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Crianças do Complexo da Maré relatam violência policial

“Um dia deu correria durante uma festa, minha amiga caiu no chão, eu levantei ela pelo cabelo. Depois a gente riu e depois a gente chorou”. O trecho é do livro Eu devia estar na Escola. A correria é por conta de uma operação policial realizada no Complexo da Maré, complexo de favelas localizado na zona norte do Rio de Janeiro, e quem conta é uma criança.

O livro é uma parceria entre a ONG Redes da Maré e a editora Caixote, reúne depoimentos de crianças e adolescentes da Maré, de situações de violência que viveram no próprio território. “Toda criança pode sentir medo, vai sentir medo e faz parte da vida da criança sentir medo. Mas é diferente sentir medo do monstro debaixo da cama ou de abrir o guarda-roupa à noite e sair de lá uma bruxa, e sentir medo de perder a vida, né? Esse medo de perder a vida elas não deveriam sentir”, diz uma das escribas do livro, Ananda Luz. 

Ananda Luz, uma das escribas do livro por Editora Caixote/Divulgação

Ananda se identifica como escriba porque ela, junto com Isabel Malzoni, organizou os depoimentos e desenhos das crianças e adolescentes. Tanto que quando o livro ficou pronto e elas o apresentaram para as crianças que participaram de todo o processo, logo essas crianças identificaram aquela publicação como sendo também delas.

“Uma delas chegou para mim e falou assim, tia, esse é o nosso livro? Eu parei, sabe aquela coisa de parar dois segundos e falar, era isso. Eu queria que essas crianças falassem, esse é o nosso livro. Eu falei, sim, é o nosso livro. E aí quando eu abro e mostro para ela, ao mesmo tempo que ela lida, e é um assunto difícil, ela fica feliz de ver como ela foi representada, com esse cuidado, com esse carinho, que é expresso desde o processo das falas delas aos desenhos dessas crianças ali”, disse Ananda.

O livro foi elaborado em parceria com a ONG Redes da Maré. A história do livro começa muitos anos antes do lançamento, em 2019, quando a ONG entrega ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro as cartas e os desenhos com depoimentos de crianças sobre a violência que experienciaram. Isabel tem contato com o projeto e imediatamente vê o potencial para se tornar também um livro.

De acordo com dados organizados pela ONG Fogo Cruzado no portal Futuro Exterminado, 642 crianças e adolescentes com idades entre 0 e 17 anos foram baleadas no Grande Rio desde julho de 2016. Isso quer dizer que, em média, a cada quatro dias uma criança ou adolescente é baleado. Dessas, 289 morreram.

Do total, quase metade das crianças ou adolescentes atingidos, o equivalente a 47,6%, foi ferida durante operações policiais. Os dados mostram ainda que um a cada três das crianças e adolescentes alvejados foi vítima de bala perdida. Eles estavam a caminho da escola ou da padaria, brincando no quintal ou correndo com amigos.

Rio de Janeiro (RJ) 12/04/2024 – Livro reúne depoimentos de crianças da Maré sobre violência policial . Foto: Editora Caixote/Divulgação – Editora Caixote/Divulgação

As cartas foram escritas pelas crianças após o assassinato de Marcus Vinicius da Silva, de 14 anos, em 2018. Ele foi morto durante uma operação militar no Complexo da Maré quando estava a caminho da escola.

Elaboração do livro

Ananda diz que seria difícil entrar em contato com as crianças que escreveram as cartas, pois a intenção era proteger a identidade delas. As escribas, com o apoio da Redes da Maré passaram, então, a se reunir com crianças e adolescentes e a coletar novos depoimentos. Ao todo, foram ouvidas mais de 200 que fazem parte de projetos do Redes da Maré. As escribas queriam saber como elas viam as situações de violência que ocorriam na favela.

“A gente nunca escuta as crianças de fato, né, a gente sempre acha que a gente consegue resolver aquelas crianças como adulto e, aí, o livro mostra que elas sabem que elas têm consciência do que atravessam elas e do que pode ser diferente né, então acho que também é um diálogo que é importante a gente trazer”, diz Ananda.

A partir das primeiras escutas, foi formado um grupo menor que passou a ser acompanhado diariamente. Foi desse grupo que saiu o livro. Eu devia estar na Escola reúne desenhos e depoimentos de crianças e adolescentes moradores do Complexo da Maré sobre as violências que ocorrem sobretudo durante as operações policiais.

 Isabel Malzoni  Editora Caixote/Divulgação

“É um livro que traz as vozes delas para falar sobre violência, porque as crianças têm a capacidade de falar sobre o que afeta elas, seja de forma negativa ou seja de forma positiva. Então, também, eu acho que é um convocar que a gente precisa escutar mais as crianças. A gente precisa olhar com horizontalidade para o que ela diz e para que a gente possa também garantir que elas tenham essa cidadania plena garantida”, afirma Ananda.

A capa do livro é envolta por uma segunda capa, na qual estão trechos dos depoimentos das crianças que falam sobre medo. Nela está também um veículo policial blindado, conhecido como caveirão, apontado para as crianças. Quando essa capa é retirada, o cenário muda. As crianças estão felizes jogando bola e brincando.

“O livro tem esse esperançar, porque a gente via isso na criança que estava conversando com a gente, nos adolescentes, via que existia e existe possibilidade de mudança, eles mesmos apontavam. A Maré é um lugar legal pra se viver, eles apontavam isso pra gente. Aqui tem o melhor açaí do mundo, eu ouvi isso de uma criança. A outra falou, eu amo jogar futebol na rua. E elas iam contando as coisas boas que tinham na Maré”, diz.

O livro está à venda pela editora Caixote

Neuromielite óptica: doença autoimune rara tem diagnóstico complexo

Em agosto de 2017, Samara de Jesus, na época com 24 anos, acordou sentindo um desconforto da cintura para baixo. “Uma sensação de cãibra ou de formigamento”. Como tinha passado por uma cirurgia para retirada do apêndice, achou que os sintomas passariam e seguiu para o trabalho. Em meio a uma crise de estresse, o quadro se agravou. “Caí dura no chão. Não conseguia me movimentar. Perdi o movimento das pernas por alguns segundos”.

O diagnóstico veio algum tempo depois: neuromielite óptica, doença rara que afeta o sistema nervoso central, especificamente o nervo óptico e a medula espinhal. O quadro é caracterizado por fraqueza muscular, fadiga e dor e pode deixar sequelas como cegueira e incapacidade de andar. “Falaram que poderia ser lúpus, esclerose múltipla e outras doenças autoimunes”, lembrou Samara. Em meio ao tratamento, a jovem descobriu ainda uma gestação.

“Tive que ficar afastada porque, depois de seis meses, tive um surto da doença, ainda gestante. Fiquei quase 20 dias internada, perdi o movimento das pernas, perdi o controle da bexiga e do intestino. Fiquei usando sonda enquanto estava gestante. Foi bem mais difícil para desinflamar a coluna e ter melhora no quadro”, contou. Ao todo, foram quatro surtos até iniciar a medicação correta. Hoje, Samara recuperou o movimento das pernas, mas a fraqueza muscular persiste.

Samara de Jesus descobriu a doença aos 24 anos. Foto: Arquivo pessoal

“Fiquei com essa sequela. O movimento não retornou por completo por conta dessa fraqueza. Depois do último surto, tenho mais cuidado para andar muito. Minha perna cansa, começa a puxar. Ando com mais dificuldade, mas não ando com auxílio”. Atualmente, não há protocolo clínico ou diretrizes terapêuticas específicas para a neuromielite óptica no Sistema Único de Saúde (SUS), o que pode dificultar não apenas o diagnóstico e o acesso ao tratamento.

No Dia de Conscientização sobre a Neuromielite Óptica, lembrado nesta quarta-feira (27), o prédio do Congresso Nacional, em Brasília, recebe iluminação verde, que será mantida até o próximo domingo (31). O objetivo é chamar a atenção para a conscientização sobre a doença.

No Brasil, até o momento, a única alternativa terapêutica aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a neuromielite óptica é o inebilizumabe, um anticorpo monoclonal aprovado para a redução de risco de surtos e diminuição da incapacidade em adultos diagnosticados. Para que ocorra a oferta desse medicamento no SUS, é necessária a demanda para análise pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). 

Sintomas

Em entrevista à Agência Brasil, o neurologista do Hospital Israelita Albert Einstein, Herval Ribeiro Soares Neto, explicou que a doença, ainda pouco conhecida, atinge principalmente mulheres afrodescendentes e asiáticas entre os 30 e 40 anos.

“Nessa doença, o sistema imunológico do corpo ataca erroneamente e danifica as células saudáveis do sistema nervoso central, o que pode levar à inflamação e à desmielinização, um processo onde a camada protetora dos nervos, chamada mielina, é danificada.”

Especialista nas chamadas doenças desmielinizantes, ele lembra que é importante procurar ajuda médica imediatamente caso o paciente experimente sintomas como perda de visão ou fraqueza súbita, já que o diagnóstico precoce e o tratamento em tempo oportuno são cruciais para evitar danos permanentes.

“O diagnóstico de neuromielite óptica pode ser desafiador, principalmente porque os sintomas são semelhantes aos de outras doenças autoimunes e desordens do sistema nervoso central, como a esclerose múltipla. O diagnóstico geralmente envolve uma combinação de exames de sangue para detectar anticorpos específicos, como anti-aquaporina 4, ressonância magnética para visualizar lesões no nervo óptico e na medula espinhal e, às vezes, uma punção lombar.”

“Não há cura para a neuromielite óptica, mas hoje existem cuidados e tratamentos que podem ajudar a gerenciar os sintomas e reduzir a frequência dos surtos. O tratamento multidisciplinar, como a fisioterapia, pode ajudar a melhorar a função e  a mobilidade.”

O manejo da neuromielite óptica, segundo o médico, exige uma abordagem multidisciplinar e acompanhamento contínuo por uma equipe de saúde especializada, incluindo neurologistas, oftalmologistas e fisioterapeutas, para adaptar os tratamentos às necessidades individuais do paciente e monitorar a progressão da doença.

Tratamento

De acordo com o Ministério da Saúde, a neuromielite óptica chegou a ser considerada, por muito tempo, como uma variável da esclerose múltipla. Os principais sinais e sintomas incluem inflamação do nervo óptico, déficits motores e sensoriais, episódio de soluços inexplicáveis ou náuseas e vômitos. Até o momento, não há um esquema de tratamento estabelecido para a doença nem mesmo em protocolos internacionais.

“Embora vários medicamentos sejam considerados eficazes, não há algoritmos de tratamento ou esquemas terapêuticos amplamente aceitos e suportados por altos níveis de evidência. Diferentes alternativas terapêuticas foram recentemente aprovadas para o tratamento no mundo, incluindo o rituximabe, o tocilizumabe, o eculizumabe e o inebilizumabe”, destacou a Conitec.

PM que matou jovem no Complexo da Maré é denunciado à Justiça

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou, ao 3º Tribunal do Júri da Capital, o policial militar acusado de matar Jefferson de Araújo Costa, de 22 anos, durante um protesto no Complexo da Maré, no Rio. Segundo o MPRJ, Carlos Eduardo Gomes dos Reis assumiu o risco de matar o jovem, ao golpeá-lo com um fuzil calibre 7.62 com o dedo no gatilho.

Durante a agressão a Jefferson, o fuzil acabou disparando e matando o jovem. O crime foi cometido na manhã de 8 de fevereiro, na Avenida Brasil, próximo à passarela 9, no Complexo da Maré.

De acordo com o MPRJ, o crime foi praticado por motivo fútil, apenas para desmobilizar uma pequena manifestação de moradores que ocorria no local. Também houve, segundo o MPRJ, tiro à queima-roupa, com arma de uso restrito e sem possibilidade de defesa da vítima.

Além de instauração de ação penal contra o policial militar, que está preso preventivamente, o MPRJ pede o pagamento de indenização aos familiares da vítima.

Complexo do Alemão contará com observatório do clima

O Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro, localizado na zona norte, uma das cinco regiões mais quentes da cidade, vai contar, a partir deste ano, com um observatório climático. A intenção é monitorar o calor no local e, a partir dos dados colhidos, elaborar políticas públicas que possam ajudar a população a enfrentar esse fenômeno, cada vez mais frequente não apenas na cidade do Rio de Janeiro, mas em todo o mundo.

Uma iniciativa da prefeitura e de organizações locais, o observatório será formado por um grupo de pesquisadores, representantes dos próprios grupos que atuam no local, como a organização não governamental (ONG) Voz das Comunidades, e pela própria população. A prefeitura pagará uma bolsa-auxílio para que a comunidade contribua com medições de temperatura em diferentes pontos do território. O projeto do Complexo do Alemão servirá de piloto para ser implementado em outros pontos da cidade.

De acordo com a secretaria de Meio Ambiente e Clima do Rio, Tainá de Paula, o objetivo é gerar dados “sobre adequação habitacional, quais são as áreas prioritárias para atuação de postos de hidratação, se existem áreas possíveis para que se amplie a cobertura vegetal dessas áreas, seja com arborização, seja com novas florestas, enfim, para que se consiga observar, compreender melhor o território, trazer soluções adaptadas à realidade dele. A Secretaria financiará aparelhos de monitoramento e realizará capacitação para a pesquisa, além de ajudar na seleção de pessoas para trabalhar no estudo.

Organizações locais também fazem parte do projeto. “A gente quer entender como o Complexo do Alemão vai reagir às transformações climáticas e como a intensidade solar está atingindo o território, sabendo que é um território que não é tão arborizado, né? Nas últimas pesquisas, a gente viu que o Complexo de Alemão recebe muita intensidade solar”, diz a diretora executiva do Voz das Comunidades, Gabriela Santos.

Gabriela Santos, da ONG Voz das Comunidades – Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

No mês passado, Gabriela Santos e Tainá de Paula reuniram-se para traçar estratégias para a implementação do observatório. Segundo Gabriela, o grupo ainda está sendo formado e os parâmetros para a pesquisa estão sendo definidos.

Segundo a secretaria, a ideia é que, ainda neste ano, observatórios semelhantes comecem a funcionar também nas demais ilhas de calor do Rio, que são Complexo da Maré, Pavuna, Irajá, todos na zona norte do Rio, e Campo Grande, na zona oeste da cidade. Os estudos realizados deverão ser apresentados aos países que compõem o G20, cuja reunião da cúpula será em novembro na cidade do Rio.

Calor excessivo

O observatório faz parte de uma série de ações desencadeadas no município principalmente após a morte de Ana Clara Benevides, de 23 anos, em novembro de 2023, no show da cantora Taylor Swift. Foi a primeira morte registrada no município por calor. O Rio de Janeiro enfrentava naquela semana dias com sensações térmicas próximas de 50 graus Celsius.

“Nos últimos anos, perdemos pessoas. Tivemos óbitos que estavam relacionados ao calor, e não registramos desta maneira. O caso da jovem em novembro foi o primeiro notificado, mas, em outros anos, com o El Niño [fenômeno meteorológico que eleva as temperaturas], tivemos altas temperaturas, até sensações térmicas maiores, e não registramos”, diz Tainá de Paula.

De acordo com a secretaria, a coleta de dados vai permitir que se monitore, por exemplo, a frequência e a duração das ondas de calor e o impacto que causam nos territórios e na população. Além disso, será possível estabelecer protocolos de como preparar a população para se proteger e lidar melhor com o calor intenso.

“Como a gente faz, como se adapta melhor a cidade para essas ondas de calor, porque as ondas de calor vão continuar acontecendo”, enfatiza Tainá. “Será que não é o caso de nós suspendermos as atividades quando a temperatura atinge um número superior a determinados graus? São essas respostas que precisamos dar, e isso é possível quando se tem dados suficientes, informação suficiente para preparar a população para tal situação.”

Impacto

É preciso saber lidar com forte calor, diz professora – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Para Renata Libonati, professora do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a iniciativa é importante e representa o primeiro passo para o enfrentamento do calor, que deve ser tratado como um desastre climático e, portanto, mobilizar ações do Estado e implementação de políticas públicas, sobretudo para as populações mais vulneráveis. “O calor é tratado como se estivéssemos acostumados a ele por sermos um país tropical. Na verdade, a gente acaba negligenciando esse evento como um desastre e, então, não são tomadas medidas efetivas de prevenção e auxílio à população”, diz.

Segundo a professora, não basta ter uma boa previsão do tempo que antecipe as ondas de calor: são necessárias orientações para a população. “O que fazer nessa onda de calor? Quem procurar? Os serviços médicos estão adaptados para receber? Os profissionais de saúde estão treinados para atuar durante esse evento de desastre? Onde a população deve procurar ajuda? O que a população deve fazer? Que tipo de ações devemos tomar em relação, por exemplo, às relações de trabalho? Em alguns países, por exemplo, durante eventos muito extremos de ondas de calor, as pessoas são aconselhadas a trabalhar de casa.”

Renata Libonati explica ainda que, devido às desigualdades sociais, o calor atinge às pessoas de forma também desigual. “O calor não é democrático, na verdade, ele afeta essa população que é mais vulnerável no sentido de que não só não têm acesso a meios de se refrescar durante esses episódios, mas também têm menos instrução do que fazer, de onde ir, e têm menos assistência médica, assistência de saúde básica, não só durante os eventos de calor extremos, mas durante toda a sua vida, no dia a dia”, diz a professora.

Os territórios também impactam nos efeitos do calor, que são mais críticos em territórios de favela, por exemplo. “Comunidades em que as casas são muito aglomeradas e a circulação do ar não permite também uma refrigeração natural, digamos assim. Isso faz com que essas pessoas tenham uma vulnerabilidade maior ao calor e isso faz com que a gente precise ter um olhar diferenciado para essa parcela da população”, ressalta.

Segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), da União Europeia, neste ano, o mundo teve o mês de janeiro mais quente já registrado, dando continuidade a uma onda de calor alimentada pelas mudanças climáticas. O mês de janeiro de 2024 superou janeiro de 2020, até então o mais quente nos registros do C3S desde 1950.

Terreno complexo e chuva dificultam captura de presos, diz Lewandowski

Apesar do emprego de cerca de 500 agentes de segurança e equipamentos modernos, não há prazo para a captura dos dois presos que fugiram da Penitenciária Federal de Mossoró (RN), disse neste domingo (18) o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, diante da complexidade do terreno e das chuvas, que apagam rastros.  

O ministro destacou que a região possui amplas áreas de mata e inclusive cavernas, o que prejudica o uso de detectores de calor, por exemplo. “Soube agora e vi pelas fotos aéreas que é uma região que tem grutas, em que as pessoas podem eventualmente se esconder”.

Ele reforçou as indicações das autoridades policiais: “o terreno é difícil, as condições são desfavoráveis, teve uma enxurrada torrencial, que apagou rastros, portanto a questão de prazo e dias é algo que não podemos precisar”.

Lewandowski acrescentou que, pelas investigações, as autoridades acreditam que os fugitivos ainda se encontram num raio de 15 quilômetros a partir da penitenciária.

Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento foram os primeiros detentos a escapar de um presídio federal, considerado de segurança máxima. O sistema foi criado em 2006. A dupla fugiu na última quarta-feira (14). 

Lewandowski frisou que aumentou o efetivo de agentes em busca pelos foragidos, de 300 para cerca de 500, divididos em dois turnos.

Barra de ferro

O ministro confirmou ainda que as investigações indicam que, para escapar da cela, foi utilizada uma barra de ferro extraída de uma das paredes, o que aponta para má conservação das instalações. “Essa é a primeira informação que nós temos”.

Outro ponto das investigações comentado por Lewandowski foi a existência de “uma construção mal administrada no presídio”. Segundo informações preliminares das investigações, uma ferramenta encontrada nessa obra teria sido utilizada pelos fugitivos para cortar o alambrado que cerca a penitenciária.  

O ministro novamente prometeu a construção de uma muralha em Mossoró, similar à que já existe na penitenciária federal da Papuda, no Distrito Federal. Ele disse que todas as unidades federais receberão o equipamento.

Falhas

Lewandowski admitiu ter havidos falhas, mas garantiu que todas foram corrigidas, em Mossoró (RN) e eventualmente nos outros quatro presídios federais pelo país. “Não vamos deixar nenhum defeito, nenhuma falha de procedimento ou nenhum problema de equipamento para trás. Como nós sempre tivemos presídios muito seguros, daqui pra frente serão ainda mais seguros”, disse o ministro.

Ele reconheceu ainda defeitos de projeto na edificação em Mossoró, que resultaram por exemplo na facilidade de remoção de uma luminária de parede, o que teria permitido a fuga. Tais fragilidades “são antigas, porque os presídios foram construídos de 2006 em diante”, ponderou.

“Essas falhas estruturais podem existir em alguns lugares. Aqui em Mossoró foram corrigidas imediatamente e estamos examinando se essas falhas estruturais se repetem em outros presídios”, acrescentou Lewandowski.

Investigações

O ministro também evitou dar prazo para conclusão das investigações sobre o caso. Uma delas, de caráter administrativo, liderada pela Secretaria Nacional de Políticas Penitenciárias (Senappen), apura as responsabilidades da fuga e pode levar a processos administrativos.

Também há um inquérito no âmbito da Polícia Federal para apurar eventuais responsabilidades de natureza criminal das pessoas que, eventualmente, tenham facilitado a fuga dos dois detentos da penitenciária.

Lewandowski, contudo, disse não ser possível falar em “conivência” na fuga, antes das investigações serem encerradas. “Em nosso regime democrático vigora a presunção de inocência. Portanto, enquanto as investigações não terminarem, seja a que está sendo conduzida no âmbito administrativo como no âmbito policial, nós não podemos afirmar que houve conivência de quem quer que seja”, afirmou.

Mais cedo, em coletiva à imprensa na Etiópia, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, cogitou que presos tiveram apoio na fuga da penitenciária de segurança máxima. “”Queremos saber como esses cidadãos cavaram um buraco e ninguém viu. Não quero acusar, mas teoricamente parece que houve a conivência de alguém do sistema lá dentro”, disse Lula.

O ministro da Justiça lembrou que o prazo legal para a conclusão do inquérito policial é de 30 dias, mas que pode ser prorrogado em caso de necessidade, o que costuma ocorrer sempre que há necessidade de produção de laudos periciais.

Relatórios

Em resposta a perguntas sobre relatórios que teriam alertado o MJSP desde 2021 a respeito de falhas no sistema de monitoramento da penitenciária em Mossoró, Lewandowski disse que tais informações não chegaram a seu conhecimento a tempo de as correções necessárias serem feitas antes da fuga. O ministro assumiu o cargo há 18 dias.

“Na minha gestão nenhuma informação oficial veio, ao menos a tempo e com relação a esse presidio em Mossoró. Se tivesse vindo, teria sido corrigido, obviamente”, afirmou.  

Matéria ampliada às 16h40

Policial militar atira em homem à queima-roupa no Complexo da Maré

Um policial militar foi filmado atirando à queima-roupa em um homem no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro. O vídeo ganhou grande repercussão nas redes sociais nesta quinta-feira (8).

Nas imagens, o policial agride o homem negro com um fuzil, mas é ouvido o disparo da arma. Em seguida, o homem é socorrido por uma mulher, sofre hemorragia e cai ferido pelo disparo. Também é possível ouvir o desespero das pessoas ao redor.

O vídeo causou indignação de lideranças políticas e comunitárias, além de comunicadores populares e ativistas dos direitos humanos que denunciaram as imagens nas redes sociais. O fundador do jornal Voz das Comunidades, René Silva, classificou o crime de “inadmissível”.

A deputada estadual Renata Souza (PSOL), que é do Complexo da Maré, criticou a política de segurança pública do governo do estado, afirmando que ela “opera pela lógica da morte”.

“Hoje, na Maré, um homem foi atingido por um tiro à queima roupa por um PM. São assustadoras e chocantes as imagens. O cotidiano dos moradores de favela é atravessado pelo terror do Estado”.

Em nota, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar disse que já identificou o agente envolvido na ocorrência.

“O policial utilizava uma câmera operacional portátil e as imagens serão disponibilizadas para a investigação. Ressaltamos que a Corregedoria da Corporação instaurou um procedimento para averiguar as circunstâncias do fato”, disse o texto.

A Polícia Civil também já tomou conhecimento do caso e abriu procedimento de investigação.

“A Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) foi acionada. Uma equipe está em deslocamento, a fim de realizar perícia de local. Outras diligências estão em andamento para apurar e esclarecer todos os fatos”, diz a corporação.

*Colaborou Tâmara Freire, do Radiojornalismo da EBC

Lula lança pedra fundamental do IFRJ no Complexo do Alemão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou, nesta quarta-feira (7), a pedra fundamental de mais um campus do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas da zona norte da capital fluminense. O anúncio da nova unidade de ensino ocorreu em julho do ano passado.

“Hoje, dia 7 de fevereiro, não foi um delegado ou um capitão da polícia que veio anunciar a quantidade de mortes no Complexo do Alemão; hoje, o governo federal e o governo municipal vieram aqui dizer, dia 7 de fevereiro, quem veio ao Complexo do Alemão foi a educação, para salvar essa gente”, disse, defendendo os investimentos em educação pra reduzir a pobreza no país.

“Um trabalhador com profissão, com conhecimento, uma mulher sair procurando emprego com uma profissão, ela tem muita mais facilidade de arrumar um emprego […]. Se a gente fala que não tem profissão, ninguém nem dá ouvido. Então, aqui, quando a gente está fazendo o instituto federal é porque a gente quer que os filhos das pessoas mais humildes [saiam da pobreza]”, ressaltou.

Presente na cerimônia, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, destacou a importância da criação do IFRJ na localidade e lembrou de crianças que foram mortas no Alemão, vítimas de balas perdidas.

“Estamos falando hoje de um lugar onde a gente já perdeu Ágatha [Félix], Eduardo [de Jesus Ferreira], Benjamim [Novaes da Silva], onde a gente já perdeu muitos sonhos e a gente tá cansado disso. Quando a gente tem um governo que investe em educação e não investe em armas, isso também significa dizer que a favela está olhando para um futuro que muitas vezes nos é negado e tem sido negado cotidianamente. Hoje é falar de esperança, é falar de dias melhores”, disse a ministra, que nasceu e foi criada na Favela da Maré, também no Rio de Janeiro.

Com investimento total de R$ 15 milhões, a obra do IFRJ tem previsão de conclusão em dezembro de 2025, em espaço doado pela prefeitura do Rio de Janeiro. O campus receberá até 1,4 mil estudantes.

A criação do campus ocorre por intercessão da primeira-dama, Janja Lula da Silva. Em julho de 2023, ela procurou o Ministério da Educação, acompanhada pelas líderes comunitárias do Complexo do Alemão, Camila Moradia e Tia Bete, e por Alan Brum, presidente do Instituto Raízes em Movimento, organização que elaborou o Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão, de desenvolvimento local.

No encontro com o ministro da Educação, Camilo Santana, pediram a retomada do projeto de construção de uma unidade do IFRJ no local. No mesmo mês, o ministro visitou o Complexo e confirmou o compromisso com a construção do campus.

Ensino técnico

A iniciativa faz parte da política de expansão dos institutos federais no país. Também nesta quarta-feira, Lula lançou outro campus do IFRJ, no Parque Olímpico, na zona oeste da capital fluminense.

Desde esta terça-feira (6) o presidente cumpre agendas no Rio de Janeiro e também anunciou a criação de institutos federais de educação na Baixada Fluminense. A unidade de Belford Roxo também já tem recursos garantidos. Hoje, o IFRJ possui 15 campi no estado e atende mais de 18 mil estudantes.

Os recursos para as obras estão previstos no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pelo qual ainda serão construídas cem novas unidades de institutos federais no país, totalizando R$ 3,9 bilhões em repasses. Os institutos federais ofertam ensino público e gratuito e atuam em diferentes níveis e modalidades de ensino, como ensino técnico de nível médio, graduação e pós-graduação.

Nesta tarde, Lula viaja para Belo Horizonte onde, amanhã, anunciará iniciativas federais em Minas Gerais. De acordo com o presidente, o estado receberá 12 institutos federais.

Até 2002, o Brasil tinha 140 escolas técnicas, em 119 municípios. De acordo com a Presidência da República, nos primeiros governos Lula e da ex-presidenta Dilma Rousseff, a rede federal se expandiu e foram criados 422 campi entre os anos de 2005 e 2016. Hoje, são 682 unidades e mais de 1,5 milhão de matrículas.

Complexo eólico na Bahia vai abastecer 1,37 milhão de domicílios

Com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de R$ 3,16 bilhões, está sendo implantado na região centro-norte da Bahia um complexo eólico que poderá gerar energia suficiente para abastecer cerca de 1,37 milhão de domicílios. A previsão é que o complexo entre em operação em outubro de 2025.

Segundo o BNDES, este é o maior volume de recursos financiado pela instituição a um empreendimento de geração de energia renovável. O crédito, concedido à empresa Ventos de Santo Antônio Comercializadora de Energia S.A., corresponde a 80% do total a ser investido no projeto, denominado Babilônia Centro.

Localizado nos municípios de Morro do Chapéu e Várzea Nova, o Babilônia Centro é resultado de uma joint-venture (acordo entre empresas) entre a Casa dos Ventos e a ArcelorMittal. O empreendimento responderá pelo abastecimento de cerca de 40% do consumo elétrico da ArcelorMittal no Brasil. Com 123 aerogeradores, capacidade instalada de 553,5 megawatts (MW) e geração de energia estimada em 267 MW médios, o complexo permitirá que a ArcelorMittal Brasil seja autoprodutora de energia por meio do maior contrato corporativo de energia renovável firmado no país.

Uma rede de média tensão levará a energia produzida pelos aerogeradores à subestação coletora do complexo Babilônia Centro. A partir daí, a conexão com o Sistema Interligado Nacional (SIN) será feita por uma linha de transmissão de aproximadamente 17 km até a subestação Ourolândia II, que já está em operação.

Compromisso

A operação reforça o compromisso do BNDES com projetos de geração renovável de grande escala, na busca por uma matriz energética cada vez mais sustentável para o Brasil, com produção de energia limpa e estímulo à descarbonização, diz o presidente da instituição, Aloizio Mercadante. Por gerar energia elétrica oriunda de fonte limpa, o complexo eólico evitará a emissão anual de aproximadamente 950 mil toneladas de CO2 (gás carbônico) na atmosfera. Segundo o BNDES, o cálculo das emissões tem como fonte o Método Ajustado do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Dados da organização de pesquisas BloombergNEF apontam o BNDES como o maior financiador de energias renováveis do mundo, com créditos que somam cerca de US$ 35 bilhões no período de 2004 a 2022. Desde o ano 2000, a instituição financiou cerca de 70% do aumento de capacidade de geração do país, correspondentes a 78,8 gigawatts (GW) adicionais, dos quais 86% são provenientes de fontes renováveis.

No período de implantação do empreendimento, deverão serão criados 1,5 mil postos de trabalho diretos e 3 mil indiretos . Após a conclusão, o complexo eólico deverá empregar diretamente 80 funcionários e, indiretamente, mais 150 trabalhadores.

Vantagem

A diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES, Luciana Costa, destaca que o Brasil está em uma posição vantajosa em relação ao resto do mundo na transição energética. Luciana lembra que países como Índia e Estados Unidos estão fomentando, com incentivos e subsídios, a instalação de parques eólicos e solares, o que o Brasil faz há 20 anos. “Em 2004, o BNDES criou um programa de apoio a fontes alternativas de energia elétrica para financiar éolica e solar. O resultado é que projetos financiados pelo BNDES representam 57,5% do total da capacidade eólica instalada no Brasil, que é de 28,7 GW.”

Ela citou dados da Agência Internacional de Energia (IEA, do nome em inglês), segundo a qual, no ano passado, a expansão das energias de fontes renováveis no mundo foi 50% maior do que em 2022, com o Brasil situado entre os países mais relevantes. Projetos como o Babilônia são fundamentais para sustentar essa expansão crescente de fontes renováveis, acrescenta.