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Lula recebe visita de Chico Buarque em São Paulo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, nesta terça-feira (17), a visita do cantor Chico Buarque. Desde o último domingo (15), quando teve alta hospitalar, Lula está em sua residência na capital paulista e tem recebido visitas. 

Nas redes sociais, Lula postou uma foto com o artista. 

“Nada melhor que receber amigos em casa. Hoje, eu e Janjinha tivemos uma visita muito especial. Recebemos Chico Buarque e Carol Proner, em São Paulo. É sempre uma alegria poder ter vocês por perto. Um samba pra alegrar o dia”, disse na mensagem. 

Na manhã desta segunda-feira (16), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com o presidente da República em São Paulo. Haddad informou que um dos temas da reunião foi o pacote fiscal.

Lula está em recuperação de uma cirurgia de emergência, realizada na semana passada, para conter um sangramento intracraniano. Ele recebeu alta do Hospital Sírio-Libanês, mas ficará em sua residência no Alto de Pinheiros, em São Paulo, até pelo menos esta quinta-feira (19) para fazer exames e acompanhamento médico.

 

 

Luta de Chico Mendes permanece viva nos 80 anos de seu nascimento

Neste 15 de dezembro, Chico Mendes completaria 80 anos, se em 22 de dezembro de 1988, uma semana depois de fazer 44 anos de idade, não tivesse sido assassinado a tiros de escopeta nos fundos da própria casa, em Xapuri, no Acre (AC), município cravado na Amazônia, região onde o sindicalista e ativista transformou a vida de muitas pessoas, que, como ele, nasceram e viveram na e da floresta.

“Se a gente for olhar pela trajetória de vida do meu pai, com seus 44 anos, jovem e atravessado por tantos desafios, tendo tantas ideias e liderando processos tão complexos e ousados para a época. Se estivesse vivo, eu veria hoje uma Amazônia um pouco melhor de se viver, uma Amazônia mais preservada”, diz Ângela Mendes, a filha de Chico Mendes com a primeira esposa, Eunice Feitosa Mendes.

Nascido no mesmo local de sua morte, Francisco Alves Mendes Filho traçou uma trajetória de vida curta e intensa. Com início duro e de poucas oportunidades no Seringal Porto Rico, onde trabalhou desde os 11 anos de idade, em vez de frequentar a escola.

Só viu oportunidade de transformar a própria realidade nos seringais de condições análogas à escravidão. Até castigos físicos sofreu. Aos 16 anos, foi alfabetizado por Euclides Távora, um militante comunista cearense, refugiado político do governo Getúlio Vargas.  Com o conhecimento que o letramento lhe possibilitou, Chico Mendes foi muito além, como recorda o amigo e também militante, Gumercindo Rodrigues, o Guma.

“O próprio Chico dizia, eu pensei primeiro que eu estava defendendo a seringueira, depois eu pensei que eu estava defendendo os seringueiros, que estava defendendo a floresta, de repente eu descobri que eu estava defendendo o planeta, estava lutando pelo planeta”, diz.

Uma luta marcada por inúmeros ‘empates’, uma das primeiras ferramentas usadas por Chico Mendes em suas batalhas diante das constantes ameaças de expulsão. A estratégia, criada pelo também seringueiro, Wilson Pinheiro, garantia a proteção da floresta e das seringueiras, de forma pacífica, por meio da reunião da maior quantidade possível de trabalhadores e suas famílias para ‘empatar’ em número e argumento com os desmatadores e, dessa forma, ‘empatar’, no sentido de impedir, o cumprimento da ordem dada pelos latifundiários.

“Essa prática se tornou bastante forte na região de Brasileia (AC) e foi conduzida com bastante maestria pelo Wilson Pinheiro, a primeira grande liderança de trabalhadores rurais, assassinado dia 21 de julho de 1980. Exatamente por causa de sua grande capacidade de mobilização e de resistência, ele fez parte dessa criação do empate lá atrás”, conta Guma.

Resex

Ativista Socioambiental Ângela Mendes. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Novas ferramentas de mobilização foram sendo construídas por Chico Mendes, como a Aliança dos Povos da Floresta, um movimento social que reuniu extrativistas, indígenas, ribeirinhos e outros povos tradicionais; na década de 1980. A criação do Conselho Nacional dos Seringueiros e do conceito das reservas extrativistas (Resex) foram outras formas de fortalecer a luta do ambientalista na coletividade e no vínculo com os territórios.

Para Ângela, com a ideia de regularização das áreas onde os seringueiros moravam, em um processo onde o cuidado com o ambiente era associado ao modo de vida dos povos tradicionais, Chico Mendes “abre as portas para uma modalidade que permite a presença das pessoas na floresta. E hoje já está mais do que provado que as pessoas, as populações tradicionais, têm uma relação harmoniosa com o seu território, de guardião desse território, de guardião de uma ancestralidade também. Então é uma outra relação”, destaca.

Inspiração

A chegada das escolas nos seringais, por meio do Projeto Seringueiro, com metodologia para adultos baseada nas ideias de Paulo Freire, também teve, na sua origem, a experiência de alfabetização tardia vivida por Chico Mendes. A iniciativa implantada por universitários liderados pela antropóloga e amiga do ambientalista, Mary Allegretti, ganhou fôlego e resistência com o apoio do Centro de Trabalhadores da Amazônia, organização social estruturada no cooperativismo e que teve, também, participação do líder seringueiro.

Solidariedade

Segundo Ângela, aqueles que conviveram com Chico Mendes o consideram vivo através das ideias que ele deixou e que continuam inspirando iniciativas de proteção às florestas e de quem vive nela. E foram muitas pessoas, diz a filha do ambientalista. “Ele era uma pessoa intensamente carismática e que inspirava a confiança dos seus companheiros, o quanto ele era fraterno”.

A filha recorda que, em uma visita que fez ao pai, encontrou todas as roupas da casa e do seringueiro no chão, até o único terno que tinha, que usou aos ser condecorado, em Nova York, com a Medalha da Sociedade para um Mundo Melhor.

“Eu estranhei aquilo e perguntei, e ele falou que teve uma assembleia no sindicato, nem todo mundo conseguiu ficar lá alojado, e alguns companheiros foram dormir na casa dele. Ele botou tudo que ele tinha no chão para que as pessoas não passassem frio”, disse Ângela.

Futuro

Gomercindo Rodrigues, agrônomo e advogado, amigo de Chico Mendes. Foto: Gomercindo Rodrigues/Arquivo Pessoal

Para o amigo Guma, a Amazônia e todo o planeta pagam um preço alto pela partida precoce de Chico Mendes. “Nós tínhamos um porta-voz que era extremamente eficiente, tranquilo, conversava com todo mundo, mas era extremamente firme nas suas posições. Eu acho que ele teria conseguido aglutinar muito mais gente nessa resistência”, afirma.

Guma, o agrônomo que virou advogado para apoiar os povos da floresta, entende que é necessário avançar na forma como se pensa o desenvolvimento na Amazônia e, para isso, a melhor resposta está no modo de vida tradicional, que sempre precisou da floresta em pé. Ele diz que o Brasil precisa atingir o desmatamento zero em todos os biomas e, para isso, é necessário punir de forma mais efetiva quem desmata e causa queimadas.

“Eu acho que não é cadeia que resolve. Eu acho que, a responsabilização civil, a obrigação de reparar o dano, é a melhor punição. Desmatou mil hectares, tem que plantar dois mil hectares de florestas nativas, de espécies nativas, não de monocultura de eucalipto, que é de deserto verde”, ressalta.

Ângela complementa que também é preciso cuidar do futuro, para que tudo que Chico Mendes construiu, permaneça vivo. “O que ele deixa de legado foi tão forte, mas, ao mesmo tempo, precisa de ser cuidado. Então, por exemplo, a gente tem olhado com muita profundidade para a juventude desses territórios, porque entende que o jovem é o presente, mas também o futuro. Que a gente precisar manter esses territórios ainda protegidos, a gente tem que proteger e garantir o acesso a direitos, as políticas públicas fortes para manter esses jovens no seu território com uma sensação de bem-estar muito forte”, destaca a filha de Chico Mendes.

TV Brasil homenageia Chico Buarque com exibição de documentário

Em comemoração aos 80 anos do cantor e compositor Chico Buarque, a TV Brasil apresenta o documentário Chico e As Cidades (2000) na programação deste sábado (22), às 14h. Autor de clássicos da música brasileira, com sucessos que embalam gerações, o artista carioca fez aniversário na última quarta-feira (19).

O filme combina trechos do show As Cidades, do álbum homônimo lançado pelo astro em 1998, com depoimentos do próprio Chico sobre a vida e a carreira, além de um bate-papo com amigos. A produção está disponível no app TV Brasil Play.

Gravado em película, o tributo conta com diversas participações especiais. A obra da sétima arte promove encontros memoráveis, com resgate de registros emocionantes de personalidades que já partiram como o arquiteto Oscar Niemeyer e o sambista Jamelão junto com Chico Buarque de Hollanda em ricos diálogos.

A atração da faixa de cinema do canal público também traz ícones como o ex-jogador Tostão, a cantora Maria Bethânia e o sambista Zeca Pagodinho. Traz também a Velha Guarda da Mangueira, escola de samba de coração do homenageado.

Com trabalhos nas telonas e nos palcos, Chico contribuiu com filmes e escreveu peças que são clássicos do teatro nacional. Chico e As Cidades ainda mostra a verve dele como escritor de títulos como o primeiro romance Estorvo (1991).

Dirigido por José Henrique Fonseca, o projeto reúne belas cenas captadas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. O documentário costura a trajetória do bamba por meio de entrevistas e conteúdos especiais com músicas do repertório do consagrado ícone.

Chico Buarque integra patrimônio da sensibilidade brasileira

Cinquenta e oito anos de carreira, 537 canções, 1.302 gravações, 50 discos (próprios ou com parceiros, em estúdio ou ao vivo), quatro peças de teatro, uma novela, um livro de contos e seis romances – o próximo, Bambino a Roma, será publicado em agosto. Esse é o legado do compositor, dramaturgo e escritor Chico Buarque de Hollanda, que nesta quarta-feira (19) comemora 80 anos junto com a família, em Paris.

Adélia Bezerra de Meneses, escritora, professora e crítica literária – Arquivo pessoal

A vasta obra de Chico é objeto de mais de uma dezena de livros, alguns lançados nesta celebração octogenária. Entre os autores, se destaca Adélia Bezerra de Meneses, professora de teoria literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de São Paulo (USP). Ela escreveu três livros sobre o artista, o último Chico, Buarque ou a Poesia Resistente – Ensaios sobre as Letras de Canções Recentes (editora Ateliê), está em finalização gráfica.

Adélia foi militante estudantil na década de 1960, trabalhou com alfabetização de adultos com o método Paulo Freire em uma vila operária em Osasco, assistiu com “igual paixão” a reuniões da Ação Popular (AP) e aos festivais da MPB no Teatro Paramount (TV Record). Fez mestrado e doutorado sob a orientação de Antonio Candido, professor no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP. A tese foi publicada em livro Desenho Mágico – Poesia e Política em Chico Buarque, que ganhou o Prêmio Jabuti de 1982, na categoria Ensaio.

A seguir, os principais trechos da entrevista que Adélia Bezerra de Meneses concedeu por escrito à Agência Brasil.

Agência Brasil: A senhora tem dois livros publicados [mais um no prelo] sobre as composições de Chico Buarque. Por que a canção popular merece estudos de literatura?
Adélia Bezerra de Meneses: Eu tenho na manga um argumento de autoridade. Guardo comigo, como uma preciosidade, que compõe a caixa de tesouros que já doei à minha neta, um cartãozinho do [Carlos] Drummond [de Andrade], em que, agradecendo o envio do meu primeiro livro sobre o Chico Buarque, chama a obra dele de “poesia”.

A canção popular é um extraordinário veículo para a poesia. Atualmente, pouca gente lê um livro de poemas, mas muitos ouvem canção, decoram as letras, cantam junto. Mas isso – essa junção de melodia com letra – não é um fenômeno da modernidade: desde a mais remota antiguidade, a poesia vinha amalgamada com a música: lírica é a poesia acompanhada ao som da lira.

A pergunta toca num ponto sensível, ferozmente polemizado por alguns críticos de música. Por experiência própria, posso afirmar que nem toda letra de canção pode ser tratada como poema, mas as canções de Chico suportam essa abordagem – que não é nem superior, nem inferior à análise musical: é outro o viés buscado. Importa também dizer que há distinções entre os compositores, e Chico – conforme suas próprias declarações – pende mais para a letra do que para a música.

Agência Brasil: Em seu primeiro livro, Desenho Mágico, a senhora se propôs “estabelecer um paralelo” entre a história do Brasil e a obra dele. Que história do Brasil o Chico Buarque compôs?
Adélia Bezerra de Meneses: A maneira de eu abordar a obra de Chico Buarque como um todo foi apontar que a sua produção assumiu as modalidades da “poesia resistência” desdobrada em lirismo nostálgico/lirismo amoroso; utopia; crítica. Isso não significa em absoluto uma redução a canções de temática social explícita.

Como se efetiva essa resistência na obra de Chico Buarque? No lirismo nostálgico, a recusa do presente opressor se dá por uma volta ao passado, seja o passado individual de cada um, que é a própria infância, como em João e Maria e Maninha; seja o passado coletivo, da sociedade pré-industrial, em que as relações humanas não eram degradadas pela estandardização e massificação, como em Realejo, ou A Banda.

Na vertente crítica, há a recusa do presente adverso, ferindo-o através da crítica social, seja de forma direta, como em Construção, Angélica e O Meu Guri; seja através das ricas modulações de que se reveste a ironia, como em Mulheres de Atenas, Bye Bye, Brasil, Bancarrota Blues, etc. Quanto às canções de protesto, como Apesar de Você, Cálice e Quando o Carnaval Chegar, originam-se no vértice da crítica e da utopia. Assim, Apesar de Você, que se tornou uma espécie de hino oficial contra a ditadura, recusa de um presente de opressão e espera de um “amanhã” que há de ser um outro dia.

Na variante utópica verifica-se a recusa da realidade opressora, projetando-se para um tempo-espaço outros, em que não se daria mais o reino da falta da liberdade, da exploração e do simulacro. São canções que cantam o “dia que virá”, ou propõem um futuro em que se dará a reconciliação do homem consigo próprio e com o mundo. Delas, a paradigmática é O Que Será, visionária e épica, um canto libertário, erótico e político.

Uma observação importante é que, em seu prosseguimento, a utopia rareia cada vez mais na produção de Chico Buarque. De fato, difícil utopia essa dos anos que atravessamos, contra o pano de fundo do capitalismo multinacional e da pasteurização dos projetos revolucionários. Que princípio esperança resta para ser afirmado num mundo que verga ao fim da história” e que o novo perdeu sua força mobilizadora?

Agência Brasil: A senhora escreveu sobre “figuras do feminino na canção de Chico Buarque”. Que mulheres há nessas canções?
Adélia Bezerra de Meneses: É uma pergunta complicada de ser respondida, como todas assim genéricas, levando-se em conta que Chico privilegia a mulher como protagonista, modulando o feminino de diversas maneiras. Uma observação inicial é que, sendo quase sempre no contexto de uma intensa relação afetiva que se flagra o fundamental do feminino, desliza-se inescapavelmente para o terreno dos afetos, obrigando-nos a descortinar o poderoso filão da lírica amorosa do autor. Em outras palavras, falar sobre a lírica amorosa de Chico Buarque quase que se confunde com falar sobre a mulher. Pegando alguns exemplos ao acaso: Pedaço de Mim ou Olhos nos Olhos: aí se destaca a mulher num momento de separação afetiva – por sinal, revelando reações femininas polares: percepção de incompletude e mutilação, no primeiro caso; e, no segundo, atitude desafiante frente ao antigo amor que, após uma separação desarraigada, vai encontrá-la “refeita”, “até remoçando”. Ou tomemos Mar e Lua, que mostra uma relação homoerótica no registro feminino, de infinita delicadeza e sensibilidade: “Todo mundo conta / que uma andava tonta / grávida de lua / E outra andava nua / ávida de mar.”

Agência Brasil: Outros compositores anteriores e contemporâneos do Chico Buarque escreveram canções com o eu lírico feminino. Por que ele é o mais lembrado por compor assim?
Adélia Bezerra de Meneses: Quero crer que esse “mais lembrado” seja o índice de um consenso do público, portanto uma consagração popular, não? Sem se fazer nenhuma estatística, tem-se a impressão de que tanto quantitativa quanto qualitativamente, Chico, dentre os compositores mais conhecidos, sobressai compondo no feminino, com uma competência única.

Por quê? Porque ele é poeta. Com efeito, o poeta é aquele ser a quem é dado, mais do que aos outros, o poder de manifestar a vida dos afetos; é como se ele tivesse uma maior possibilidade de contato com o inconsciente, pessoal e filogenético [genealógico], e a poesia é um espaço em que se permite ao inconsciente aflorar. É assim que nas canções de Chico Buarque emerge a fala da mulher, de uma perspectiva, por vezes, espantosamente feminina. Diante de algumas de suas composições, eu já me pilhei pensando: como é que ele sabe?

Agência Brasil: Chico Buarque escreveu quatro peças de teatro, uma novela, um livro de contos e seis romances. Essa literatura tem a mesma importância e qualidades estéticas das canções?
Adélia Bezerra de Meneses: Chico Buarque é um desses casos de artista com verdadeiro comprometimento com a palavra nas suas várias modalidades, com a mesma eficácia estética: é o romancista laureado, de penetração internacional, é o dramaturgo de peças que marcaram o teatro brasileiro, é o contista rascante que nos leva para os anos de chumbo. No entanto, para a imensa maioria dos nossos conterrâneos, Chico é o compositor/poeta, autor de canções que passaram a integrar o patrimônio da sensibilidade brasileira. Não por acaso, ganhou o Prêmio Camões, a mais alta honraria atribuída a autores da língua portuguesa, pelo conjunto da obra. Mas uma coisa interessantíssima é que em seu discurso em Portugal, por ocasião do recebimento do prêmio, no Palácio de Queluz, e confessa, com surpreendente simplicidade: “Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular…”

Temos aqui, como se vê, um caso em que a avaliação do público e a autoavaliação do artista convergem. E, um pouco antes, no mesmo discurso, ele tinha citado Vinicius de Moraes, amigo de sua família, para quem a palavra cantada talvez fosse “simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua.” Talvez esteja aqui a explicação para a penetração da canção popular, que vai mais fundo que o texto escrito ficcional: a canção, palavra cantada, nos pega sensorialmente.

Sua pergunta também dá oportunidade para uma última observação: é de se notar, na dramaturgia de Chico Buarque, a importância das canções, muitas vezes estruturando o enredo das suas peças. E algumas se autonomizaram, descolando-se da ação dramática onde se originaram: é o caso de Pedaço de Mim (da Ópera do Malandro), de Cala a Boca, Bárbara (da peça Calabar), de Gota d´Água e de Roda Viva (das peças de, respectivamente, mesmo nome). Elas ganharam tal força que são cantadas sem que se faça referência ao texto dramático de onde provieram.

Agência Brasil: Sua tese que resultou no livro Desenho Mágico foi orientada pelo professor e crítico literário Antonio Candido, amigo dos pais de Chico Buarque – Maria Amélia e Sérgio Buarque de Hollanda. Eles leram os originais do seu trabalho. O escritor Humberto Werneck conta que o próprio Chico Buarque ligou para a senhora após sua aprovação no doutorado. Como foi a relação com o seu objeto de estudo? Chico leu seus livros sobre ele?
Adélia Bezerra de Meneses: De fato, o professor Antonio Candido me apresentou ao professor Sérgio e à dona Maria Amélia, pessoas de uma extraordinária riqueza afetiva. Eles leram o meu trabalho e logo providenciaram para que um exemplar chegasse às mãos do Chico – e o portador foi ninguém mais nem menos que o Darcy Ribeiro. E eu pude conversar com o Chico ainda antes da publicação do livro, resolvendo alguns problemas – em geral, de estabelecimento de texto.

Quanto à sua pergunta sobre a relação com o “objeto de estudo”, criou-se na [minha] família um anedotário cercando as comunicações com o Chico, já famosíssimo. No dia do doutorado, na festinha de comemoração, em que estavam presentes o professor Sérgio e dona Maria Amélia, tocou o telefone e quando a pessoa que atendeu a ligação do Rio de Janeiro perguntou quem queria falar com a Adélia, a resposta foi: “é a tese”. As brincadeiras continuavam: posteriormente à publicação, quando o livro ganhou o Prêmio Jabuti, seu telefonema cumprimentava pelo “recebimento da tartaruga.”

Agência Brasil: Qual a canção de Chico Buarque de que a senhora mais gosta? Por quê?
Adélia Bezerra de Meneses: Que pergunta difícil… Eu seria absolutamente incapaz de escolher uma única. E o problema é que, com o passar dos anos, a resposta fica cada vez mais difícil porque, ao elenco que eu possa ter elegido, deve-se acrescentar algo novo que terá surgido, de alta qualidade, como uma estrela nova a alterar a constelação tão custosamente formada. Quando em 2017 o jornal Folha de S.Paulo fez uma enquete, perguntando quais as três canções preferidas a um grupo de críticos, eu fiz uma listinha de quatro. Mas, agora, passados alguns anos, mais uma veio, necessariamente, se agregar ao elenco. São cinco: Cala a Boca, Barbara; O Que Será; Todo Sentimento; Construção; e As Caravanas.

PL destitui assassino de Chico Mendes de diretório do partido no PA

O diretório estadual do PL no Pará informou hoje (28) que destituiu Darci Alves Pereira do comando do diretório municipal da legenda em Medicilândia, no oeste paraense. A decisão ocorreu após a repercussão de que Darci Alves, assassino confesso do ambientalista Chico Mendes, havia tomado posse, no fim de janeiro, como mandatário local do PL.

“O PL Pará destituiu Darci Alves da presidência do PL de Medicilândia, conforme recomendação do Presidente Nacional do PL, Valdemar Costa Neto. Valdilene Lambert, vereadora e pré-candidata à prefeitura, é quem deve assumir a presidência do partido no município”, diz nota assinada pelo presidente estadual do partido, o deputado federal Delegado Éder Mauro.

O presidente nacional do PL, Valdemar da Costa Neto, recomendou a destituição de Darci Alves Pereira do cargo após o site ((o))eco ter revelado que ele havia tomado posse, no final de janeiro, como presidente da legenda no município.

Em nota, divulgada nessa terça-feira (27), Valdemar recomendou a Éder Mauro a imediata destituição de Darci.

“Agradeço à imprensa por trazer ao nosso conhecimento esse importante fato. Diante dessas circunstâncias, recomendei ao presidente da estadual do PL do Pará, deputado Éder Mauro, a imediata destituição de Darci Alves Pereira do cargo, conhecido atualmente como Pastor Daniel”, disse Valdemar, em nota.

Darci se apresentava nas redes sociais como “Pastor Daniel” e já havia anunciado sua pré-candidatura ao cargo de vereador. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, ele foi indicado para assumir o diretório do PL de Medicilândia, cidade de cerca de 32 mil habitantes, em novembro do ano passado e ficaria no comando da legenda até novembro deste ano.

Chico Mendes

Chico Mendes – Arte/Agência Brasil

Réu confesso, Darci Alves Pereira foi condenado em 1990, juntamente com o pai, Darly Alves da Silva, a 19 anos de prisão pelo assassinato de Chico Mendes. O ambientalista foi executado aos 44 anos, com um tiro no peito, em 22 de dezembro de 1988, no quintal de sua casa, em Xapuri, no Acre.

Valdemar quer saída de assassino de Chico Mendes de diretório do PL

O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, recomendou destituir Darci Alves Pereira da presidência da sigla no município de Medicilândia, no Pará. A decisão ocorreu após a revelação feita pelo site ((o))eco de que Darci, assassino confesso do ambientalista Chico Mendes, e condenado pelo assassinato, havia tomado posse, no final de janeiro, como mandatário local do PL.

Em nota, divulgada na terça-feira (27), Valdemar informou que recomendou ao presidente do PL do Pará, o deputado federal Éder Mauro, a imediata destituição de Darci.

“Agradeço à imprensa por trazer ao nosso conhecimento esse importante fato. Diante dessas circunstâncias, recomendei ao presidente da estadual do PL do Pará, deputado Éder Mauro, a imediata destituição de Darci Alves Pereira do cargo, conhecido atualmente como Pastor Daniel”, disse Valdemar, em nota.

Ainda não há confirmação de que a decisão foi oficializada. Darci se apresentava nas redes sociais como Pastor Daniel e já havia anunciado sua pré-candidatura ao cargo de vereador. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele foi indicado para assumir o diretório do PL de Medicilândia, cidade com cerca de 32 mil habitantes no oeste paraense, em novembro do ano passado, e ficaria no comando da legenda até novembro deste ano.

Réu confesso, Darci Alves Pereira foi condenado em 1990, juntamente com o pai, Darly Alves da Silva, a 19 anos de prisão pelo assassinato de Chico Mendes. O ambientalista foi assassinado aos 44 anos, com um tiro no peito, em 22 de dezembro de 1988, no quintal de sua casa, em Xapuri (AC).

Carnaval de Recife homenageia Chico Science e Lia de Itamaracá

 

“Todo mundo faz a ciranda girar.” A declaração de Lia de Itamaracá, em entrevista há quase oito anos, traduz não apenas a ideia da brincadeira tradicional que projetou mundialmente a artista pernambucana, mas também a cultura do maior carnaval de rua do Brasil, onde inovação e história se dão as mãos. Símbolos dessa diversidade, Chico Science e a rainha da ciranda são homenageados do carnaval de Recife 2024. 

Maria Madalena Correia do Nascimento, nasceu em Itamaracá, e logo cedo se deixou conduzir pela batida percussiva e o bailado circular, que lembra o movimento mar em torno da ilha. Mesmo em uma família sem nenhuma tradição musical, começou a fazer ciranda aos 12 anos, mas foi só aos 54 que a música a levou a carreira artística e Maria, deu lugar a Lia. 

Era 1998, mais de vinte anos depois de uma tentativa frustrada de comercializar sua música, Lia materializava, no palco do festival pernambucano Abril por Rock, a diversidade cultural que compõe o repertório e o imaginário brasileiro. Dali em diante, deixou de representar um refrão da composição de Teca Calazans, para ganhar os palcos e o gosto, primeiro dos brasileiros, e depois de vários lugares do mundo. 

Na França, o transe melódico de sua voz chegou a ser classificado como trance music e nos Estados Unidos ascendeu ao altar das divas. Mas o reconhecimento que mais a enche de orgulho é o que vem da própria terra e chega a tempo: “Tô me sentindo muito feliz de receber essa homenagem viva. Isso pra mim é muito importante! Vamos tocar o barco pra frente, firme forte e com toda a folia!”, fala com todo o vigor dos seus 80 anos, e que já é imortal, como Patrimônio Vivo de Pernambuco. 

Tradição do frevo e do maracatu

A mesma imortalidade alcançada por Chico Science, quando revolucionou o cenário musical ao incorporar a tradição do frevo e do maracatu, à urbanidade do hip-hop e do rock’n roll, agregando debates sobre questões sociais. Criou o movimento Manguebeat, trazendo ícones universais para a cultura do mangue, “uma antena parabólica enfiada na lama”. 

Nascido em Olinda, Francisco de Assis França, o caçula de quatro filhos, viveu a infância no bairro popular de Rio Doce, onde, pelas ruas, teve contato com as músicas tradicionais e populares de Pernambuco. Desde a adolescência, participou de movimentos do hip hop por meio da dança. Foi influenciado por ícones do funk e do soul, como James Brown e Charlie Wright, quando, aos 20 anos de idade, junto com Lúcio Maia criou a banda Orla Orbe, os primórdios do movimento do mangue. 

Passou pela Bom Tom Rádio e Loustal bandas que ganhavam corpo nos encontros com outros músicos e pensadores. Muitas das criações e composições aconteciam no apartamento da irmã Goretti, no bairro das Graças, zona norte de Recife, próximo ao Rio Capiberibe. Ali, ouviam música, escreviam e debatiam ideias. 

Aos 25 anos, conheceu o bloco afro Lamento Negro, no bairro de Peixinhos, subúrbio de Olinda. Um movimento de arte e educação, organizado por Osmair José Maia e Gilmar, conhecido como Bola 8, que reunia jovens em oficinas de percussão, confecção de instrumentos, aulas de capoeira, dança afro e artes cênicas. 

Surgia ali a banda Loustal & Lamento Negro, que em seu primeiro show lançou o “Manifesto dos Caranguejos com Cérebro”, um material de divulgação que trazia a imagem de uma antena parabólica no mangue e explicava “o objetivo era engendrar um circuito energético, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop.” 

O grupo tocava com vários músicos que participavam da cena criativa da época, mas era principalmente formado por Science (vocal), Lúcio Maia (guitarra), Dengue (baixo), Toca Ogan (percussão), Gilmar Bola 8, Jorge Du Peixe e Gira (alfaias – tambores maiores), e Canhoto (caixa). Logo, a banda passou a se chamar Chico Science e Nação Zumbi. 

Em cinco anos, gravou dois discos “Da Lama ao Caos” e Afrociberdelia, classificados entre os melhores da música brasileira, tocaram em diversos países da Europa, nos Estados Unidos e por todo o Brasil. 

Science foi muito além de “modernizar o passado”, questionou a relação humana com a natureza, contestou as diferenças sociais, divulgou ritmos, fez arte, moda, cinema da cultura dos manguezais. Foi reconhecido com um dos mais importantes artistas da música brasileira. 

Chico morreu, aos 30 anos, às vésperas do carnaval, na estrada entre Recife e Olinda, após o cinto de segurança do carro que dirigia falhar na colisão contra um poste. Naquele ano, ele subiria, pela primeira vez, em um trio elétrico, com o objetivo de contestar, mais uma vez, a massificação cultural que tomava conta da festa de momo, na década de 90. 

Dor e legado revolucionário: morte de Chico Mendes completa 35 anos

“Se descesse do céu um anjo e dissesse que a minha morte ajudaria a salvar a Amazônia, morreria de bom grado. Mas a história tem nos mostrado que não são atos públicos numerosos e concorridos que vão salvar a Amazônia. Por isso, eu quero viver”. As frases de Chico Mendes são declamadas e não saem da memória do grande amigo, companheiro de luta e assessor, o engenheiro agrônomo Gomercinco Rodrigues, o Guma. 

Hoje, aos 64 anos de idade, ele lembra com detalhes, ainda emocionado, sobre a conversa que teve no dia do assassinato do ecologista, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre, há exatos 35 anos, e também sobre o legado imensurável do líder seringueiro. 

Afinal, foi na tarde daquele 22 de dezembro de 1988 que Guma havia encontrado Chico Mendes e conversado sobre o futuro dos trabalhadores rurais, mas também sobre preocupação com a segurança do ativista. “Eu estive com ele minutos antes do assassinato na casa dele. Eu falei para ele que estava preocupado (por causa de movimentação de pistoleiros)”,  relembra.

Depois que deixou a casa, Guma soube que o amigo havia sido alvejado por um tiro de espingarda no peito quando saía para tomar banho. A investigação levou às prisões de Darcy Alves da Silva, que teria cometido o crime a mando do pai, o fazendeiro Darly Alves da Silva.

Quando Guma retornou à casa de Chico Mendes (minutos depois), ele estava sendo socorrido. “Na cidade (de Xapuri), havia poucos carros. Eu voltei correndo e saí de moto pela cidade procurando ajuda”, recorda. Foi em um veículo de um vereador de cidade que Chico foi resgatado. Mas morreu logo depois no hospital. “Comecei a ligar para as pessoas para dar informação. Eu estava chorando”.

Investigação

Com receio da impunidade, naquela mesma noite, ele e outros ativistas criaram, no Acre, o Comitê Chico Mendes para cobrar das autoridades uma investigação célere e punição aos culpados. “Eu acompanhei a reconstituição. Eu fiquei com dúvidas. Havia provas contra os envolvidos, mas existia gente que apoiava e que financiava. Nesses, nunca se chegou”, observa.

A atual coordenadora do Comitê Chico Mendes é a filha dele, a ativista e militante socioambiental Ângela Mendes. “A ideia do comitê surgiu, na verdade, na noite do assassinato do meu pai, como uma estratégia de mobilização da sociedade para pressionar pela punição dos criminosos. Havia um cenário de medo e impunidade”, argumenta. Um cenário, aliás, que vigora até hjoje, 35 anos depois. 

Em setembro de 2023, a organização não governamental Global Witness divulgou que – um em cada cinco assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente no mundo (crimes registrados no ano passado) – ocorreram na Amazônia. No Brasil, foram 34 assassinatos no ano passado (incluindo o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips) e 26 em 2021. Na década, 376 ativistas morreram no Brasil. Leia mais aqui.

“Naquela época, não era diferente. Para que isso não ficasse no esquecimento, os companheiros e companheiras, na noite do assassinato, criaram esse espaço de mobilização, mas também de acompanhamento de casos como o do Chico Mendes e do seringueiro Wilson Pinheiro (assassinado em julho de 1980)”, afirma Ângela Mendes. Desde então, entre 15 de dezembro (data de aniversário de Chico) e o dia 22, o comitê realiza uma semana de mobilização para tratar sobre a situação atual dos trabalhadores da floresta.  

Ângela tinha 19 anos de idade e estava em Rio Branco quando recebeu a notícia da morte do pai. Ela estava na casa dos tios, com quem conviveu mais tempo. Ela foi criada na capital do Acre com os familiares para estudar e acabou se aproximando mais de Chico Mendes no final da adolescência.

“Depois que ele foi assassinado, um amigo do meu pai disse que a intenção dele era que eu fosse para Xapuri trabalhar com ele no sindicato. Nós fomos nos reaproximando e tentando recuperar esse tempo que a gente ficou distante. Ele era um pai muito carinhoso. Ele me tratava muito bem, assim como tratava meus dois irmãos”, recorda.

Enquanto Ângela buscou atuar pela causa ambiental, o amigo Guma fez um curso de Direito para se formar advogado e lutar de outras formas contra a impunidade e violência que atingem os trabalhadores rurais. “Como advogado, eu já atuei muitas vezes em causas que começaram lá naquela época. Atuo até hoje em processos de direito de posse, por exemplo”, exemplifica.

Legado

No entender da filha e de Guma, o legado mais importante de Chico Mendes foi a ideia “revolucionária” da criação de reservas extrativistas, algo que só vigorou após a morte do sindicalista. “É um modelo de área protegida com segurança jurídica e física para as pessoas”, opinam.  

A proposta que nasceu do seringueiro se espalhou pelo Brasil após a morte dele. O Ministério do Meio Ambiente considera Reserva Extrativista como um tipo de unidade de conservação de uso sustentável. “Estão baseadas na agricultura de subsistência e criação de animais de pequeno porte. Tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações (…)”, indica o ministério.

Ângela Mendes entende que as reservas, além de serem eficazes no enfrentamento e no combate à crise climática, também são muito eficazes na manutenção da vida e dos direitos das pessoas em seus territórios.

“Precisa que o poder público cumpra com o seu papel de, através da construção, da criação e da disponibilização de políticas públicas para esses cidadãos, sejam garantidos serviços e qualidade de vida”, diz Ângela. A primeira reserva foi criada em 1990, no Alto Juruá, dois anos depois da morte de Chico Mendes. 

“Oficialmente, são 66 reservas extrativistas sob gestão do governo federal. De gestão estadual, oscilam entre 40 e 50. [Elas] estão nessa média. Essas reservas extrativistas prestam esse papel importante como modelo de desenvolvimento sustentável”, enfatiza. O que começou com os seringueiros ganhou outras características como as reservas extrativistas marinhas”.

Revolução

Para o engenheiro agrônomo Gomercindo Rodrigues, trata-se de uma ação revolucionária. “Eu acho que é esse o grande legado. Não é algo só aplicado à Amazônia. São bens marinhos, ou no mangue ou com as quebradeiras de côco. É um modelo que não propõe que os lugares sejam santuários, mas sim que aqueles locais possam ser explorados pelas populações tradicionais que já conhecem para usá-los sem destruí-los”. Ele recorda que a ideia da reserva extrativista foi lançada no primeiro Encontro Nacional de Seringueiros, de 10 a 17 de outubro de 1985, em Brasília.

Para Rodrigues, que passou a pesquisar os efeitos das reservas, a proposta é de desenvolver sem destruir. “Essa é uma grande discussão das mudanças climáticas. Desenvolver sem aumentar a poluição, sem aumentar a emissão de gases poluentes. Isso foi visionário. Chico sempre foi alguém à frente do tempo dele”, disse Rodrigues, que é autor do livro Caminho da Floresta. Como ativista, participou das técnicas de empate (quando trabalhadores enfileirados ocupam a floresta para tentar evitar o desmatamento). “Eu caminhei muito pelos seringais”, recorda.

O agrônomo Gomercindo elenca ainda outro aprendizado com Chico Mendes: o poder de estabelecer alianças. “Ele sabia que não se conseguia nada sozinho”, relembra. Ele acompanhou a implementação, por exemplo, do projeto Seringueiro, em 1986, que era desenvolvido para alfabetização de adultos e tinha como uma das metas criar cooperativas. 

Preservação da memória

Para a ativista Ângela Mendes, essa habilidade dele em conseguir reunir diferentes grupos fez a diferença. Para ela, empresários conseguiram criar rixas entre trabalhadores, mas o pai era perspicaz em mostrar que todos deveriam atuar juntos. “Indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pessoas moradoras das periferias, das cidades, de populações que sempre estiveram à margem dos direitos, sempre invisibilizadas”, enfatiza.

Ela explica que o Comitê Chico Mendes atua, também, na preservação da memória e contra o apagamento da história do líder sindicalista. “Nos últimos anos, tentaram reduzir a importância do Chico Mendes. A casa dele, que é um memorial em Xapuri, ficou fechada, sendo reaberta apenas em 2023. A estátua dele, no centro da cidade, foi deliberadamente jogada ao chão e só voltou a ser erguida por um movimento que nós fizemos”, revela. 

A luta da mãe encanta a filha desde a adolescência. Tanto que Angélica Francisca (em homenagem ao avô) Mendes, de 34 anos, é bióloga e cursou mestrado e doutorado no campo da ecologia. 

Ela atua como analista de conservação na Organização Não Governamental (ONG) internacional WWF. “As reservas extrativistas são um modelo de unidade de conservação de uso sustentável. Mas eu acho que a maior lição que ele deixou para mim é a esperança. Ele foi um agente de luta”, enfatiza. As lições de não desistir, persistir nas dificuldades e conseguir cativar aliados iluminam os olhos da neta.

A pesquisadora lembra que a mãe atuava numa ONG chamada Centro dos Trabalhadores da Amazônia, que fazia assistência de técnica, de saúde e de educação para a região. “Eu tinha muito isso na cabeça. Eu queria fazer alguma coisa parecida. Por isso, resolvi fazer Biologia”.

No trabalho dela, na WWF, participa de um projeto de sensibilização para a Amazônia. “Eu estou trabalhando como coordenadora do projeto Vozes pela Ação Climática Justa. Ele ocorre em sete países e tem vários parceiros aqui no Brasil”.

Pela memória do avô, pela luta da mãe, a bióloga pratica o que foi ensinado em família. “A gente não está sozinha. Nós temos na Amazônia aqui uma juventude também potente que está junto com a gente nessa luta”, finaliza.