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Campanha alerta para versão contemporânea do trabalho escravo

Durante este mês da Consciência Negra, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) realiza a campanha De Olho Aberto para não Virar Escravo, para conscientização sobre a versão contemporânea do trabalho análogo à escravidão no país. As vítimas dessa prática continuam sendo pretos (16,8%) e pardos (65,8%), ou seja, negros (82,6%).

A predominância de negros entre as vítimas resgatadas teve como base os dados coletados entre 2016 e 2023. Indígenas representam 1,4% e amarelos, 0,4%. No período, mais de 12 mil pessoas foram resgatadas em todo o país. Desse total, aproximadamente 3,2 mil vítimas foram resgatada em ações coordenadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com a atuação de auditores fiscais do trabalho.

Em um recorte sobre o perfil das vítimas, os dados mostram que a maior parte é do gênero masculino, com baixa escolaridade (34%) – não haviam completado o 5º ano –, originários de estados do Nordeste (53%) e com idade entre 18 a 24 anos.

Os registros da CPT revelam que a cor da pele também é um fator determinante para tornar alguém mais suscetível no contexto do trabalho escravo contemporâneo, mesmo quando se avalia o recorte por gênero.

Embora as vítimas mulheres tenham aparecido em menor número (972, contra 10.349 homens), as mulheres negras correspondem a quase 80% do grupo (765).

Desde o início da série histórica, em 1995, a pecuária é a atividade que concentra mais casos de trabalho análogo à escravidão, com 2.115 ao todo.

Os dados da pastoral mostram ainda que as lavouras são lugares em que a exploração ainda se perpetua, somando 910 casos, que incluem os ocorridos em canaviais, assim como as carvoarias (501 casos). A entidade salienta que, na última década, os casos em lavouras começaram a desbancar os que ocorreram na pecuária, ultrapassando o total de episódios.

Outro ponto que a campanha também destaca é a exploração no ambiente doméstico. Um caso que repercutiu foi o de uma mulher que foi vítima de um casal que a submetia a longas horas de labuta, tanto na residência como na loja do casal, no Brás, zona central da capital paulista.

O que especialistas da área ponderam é que a fiscalização desse tipo de caso é complicada, como é também o resgate, já que a relação entre a vítima e os patrões é, com frequência, deturpada: para se livrar da Justiça, os patrões muitas vezes alegam que consideram a vítima “uma pessoa da família”.

Acolhimento

A agente da CPT no Maranhão Brígida Rocha conta que o acolhimento das vítimas é outra finalidade da campanha.

“Nós conseguimos elevar essa capacidade de trabalhadores, trabalhadoras e da sociedade de refletirem sobre as causas culturais da escravidão e também de pensar nas estratégias de combate, a exemplo do que a gente tem feito junto a alguns municípios com forte incidência do problema, por meio da Rede de Ação Integrada para Combater a Escravidão – o programa Raice”.

Denúncias de casos de trabalho análogo à escravidão podem ser feitas pelo site do Sistema Ipê.

Exposição debate espaço para pessoas negras na arte contemporânea

A presença de pessoas negras nos espaços elitizados da arte contemporânea é o tema da série Novo Poder: Passabilidade, do artista carioca Maxwell Alexandre. Crescido na favela da Rocinha, o artista tem explorado o assunto em pinturas desde 2021.

“Para isso, dou ênfase a três signos básicos: as cores preta, branca e parda. Em Novo Poder, a cor preta atua como o corpo preto manifestado pela figuração de personagens; a cor branca aponta para o cubo branco espelhando o espaço expositivo; e a cor parda representa a obra de arte e também faz autorreferência ao próprio papel que é o suporte principal da série”, explica.

Com 56 trabalhos, a série pode ser vista a partir deste sexta-feira (19) no Sesc Avenida Paulista, na região central da capital.

Exposição em SP reúne trabalhos do artista carioca Maxwell Alexandre – Arte Thiago Barros/Divulgação

Os contrastes que envolvem as pessoas negras transitando pelo “cubo branco”, jargão que determina espaços expositivos tradicionais, são atenuados pelo fator da “passabilidade”, como explica o artista.

“‘Passar’ é o mesmo que ser reconhecido na vida cotidiana como alguém que está de acordo com as normas, sejam elas sociais, raciais ou de gênero’, disse Maxwell em entrevista à Agência Brasil.

Por isso, a “‘passabilidade’ é a forma segura e tranquila de pessoas pretas caminharem pelo cubo branco” afirma. No entanto, na visão de Maxwell, as possibilidades se afunilam a depender do lugar social. “Acredito que existam limites sim, dependendo de onde você vem, qual fenótipo você tem, a cor da sua pele, você não vai conseguir alcançar certos lugares. Sobretudo dentro do mercado da arte contemporânea”, comenta.

Trajetória

O artista afirma enxergar na própria trajetória, com ampla circulação em instituições internacionais e nacionais, como um sinal de mudança nas estruturas atuais. “Acredito que eu mesmo seja uma profecia de ‘Novo Poder’ que está se cumprindo”, diz o artista de 34 anos.

Em 2021, Maxwell foi vencedor do prêmio Pipa, um dos mais importantes da artes visuais do país, e, em 2020, foi eleito artista do ano pelo Deutsche Bank. Em 2018, recebeu o Prêmio São Sebastião de Cultura da Associação Cultural da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Esteve no Museu de Arte Contemporânea de Lyon, na França, com a exposição Pardo é Papel, e no Palais de Tokyo, em Paris, com a Novo Poder. Em Marraquexe, no Marrocos, participou da mostra coletiva Have You Seen A Horizon Lately, no Museu de Arte Contemporânea Africana Al Maaden.

Os trabalhos expostos no Sesc foram executados em um período de um mês em meio, em que o artista se baseou em fotografias, mas também em memórias próprias de cenas que presenciou.