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Cineastas, ex-alunos e amigos lembram legado de Vladimir Carvalho

O cineasta Vladimir Carvalho será velado nesta sexta-feira (25) no Cine Brasília, das 9h30 às 13h30. O enterro será no Cemitério Campo da Esperança, às 14h30, na área destinada ao sepultamento dos pioneiros da capital federal.

Em nota, a Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, onde Vladimir foi docente por mais de duas décadas, afirmou que ele “é admirado por sua generosidade, conhecimento e dedicação ao ensino.” Essas virtudes são unanimidades entre cineastas, ex-alunos e amigos ouvidos pela Agência Brasil.

“Ele tinha um séquito de alunos. Até gente que não teve aula com ele o admirava. Era uma admiração por osmose, passada por outras pessoas”, lembra Bruno de Castro que trabalhou na UnB com intermédio de Vladimir.

“Um dia eu comentei com ele que queria tentar trabalhar um pouco em uma universidade. O Vladimir, na hora, foi atrás das pessoas para abrir caminho. ”Bruno de Castro trabalhou na UnB por cerca de oito anos por intermédio de Vladimir. “Foi fantástico, fizemos a UnB-TV.  Ele deu muita força”, recorda-se. “Vladimir não poupava esforço para ajudar a fazer coisas interessantes.”

Expert em documentários

Castro teve oportunidade de produzir um making off da produção do documentário “Barra 68” (2000) e ver Vladimir Carvalho atuando como diretor. “O Vladimir vinha de uma escola de documentaristas, que tinha o Eduardo Coutinho [1933-2014] como grande referência. Eles tinham um modelo de trabalho. Era um negócio assim: muito de sentar e conversar com o entrevistado até arrancar o que precisava. Sabiam exatamente o que queriam”, compara.

A admiração pelo trabalho de Vladimir Carvalho fez com que o cineasta Marcio de Andrade produzisse o documentário “Quando a coisa vira outra” (2022) sobre Vladimir e seu irmão, também cineasta, Walter Carvalho. “O meu desejo de trabalhar com ele se transformou num documentário a seu respeito e à sua trajetória”, conta Andrade.

O documentário foi bem acolhido por Vladimir. “A reação dele foi uma grande alegria. A gente fica tenso, né? Afinal, ele era um expert de documentários, né? Sabia fazer como ninguém. E foi ótima a proximidade com ele. Desde sempre o Vladimir foi uma referência pra gente.”

A gentileza de Vladimir Carvalho também é lembrada pela atriz e diretora Catarina Accioly que postou em suas redes sociais imagens de uma conversa com Vladimir logo após a exibição do seu documentário “Rodas Gigante” no Festival de Brasília de 2023.

“Ele fez uma baita declaração ao filme, sabe? Foi muito especial. Tinha acabado a sessão e eu estava super emocionada. Recebi estímulos de ‘ter acertado” de ‘que aquilo era documentário’. Quanto maior o artista, mais generoso é”, declara Catarina.

Aprendiz curioso

A servidora pública aposentada Mercês Parente foi aluna orientada por  Vladimir no início dos anos 1970 na UnB. Ao longo do tempo tornou-se amiga e compartilha profunda admiração pelo cineasta. “Ele tinha uma visão analítica de mundo. Fazia umas correlações incríveis. Mas sempre se portou como um aprendiz”, afirma.

“A faísca impressionante é a curiosidade. Quanto mais velho, mais ficava curioso e atento”, concorda o cineasta Marcus Ligocki que produziu o último documentário de Vladimir Carvalho “Rock Brasília – Era de Ouro” (2011).

“Conectar com a emoção de vida e brilho nos olhos foi fundamental para mim. Aprendi muito com ele sobre paixão, narrativa e método de filmar. Ele estava 100% imerso na produção dos filmes. Pesquisando e arquivando informação para os próximos filmes. Havia cinema correndo nas veias dele. Nunca foi um prestador de serviço do audiovisual, filmou seus pensamentos e suas emoções em relação ao mundo e em relação a Brasília.”

Pablo Gonçalo Martins, professor de audiovisual da UnB, também percebia em Vladimir Carvalho “paixão por tudo que cercava sua vida.” O acadêmico conheceu Vladimir em uma sessão de cinema de um filme do diretor Roberto Rossellini [1906-1977], do neorrealismo italiano, uma das influências do cineasta brasileiro.

Martins se recorda de um punhal de cangaceiro que Vladimir mostrou, guardado entre as suas coleções que também incluíam filmes, máquinas fotográficas, câmeras, equipamentos de produção cinematográfica – uma parte da memória do cinema brasileiro que o cineasta doou à Universidade de Brasília.

Mostra em Brasília reúne produção de cineastas negros da Amazônia

Começa nesta terça-feira (27), em Brasília, a Mostra Adinkra de Cinema Afro Amazônico com exibição de filmes produzidos por cineastas negros do Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Pará e Roraima. Também estão previstas rodadas de bate-papo sobre temas como ancestralidade, feminino, luta e imaginário.

As exibições, reunidas em quatro sessões com temáticas diferentes, ocorrem na Caixa Cultural até quarta-feira (28), com entrada gratuita.

Serão exibidos oito curtas-metragens e ao final da programação de cada dia artistas e cineastas participarão de rodas de conversas com o público, em um espaço criado para o evento que recebeu o nome de Mate Masie, um símbolo afro que pode ser traduzido pelo provérbio Nyansa bun um nne mate masie, que significa: O que eu ouço, eu guardo.

Segundo um dos produtores do evento, Rafael Nzinga, a mostra foi estruturada no sistema de escrita simbólica Adinkra do povo Akan, do Oeste da África, e dividida em quatro sessões por temáticas.

Hoje serão exibidos as sessões Duafe, que trata do feminino e Sankofa, que simboliza o ato de olhar o passado para entender o presente e seguir para o futuro.

Amanhã (28) ocorre a sessão Ananse, que reunirá filmes sobre criatividade e sabedoria e a sessão Aya, será sobre resistência e desenvoltura.

“Esse trabalho de divulgação e distribuição de filmes é mais do que pensar a floresta em si, é pensar as pessoas que ali vivem e que guardam a floresta até os dias de hoje, principalmente os povos originários, os quilombolas e os indígenas”, destaca Rafael.

Para criar essa atmosfera em Brasília, os participantes receberão colares e com os símbolos Adinkra, também serão distribuídas mudas de plantas consideradas sagradas e haverá degustação de comidas típicas da Amazônia.

A capital federal é a segunda cidade a receber a mostra, que também passou pela Caixa Cultural de Salvador. Idealizada em Belém do Pará, ela reúne produções contemporâneas que passaram por festivais de cinema negro promovidos pelos mesmos produtores do evento.

“Em 2019, nós realizamos o primeiro festival de cinema negro da Região Norte e logo percebemos que as políticas afirmativas incentivaram essas pessoas a contarem suas histórias. E, embora essa seja o momento de ouvirmos as suas vozes, a falta de espaço para ecoar essas produções também revelou uma herança de um país segregado”, relembra Rafael.

O produtor conta que, na época, foram inscritos 80 filmes e logo na edição seguinte, as inscrições dobraram. Para ele, a quarta edição do festival, de 2024, deve revelar um crescimento expressivo na produção audiovisual de negros na Amazônia, motivado pelo lançamento do primeiro edital de audiovisual da Lei Paulo Gustavo.

“Até então nunca houve um edital de política afirmativa que desse vazão ao volume expressivo dessa produção, mas esse crescimento mostra que as histórias existem, mas falta dinheiro para fazer”, conclui o produtor.

A programação da mostra começa às 19h e tem classificação indicativa de 10 anos. A Caixa Cultural fica no Setor Bancário Sul, quadra 4. Confira a programação completa:

Terça-feira

Sessão Duafe – 19h00

Alexandrina – Um Relâmpago, de Keila Sankofa (AM)
A Velhice Ilumina o Vento, de Juliana Segóvia (MT)

Sessão Sankofa – 19h30

Meus Santos Saúdam teus Santos, de Rodrigo Antônio (PA)
Utopia, de Rayane Penha (AP)

Bate-papo com Rodrigo Antônio, sobre Cinema de impacto na defesa da floresta Amazônica – 20h00

Quarta-feira (28)

Sessão Ananse (em LIBRAS) – 19h00

Nome Sujo, de Artur Roraimana (RR)
Minguante, de Maurício Moraes (PA)

Sessão Aya (em LIBRAS) – 19h30

Não Quero Mais Sentir Medo, de André dos Santos (PA)
Maria, de Elen Linth e Riane Nascimento (AM)

Bate-papo com Francis Angmortey sobre os Adinkras e a cultura Akan na perspectiva da Mostra – 20h00

Desastre em Maceió inspira cineastas a produzir novos filmes

A cena parecia saída de um pesadelo. Chão afundando, imóveis com rachaduras e desespero espalhado por moradores de cinco bairros de Maceió. Não era ficção, tratava-se de um mistério real. Mas não havia tempo a perder naquele 3 de março de 2018, quando Octávio Lemos resolveu tirar às pressas a família de uma casa do Pinheiro, a primeira comunidade afetada. Ele precisou convencer a avó de 92 anos de que era preciso sair rápido de casa. Resolvido o problema familiar imediato, o jovem cineasta alagoano estava certo de que era urgente começar a filmar. O desastre só estava começando.

Como ele, produtores do audiovisual em Alagoas entenderam que, diante do desastre nesses últimos cinco anos, as câmeras ligadas poderiam ser aliadas para denunciar o que ocorria.

Segundo pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil, a extração mineral de sal-gema, realizada pela petroquímica Braskem, seria responsável pelos danos à região. Cientes da tragédia anunciada, os cineastas tentam, desde 2018, evitar o apagamento da memória e sensibilizar o país para histórias de milhares de pessoas.

Longa

Octávio Lemos é um dos realizadores do documentário “Histórias do Subsolo”, que está em fase final na produção. A ideia é que o longa seja exibido em TV e também disponibilizado em plataforma de streaming no ano que vem.

“Desde 2018, estamos acompanhando alguns personagens. É uma tragédia anunciada há muitos anos e essa é a história que o nosso filme conta”. O diretor explica que o filme aborda a implementação de exploração da petroquímica Salgema na década de 1970, durante a ditadura militar.

Documentários e obras de ficção trazem histórias inspiradas pelo desastre provocado por minas de extração de sal-gema da Braskem. Foto: Luiza Leal / Divulgação

Acervo

Até agora, o diretor da obra calcula haver mais de 100 horas de imagens. “Estamos certos de que houve uma tentativa de apagar e silenciar as denúncias”.

O que mais impactou o cineasta foi justamente as histórias dos moradores. “Sobretudo as pessoas mais pobres que moravam lá nessa região, como na encosta do bairro do Mutange. O que eu tenho conhecimento é que foram registrados 15 casos de suicídio diretamente ligados a esse caso”. Além do filme programado para o ano que vem, o projeto conta com um site que detalha o crime ambiental. Confira dados da pesquisa no site Histórias do Subsolo (https://historiasdosubsolo.org/).

A dor na casa

Em vez de um documentário, a cineasta Luíza Leal da Cunha optou por uma ficção inspirada nos fatos acontecidos na vizinhança do bairro dela, o Pinheiro.

O filme Rachadura conta a história de uma mulher que vive a perda de uma companheira com quem era casada e moradora do Pinheiro. “Essa mulher tem uma ligação muito forte com essa casa. E, em uma noite, ela tem um pesadelo com tremores”. No dia seguinte, ela vê uma cratera gigantesca na frente de casa. O filme deve estar pronto no ano que vem.

Desde os primeiros tremores, Luíza realiza pesquisas no Pinheiro. “Percebi que o caso vem afetando a vida pessoal e a saúde mental dessas pessoas. E isso me inspirou a pensar uma história de ficção que pudesse tocar outras pessoas”.

Fuga

O cineasta Henrique Cavalcanti, de 33 anos, nascido e criado no bairro do Pinheiro, resolveu também se inspirar no desastre para conceber uma ficção, o curta “Rota de Fuga”. As locações foram na região ameaçada.

“Quando a gente acabou de gravar algumas cenas, aconteceu esse novo tremor que desencadeou uma nova onda de consequências, que foi o abalo da Mina 18 (em 10 de dezembro). O filme foi 100% rodado nos bairros afetados pelo crime ambiental da Braskem”.

A principal locação ficava no Pinheiro, bairro símbolo da tragédia. O curta conta a história da relação de um filho com um pai, que sofre do Mal de Alzheimer, e que vê a vida impactada por um desastre ambiental.

“O filme mostra uma remoção forçada de casa e os problemas emocionais causados pela realidade. A gente acabou de gravar e o curta terá 22 minutos”. A previsão de lançamento é até meados de 2024. O filme tem mistura de ficção com realidade, mas muito baseado em histórias que a gente teve contato.

A fotógrafa Andréa Guido ainda não precisou sair de casa, mas registrou a indignação das famílias removidas. Foto: Andréa Guido / Divulgação

Entre as pessoas consultadas, a fotógrafa Andréa Guido atuou como consultora do filme. “Tem rua que eu não consigo mais reconhecer. O bairro está completamente desconfigurado. Eu não consigo reconhecer a rua que morei. A Andréa nos ajudou muito porque conhece o lugar em detalhes”.

Detalhes doloridos

Inclusive, foi inicialmente o tremor de 2018 que Andréa, radicada em Maceió, a se aventurar com a máquina em punho. Mesmo passados cinco anos, ela se emociona com as casas destruídas ou mesmo com os tapumes que desconfiguraram o que antes era vida normal.

Ela e a família são moradoras do bairro do Pinheiro e ainda não tiveram que sair do apartamento em que vivem. Do outro lado da sua, os vizinhos tiveram que sair. “Como moradora, eu me senti na obrigação de fotografar e registrar a indignação das pessoas. O que me motiva até hoje é fazer com que essa história tenha um registro”.

Às vezes, a fotógrafa tem dificuldades de disparar a máquina. Cada esquina fala direto ao coração dela. “A minha filha tem 28 anos. Ela nasceu e cresceu aqui no Pinheiro. Todos os prédios foram demolidos. Inclusive a igreja em que foi batizada, o mercadinho, o lugar que vendia o churrasco ou que vendia a tapioca, para onde a gente ia depois da escola. Todos esses locais que fazem parte da nossa memória afetiva”.

As fotos transformaram-se em exposições, mas há tanto material que deve render mais conteúdo inédito. Ela ainda pretende publicar um livro.

Foto de família

Outro trabalho sensível de investigação fotográfica começou em 2020 e foi um projeto do artista visual Paulo Accioly. Ele criou o “A gente foi feliz por aqui”, que buscava registrar famílias que ainda moravam no bairro, mas estavam prestes a sair.

“Eu fotografava e colava a foto da família nos muros das casas que seriam derrubadas. O projeto era deixar as famílias ali presentes, na casa deles, até o último momento possível”.

Braskem

A Braskem, por intermédio de sua página na internet, alega que implementou “medidas amplas e adequadas para mitigar, compensar ou reparar impactos do afundamento do solo” nos cinco bairros atingidos. “Ao longo dos últimos 4 anos, os moradores das áreas de desocupação mapeadas pela Defesa Civil foram realocados de forma preventiva e indenizados. Os últimos 23 imóveis ocupados foram desocupados pela Defesa Civil, por determinação judicial”.

A empresa acrescenta que tem acordos com autoridades para a realocação preventiva e compensação financeira das famílias; apoio psicológico; ações urbanísticas e ambientais. “Até o momento, R$ 14,4 bilhões foram provisionados e R$ 9,2 bilhões já foram desembolsados com as ações adotadas em Alagoas, incluindo indenizações e medidas socioambientais e econômicas”.

Desastre em Maceió inspira cineastas a produzir novos filmes

A cena parecia saída de um pesadelo. Chão afundando, imóveis com rachaduras e desespero espalhado por moradores de cinco bairros de Maceió. Não era ficção, tratava-se de um mistério real. Mas não havia tempo a perder naquele 3 de março de 2018, quando Octávio Lemos resolveu tirar às pressas a família de uma casa do Pinheiro, a primeira comunidade afetada. Ele precisou convencer a avó de 92 anos de que era preciso sair rápido de casa. Resolvido o problema familiar imediato, o jovem cineasta alagoano estava certo de que era urgente começar a filmar. O desastre só estava começando.

Como ele, produtores do audiovisual em Alagoas entenderam que, diante do desastre nesses últimos cinco anos, as câmeras ligadas poderiam ser aliadas para denunciar o que ocorria.

Segundo pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil, a extração mineral de sal-gema, realizada pela petroquímica Braskem, seria responsável pelos danos à região. Cientes da tragédia anunciada, os cineastas tentam, desde 2018, evitar o apagamento da memória e sensibilizar o país para histórias de milhares de pessoas.

Longa

Octávio Lemos é um dos realizadores do documentário “Histórias do Subsolo”, que está em fase final na produção. A ideia é que o longa seja exibido em TV e também disponibilizado em plataforma de streaming no ano que vem.

“Desde 2018, estamos acompanhando alguns personagens. É uma tragédia anunciada há muitos anos e essa é a história que o nosso filme conta”. O diretor explica que o filme aborda a implementação de exploração da petroquímica Salgema na década de 1970, durante a ditadura militar.

Documentários e obras de ficção trazem histórias inspiradas pelo desastre provocado por minas de extração de sal-gema da Braskem. Foto: Luiza Leal / Divulgação

Acervo

Até agora, o diretor da obra calcula haver mais de 100 horas de imagens. “Estamos certos de que houve uma tentativa de apagar e silenciar as denúncias”.

O que mais impactou o cineasta foi justamente as histórias dos moradores. “Sobretudo as pessoas mais pobres que moravam lá nessa região, como na encosta do bairro do Mutange. O que eu tenho conhecimento é que foram registrados 15 casos de suicídio diretamente ligados a esse caso”. Além do filme programado para o ano que vem, o projeto conta com um site que detalha o crime ambiental. Confira dados da pesquisa no site Histórias do Subsolo (https://historiasdosubsolo.org/).

A dor na casa

Em vez de um documentário, a cineasta Luíza Leal da Cunha optou por uma ficção inspirada nos fatos acontecidos na vizinhança do bairro dela, o Pinheiro.

O filme Rachadura conta a história de uma mulher que vive a perda de uma companheira com quem era casada e moradora do Pinheiro. “Essa mulher tem uma ligação muito forte com essa casa. E, em uma noite, ela tem um pesadelo com tremores”. No dia seguinte, ela vê uma cratera gigantesca na frente de casa. O filme deve estar pronto no ano que vem.

Desde os primeiros tremores, Luíza realiza pesquisas no Pinheiro. “Percebi que o caso vem afetando a vida pessoal e a saúde mental dessas pessoas. E isso me inspirou a pensar uma história de ficção que pudesse tocar outras pessoas”.

Fuga

O cineasta Henrique Cavalcanti, de 33 anos, nascido e criado no bairro do Pinheiro, resolveu também se inspirar no desastre para conceber uma ficção, o curta “Rota de Fuga”. As locações foram na região ameaçada.

“Quando a gente acabou de gravar algumas cenas, aconteceu esse novo tremor que desencadeou uma nova onda de consequências, que foi o abalo da Mina 18 (em 10 de dezembro). O filme foi 100% rodado nos bairros afetados pelo crime ambiental da Braskem”.

A principal locação ficava no Pinheiro, bairro símbolo da tragédia. O curta conta a história da relação de um filho com um pai, que sofre do Mal de Alzheimer, e que vê a vida impactada por um desastre ambiental.

“O filme mostra uma remoção forçada de casa e os problemas emocionais causados pela realidade. A gente acabou de gravar e o curta terá 22 minutos”. A previsão de lançamento é até meados de 2024. O filme tem mistura de ficção com realidade, mas muito baseado em histórias que a gente teve contato.

A fotógrafa Andréa Guido ainda não precisou sair de casa, mas registrou a indignação das famílias removidas. Foto: Andréa Guido / Divulgação

Entre as pessoas consultadas, a fotógrafa Andréa Guido atuou como consultora do filme. “Tem rua que eu não consigo mais reconhecer. O bairro está completamente desconfigurado. Eu não consigo reconhecer a rua que morei. A Andréa nos ajudou muito porque conhece o lugar em detalhes”.

Detalhes doloridos

Inclusive, foi inicialmente o tremor de 2018 que Andréa, radicada em Maceió, a se aventurar com a máquina em punho. Mesmo passados cinco anos, ela se emociona com as casas destruídas ou mesmo com os tapumes que desconfiguraram o que antes era vida normal.

Ela e a família são moradoras do bairro do Pinheiro e ainda não tiveram que sair do apartamento em que vivem. Do outro lado da sua, os vizinhos tiveram que sair. “Como moradora, eu me senti na obrigação de fotografar e registrar a indignação das pessoas. O que me motiva até hoje é fazer com que essa história tenha um registro”.

Às vezes, a fotógrafa tem dificuldades de disparar a máquina. Cada esquina fala direto ao coração dela. “A minha filha tem 28 anos. Ela nasceu e cresceu aqui no Pinheiro. Todos os prédios foram demolidos. Inclusive a igreja em que foi batizada, o mercadinho, o lugar que vendia o churrasco ou que vendia a tapioca, para onde a gente ia depois da escola. Todos esses locais que fazem parte da nossa memória afetiva”.

As fotos transformaram-se em exposições, mas há tanto material que deve render mais conteúdo inédito. Ela ainda pretende publicar um livro.

Foto de família

Outro trabalho sensível de investigação fotográfica começou em 2020 e foi um projeto do artista visual Paulo Accioly. Ele criou o “A gente foi feliz por aqui”, que buscava registrar famílias que ainda moravam no bairro, mas estavam prestes a sair.

“Eu fotografava e colava a foto da família nos muros das casas que seriam derrubadas. O projeto era deixar as famílias ali presentes, na casa deles, até o último momento possível”.

Braskem

A Braskem, por intermédio de sua página na internet, alega que implementou “medidas amplas e adequadas para mitigar, compensar ou reparar impactos do afundamento do solo” nos cinco bairros atingidos. “Ao longo dos últimos 4 anos, os moradores das áreas de desocupação mapeadas pela Defesa Civil foram realocados de forma preventiva e indenizados. Os últimos 23 imóveis ocupados foram desocupados pela Defesa Civil, por determinação judicial”.

A empresa acrescenta que tem acordos com autoridades para a realocação preventiva e compensação financeira das famílias; apoio psicológico; ações urbanísticas e ambientais. “Até o momento, R$ 14,4 bilhões foram provisionados e R$ 9,2 bilhões já foram desembolsados com as ações adotadas em Alagoas, incluindo indenizações e medidas socioambientais e econômicas”.