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Feira Gastronômica celebra, em Salvador, sabores de Jorge Amado

A gastronomia sempre foi parte importante do universo do escritor Jorge Amado. Em meio a histórias, sempre aparecem os aromas, os sabores e as delícias da Bahia. Seus personagens são frequentemente retratados preparando e apreciando pratos típicos baianos como o acarajé, o vatapá, as moquecas e os carurus.

Tieta, por exemplo, quando voltou a Santana do Agreste, preparou uma moqueca deliciosa. A moqueca também foi a última refeição de Quincas Berro d’Água. Dona Flor ganhava a vida dando aulas de culinária para mulheres. Gabriela, por sua vez, era grande cozinheira de bolinhos típicos e acarajés.

A comida, na obra de Jorge Amado, é um espaço de comunhão, de relacionamentos, de prazeres, de histórias e de tradições. “Os personagens, como o papai dizia, são vivos, têm sangue, carne e osso e precisam comer para se manter em pé. Esses personagens traduzem exatamente a importância da comida na vida das pessoas”, disse a escritora Paloma Jorge Amado, filha de Jorge.

Paloma é autora de dois livros que descrevem essa união entre a literatura e a gastronomia no universo amadiano: a comida baiana de Jorge Amado e As Frutas de Jorge Amado.

“O papai costumava dizer, e eu concordo plenamente com ele, que dar de comer é o primeiro ato de amor que uma pessoa recebe. Como a mãe que leva o bebê para o peito e mostra que comer tem a ver com aconchego, com carinho e com o que existe de mais profundo”, afirmou ela.

Durante suas pesquisas para os livros, Paloma se deparou com a personagem Mariana, da trilogia Os Subterrâneos da Liberdade, que aborda a ditadura militar no Brasil. E um trecho do livro chamou sua atenção.

“A Mariana tem um encontro com um dirigente comunista, um homem baiano. E aí, depois de conversarem sobre política, ele diz para ela: ‘vem cá, você já comeu um vatapá?’ E ela diz, ‘não, eu nunca comi’. Ele diz ‘não é possível, você tem que comer, é uma delícia, minha mulher faz’. O papai escreveu esse livro no exílio. Ele morava na Tchecoslováquia. Ele já estava na Europa há cinco anos, sem comer um vatapazinho. Aí eu fiquei pensando, ‘meu Deus, que saudade que papai tinha para, nesse momento de uma conversa política, botar um vatapá”.

Festival Uma Casa de Palavras

Para ressaltar essa ligação de Jorge Amado com a gastronomia baiana e também celebrar a reinauguração da Fundação Casa de Jorge Amado, que passou por uma reforma e reabriu ao público nessa quinta-feira (12), o Pelourinho está recebendo o Festival Uma Casa de Palavras.

A iniciativa apresenta uma programação musical e também uma feira gastronômica, chamada de Merendas de Dona Flor e é realizada até este sábado (14), no Largo do Pelourinho. “São comidas inspiradas na obra de Jorge Amado”, ressalta Angela Fraga, diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado.

A meta do festival é promover a obra de Jorge Amado unindo literatura, gastronomia e música e também estimular a leitura de livros do maior escritor baiano por meio do paladar.

Comidas da Bahia

Algumas das delícias presentes nos romances de Jorge Amado, como o acarajé, ficam à disposição do público nas barracas montadas em frente à fundação. As comidas e bebidas são produzidas e vendidas por moradores do Centro Histórico, valorizando, assim, os saberes e fazeres da comunidade.

Esse é o caso de Dona Dica, 65 anos, que vende seus deliciosos acarajés há 30 anos na frente da fundação. Sua barraquinha está sempre cheia. “Jorge Amado já comeu no meu outro ponto. Ele comia minhas cocadas. E só gostava da branca”, disse ela à Agência Brasil. “E ele dizia que era diabético. Ele comia escondido da Zélia (Gattai, escritora que foi sua companheira)”, brinca ela.

Os acarajés de Dona Dica são muito elogiados por aqueles que param em sua barraquinha. E despertam a curiosidade do público sobre qual seria o seu ingrediente secreto. “O segredo do meu acarajé é o coração da baiana”, responde ela, sob uma forte gargalhada.

O Festival Uma Casa de Palavras terminará neste sábado (14) e promove também atrações musicais: hoje (13), às 19h, Gerônimo; e, no sábado (14), às 16h, é a vez do PUMM-Por Um Mundo Melhor, com uma programação especial para o público infantil.

Encontro celebra protagonismo feminino nas rodas de samba

A busca pelo protagonismo feminino, com uma rede de apoio e de afeto para as mulheres no samba, foi o motivo para a cantora, compositora e apresentadora Dorina criar o Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba, em 2017, considerado o maior evento de samba feminino do mundo. O encontro terá transmissão online simultânea em várias cidades brasileiras e em alguns países pelo perfil do Instagram @coletivotemmulhernarodadesamba.

Aos 65 anos, Dorina, cria de roda de samba, vê que este ritmo sempre foi de conquistas e de resistência. “Não é só um tipo de música; É também uma filosofia de vida que abastece as energias de quem está na roda. Achei que seria uma ótima cama para fazer esse projeto”, revelou em entrevista à Agência Brasil.

Com programação prevista para durar seis horas, a Roda de Samba vai contar com 30 mulheres, entre cantoras e instrumentistas. Além da Dorina, estarão presentes Ana Costa, Nina Rosa, Dayse do Banjo, Renata Jambeiro, Nina Wirtti, Lazir Sinval, Tia Surica, os grupos Herdeiras do Samba e Mulheres da Pequena África, sob a direção musical de Ana Paula Cruz e Roberta Nistra.

“O mais importante disso é que elas não abraçaram só o samba, mas a filosofia que o samba dá, que é essa coisa de se trabalhar junto, estar junto. Prevalece a história contra o racismo, contra a misoginia, contra a xenofobia. A gente trata disso tudo para poder fazer uma corrente que seja um mundo melhor, não um mundo da gente chegar ao poder, de ser mais que o homem no samba. Não é isso. A gente quer participar e passar essa coisa de afeto mesmo com segurança”, apontou.

O Renascença Clube, no Andaraí, zona norte do Rio, receberá a sétima edição do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba neste sábado (30), bem perto do Dia Nacional do Samba, comemorado em 2 de dezembro. “A gente não pode ir muito para dentro de dezembro por causa das outras cidades, principalmente as fora do Brasil, quando é mais frio. A gente procura acertar uma data que seja boa para todas, porque o horário tem que ser o mesmo. Todo mundo no mesmo tom, com as mesmas músicas. A gente trabalha isso o ano inteiro para passar as músicas para elas ensaiarem”, relatou.

O Encontro vai se espalhar por 32 cidades, incluindo algumas fora do Brasil, no mesmo dia, horário e com as mesmas músicas. “O projeto foi abraçado por todas as mulheres, tanto que a gente começou com 11 cidades, já chegamos a 43 e este ano estamos com 32. Possibilitou muitas mulheres a se conectarem com elas mesmas, se conectarem com a nossa história, que a gente não é só isso que falam, mas muito mais”.

Dorina conta que o projeto segue a linha de outros que já desenvolveu para ampliar o conhecimento do samba. “As minhas ideias surgem sempre para movimentar, para que as coisas melhorem. Foi assim com Suburbanistas que comecei a cantar o subúrbio carioca junto com Luiz Carlos da Vila e Mauro Diniz, foi com Mulheres de Zeca, já existia o Mulheres de Chico, e fizemos Mulheres de Zeca [Bloco carnavalesco e espetáculo musical em homenagem ao cantor e compositor Zeca Pagodinho] no subúrbio e assim foi também o Encontro de Mulheres. Esse avançou e conquistou várias cidades que a gente nem esperava conquistar. Tem em Goiânia, tem Belém, três cidades do interior da Bahia e tem no Acre”.

Fora do Brasil, mulheres de várias cidades como Toronto, Canadá, Portugal, Uruguai e Argentina vão participar. “Hoje em dia, com a internet e o Whatsapp, a gente vai costurando, fazendo workshop através de YouTube para elas, que participam também de reuniões por meating. Durante o ano, continuam fazendo atividades. A gente está sempre em contato e também para a gente trocar experiências, por exemplo, o governo uruguaio estabeleceu o Dia das Mulheres no Samba, que é o dia do nosso encontro. Elas conseguiram através do nosso movimento. Aqui no Brasil a gente não conseguiu”, comparou, lembrando que mesmo durante a pandemia foi possível realizar o projeto virtualmente.

Homenagens

Como sempre, o projeto homenageia uma cantora e foi assim com Beth Carvalho, Elza Soares, Alcione, Teresa Cristina, Leci Brandão e Tia Surica. Este ano, no entanto, serão duas as homenageadas. Clementina de Jesus, in memoriam, e Áurea Martins, que estará presente e vai cantar.

Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retrato de Áurea Martins, homenageada no encontro – Fernando Frazão/Agência Brasil

“Quando surgiu essa ideia [de fazer as homenagens no Encontro] queria dar flores em vida para as que estavam aí”, comentou, em alusão ao samba Quando eu me chamar saudade, em que o compositor Nélson Cavaquinho, escreveu os versos Me dê as flores em vida/O carinho, a mão amiga/Para aliviar meus ais, reforçando a importância de receber homenagens enquanto vivo.

Mas para Clementina, que será representada pela neta Vera de Jesus, será a primeira vez que o Encontro faz homenagem a quem já fez a passagem.

Ancestralidade

“Eu estou muito grata, primeiro que o projeto da Dorina é uma coisa linda e ela homenageia várias mulheres. Agora é a vez da vovó e da Áurea Martins, em vida. Eu estou muito feliz e me sinto muito grata. Dorina me convidou agora para representar a vovó e só tenho que dizer obrigada por essa homenagem belíssima. A vovó tem tudo a ver com esse movimento, porque quando ela surgiu teve um protagonismo feminino, trouxe isso com ela em uma época que era dominada pelos homens. Ela chegou, chegando mesmo e desde lá já tinha essa visão de estar desbravando o lugar da mulher no samba. Por ser aquariana, é uma mulher que enxerga lá na frente, dizem isso, né?”, disse Vera à reportagem, animada com a homenagem.

A neta destacou ainda a felicidade pelo papel que Clementina tem no samba e na música, especialmente na época em que a Bossa Nova estava no auge. “Era um movimento muito forte e ela chega com aquela voz dela, singular”, observou.

Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retrato das cantoras Dorina, idealizadora do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba, e Vera de Jesus, neta de Clementina de Jesus, homenageada in memoriam no Encontro – Fernando Frazão/Agência Brasil

“Comparo à ligação entre Mãe África e Brasil. Uma voz que veio e deveria ter mostrado mais na época, mas chegou um tempo que para a indústria [fonográfica] não era mais interessante Clementina de Jesus, mas até hoje o nome dela está firmado, está aí respeitado. Ela está sempre sendo homenageada”.

Vera considera importantíssimo ser neta de Clementina de Jesus e poder participar desse evento representando a avó. “É um orgulho. Eu estou muito, muito, muito feliz. Eu nem sabia que ia ter e um dia a Dorina me ligou para dizer que gostaria que eu estivesse presente. Disse para ela ‘é para já, é pra ontem’. Eu abracei. Ela tem tudo a ver com esse movimento de Dorina. É uma mulher visionária. Isso já vem lá de trás. Com muita vitalidade. Ela veio com muita força”, descreveu a avó.

Com tanta admiração foi natural ter se tornado cantora por influência de Clementina. Desde pequena, se encantava quando a avó, ainda empregada doméstica e cozinheira contratada para festas, ficava cantando enquanto trabalhava. “Sempre ouvia ela cantando e achava aquilo muito bonito”.

A cantora já disse algumas vezes que o compositor, poeta e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho, responsável por levar Clementina para a música, descobriu uma joia rara.

“Herminio fala que não descobriu ela, diz que foi um achado. Ele estava vindo da praia e ouviu uma voz saindo da Taberna da Glória e perguntou que voz diferente era. Depois de um tempo se reencontraram e tudo começou com Rosas de Ouro, no Teatro Jovem em Botafogo. Depois ela começou a ir para as noitadas do Teatro Opinião, em Copacabana. Algumas vezes eu ia lá acompanhando e a via cantando. Aí que me apaixonei de verdade mesmo. Aquilo entrou no meu sangue e não saiu mais. Uma boa influência. Ela me influenciou demais. Ela é minha musa inspiradora”, concluiu.

A presença da avó que a levava a São Paulo para algumas apresentações despertou na neta, apesar da timidez, a vontade de fazer o mesmo. “Uma das vezes que eu fui, ela me chamou para cantar. Eu era muito tímida, mas vi que era o que eu queria fazer”, disse, lamentando que nunca conseguiu gravar um disco com Clementina.

Hoje, além de cantora, Vera é compositora da Portela e integra há três anos o grupo Matriarcas do Samba, na companhia de Nilcemar Nogueira, neta de Cartola e Selma Candeia, filha do mestre Candeia. Um grupo que representa uma ancestralidade no samba. “Costumo falar isso. Estamos nessa empreitada para continuar levando o legado dos nossos às gerações futuras. Esse projeto nosso é para isso. Para mostrar o trabalho de Clementina, de Cartola e de Candeia”, comentou.

Ainda na estrada de transmitir o legado do samba, Vera integrou o projeto Samba Miudinho, que levou apresentações, no segundo semestre deste ano, a alunos das escolas da rede pública municipal do Rio.

“As Matriarcas levaram a história do samba e de Clementina, Cartola e Candeia”, disse, destacando que o grupo também faz muito trabalho no Museu do Samba, criado para guardar a memória deste tipo de música que encanta muita gente. O Museu fica aos pés do Morro da Mangueira, perto da quadra da escola, na zona norte do Rio, e tem entre os fundadores Nilcemar Nogueira, quando ainda era Centro Cultural Cartola, fundado em 2001.

Homenagem em vida

Para Áurea Martins, as homenagens são sempre muito especiais para quem recebe e mostram um sinal de que alguma coisa na trajetória chamou atenção de forma positiva.

Áurea Martins diz que quer somar aos homens, para juntos defenderem os samba – Fernando Frazão/Agência Brasil

“Uma homenagem dessa, com mulheres especiais que estão aí nas rodas, tocando, compondo e valorizando o legado deixado desde Tia Ciata, passar por Elza Soares, Clara Nunes, Beth Carvalho, Dona Ivone, Jovelina, e a minha madrinha Elizeth Cardoso, que mostrou com o icônico álbum ‘Elizeth sobe o Morro’, o valor da voz feminina no mundo do samba, estou muito feliz com essa conexão”, comentou à Agência Brasil.

“Tenho certeza que]outras homenageadas] se sentiram como eu me sinto agora, presenteadas por mulheres que nunca vimos pessoalmente, de repente você descobre que sua voz teve eco no Brasil e em outros países. Aí se forma uma grande roda atravessando fronteiras, isso é energia pura pairando no ar. Acredito muito nisso. Ninguém quer duelar com as rodas dos homens, só queremos somar, pra juntos defendermos esse patrimônio que é o samba. Simples assim”, completou.

Áurea revelou que recebeu com surpresa e muita alegria, a notícia da homenagem pela Dorina, que considera uma grande guerreira do mundo do samba.

“Nunca pensei ter tanto carinho das mulheres sambistas, pois como cantora da noite, naveguei por vários estilos, sempre fui uma ‘crooner’, mas atenta a tudo. Aliás, trabalhando pra elite na zona sul, na década de 70, levei o partido-alto de Xangô, Aniceto e outros partideiros, a ponto da Phillips [gravadora de discos] se interessar e registrar essas noites em um LP chamado ‘Uma Noite no 706’, uma boate no Leblon onde o samba prevalecia até o amanhecer, junto a boleros, standards americanos, bossa-nova e samba canção. Era o samba que chamava mais atenção”, recorda.

“Você pode conferir nesse LP aí ao vivo e muito atual e referência pra qualquer cantor ou cantora de samba”, recomenda.

Festival em Brasília celebra diversidade e temas “da quebrada”

Uma instalação artística inflável, no formato de catraca dupla de ônibus, de 28 metros quadrados, provoca ironia e reflexões em quem chega ao Festival Periferia Viva, evento que se encerra, nesta quinta-feira (28), em Brasília. A obra, com o nome de Pula Vai, de autoria do jovem artista Gustavo Santos, o Gu da Cei, de 27 anos de idade, foi implementada para um evento que deve atravessar a noite na Torre de TV, um dos pontos turísticos da capital. 

“Quis provocar com essa obra a discussão sobre os direitos básicos dos cidadãos periféricos, como o de transporte, saúde e educação”, disse o artista. A “catraca” inflável é um convite a ser “pulada” de fato, como uma metáfora sobre a necessidade de se enfrentar obstáculos. 

O rapaz vive na periferia da região administrativa de Ceilândia, a maior do Distrito Federal. Para ele, o evento, organizado pelo Ministério das Cidades,  tem mérito ao levar temas periféricos para o centro de Brasília. “Ceilândia tem uma força coletiva da diversidade. É um lugar que reúne a cultura urbana com a nordestina em um cenário de cerrado”.

Visibilização

Além das intervenções, a primeira atração no palco tem a criatividade e a irreverência do grupo Breguenaite, que reúne música e performances em um baile que se apresenta como o mais “despretensioso do DF”, com a mistura de reggae e brega. 

“É de extrema importância a visibilização da cultura periférica para que ocupemos os territórios culturais”, avalia a multiartista Loba Makua, de 32 anos de idade, que coordena o baile que pretende ser acessível e livre de qualquer exclusão ou preconceito. 

Para ela, que é da região administrativa de São Sebastião, a cultura é o que pode dar força às comunidades periféricas para a luta por direitos e políticas públicas. Loba Makua disse que os artistas periféricos não têm o trabalho cultural como o principal gerador de renda. Um dos exemplos é a própria mestre de cerimônias Negra Eve, de 29 anos de idade, que também é cantora do baile. No dia a dia, trabalha como vendedora de roupas no centro de Ceilândia. 

Negra Eve já atuou também como cabeleireira, mas a principal paixão dela está na música. “A arte surgiu para mim dentro da minha casa. A minha mãe era cantora de rap [Thug Di]”. Ela viu a mãe trabalhar o dia inteiro e dedicar-se à cultura nas horas vagas. Para ela, manifestar-se pela música é uma necessidade ao tratar de amor, afetos e protestos. 

O espaço para a periferia segue pela noite inteira da Torre de TV, em Brasília, com atrações como a cantora Gaby Amarantos, às 20h40, e o rapper Criolo, às 22h.

Confira toda a programação no site do Ministério das Cidades.

Hamas celebra cessar-fogo no Líbano e defende acordo para Gaza

O grupo palestino Hamas celebrou nesta quarta-feira (27) o acordo para um cessar-fogo no Líbano entre Israel e o grupo Hezbollah e se colocou à disposição de cooperar para chegar a um fim da guerra na Faixa de Gaza.

“Estamos interessados ​​em parar a agressão contra nosso povo, dentro dos parâmetros de parar a agressão em Gaza que concordamos; ou seja, um cessar-fogo, a retirada das forças de ocupação, o retorno dos deslocados e a obtenção de um acordo real e completo de troca de prisioneiros”, informou o grupo que atua em Gaza.

O Hamas considera que o acordo do Hezbollah com Israel, “sem cumprir as condições que o inimigo estabeleceu, é um marco importante para destruir as ilusões de Netanyahu de mudar o mapa do Oriente Médio”. Inicialmente, Israel pretendia destruir completamente as capacidades militares do Hezbollah.

O grupo armado palestino também saudou a atuação do grupo libanês. “Elogiamos o papel fundamental desempenhado pela Resistência Islâmica no Líbano, em apoio à Faixa de Gaza e à resistência palestina, e os grandes sacrifícios feitos pelo Hezbollah e sua liderança, liderados pelo falecido secretário-geral Sayyed Hassan Nasrallah, e apreciamos a firmeza do povo libanês irmão e sua solidariedade constante com o povo palestino”, afirmou o Hamas.

O conflito no Líbano começou após o dia 7 de outubro de 2023, quando o Hamas atacou Israel em resposta à ocupação dos territórios palestinos e ao cerco à Faixa de Gaza. O ataque do Hamas causou a morte de 1,2 mil pessoas e a captura de mais de 200 reféns. Desde então, o Hezbollah tem realizado ataques a bases militares no norte de Israel em solidariedade aos palestinos de Gaza diante da ofensiva israelense. 

Em setembro deste ano, Israel iniciou um ataque massivo contra o Líbano, destruindo diversas regiões do sul do país e de Beirute, a capital. Estima-se que quase 4 mil libaneses morreram desde o início do atual conflito.

O governo de Tel Aviv alega que o objetivo da ofensiva no Líbano era permitir que os moradores do norte do país voltassem às suas casas, uma vez que os ataques do Hezbollah levaram ao deslocamento de milhares de israelenses.

Netanyahu

Ao anunciar o acordo no Líbano, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou que o Hamas não irá se beneficiar desse acordo e que o cessar-fogo no norte de Israel permitirá ampliar a pressão contra o grupo palestino em Gaza.

“Quando o Hezbollah estiver fora do jogo, o Hamas será deixado sozinho [em Gaza]. A nossa pressão vai intensificar e isso contribuirá para a missão sagrada de libertar os nossos reféns”, afirmou, nessa terça-feira (26), o primeiro-ministro israelense.

Ao mesmo tempo, o presidente dos Estados Unidos (EUA), Joe Biden, informou que irá trabalhar para um cessar-fogo em Gaza sem o Hamas no poder. “Nos próximos dias, os Estados Unidos farão outra pressão com a Turquia, o Egito, Catar, Israel e outros para alcançar um cessar-fogo em Gaza, com a libertação dos reféns e o fim da guerra sem o Hamas no poder”, afirmou em rede social.

O acordo

Intermediado pela França e os EUA, o acordo entre Israel e o Hezbollah prevê um cessar-fogo no Líbano por dois meses e estabelece a retirada do Exército de Israel do país. Por outro lado, o movimento xiita libanês se comprometeu a ir para o norte do Rio Litani, uma fronteira estabelecida no final da última guerra entre Israel e o Hezbollah, em 2006.

Assim, os dois países deixam uma faixa de terra que será patrulhada pelo Exército libanês e pela força das Nações Unidas no Líbano (Unifil).

G20 celebra participação da União Africana e Cúpula Social

Sob a presidência brasileira, o G20 teve um caráter mais inclusivo e eficaz. Esse é um dos principais pontos presentes na declaração final dos líderes do grupo, divulgada hoje (18), no Rio de Janeiro. O texto destaca a participação da União Africana pela primeira vez como membro pleno do G20 e a criação da Cúpula Social pelo governo brasileiro, com envolvimento mais amplo da sociedade civil.

“Nós saudamos a abordagem inovadora adotada pela Presidência Brasileira do G20 para melhorar a integração dos grupos de engajamento, ao destacar o papel construtivo que a sociedade civil pode e deve desempenhar no tratamento de questões econômicas, financeiras, políticas, ambientais e sociais. Nós aplaudimos a decisão de convocar uma Cúpula Social do G20, uma iniciativa que proporcionou às partes interessadas não-governamentais uma oportunidade única de expressar suas opiniões sobre questões fundamentais da agenda internacional”, diz um trecho da declaração.

>> Clique aqui e leia a íntegra da declaração

Sobre a inclusão da União Africana, os líderes do G20 afirmam que a “voz da África deve ser amplificada” nas reuniões do grupo e em todos os fóruns internacionais, para apoiar o continente em questões de industrialização, integração comercial e econômica.

O documento também reforça o compromisso dos países-membros de combater a fome, a pobreza e a desigualdade, promover o desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental e reformar a governança global.

“Em 2024, o G20 continuou a reforçar o papel do grupo como um fórum inclusivo e eficaz. Nós promovemos um diálogo e uma articulação aprimorados dentro do G20, reunindo as trilhas Sherpa e Finanças por meio de um número maior de reuniões conjuntas, bem como pela convocação de duas forças-tarefa conjuntas adicionais, que trataram de algumas das principais prioridades da Presidência brasileira do G20: o combate à fome e à pobreza e a mobilização global contra a mudança do clima”, diz outro trecho da declaração.

Na conclusão do documento, os líderes do grupo dizem que farão uma avaliação ao fim do primeiro ciclo completo de presidências do G20, que ocorre na África do Sul em 2025. E que fornecerão recomendações para o segundo ciclo, com um roteiro para futuras presidências.

“Agradecemos ao Brasil por sua liderança este ano e esperamos trabalhar juntos em 2025 sob a presidência da África do Sul e nos encontrar novamente nos Estados Unidos em 2026”, diz o trecho final da declaração do G20.

Festival celebra 100 anos do surrealismo no centro de São Paulo

A Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, promove o IV Festival Mário de Andrade, neste fim de semana. É para celebrar os 100 anos do primeiro Manifesto Surrealista, de André Breton, com mais de 100 atividades, todas gratuitas.

IV Festival Mário de Andrade – 100 anos de Surrealismo.Foto:SMCULTURASP/Instagram

A programação inclui uma feira de livros, mesas de debate, rodas de conversa, espetáculos teatrais, shows e exposições. As ações ocupam diversos espaços dos prédios sede e anexo da biblioteca, além da Praça das Artes e da Praça Dom José Gaspar.

Evento mais importante da instituição, o festival vem crescendo em suas últimas edições, segundo a Secretaria Municipal de Cultura. Em 2023, reuniu mais de 35 mil pessoas no centro da cidade. “A valorização do centro da cidade, com toda a sua riqueza e diversidade arquitetônica, artística e humana, é uma das motivações permanentes do festival”, informou a secretaria.

Inspiração

A organização ressalta que o surrealismo inspira o mobiliário desenvolvido para o evento e a cenografia, que traz referências nas obras de Tarsila do Amaral e Leonora Carrington. Além disso, o novo número do Suplemento Pauliceia – publicação da biblioteca dedicada a textos literários – será lançado e distribuído durante o festival.

A Avenida São Luís ficará interditada neste sábado e no domingo durante todo o festival. É para a livre circulação do público pela região. Os expositores da feira de livros estão espalhados pela avenida e pela Praça Dom José Gaspar. Além da venda de livros, a feira também recebe uma programação paralela de bate-papos e sessões de autógrafo, a cargo das editoras. A programação completa está no site da Secretaria de Cultura.

Festa Literária das Periferias celebra cultura de mulheres negras

“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. A célebre frase da pensadora norte-americana Angela Davis, proferida em 2017, durante visita à Bahia. dará a tônica dos debates da Festa Literária das Periferias (Flup), no Rio de Janeiro.

A festa, que terá uma inédita proporção de 90% de mulheres negras na programação, chega à 14ª edição, com o tema Roda a Saia, Gira a Vida. Entre as participantes estão grandes nomes da literatura mundial, como a nigeriana Oyeronke Oyewumi, e brasileiras relevantes, como Conceição Evaristo.

Programada para o período de 11 a 17 de novembro, no Circo Voador, a festa literária gratuita vai coincidir com o G20 Social, que será entre os dias 14 e 16. O debate sobre literatura se conecta com as discussões globais, defende o diretor-fundador da Flup, Julio Ludemir.

“O Rio de Janeiro receberá as principais lideranças políticas e econômicas mundiais enquanto a Flup conectará periferias brasileiras a um diálogo global, sobre raça e cultura – inerente às discussões econômicas do G20”, ressalta Ludemir.

A mesa intitulada Mulheres Transatlânticas, marcada para segunda-feira, às 20h, reunirá mulheres nascidas em países desenvolvidos que posicionaram o feminismo negro como elemento central para discutir criticamente os legados coloniais, entre as quais estão a professora nigeriana Oyeronke Oyewumi, a escritora e professora holandesa Gloria Daisy Wekker e a fotógrafa franco-senegalesa Mame Fatou Niang.

Na terça-feira (12), às 13h, a mesa Quilombo Acadêmico: Histórias de Mulheres Afrodiaspóricas – Escritoras e Escrevivências terá como debatedoras a escritora colombiana Maricel Lopes, as educadoras Renata Falleti, Ádria Cerqueira e Jhenifer dos Santos e as doutoras em história Iraneide Silva e Marley Silva.

As escritoras Conceição Evaristo, brasileira, e Bernardine Evaristo, britânica, participarão na quarta-feira (13), às 19h50, da mesa literária Tão inseridas/Tão excluídas. No dia seguinte, às 19h30, outra mesa literária, No Conforto da Minha Concha, reunirá as escritoras brasileiras Eliana Alves Cruz e Luciany Aparecida e a francesa Marie NDiaye.

Na sexta-feira (15), às 18h, o destaque é o podcast Angu de Grilo, ao vivo, na Flup. As jornalistas Bela Reis e Flavia Oliveira, que são mãe e filha, entrevistam a escritora e ativista Sueli Carneiro e a artista de performance Luanda Carneiro, que também são mãe e filha.

No sábado (16), às 20h30, destaque para a mesa literária Notícias Poéticas entre Brasil e Angola, com o cantor e compositor brasileiro Tiganá Santana, a poeta e dramaturga Leda Maria Martins e o músico e escritor angolano Kalaf Epalanga.

No domingo (17), último dia da Flup, às 16h, haverá a mesa literária Se eu não contasse a minha história, ninguém o faria por mim, com a historiadora e pesquisadora francesa Olivette Otele e a ativista antiglobalização e de direitos e escritora malinesa Aminata Traoré.

Durante o Ciclo de Debates Aquilombamentos, representantes de comunidades e de organizações ligadas a questões raciais, étnicas, de gênero e climáticas precederão o fórum do G20, fortalecendo o debate público sobre as questões das periferias – globais e brasileiras – em conexão com movimentos de resistência.

Reconhecida em 2023 como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a Flup é gratuita, para todas as idades.

Apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Shell, a Festa Literária das Periferias tem patrocínio do Instituto Cultural Vale e Globo, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e apoio da Fundação Ford. O transporte oficial do evento é oferecido pelo Grupo CCR, por meio do Instituto CCR, nas áreas de atuação do VLT Carioca e da CCR Barcas.

Baile no Rio de Janeiro celebra 50 anos da black music no Brasil

“A black music é uma força, é um diálogo coletivo”, descreve o produtor cultural e engenheiro civil Asfilófio de Oliveira Filho, mais conhecido como Dom Filó. Nesta sexta-feira (8), ele comanda ao lado de Marco Aurélio Ferreira, o DJ Corello, a primeira edição do baile Eu amo Black Music, em comemoração aos 50 anos da Black Music no Brasil. A festa é realizada pelo Teatro Rival Petrobras, no Centro do Rio de Janeiro, e pela Cultne TV.

Em 2024, o marco temporal celebrado é a criação do baile Noite do Shaft, em 1974, no Renascença Clube, por Dom Filó, que marca a chegada da black music no país. A festa recebe esse nome em homenagem ao personagem John Shaft, interpretado por Richard Roundtree em uma série de filmes lançados nos anos 1970. 

Dom Filó é um dos principais mentores do Movimento Black Rio – Dom Filó/Arquivo Pessoal

“É um detetive que passava uma imagem muito positiva da comunidade negra. Essa série foi marcante porque não tínhamos a presença de pessoas negras na televisão naquela época. Era uma programação totalmente branca, e aí temos um herói negro”, relembra Dom Filó. “Pegamos a essência afro-americana e ressignificamos aqui no Brasil”.

Black Music no Brasil

Segundo o produtor musical, a black music (“música negra”, em português), teve origem nos campos de plantação de algodão dos Estados Unidos, onde pessoas negras escravizadas utilizavam o canto para apaziguar a dor da escravidão. Esse som deu origem a diferentes ritmos musicais, sendo o soul um deles. “Soul significa alma. A soul music é a música da alma”, comenta Dom Filó. “Essa essência nasce nos campos de algodão dos Estados Unidos, mas, quando ela passa para o entretenimento, nasce a música preta americana, nasce o soul, o rhythm and blues, o jazz e o blues”. 

“A cultura negra sempre foi musical”, retoma Dom Filó. “Desde os tempos de escravidão, o nosso grande lazer era se reunir para amainar um pouco a dor. Aquelas reuniões, os tambores, os cânticos e as danças vieram através do tempo”. De pai mineiro e mãe fluminense, Dom Filó conta que sempre esteve envolvido com a cultura musical, em especial a partir das escolas de samba e das religiões de matriz africana. Por volta dos 18 anos, passou a frequentar o Renascença Clube, fundado por um coletivo de jovens negros. “ “O Renascença fez com que tivéssemos acesso ao cinema, ao teatro e, principalmente, a música. Ali, ouvíamos muita coisa pela rádio, que era o grande top da época”. 

Foi pelo rádio que diferentes expressões musicais estrangeiras chegaram aos ouvidos brasileiros. Entre elas, a black music, com grande presença nos bailes no Rio de Janeiro.

“Trançando uma linha do tempo, você vai ter vários 50 anos. O Brasil já consumia black music, mas sem promovê-la, sem acessá-la como música preta”, observa.

“Você tinha as lojas de disco, as importadoras, mas poucos tinham acesso àqueles discos. Mais tarde, os DJs conseguiram alcançar essas prateleiras, trazer os discos de fora e formar suas discotecas pelas equipes de som. Mas, antes das equipes de som começarem as suas festas, temos outra característica de penetração dessa música, com artistas nacionais que receberam influência direta da soul music e até foram viver em solo americano, casos do Tim Maia e do Tony Tornado”.

“Naquele momento, não se falava em black music ou em música preta, mas em MPB com um sotaque diferente, o sotaque preto”, diz Dom Filó. Com o desenvolvimento das equipes de som, surge a necessidade de se criarem festas para reunir as pessoas em busca do mesmo som. “Aquela catarse, de trazer a galera toda para um ambiente só e tocar aquela música pulsante e emocionante; pura dança, pura autoestima. Essa é a essência do baile”, comenta. Uma dessas festas foi a Soul Grand Prix — também um grupo musical formado por músicos do Renascença Clube, como Dom Filó — que nasceu não apenas para diversão, mas também para discutir questões raciais.

“Sofríamos muito, vivíamos a dor a semana toda. Era discriminação o todo tempo, baixa autoestima. Quando vem uma equipe como a Soul Grand Prix, que passa para a comunidade a necessidade da autoestima, do pertencimento e da identidade, a galera muda o seu comportamento, muda o seu visual. Mesmo vivendo aquele momento de ditadura, em que nós, negros, éramos massacrados, ainda conseguíamos passar um pouco de black power (poder negro)”.

Movimento Black Rio

A disseminação da black music no Brasil a partir das rádios não se limitou apenas aos bailes promovidos para a comunidade negra, mas deu origem a um movimento musical e cultural concentrado, principalmente, no Rio de Janeiro, reconhecido como Movimento Black Rio. Essa manifestação levou a música negra estadunidense aos subúrbios da cidade, fazendo surgir uma geração inspirada pela reivindicação dos seus direitos, que adapta o estilo norte-americano à realidade nacional. A mistura do soul e do funk ao samba ainda deu origem à banda black rio, modernizando o som brasileiro. 

Autor do livro 1976: Movimento Black Rio ao lado do jornalista Zé Octávio Sebadelhe, Luiz Felipe de Lima Peixoto descreve que o Movimento Black Rio não foi uma ação pensada, mas “algo totalmente orgânico”, surgindo da necessidade da comunidade negra se expressar a partir das músicas estadunidenses. “Foi uma forma de afirmação da identidade negra em um período pesado da ditadura militar em nosso país”.

De acordo com Peixoto, a origem do movimento surge muito antes da introdução da black music no país, quando o rádio passou a divulgar o samba para o grande público, nas décadas de 1940 e 1950. A sua popularização atraiu a classe média, formada, principalmente, por pessoas brancas, para as escolas de samba, que deixaram de ser “vasculhadas” pela polícia. “Até aquele momento, o samba era coisa de marginal, de malandro. Os negros que não se identificavam mais com tudo isso acabaram se identificando com a música negra norte-americana e toda a sua reivindicação histórica daquele período”. 

O especialista considera que o Movimento Black Rio foi fundamental para a criação da resistência negra em um período de opressão, assim como para a afirmação da identidade negra no Brasil. “Nos bailes, principalmente os promovidos por Dom Filó, discursos antirracista e de afirmações da negritude eram proferidos durante as músicas. Todo esse enredo, as festas, as músicas, as vestimentas, contribuíram para essa reafirmação de uma identidade negra mais positiva”. 

Na virada dos anos 1970, a expressão cultural passa a perder força. A popularização das discotecas foi um dos motivos que contribuíram para esse novo cenário.

“A mudança das preferências musicais do público e a evolução cultural, mas, principalmente, a perseguição, a repressão, a censura e a vigilância mais evidente nos bailes na época, foram pontos cruciais para o declínio”, destaca o autor. 

Mesmo com a diminuição da força dessa manifestação, Dom Filó ressalta a relevância do Movimento Black Rio no país, que passou a ser visto a partir de uma ótica negra. “Esse movimento teve uma importância muito grande na questão do comportamento, do pertencimento, da identidade e da autoestima, tudo isso numa tecnologia ancestral trabalhada até hoje para que a nossa comunidade, a comunidade negra, seja reparada. Só usamos a música como elemento”.

Movimento Charme

Uma das expressões mais marcantes desse período de transformação musical no Brasil é o Movimento Charme, criado pelo DJ Corello (foto em destaque). À Agência Brasil, ele conta que o movimento começou quando ele próprio tomou a iniciativa de tocar um gênero musical diferente do soul nos bailes de black music, como o rhythm and blues, abreviado para R&B. “Fui o primeiro DJ de soul a sair do soul e entrar em outro caminho. No tempo do soul, você tinha que dançar uma música e parar para entrar no ritmo de outra, mas eu já pensava na mixagem”, relembra. 

“O Movimento Charme, que começou nos anos 1980, já iniciou com essa pegada de uma música dentro da outra. Essa sonoridade pegou outra geração, que não era a geração do soul, com o ouvido virgem. Eu consegui catequizar essa geração para o Movimento Charme”, continua. Também é atribuído ao DJ Corello o uso do termo “charme” para identificar o movimento, que nos bailes sempre dizia

“Chegou a hora do charminho, transe seu corpo bem devagarinho” para anunciar a mudança do repertório musical. 

Por muitos anos, o movimento teve o Viaduto de Madureira como principal referência de charme no Rio de Janeiro, mas, com a mudança de repertório, que passou a tocar outros gêneros musicais além do R&B, o Baile Black Bom, criado em 2013 na Pedra do Sal, no bairro de Saúde, assumiu esse papel. Apesar de não representar mais o charme da mesma forma que no passado, o DJ destaca que o Viaduto de Madureira não deve ser esquecido, porque teve sua importância para a manifestação cultural. “Hoje, o Black Bom é referência, daqui a cinco anos, vai ser outro, porque é uma constante evolução”. 

Música negra no Brasil

“Quando penso música no Brasil, penso que toda música adquirida no país tem marcas negras”, afirma a professora do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Denise Barata.

Ela defende que a música no país é construída a partir de uma experiência negra, resultando da diáspora africana que provocou o deslocamento de mais de 12,5 milhões de africanos para as Américas e para a Europa entre os séculos XVI e XIX, como aborda no artigo “A música na Diáspora Africana da América Latina”. Assim, gêneros musicais nascidos na comunidade negra são formas de sociabilidade e de difusão da memória negra. 

“Quando falamos da música negra brasileira, estamos falando de uma forma de sociabilidade que na voz emana memória. Quando ouço Dona Ivone Lara ou Jovelina Pérola Negra, a memória da diáspora está ali presente, e não é só pela cor da pele”, traz a pesquisadora.

“Essa memória se faz presente ainda hoje. Ela não desaparece e pode ser encontrada no samba, no funk e nos jovens que revivem a black music. Quando falamos da memória negra, estamos falando de uma cultura que é muito importante e que não desaparece apesar de todo racismo, de toda pressão injusta da indústria radiofônica e da ideia de democracia racial. A memória negra se faz presente até os dias de hoje, exatamente pela potência que ela é”.

Para Peixoto, a black music no Brasil pode ser vista como uma continuação e uma evolução da cultura musical que já existia no país, trazendo novos elementos sonoros e abordando assuntos que enriqueceram a música brasileira. Além  disso, o movimento veio fortalecer a identidade e a visibilidade da comunidade negra, apesar da resistência aos ritmos estrangeiros no momento que passaram a ser difundidos pelas rádios em alta na época.

“Hoje se relacionam bem, mas, naquele período, a black music foi motivo de discórdia e revolta da sociedade brasileira, colocando o samba como algo realmente legítimo e autêntico da nossa expressão cultural. Então a black music sofreu, sim, muito preconceito naquele período, mas inegavelmente trouxe grande influência”, pontua. “Hoje, podemos observar um legado incrível, através de gêneros como o samba-funk, o samba-rock e o próprio funk carioca”.

Diante dos 50 anos da black music no Brasil, Dom Filó destaca esse período como um momento de transformação, em que a comunidade negra obteve avanços na luta racial, apesar de não serem suficientes para lidarem com o preconceito e com a discriminação no país. “Tive a honra e a benção de estar vivendo essa transformação”, celebra. 

“Hoje, eu me deparo com várias gerações e com várias pessoas, inclusive da minha geração, que se influenciaram por tudo isso e trazem isso para a nova geração. Hoje, temos respostas. Na minha época, eu não tinha referências. As referências eram todas negativas. Na escola, nos livros escolares, nas representações artísticas, todas elas eram negativas. A minha geração viveu essa transformação e a minha maior esperança é que a garotada que está chegando tenha consciência de que esse processo não começou agora, ele vem de lá atrás”.

*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa

Grande Prêmio do Brasil celebra o legado de Ayrton Senna

Ayrton Senna será o grande homenageado do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, que será disputado neste final de semana no circuito de Interlagos, em São Paulo. Por ocasião dos 30 anos da morte do tricampeão mundial, várias ações serão realizadas para celebrar o legado do brasileiro.

Uma das que mais chama a atenção será realizada pelo heptacampeão mundial Lewis Hamilton. O britânico, que é da equipe Mercedes, irá pilotar, no próximo sábado (2) após o treino de classificação para o GP do Brasil, a McLaren com a qual Senna conquistou o seu segundo título mundial, no ano de 1990.

“Acho que a ideia inicial era que fosse uma surpresa. Eu usaria um macacão todo branco e seu capacete [de Senna] e sairia e faria a volta, e pareceria que era ele lá fora. Porém, de alguma forma isso foi divulgado”, declarou Hamilton em entrevista coletiva.

“Nunca, em um milhão de anos, pensei que algum dia dirigiria o carro de Senna aqui. Lembro que alguém me contatou, meu gerente me contou sobre isso e eu aproveitei a oportunidade. Antigamente, quando eu estava na McLaren, tive a chance de dirigir o MP4/4 [modelo da McLaren da temporada de 1988 usado por Senna] em Silverstone, o que foi incrível […]. Lembro das corridas em que ele esteve, quando ele finalmente venceu aqui e segurou a bandeira. E sim, com certeza será uma experiência muito emocionante e espero que as pessoas estejam aqui para ver”, afirmou o britânico.

A escolha de Hamilton para pilotar o icônico carro de Senna se deu pela grande admiração que o britânico sempre teve pelo brasileiro. Admiração esta que é destacada até mesmo por adversários do britânico, como o argentino Franco Colapinto: “É claro que Lewis é a pessoa certa para ter essa chance, e fazer isso aqui em Interlagos em um ano tão especial para Ayrton é um momento único para os fãs brasileiros, para Lewis, para todos nós, como pilotos, aproveitarmos o momento juntos e continuarmos fazendo essa homenagem ao Ayrton, que merece”.

Outra homenagem foi liderada pelo tetracampeão mundial Sebastian Vettel. O alemão, que após se aposentar das pistas se dedica à promoção da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente, participou, na última quinta-feira (31), de uma ação com catadores de lixo em São Paulo que teve como um de seus resultados a confecção, com materiais recicláveis, de uma réplica gigante de um capacete de Ayrton Senna.

A obra, que foi elaborada com a colaboração dos artistas Matthias Garff e Thiago Mundano, está em exposição no autódromo de Interlagos.

Especial da Rádio MEC celebra os 120 anos do compositor Capiba

Para celebrar os 120 anos do compositor Lourenço da Fonseca Barbosa, mais conhecido como Capiba, a Rádio MEC produziu um especial com algumas das músicas mais conhecidas dele. Entre as selecionadas estão Trombone de Prata, Valsa Verde, Minha Ciranda, Um Pernambucano no Rio, A valsa de Paris e A mesma rosa amarela. Ouça aqui

Capiba nasceu em 28 de outubro de 1904 em Surubim, Pernambuco. Ele cresceu em uma família musical, o que influenciou profundamente seu futuro na música, levando-o a ser considerado um dos maiores compositores de frevo do Brasil. Desde cedo, Capiba demonstrou interesse pela música, tocando trompa aos oito anos e, mais tarde, aprendendo piano para acompanhar filmes mudos em cinemas.

Em 1920, ele e a família dele se mudaram para a Paraíba, onde ele estudou no Liceu Paraibano. Durante esse período, ele também jogou futebol profissionalmente pelo Campinense Clube, mas logo abandonou o esporte para se dedicar inteiramente à música. No início dos anos 1930, Capiba se mudou para o Recife, onde passou em um concurso para o Banco do Brasil, o que lhe garantiu estabilidade financeira enquanto desenvolvia sua trajetória musical. Sua primeira grande conquista no frevo foi em 1934, quando venceu uma disputa carnavalesca com a composição “É de Amargar”, um dos seus maiores sucessos.

Capiba tornou-se rapidamente uma figura de destaque no cenário musical pernambucano, fundando a Jazz Band Acadêmica em 1950 e colaborando com grandes nomes da música, como Hermeto Pascoal e Sivuca. Na década de 1940, ele alcançou sucesso nacional com a valsa-canção “Maria Betânia”, que se tornou um clássico na voz de Nelson Gonçalves e posteriormente recebeu diferentes versões instrumentais.

Além de sua produção em frevo, Capiba foi um artista versátil, e sua capacidade de unir poesia, ritmo e identidade cultural o levou a compor em diversos gêneros, como samba, maracatu, guarânia e até música clássica.

A obra de Capiba é vasta, com mais de 200 canções registradas, das quais mais de 100 são frevos. Suas músicas, como “Madeira que Cupim Não Rói” e “O Mais Querido” (hino do Santa Cruz Futebol Clube), são essenciais para o carnaval pernambucano e continuam a ser entoadas nos blocos de Recife e Olinda.

Em 1967, ele foi premiado no Segundo Festival Internacional da Canção com “São os do Norte que Vêm”, em parceria com Suassuna, reafirmando sua importância na música nacional.

Lourenço da Fonseca Barbosa faleceu em 31 de dezembro de 1997, aos 93 anos, deixando um legado que transcende gerações. Sua contribuição para a música popular brasileira e o frevo permanece viva, consolidando-o como um dos maiores nomes da cultura pernambucana.