Julie-Pascale Moudouté disse que, a princípio, o filho não falou muito sobre o episódio. Só depois de terem acesso às conversas que ele trocou com o irmão mais velho tiveram a dimensão real das agressões e ficaram em choque.

“Eles têm só 13 anos. Colocar uma arma na cabeça de um menino, imagina como isso repercute para ele? Ele nunca viu uma arma, nem de brinquedo. Porque na nossa casa, não oferecemos esse tipo de brinquedo. Uma criança de 13 anos ser abordada dessa forma tão violenta, contra uma parede? Ter que mostrar as partes genitais? Primeiramente, a abordagem tem que ser de uma forma respeitosa. Perguntar pelos pais, porque eles são menores de idade. E não sair da viatura já com arma”, diz a embaixatriz.

Investigações

A assessoria de imprensa da Polícia Militar afirmou que os policiais envolvidos na ação portavam câmeras corporais e que as imagens serão analisadas para constatar se houve algum excesso por parte dos agentes.

“Em todos os cursos de formação, a Secretaria de Estado de Polícia Militar insere nas grades curriculares como prioridade absoluta disciplinas como Direitos Humanos, Ética, Direito Constitucional e Leis Especiais para as praças e oficiais que integram o efetivo da Corporação”, diz nota divulgada pela PM.

A Polícia Civil informou que depois da veiculação de notícias sobre o ocorrido, a Delegacia Especial de Apoio ao Turismo (Deat) iniciou uma investigação. Agentes buscarão ouvir os adolescentes abordados.

Lula reinstala comissão sobre mortos e desaparecidos políticos

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi reinstalada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O despacho com a medida está publicado na edição do Diário Oficial da União desta quinta-feira (4). O documento restabelece o colegiado nos mesmos moldes previstos de quando foi criada, em 1995, pela Lei nº 9.140/1995.

Encerrada em dezembro de 2022, no governo de Jair Bolsonaro, a comissão tem como atribuição tratar de desaparecimentos e mortes de pessoas em razão de atividades políticas no período de 2 setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Entre outros pontos, cabe à comissão mobilizar esforços para localizar os restos mortais das vítimas do regime militar e emitir pareceres sobre indenizações a familiares.

Recuperação de ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo. – Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência

Em 2002, a comissão especial passou a examinar e reconhecer casos de morte ou desaparecimento ocorridos até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. E, em 2004, os critérios para reconhecimento das vítimas da ditadura militar foram ampliados para reconhecer pessoas mortas por agentes públicos em manifestações públicas, conflitos armados ou que praticaram suicídio na iminência de serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de torturas.

No início do governo Lula, em 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania adotou medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento da comissão. O Ministério Público Federal também recomendou a reinstalação considerando que a extinção da comissão ocorreu de forma prematura, já que existem casos pendentes de vítimas, incluindo os desaparecimentos da Guerrilha do Araguaia e as valas encontradas nos cemitérios de Perus, em São Paulo, e Ricardo Albuquerque, no Rio de Janeiro.

Em julho do ano passado, a Coalizão Brasil por Memória Verdade Justiça Reparação e Democracia, grupo formado por dezenas de entidades de defesa dos direitos humanos, já havia cobrado do governo federal ações efetivas de políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação.

Até hoje, existem 144 pessoas desaparecidas na ditadura militar.

Composição

Lula também dispensou quatro membros da comissão, o presidente, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, representante da sociedade civil; Paulo Fernando Mela da Costa, também representante da sociedade civil; Jorge Luiz Mendes de Assis, representante do Ministério da Defesa; e o deputado federal Filipe Barros (PL-PR), que ocupava o cargo de representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
 
Por outro lado, o presidente da República designou como membros Eugênia Augusta Gonzaga, representante da sociedade civil que presidirá a comissão; Maria Cecília de Oliveira Adão, representante da sociedade civil; Rafaelo Abritta, representante do Ministério da Defesa; e a deputada federal Natália Bastos Bonavides (PT-RN), representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
 
O decreto com as dispensas e nomeações também estão na edição de hoje do Diário Oficial da União.

Governo discute baixa adesão a Sistema de Promoção da Igualdade Racial

 O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva se mostrou surpreso ao ser informado, nesta quarta-feira (3), que apenas 241 dos 5.570 municípios brasileiros aderiram ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), instituído em 2010 e regulamentado três anos depois.

“No informe que eu tenho, está dito que há muita pouca adesão dos municípios. Apenas 241 municípios aderiram. É verdade?”, questionou Lula durante a 3ª Reunião Plenária do Conselho da Federação, colegiado formado por representantes dos governos federal, estadual e municipal que se reuniu esta manhã, no Palácio do Planalto, em Brasília.

“É isso. Infelizmente”, respondeu a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra. Na condição de representante do fórum dos governadores no Conselho da Federação, Fátima tinha acabado de falar sobre a necessidade de uma mobilização nacional para estimular e apoiar mais cidades a aderirem ao sistema criado para organizar e articular as políticas e serviços destinados a contribuir com a superação do racismo no país.

Diante da confirmação da governadora e de membros da equipe de governo presentes ao evento, Lula questionou: “E o que vamos fazer para eles [municípios] aderirem?”.

“Estamos definindo uma ação concreta para podermos ter uma política pública que dê conta de trazer o tema para o debate pela sociedade”, respondeu a governadora potiguar. “O Sinapir já está instituído – e vale ressaltar a dedicação da ministra [da Igualdade Racial] Anielle Franco e de toda sua equipe -, porém, precisa ter capilaridade”, completou Fátima.

Segundo ela, é preciso mobilização para aumentar a adesão. “A proposta é [estimular a] atuação colaborativa entre os governos federal, estadual, distrital e municipais; a promoção de estratégias e ações de mobilização, articulação, colaboração técnica federativa e o apoio técnico para estruturação da política de promoção da igualdade racial nos municípios – apoio a ser oferecido pelo Ministério da Igualdade Racial”, detalhou a governadora.

“Sabemos a dívida que o Brasil tem no que diz respeito ao racismo. Dentre as [ações] políticas que queremos implementar, está levar este debate para dentro das escolas, que não podem fechar os olhos [para a necessidade de uma] educação antirracista”, concluiu a governadora.

Uma reportagem da Agência Brasil, de novembro de 2023, já apontava a baixa adesão dos municípios ao Sinapir. Na ocasião, apenas 195 cidades estavam inscritas no sistema. A matéria apontava outro problema: apenas 18%, ou seja, 1.044 das cidades brasileiras tinham, àquela altura, algum órgão executivo municipal responsável por promover a política de igualdade racial. 

Estratégias

O Ministério da Igualdade Racial informou que tem trabalhado formas para aumentar as adesões de municípios ao Sinapir, como a possibilidade de os municípios aderirem de forma consorciada e a formação de agentes da assistência social para dialogar com estados e municípios já aderidos ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Também está em estudo mecanismos de transferência de recursos para os municípios com regime específico para transferências de recursos da igualdade racial que supere a ausência de um fundo nacional específico. 

“Até novembro serão finalizadas as redefinições das regras de adesão para garantir que os estados e municípios tenham retorno do ponto de vista financeiro ao aderir o Sinapir”, diz o Ministério, em nota. 

Benedita da Silva pede “correção necessária” após fala de Zambelli

A deputada federal Benedita da Silva (PT-SP) disse nesta quarta-feira (3) que “medidas necessárias estão sendo tomadas” após ter sido chamada de Chica da Silva pela também deputada Carla Zambelli (PL-SP).

O episódio aconteceu na última segunda-feira (1º), em meio a uma live transmitida pela própria Zambelli em seu perfil no Instagram. No vídeo, ela comentava o fato de não poder discursar na 1ª Reunião de Mulheres Parlamentares do P20, em Maceió.

“Eu não vou falar. Não vou falar porque provavelmente… Não sei, né? Não sei por que não vou falar. Parece que já foi montado pela Secretaria da Mulher que é a Chica da Silva [quem vai falar]”, disse, ao se referir à Benedita da Silva, que também participava do evento.

Após a live, Zambelli publicou uma nota de esclarecimento em que pede desculpas à colega e diz ter feito confusão com os nomes. “Na última segunda-feira, a deputada Carla Zambelli equivocou-se em uma transmissão ao vivo realizada em uma rede social e confundiu o nome da deputada Benedita da Silva”.

“Imediatamente, quando percebeu o ocorrido, Zambelli apagou a publicação de suas redes e se desculpou com a deputada Benedita. A conversa foi amigável e houve compreensão da situação. Zambelli lamenta o referido lapso, mas torna público que não houve qualquer intenção de ofensa à sua colega de Parlamento.”

Em seu perfil no Instagram, Benedita contou que só soube do ocorrido quando o PT já havia se manifestado em nota de repúdio. “Acredito que ela terá a correção necessária, se jurídica, se política, mas já tomaram providência. Eu acho que isso ela vai ter que responder, porque já tem gente entrando com ações.”

No X, Benedita escreveu: “Estou nessa vida política há mais tempo do que essa deputada tem de vida. E cheguei até aqui com respeito, trabalho e muita luta”.

Entenda

Políticos e lideranças do movimento negro chamaram a atenção para o fato de a “confusão” de nomes remeter a uma personagem negra importante da história brasileira. Francisca da Silva de Oliveira, conhecida como Chica da Silva, foi uma mulher negra escravizada e posteriormente alforriada que viveu no Brasil no século 18. Filha de um homem branco e uma escrava, ela conquistou liberdade e se tornou uma das mulheres mais ricas do país e símbolo da resistência negra.

Historiadores sugerem que o aparecimento da personagem em produções de cinema e TV ao longo das últimas décadas ajudaram a popularizá-la, mas também acabaram contribuindo para criar uma imagem negativa e estereotipada de Chica da Silva.

Coordenadora da organização não-governamental Criola, Lúcia Xavier destaca ser uma prática recorrente relegar todas as mulher negras ao lugar de escravizada e sexualizada. “Chica da Silva e Benedita da Silva são figuras ilustres, que fizeram esse Brasil melhor, cada uma em seu tempo. Mas é muito possível que estejamos diante de uma situação em que alguém se vale de uma história mal contada sobre Chica da Silva para atribuir à deputada Benedita da Silva determinadas origens e estereótipos”, avalia Lúcia Xavier, uma das principais referência do movimento de mulheres negras.

Em seu quinto mandato como deputada federal, Benedita da Silva foi a primeira mulher negra a ocupar os cargos de vereadora do Rio de Janeiro, deputada na Assembleia Constituinte de 1988, senadora e governadora do Rio de Janeiro. Foi também ministra da Secretaria Especial de Trabalho e Assistência Social. Atualmente, coordena a bancada feminina na Câmara.

Reações

A Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados publicou nota de repúdio ao que se refere como “fala racista e preconceituosa” por parte de Carla Zambelli. “A comparação com a personagem [Chica da Silva] pode ser usada de forma pejorativa, para desqualificar sua identidade racial e, especialmente, sua história política de luta pelos direitos das mulheres”.

“Ao chamar Benedita de Chica da Silva, a referida parlamentar não tece uma fala elogiosa à nobre parlamentar Benedita, mas utiliza de ironia, deboche e escárnio para desqualificar a coordenadora da Bancada Feminina apenas por discordar de regras para participação parlamentar no evento”, completou a nota.

O episódio teve grande repercussão nas redes sociais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva postou, em seu perfil no X, uma foto em que aparece de mãos dadas com Benedita e escreveu: “Minha amiga e companheira de muitas décadas. Exemplo de fé, muito trabalho e amor pelo povo brasileiro”.

A ministra da Mulheres, Cida Gonçalves, manifestou “solidariedade e apoio incondicional” à Benedita. “Sua trajetória ímpar na defesa dos direitos das mulheres, da igualdade racial e da justiça social precisa ser respeitada”, escreveu no X. “Reforço a necessidade de o Brasil dar um basta nessas violências que buscam atingir, a todo momento, mulheres negras em espaços de poder e decisão”.

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, classificou a fala de Zambelli como “inaceitável, desrespeitosa e de cunho racista” e citou Benedita como uma referência para o Brasil, para a política e para a democracia. “Benedita abriu caminhos para muitas e muitos de nós e é nossa inspiração cotidiana”. “Estamos juntas e seguiremos em luta contra as desigualdades e todas as formas de violência”.

Em seu perfil no X, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, escreveu para Benedita: “Não me canso de dizer que sua trajetória, sua garra e sua fé são uma inspiração para todas nós. Não há descanso no combate ao racismo. Seguimos juntas na defesa da democracia”.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, lembrou que esta quarta-feira marca o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial e citou uma frase da filósofa e escritora Angela Davis ao escrever: “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista. Meu abraço carinhoso à deputada Benedita da Silva e minha indignação diante desse caso lamentável”.

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, se referiu à Benedita como “uma das maiores referências da política nacional”. “Uma inspiração para homens e mulheres que lutam por um país democrático, desenvolvido e sem racismo”, postou.

Operação resgata 12 pessoas em condições análogas à escravidão

A Polícia Federal (PF), em parceria com o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego, informou nesta terça-feira (2) que resgatou 12 trabalhadores em condições degradantes em uma fazenda localizada na cidade de São Raimundo das Mangabeiras (MA).

A operação aconteceu no período de 17 a 26 de junho e incluiu ainda fazendas nos municípios de São Domingos do Azeitão, Pastos Bons e São João Dos Patos, todos no Maranhão, após denúncia da existência de trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Em nota, a corporação informou que, nas demais fazendas, apesar de não terem sido encontrados trabalhadores em condições degradantes ou precárias, a fiscalização constatou o descumprimento da legislação trabalhista, de normas de segurança e de saúde no ambiente de trabalho.

Os estabelecimentos, segundo a PF, foram notificados e autuados por descumprimento das normas trabalhistas.

 

Leis de proteção às crianças enfrentam cultura de violência no país

O contorno com a família em mãos dadas, o balão colorido com as crianças, e o cata-vento. Nas paredes e muros na região administrativa do Cruzeiro (DF), a conselheira tutelar Viviane Dourado, de 49 anos, resolveu traduzir ideais com tintas e pincel. Ela, que é designer e educadora social, entende que a arte pode ser estratégia para aproximação com famílias para combater a violência contra a infância. 

Viviane lembra dos tempos de criança, quando recebeu castigos, com beliscões e tapas desnecessários. São as tintas também do passado que a inspiraram a ser mãe solo, educadora e profissional na luta contra essa conduta. 

Nos tempos da infância de Viviane não existia legislação como as de hoje. Aliás, no último dia 26, a Lei Menino Bernardo, também conhecida como “Lei da Palmada” (Lei 13.010/2014), completou uma década. Esse regramento, em complementação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, garante o direito a uma educação sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel. 

A lei foi batizada assim para lembrar a morte do menino Bernardo Boldrini, de 11 anos, que foi vítima de agressões e morto pela madrasta e pelo pai, em Três Passos (RS), em abril de 2014.   

Brasília (DF), 28.06.2024. – Conselheira tutelar Viviane Dourado. Foto: Viviane Dourado/Arquivo Pessoal

Dor em casa

Para a promotora de Justiça Renata Rivitti, do Ministério Público de São Paulo, a lei é um marco para o Brasil, um país em que ainda existe, de forma arraigada, uma percepção distorcida de que a educação precisa ser rígida. “Há ainda uma romantização e uma crença real de que educar com violência é legítimo e seria para o bem da criança ou adolescente”. Ela explica que a lei reafirma a ilicitude e a ilegalidade do castigo físico. 

A promotora,que é da coordenação do Centro de Apoio da Infância do MP,  avalia que, de fato, existe esse problema cultural. “Dentro de casa, há uma legitimação da violência”. Seja como uma forma deturpada de educar ou de corrigir. “Existe uma carga histórica e cultural do nosso país”.

De acordo com informações disponíveis no Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (via Disque 100), houve, no país, neste ano até o último dia 23 de junho, 129.287 denúncias de algum atentado à integridade contra crianças e adolescentes. O mesmo painel apresenta que, desse total, 81.395 casos (62%) foram dentro de casa (onde moram a criança vítima e a pessoa suspeita). 

O painel disponibilizado pelo ministério dos Direitos Humanos considera que essa violência à integridade compreende violações físicas, de negligência e psíquica. Quem denuncia, em geral, são terceiros. No entanto, chama atenção que 8.852 crianças conseguiram pedir ajuda diante da violência que sofriam. 

Distorção

A pesquisadora em direitos da infância e em ciências sociais Águeda Barreto, que atua na ONG ChildFund Brasil, considera que a lei Menino Bernardo tem um caráter pedagógico e preventivo. “Precisamos celebrar os 10 anos de efetivação dessa lei, mas a gente ainda precisa avançar muito, especialmente culturalmente. A gente vive numa sociedade que ainda educa as crianças através de violência”, lamenta.

A pesquisadora recorda que, em 2019, a entidade fez levantamento com crianças brasileiras e contabilizou que 67% delas não se consideravam suficientemente protegidas contra a violência. A pesquisa Small Voices, Big Dreams (Pequenas vozes, grandes sonhos) para o Brasil mostrou, além disso, que 90% das crianças rejeitam o castigo físico como forma de educação. 

Águeda Barreto, que também escreveu dissertação de mestrado sobre o tema, identificou que os castigos físicos são a forma com que as crianças mais reconhecem a violência. “Muitas delas não tinham tanta clareza sobre uma violência psicológica”.

A pesquisa nacional da Situação de Violência contra as crianças no ambiente doméstico, realizada pela ChildFund, concluiu, no ano passado, que no Brasil existe  uma fragilidade em relação à implementação de leis que respaldam a intolerância à violência contra crianças. A ONG argumentou que a garantia de direitos preconizada no ECA ainda chega lentamente na vida real, a exemplo da Lei Menino Bernardo).

“A efetivação de ações se dará a partir do momento em que o governo federal, estados e municípios atuem de forma integrada na elaboração de políticas que previnam e coíbam práticas nocivas e que a implementação aconteça com  serviços operantes, monitoramento e repressão a agressores em todos os municípios do país”, argumenta o relatório da entidade.

Entre as legislações que Águeda Barreto considera avançadas estão a Lei Henry Borel, aprovada após a morte do menino no Rio de Janeiro, em 2022, e também a 14.826, que define a “parentalidade positiva e o direito ao brincar” para prevenção à violência contra crianças. 

A promotora Renata Rivitti acrescenta ainda o valor da Lei 13.431, de 2017, que garantiu maior proteção às crianças. “A legislação determina o olhar integrado, da atenção integral, de justiça, segurança pública, saúde, conselho escolar, assistência social, educação, todo mundo trabalhando junto para prevenir, para enfrentar essa violência”.

Águeda Barreto explica que a legislação coloca como dever do Estado, da família e da sociedade, fazer a promoção de educação baseada no respeito. Para ela, são legislações que se mostraram como evoluções a partir da Lei do Menino Bernardo e do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, uma das primeiras legislações mundiais sobre o tema.

Para sair do papel

Foi uma novidade considerar a criança como um sujeito de direitos, mas o desafio ainda é grande. “A gente tem percebido que a educação violenta de crianças é muito naturalizada no contexto brasileiro. Há uma cultura que nós vivemos no Brasil que a gente chama de adultocêntrica. Muitas vezes, as crianças são empurradas como uma posse do adulto”, avalia a pesquisadora.

A promotora Renata Rivitti avalia que é preciso mais pressão da sociedade para que as leis saiam do papel e funcionem no dia a dia. “A gente tem, desde 1988, legislação de primeiríssimo mundo. A nossa obrigação como poder público, como família e como sociedade é a de combater essa violência. O principal gargalo está em conseguirmos garantir a implementação dessa legislação para que ela de fato saia do papel”. 

“Nós brasileiros não estamos ainda indignados o suficiente e cobrando. Não existe campanha, não existe alerta, não existe informação. Quanto menos se fala disso, menos a gente entende a gravidade da situação”, afirma a promotora.

É justamente para sensibilizar as famílias que exemplos como a da conselheira tutelar Viviane Dourado podem funcionar. Ela é alguém que segue pintando paredes, paradas de ônibus e até camisetas para falar sobre respeito e já foi até convidada para trabalhar em parceria com outros conselhos e entidades públicas. “As crianças querem brincar, ser felizes e viver a inocência”, diz. Ela sabe que alertas podem surgir por um traço, uma tinta no muro, ou um desenho de mãos dadas que pode ser mais forte do que uma palmada.

Pré-candidaturas de pessoas LGBT+ à eleição municipal já são 299

O terceiro boletim com dados parciais de pré-candidaturas LGBTI+ às eleições municipais deste ano, mapeados pelo Programa Voto Com Orgulho, e divulgado nesta sexta-feira (28), apresenta umtotal de 333 pré-candidaturas, das quais 299 afirmaram ser pessoas LGBTI+ e 34, pessoas aliadas à causa. No boletim anterior, foram apuradas 304 pré-candidaturas, das quais 273 pessoas LGBTI+ e 31 pessoas aliadas à causa.

Em entrevista à Agência Brasil, o diretor de Políticas Públicas da Aliança Nacional LGBTI+ e coordenador geral do Programa Voto Com Orgulho, Claudio Nascimento, destacou um fato histórico para as eleições 2024, que é a liderança das pessoas negras (pretas e pardas) no ranking das pré-candidaturas, com 52,4% do total, somando 176 pré-candidaturas. As pré-candidaturas de pessoas brancas são 148; as de indígenas, duas; as de pessoas amarelas, seis, e de ciganas, uma.

Nascimento afirmou que a maioria de pré-candidatos negros é uma notícia acalentadora, “que anima os nossos corações ao ver maior presença de LGBTI+ da cor negra. Isso é algo importantíssimo, levando em consideração que, quando se vai discutir a questão da violência e da discriminação, são as pessoas negras LGBTI+ as mais aviltadas e discriminadas. Elas também estão se levantando para dizer que querem ser protagonistas, que querem participar dos espaços de poder e ajudar a decidir sobre os rumos do nosso país e de suas cidades. Isso é muito marcante para nós”. Como pessoa negra e nordestina, Claudio Nascimento disse estar muito orgulhoso de ver esse dado.

Quanto à orientação sexual dos pré-candidatos, foram identificados 147 gays, 41 bissexuais, 39 lésbicas, 19 pansexuais, três assexuais, além de 84 pessoas heterossexuais, sendo 41 mulheres trans, 29 pessoas cis aliadas, três homens trans e três pessoas não binárias.

Legislativo

Dos 333 pré-candidatos, 327 pretendem disputar o posto de vereador e seis, o de prefeito. Para Nascimento, isso mostra que a discussão sobre a presença da comunidade LGBTI+ nos espaços de poder vai se dar ainda majoritariamente pelo Poder Legislativo, como vem ocorrendo. “Nas últimas eleições municipais, nós elegemos 105 vereadoras e vereadores LGBTI+, e nossa previsão para esta eleição é atingir em torno de 200 pessoas eleitas, dobrando o número”. Segundo ele, é  no Legislativo vem sendo travada a batalha mais dura para tratar da temática LGBTI+.

“Você tem a presença da extrema direita fascista nos espaços do Legislativo que tenta obstruir qualquer iniciativa que avance na perspectiva de proteger e defender os direitos da comunidade LGBTI+. Então, nesse sentido, é um acalento também ter essa presença forte no Legislativo.”

Nascimento ressaltou, contudo, que levando em consideração os mais de 5,5 mil municípios brasileiros, ainda está muito longe de comemorar. “Mesmo tendo aumentado o número de candidaturas, a gente sabe que é um desafio para as próximas décadas trabalhar na ampliação da representatividade política da comunidade LGBTI+, que ainda é pequena em relação à nossa necessidade de representação.”

Estados

Das pré-candidaturas cadastradas até agora, o estado de São Paulo é o que tem o maior número, 81, seguido por Rio de Janeiro, com 40; Rio Grande do Sul, com 29; Minas Gerais com 25; e Paraná, com 24. O estado de Santa Catarina aparece com 17 e Pernambuco, com 16. Ceará e Bahia têm 11 pré-candidaturas cada um. Paraíba e o Rio Grande do Norte têm dez pré-candidaturas cada.

Os estados de Mato Grosso e do Maranhão têm oito pré-candidatos, cada; os do Pará e do Espírito Santo, sete, cada; e Goiás, Alagoas e Sergipe, cinco, cada um. O Piauí aparece com quatro e o Amazonas com três. Mato Grosso do Sul e Rondônia têm, cada um, dois pré-candidatos. Os estados do Tocantins, de Roraima e do Amapá aparecem com uma pré-candidatura, cada um

Gênero

Em relação à identidade de gênero, 148 dos pré-cadastrados são mulheres (44,4%), entre as quais, 72 são mulheres cis e 76, mulheres trans e travestis. Homens cis totalizam 158 pré-candidatos. Há ainda nove homens trans como pré-candidatos e 18 pessoas não binárias. Das mulheres trans, cinco se declaram pessoas intersexo. Entre as pessoas não binárias, duas também se declararam intersexo.

Quanto à escolaridade, o boletim informa que 198 pessoas têm curso superior completo; 69, superior incompleto; 47, ensino médio completo; 13, ensino médio incompleto; uma, ensino fundamental completo; e cinco, ensino fundamental incompleto. Das pessoas cadastradas com curso superior, 62 têm especialização, 33, mestrado e oito, doutorado.

Dos pré-candidatos cadastrados, 97 são filiados ao PT; 67 o PSOL; 32 ao PDT; 25 ao PSB; 24 à Rede Sustentabilidade;16 ao PCdoB; 13 ao PSDB e 12 ao MDB. Dos demais partidos, oito pretendem concorrer pelo PV; sete pelo Podemos; seis pelo Cidadania; seis pelo Progressistas; três pelo Solidariedade e União Brasil. Com duas pré-candidaturas cada, aparecem o AGIR, o Avante e o PMN. Já os partidos da Mulher Brasileira (PMB) e da Renovação Democrática (PRD) têm apenas uma candidatura, cada.

Do ponto de vista político-ideológico, 207 pré-candidatos se declararam de esquerda; 67, de centro-esquerda; 31, de centro; 21, de extrema-esquerda; três, de direita e centro-direita, cada; e uma, de extrema-direita.

Voto com Orgulho

O Programa Voto Com Orgulho é coordenado pela Aliança Nacional LGBTI+ em parceria com o Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+ (Rio de Janeiro) e o Grupo Dignidade (Curitiba), e conta com apoio institucional do Sinergia Instituto de Diversidade Sexual de Minas Gerais, da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, União Nacional LGBT, Rede Trans, Sleeping Giants Brasil, Associação de Famílias Homotransafetivas e Global Equality Caucus.

Os interessados podem cadastrar sua pré-candidatura neste site e obter mais informações pelo e-mail votocomorgulho@votocomorgulho.org.br.

VoteLGBT

Também nesta sexta-feira, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a VoteLGBT, organização da sociedade civil que busca aumentar a representatividade LGBT na política, lançaram oficialmente o site 2024.votelgbt.org com o primeiro mapeamento de pré-candidaturas LGBT para as eleições municipais, em todos os estados do país.

A ação faz parte da campanha Cidades+LGBT, que pretende ampliar a visibilidade e o suporte para candidaturas LGBT+ nas eleições deste ano. Os dados foram coletados por uma equipe de 16 articuladores em todas as regiões do país. O diretor executivo da VoteLGBT, Gui Mohallem, informou à Agência Brasil que a campanha já mapeou 376 candidaturas. O objetivo das duas entidades é aumentar esse número de forma exponencial, podendo atingir até 800 pré-candidaturas ao final do trabalho.

Mohallem disse que a metodologia da campanha difere totalmente do mapeamento feito pelo Programa Voto Com Orgulho. Segundo ele, os dados sobre a população LGBT no Brasil são muito incipientes. “Muito menos para candidaturas LGBT.” A meta de alcançar 800 pré-candidaturas é uma estimativa em cima de uma percepção de movimento: “é uma expectativa. A gente acredita que tenha 800 pré-candidaturas por aí. Só vamos saber depois do mapeamento concluído”, acrescentou.

A estratégia do VoteLGBT e da Antra com o mapeamento é mostrar aos partidos que a população LGBT está organizada e se articulando, enquanto movimento, para ocupar cargos na política. “É uma chamada de atenção aos partidos que vão fazer suas convenções a partir de julho e decidir efetivamente quem vai ser candidato nas eleições e, sobretudo, quanto dinheiro essas pessoas vão receber.”

Mohallem reforçou que visibilizar essas candidaturas é uma maneira de dizer que existe um contingente nos partidos que está crescendo e disposto a se candidatar. Por isso, reiterou que a meta de alcançar 800 pré-candidaturas é mais uma expectativa. O objetivo principal é pressionar os partidos.

Teto de gastos

O mapeamento inclui questionário para verificar a incidência de violência política, como está a relação com o partido, qual é a renda para as candidaturas. No fim de julho, após as convenções dos partidos, a Antra e a VoteLGBT vão divulgar um balancete sobre esse processo, informando quantos recursos, historicamente, têm sido investidos pelos partidos nas candidaturas LGBT. “Eu posso dizer que é muito pouco”, afirmou Mohallem.

Ele disse que, em 2020, 6% do teto de gastos dos partidos foram investidos em candidaturas LGBT. O percentual subiu para 10% nas eleições de 2022. De acordo com Mohallem, apesar do aumento, ainda é muito pouco o investimento nas candidaturas dessa população.

Atualmente, o Brasil conta com 29 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e com capacidade de disputar as eleições. No entanto, as pré-candidaturas mapeadas até o momento se concentram em 24 legendas e em 248 municípios. Até agora, o Sudeste lidera em número de candidaturas (41%), seguida pelo Sul (24,2%), pelo Nordeste (23,2%), pelo Centro-Oeste (6,2%) e pelo Norte (5,4%). 

As cidades brasileiras com maior número de candidaturas LGBT são São Paulo, na Região Sudeste (18); Porto Alegre, no Sul (12); Natal, no Nordeste (8); Belém, no Norte (5); e Campo Grande, no Centro-Oeste (3). Um terço das candidaturas mapeadas são de pessoas trans.

Saiba mais: Como mudar o nome e gênero no cartório civil

Uma cartilha produzida pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) desmistifica o caminho das pedras para a população LGBTQIA+ que deseja mudar o nome, o gênero ou ambos na certidão de nascimento, que é o início para obter outros documentos oficiais com as alterações. Em 2023, mais de quatro mil alterações de nome e gênero foram feitas nos cartórios de registro civil.

Para ser feito o procedimento de alteração de gênero e nome em cartório é necessária a apresentação de todos os documentos pessoais – comprovante de endereço e certidões dos distribuidores cíveis, criminais estaduais e federais do local de residência nos últimos cinco anos, bem certidões de execução criminal estadual e federal e dos Tabelionatos de Protesto e da Justiça do Trabalho. Na sequência, o oficial de registro deve realizar uma entrevista com o (a) interessado. 

Desde 2018, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o pedido para a realização da retificação de prenome e/ou gênero pode ser realizado em qualquer um dos mais de sete mil cartórios de registro civil do país. O cartório vai encaminhar o procedimento ao cartório que registrou o nascimento da pessoa. Na retificação, é possível alterar somente o prenome, somente o gênero ou ambos.

Qualquer pessoa com 18 anos ou mais que não se identifique com o gênero constante em seu registro de nascimento pode fazer a mudança sem processo judicial. Para quem é menor de idade, o procedimento só é feito judicialmente. A ação é feita com base na autonomia da pessoa, não sendo necessária a efetivação da cirurgia de redesignação sexual.

“Não permitir que as pessoas coloquem a sua sexualidade onde mora o seu desejo e que sejam tratadas socialmente da maneira como se percebem é uma forma intolerante e cruel de viver a vida”, disse o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, quando do julgamento que reconheceu, em março de 2018, que os transgêneros, independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, têm o direito de substituição de prenome e gênero diretamente nos cartórios de registro civil. A partir da manifestação do STF, a Corregedoria Nacional de Justiça padronizou o procedimento. Nesta sexta-feira (28), comemora-se o Dia Internacional do Orgulho LGBT.

Passo a passo

Reúna os documentos determinados pelo Código Nacional de Normas do CNJ – Provimento 149/2023 CNJ (artigos 516 a 523).
Localize o cartório mais próximo de sua residência no endereço www.arpenbrasil.org.br
Compareça ao cartório pessoalmente portando todos os documentos e o requerimento declarando sua vontade de proceder a adequação da identidade mediante a averbação do prenome, do gênero ou de ambos.
O requerimento pode ser levado por você ou preenchido e assinado na hora, utilizando o modelo fornecido pelo próprio cartório
O oficial irá verificar sua identidade, os documentos apresentados e tomará sua livre manifestação de vontade.
Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto ao desejo real da pessoa requerente, o oficial fundamentará a recusa e encaminhará o pedido ao juiz corregedor permanente.
Se tudo estiver de acordo, o oficial realizará a alteração no registro e comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do Registro Geral, CPF, título de eleitor e passaporte.
Retorne ao cartório no dia agendado para buscar a certidão alterada.
Providencie a alteração nos demais registros que digam respeito, direta ou indiretamente, a sua identificação e nos documentos pessoais
Podem ser alterados só o prenome, só a indicação de gênero, o prenome e a indicação de gênero, os agnomes indicativos de gênero (ex: filho, júnior, neto)

A alteração não inclui o sobrenome, bem como não pode haver identidade de nome com outro membro da família. O valor do procedimento de retificação varia conforme o estado da federação.

Dia do Orgulho LGBT+ : país tem longa história de luta por direitos

“Visibilidade” é a palavra-chave que atravessa a história de luta LGBTQIA+ no Brasil. Nem nos momentos mais violentos e autoritários, como a ditadura militar, houve silêncio, covardia, inércia. Nas tentativas de formar encontros nacionais entre 1959 e 1972; na criação do Grupo Somos e dos jornais Lampião da Esquina e ChanacomChana, em 1978; no levante de lésbicas do Ferro’s Bar em 1983 e na pressão de anos para retirar a homossexualidade do rol de doenças, concretizada em 1985, houve protagonismo, mobilização e luta.

Com esse histórico, chama a atenção que a principal data de celebração da população LGBTQIA+ no país seja o 28 de junho, que faz referência a uma revolta ocorrida em 1969 na cidade de Nova York. Na ocasião, frequentadores do Stonewall Inn, um dos bares gays populares de Manhattan, reagiram a uma operação policial violenta, prática habitual do período. A resistência virou um marco do movimento LGBTQIA+ por direitos nos Estados Unidos (EUA) e passou a ser comemorada em muitos outros países, incluindo o Brasil, como o Dia Internacional do Orgulho LGBT+.

Pesquisadores e ativistas ouvidos pela reportagem da Agência Brasil entendem que a revolta em Nova York virou um símbolo internacional muito mais pela força geopolítica e cultural dos Estados Unidos, do que pelo fato de ter sido o principal evento do tipo no mundo.

“As datas podem e devem ser celebradas. Mas nem tudo começa em Stonewall e nem tudo se resolveu lá. São muitos outros episódios que precisam ser lembrados para que a gente tenha uma memória mais coletiva, plural, democrática e diversa sobre as lutas da comunidade LGBTQIA+”, explica Renan Quinalha, professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do Grupo Memória e Verdade LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). “A gente acaba tendo aí uma força do imperialismo norte-americano cultural. Isso invisibiliza alguns marcos domésticos, nacionais, que a gente precisa celebrar também como avanços, conquistas e referências de memória nessa construção política da comunidade”.

Para a historiadora Rita Colaço, ativista LGBTQIA+ e diretora diretora-presidente do Museu Bajubá. é preciso olhar menos para os EUA como referência e valorizar elementos próprios do movimento brasileiro.

Sidrolândia (GO) – Primeiro Encontro LGBTQIA+ Indígena Guarani Kaiowá, em evento piloto do Programa Bem Viver+ – Foto Gustavo Glória/MDHC

“O mito de Stonewall vai sendo construído a posteriori. Se você pega a imprensa brasileira, faz uma pesquisa na hemeroteca da Biblioteca Nacional, não tem nada, não se fala disso. Até nos anos 70, no final dos 70, quando chega o Lampião, você não vê Stonewall com essa referência toda, com esse peso todo que ele vai adquirindo nos anos seguintes”, diz Rita. “Para ser fiel à história, não se pode dizer que Stonewall foi a primeira revolta, nem que deu início à luta pelos direitos LGBT. Isso é uma inverdade nos Estados Unidos e no mundo”.

“Então, a gente precisa se apropriar do nosso passado, do nosso patrimônio, dos nossos registros, dos nossos vestígios, dos nossos acervos, reverenciá-los, se orgulhar deles e lutar para que eles sejam salvaguardados, restaurados, preservados, para que as nossas datas, as datas das nossas lutas sejam rememoradas, sejam dadas a conhecer. É esse trabalho que eu, junto com vários outros pesquisadores pelo Brasil adentro, venho fazendo, procurando sensibilizar as pessoas para a importância da nossa história”, complementa Rita.

Stonewall brasileiro?

E se voltássemos nossa atenção exclusivamente para a história nacional? Seria possível identificar um marco de luta LGBTQIA+, um episódio principal que tenha impulsionado o movimento? Um “Stonewall brasileiro”?

“Não há uma revolta ou uma rebelião semelhante a Stonewall no Brasil. O que a gente pode falar é de acontecimentos marcantes, momentos específicos e isolados. Numa perspectiva em série, reconhecemos a importância de movimentos ou ações mais particulares e isolados. Nos Estados Unidos mesmo, Stonewall não surge da noite para o dia. Dez anos antes, em 1959, já havia ocorrido em Los Angeles um movimento que ficou conhecido como Revolta de Cooper Do-nuts”, analisa Luiz Morando, pesquisador de Belo Horizonte sobre a memória LGBTI+.

O raciocínio é o mesmo de Marco Aurélio Máximo Prado, professor e coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT+ (NUH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ele, faz mais sentido pensar na história a partir da noção de processo e não de um episódio isolado.

“Eu prefiro falar de acontecimentos, que seguem um movimento em rede, do que identificar ou outro marco de origem. Porque são milhares de protagonismos em diversos lugares e contextos”, defende Marco Aurélio. “É muito mais produtivo pensar em uma série, em um processo histórico, em que a gente possa observar que esse orgulho foi sendo construído, com as demandas e reivindicações, ao longo de um tempo. Nada brota espontaneamente de um momento para o outro. Há uma série que vai levar à geração de determinado procedimento, revolta ou rebelião, que detona daí em diante uma série de conquistas para determinada população”.

Mobilização nacional

Mesmo pensada a partir da ideia de processo histórico, a construção do movimento LGBTQIA+ brasileiro é fenômeno complexo, que envolve um conjunto grande de acontecimentos e realizações. Alguns se destacam pela repercussão e capacidade de inspirar outros grupos.

“O processo de construção da consciência política, do segmento que a gente chamava há pouco tempo de ‘homossexualidades’, e agora cada vez aumenta mais o número de letras, é muito antigo. Esse movimento de construção da identidade e da necessidade de se organizar remonta ao final dos anos 1950. Depois, vai se consolidando com a imprensa alternativa, que eram aqueles boletins manuscritos. Os grupos se organizavam em torno de festas, brincadeiras, e a partir desses boletins eles foram refletindo sobre sua condição, divulgando textos de livros, peças teatrais, filmes, acontecimentos no exterior, a luta na Suécia, a luta na Inglaterra contra a criminalização da homossexualidade. Então, essas notícias, eles replicavam para os grupos por meio desses boletins”, diz a historiadora Rita Colaço.

O pesquisador Luiz Morando destaca as tentativas de organização de encontros nacionais de homossexuais e travestis entre 1959 e 1972. As principais ocorreram em Belo Horizonte, Niterói, Petrópolis, João Pessoa, Caruaru e Fortaleza.

“Os organizadores daquelas tentativas de encontros, de congressos, eram surpreendidos e presos pela polícia para serem fichados e impedidos de continuar os eventos. Dá muito mais orgulho pensar nesse processo histórico e na formação de uma consciência política ao longo do tempo”, diz Luiz Morando.

Eventos que reuniram mais de uma bandeira de luta dos grupos marginalizados também foram importantes pela capacidade de diálogo e transversalidade.

Rio de Jaeiro – Parada do Orgulho LGBT – Foto Acervo Grupo Arco-Íris/Divulgação

“Tivemos um episódio fundamental, que considero o primeiro de mobilização convocada e feita pela população de maneira mais consciente e politizada, que é o 13 de junho de 1980. Ficou conhecido como Dia de Prazer e Luta Homossexual, uma manifestação contra a violência policial. Esse episódio aconteceu em São Paulo, no Teatro Municipal, e reuniu várias entidades do movimento LGBT+ e outros movimentos, como o negro, feminista e de prostitutas. Eles denunciavam a violência do delegado José Wilson Richetti, que fazia operações policiais de repressão no centro da cidade. Por noite, em um fim de semana, entre 300 e 500 pessoas chegavam a ser presas arbitrariamente”, diz o professor Renan Quinalha.

Luta trans 

Em 2004, a ativista, ex-presidenta e atual secretária da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, desembarcava em Brasília para participar do que viria a ser um dos momentos mais icônicos da luta das pessoas trans: o lançamento da campanha Travesti e Respeito, promovida pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde. A ação foi lançada no Congresso Nacional e acabou por marcar o Dia da Visibilidade de Transexuais e Travestis, em 29 de janeiro.

Um grupo de homens e mulheres trans reuniu-se na capital antes mesmo do lançamento. Keila conta que eles participaram de oficinas de maquiagem, de vestuário, de noções de direitos humanos e de fotografia. Depois, foram produzidos os cartazes oficiais da campanha. Entre os dizeres estava: “Travesti e respeito. Já está na hora de os dois serem vistos juntos. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida”.

“A gente fez o lançamento no Congresso Nacional, mas a campanha não foi recebida muito bem pela sociedade. O que prova que o estigma era grande e ainda está presente”, diz Keila. “O nosso objetivo era dialogar com a sociedade, mostrar que travestis também deveriam e poderiam ter direito ao respeito”.

Ainda nos dias de hoje, 20 anos depois, a população trans continua sendo a maior vítima de violência entre os grupos que formam a comunidade LGBTI+. Segundo o Dossiê de LGBTIfobia Letal, do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, em 2023 ocorreram 230 mortes LGBTI+ de forma violenta no país. Entre as vítimas, 142, o equivalente a 62%, eram travestis e mulheres trans.

“Em um país violento como o Brasil, é preciso que a gente demarque datas. Em toda a história da humanidade, se rememora a luta travada por pessoas que estavam em processo de exclusão e que reivindicavam direitos de participação”, reflete Keila. “Mas a gente precisa compreender também que não é necessário falar desse problema somente nessas datas, mas em todos os momentos. Que elas sejam um marco de luta, mas que continuemos escrevendo ou reescrevendo a história de uma forma muito mais tranquila”.

Primeiras marchas e paradas

A partir dos anos 1990, as “marchas” ou “paradas” passaram a ser manifestações públicas importantes de demonstração do orgulho LGBTQIA+ e de reivindicação de direitos. As primeiras tentativas começaram ainda na década de 1980, por não conseguirem reunir número significativo de pessoas.

No Rio de Janeiro, para que o evento pudesse ter apelo maior nas ruas, foi essencial o trabalho do Grupo Arco Íris, fundado em 1993. Líderes da organização, entre eles o ativista Cláudio Nascimento, persistiram na missão de fortalecer o movimento e mobilizar número maior de pessoas.

“A gente entendia que precisava construir outros referenciais para suplantar a ideia de sermos só um movimento defensivo, de reclamar a vitimização da violência. Deveria se colocar também no lugar de protagonista, de sujeitos históricos para a construção das nossas lutas e reivindicações”, diz Cláudio. “Conversamos com outros grupos, mostrando que era importante primeiro produzir algumas atividades dentro dos próprios movimentos para as pessoas criarem algum nível também de segurança individual, de fortalecimento da própria sexualidade, para ter essa capacidade de se colocar em público, se colocar no mundo”.

Em 1995, Cláudio coordenou, no Rio de Janeiro, a Conferência Mundial de Gays, Lésbicas e Travestis, que era a Conferência Mundial da ILGA – International Lesbian and Gay Association, a entidade da época mais importante internacionalmente. Foi uma oportunidade de aproveitar o público presente no encontro para organizar a primeira Parada do Orgulho LGBT em 22 de junho de 1995. Os organizadores estimam o número total de participantes em 3 mil.

“É muito importante que a comunidade reconheça, valorize a nossa memória, a nossa história, porque são passos que foram construídos ao longo do tempo por muitas mãos e que não tem apenas um artífice. São várias pessoas produzindo essa aventura, essa luta, nessa trajetória que o movimento construiu até agora. A nossa luta é coletiva. Nunca será individual”, diz Cláudio.

Novos desafios

Se efemérides são importantes para celebrar e relembrar conquistas sociopolíticas, também se tornam momentos de reflexão sobre as próximas etapas de luta. Por mais que se tenha avançado na ampliação de direitos e respeito à diversidade de gênero e de sexo no país, ainda há uma série de desafios pela frente. Para os pesquisadores e ativistas, o avanço dos grupos conservadores e do fundamentalismo religiosos são hoje as principais fonte de ameaças aos direitos já conquistados.

“Temos visto lutas no Judiciário para garantir o reconhecimento dos nossos direitos. É uma batalha complicada, porque hoje percebemos que estamos com os próprios valores civilizatórios ameaçados. Estamos em um momento da história muito perigosa, porque não é só o direito desse ou daquele segmento que está sendo ameaçado, é a própria estrutura da República, da democracia, os valores éticos, os valores civilizatórios mesmo. Tudo está sendo posto em xeque por esse avanço fundamentalista”, diz a historiadora Rita Colaço.

Rio de Janeiro –  Concurso Miss Travesti Minas Gerais 1966 – Foto Antônio Cocenza/Museu Bajubá/Divulgação

“A história dos direitos LGBT+ no Brasil não pode ser olhada como uma linha reta de desenvolvimento e progresso. Muito pelo contrário, ela é de contradições, paradoxos, luta com ganhos e perdas. E, neste momento de enorme ofensiva contra os direitos LGBT+ e contra a diversidade de gênero, sem dúvida teremos que nos reinventar em novas lutas políticas no campo dos direitos”, avalia o professor da UFMG, Marco Aurélio.