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COP29: Marina reforça necessidade de avanço sofre financiamento

Em discurso um dia antes do encerramento da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), em Baku, no Azerbaijão, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reforçou a necessidade de os países acordarem sobre uma Nova Meta Quantificada Global de Finanças (NCQG, na sigla em inglês).

“Aqui em Baku, o que precisamos é de um ganho em relação a financiamento. Esta é a COP do financiamento da NCQG, que pavimentará nosso caminho coletivo em ambição e implementação na COP30. O objetivo do 1.5 é um imperativo ético inarredável. Ele reflete o que a ciência diz ser necessário por mais que alguns o considerem desafiador”.

A declaração foi dada poucas horas depois que o órgão gestor da convenção do clima (UNFCCC, na sigla em inglês) publicou um texto que aponta o entendimento de que são necessários de US$ 5,036 a 6,876 trilhões, até 2030, sendo US$455–584 bilhões por ano, para o novo acordo de financiamento climático que substituirá os US$ 100 bilhões anuais previstos para o período entre 2020-2025.

O texto, elaborado a partir do que foi apresentado até agora pelos ministros dos países partes do acordo, não estabelece um valor definitivo, mas traz no seu corpo o entendimento de que tal valor ultrapassará a barreira do trilhão anual.

“Precisamos que haja um alinhamento equivalente em meios de implementação e financiamento, um alinhamento entre substância e finanças, senhor presidente. Esta é a COP dos meios de implementação e do financiamento. Temos um processo para medir se nossas metas para 1,5 graus estão sendo cumpridas. Precisamos também de um processo que possa medir se o financiamento está à altura desse desafio”, reforçou Marina.

Durante o discurso, a ministra destacou ainda os avanços em relação ao Artigo 6 da Convenção, que trata do mercado de carbono e também ressaltou a necessidade de buscar uma sinergia em relação à importância dos três temas tratados nas diferentes COPs: desertificação, biodiversidade e clima.

Marina lembrou que a conferência em Baku determinará o caminho para a ação até a COP30, que ocorrerá no Brasil, quando os países já terão entregue as terceiras gerações de ambições para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Para a ministra, o cumprimento da obrigação de estabelecer a meta de finanças determinará as novas Contribuições Nacionalmente Determinadas.

“Essa obrigação e que vai nos mostrar se aquilo que estamos dizendo está coerente com aquilo que nós estamos fazendo em relação a mitigar, em relação a implementar e a transformar nossos modelos insustentáveis de desenvolvimento que nos trouxeram a uma crise com prejuízos que são terríveis, sobretudo, para os países em desenvolvimento”, concluiu.

O encerramento da COP29 deve ocorrer às 18h desta sexta-feira (22), no horário de Baku (11h em Brasília), mas a expectativa é que o entrave financeiro leve as discussões a entrar pela madrugada de sábado, no Azerbaijão.

 

 

 

COP29: Marina reforça necessidade de avanço sofre financiamento

Em discurso um dia antes do encerramento da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), em Baku, no Azerbaijão, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reforçou a necessidade de os países acordarem sobre uma Nova Meta Quantificada Global de Finanças (NCQG, na sigla em inglês).

“Aqui em Baku, o que precisamos é de um ganho em relação a financiamento. Esta é a COP do financiamento da NCQG, que pavimentará nosso caminho coletivo em ambição e implementação na COP30. O objetivo do 1.5 é um imperativo ético inarredável. Ele reflete o que a ciência diz ser necessário por mais que alguns o considerem desafiador”.

A declaração foi dada poucas horas depois que o órgão gestor da convenção do clima (UNFCCC, na sigla em inglês) publicou um texto que aponta o entendimento de que são necessários de US$ 5,036 a 6,876 trilhões, até 2030, sendo US$455–584 bilhões por ano, para o novo acordo de financiamento climático que substituirá os US$ 100 bilhões anuais previstos para o período entre 2020-2025.

O texto, elaborado a partir do que foi apresentado até agora pelos ministros dos países partes do acordo, não estabelece um valor definitivo, mas traz no seu corpo o entendimento de que tal valor ultrapassará a barreira do trilhão anual.

“Precisamos que haja um alinhamento equivalente em meios de implementação e financiamento, um alinhamento entre substância e finanças, senhor presidente. Esta é a COP dos meios de implementação e do financiamento. Temos um processo para medir se nossas metas para 1,5 graus estão sendo cumpridas. Precisamos também de um processo que possa medir se o financiamento está à altura desse desafio”, reforçou Marina.

Durante o discurso, a ministra destacou ainda os avanços em relação ao Artigo 6 da Convenção, que trata do mercado de carbono e também ressaltou a necessidade de buscar uma sinergia em relação à importância dos três temas tratados nas diferentes COPs: desertificação, biodiversidade e clima.

Marina lembrou que a conferência em Baku determinará o caminho para a ação até a COP30, que ocorrerá no Brasil, quando os países já terão entregue as terceiras gerações de ambições para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Para a ministra, o cumprimento da obrigação de estabelecer a meta de finanças determinará as novas Contribuições Nacionalmente Determinadas.

“Essa obrigação e que vai nos mostrar se aquilo que estamos dizendo está coerente com aquilo que nós estamos fazendo em relação a mitigar, em relação a implementar e a transformar nossos modelos insustentáveis de desenvolvimento que nos trouxeram a uma crise com prejuízos que são terríveis, sobretudo, para os países em desenvolvimento”, concluiu.

O encerramento da COP29 deve ocorrer às 18h desta sexta-feira (22), no horário de Baku (11h em Brasília), mas a expectativa é que o entrave financeiro leve as discussões a entrar pela madrugada de sábado, no Azerbaijão.

 

 

 

Unicef destaca avanço em declarações do G20 sobre saúde e clima

Em poucos dias, os líderes das maiores economias do mundo reúnem-se no Rio de Janeiro para participar da Cúpula de Chefes de Estado do G20. O encontro será nos dias 18 e 19 deste mês, mas, em encontros temáticos prévios, os ministros dos países participantes firmaram compromissos, como as duas declarações de saúde aprovadas e divulgadas no dia 31 de outubro.

Os termos desses acordos foram debatidos ao longo de diversos encontros preparatórios, com a participação de organizações como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Em entrevista exclusiva à EBC, a assessora regional para Saúde na América Latina e Caribe, Maikee Arts, falou sobre os pontos-chave dessas declarações e como podem contribuir para melhorar a vida de crianças em todo o mundo, especialmente as que vivem em comunidades mais vulneráveis.

EBC – Como vocês avaliam as duas declarações aprovadas após a reunião de ministros da Saúde?

Maikee Arts – Estamos muito empolgados e felizes com o resultado das duas declarações e também parabenizamos o governo do Brasil porque um dos pontos-chave discutidos foi clima e saúde. Esta é a primeira vez que o G20 faz uma declaração exclusiva sobre clima e saúde. Ou seja, sobre o impacto das mudanças climáticas na saúde e sobre as medidas que precisam ser tomadas, tanto de adaptação quanto de mitigação, para reduzir as mudanças climáticas e seu impacto na saúde. Este é um grande avanço. Outro grande tema que foi discutido, também graças à liderança do Brasil, foi o foco na equidade. Não deixar ninguém para trás, focando nas pessoas mais vulneráveis. Isso aparece em muitos dos diferentes documentos que foram aprovados, incluindo o que trata de clima e saúde. São pontos muito importantes para o Unicef, pois são importantes para todas as comunidades, para todas as famílias e, particularmente, para as crianças. 

EBC – Situações de emergência historicamente afetam de maneira mais severa pessoas mais vulneráveis, especialmente crianças. Isso também está acontecendo agora com as mudanças climáticas?

Maikee Arts – Sim. As mudanças climáticas tornam ainda mais graves as desigualdades existentes. Então, quando falamos sobre crianças, é importante perceber que crianças não são apenas adultos em miniatura: a respiração delas é mais rápida, a capacidade de regular a temperatura do corpo é menor, porque o corpo ainda não está totalmente desenvolvido, o cérebro e os sistema imunológico ainda estão se desenvolvendo…  Então, quando elas são afetadas pelas mudanças climáticas, por temperaturas muito altas, enchentes, ou insegurança alimentar, isso as impacta ainda mais, porque elas estão em crescimento. O corpo delas pode não se desenvolver de forma adequada, ou alguns órgãos do corpo podem não se desenvolver bem. Então, especialmente as crianças e, claro, dentro do grupo das crianças, aquelas mais vulneráveis, como as indígenas ou as que vivem em comunidades marginalizadas, serão ainda mais afetadas. O que vemos é que as mudanças climáticas ampliam ainda mais todas as diferenças existentes, e as crianças são especificamente vulneráveis.

EBC – Há muitos anos, organizações como o Unicef vêm alertando os governos obre os efeitos das mudanças climáticas, e ainda assim, a resposta não parece ser a ideal. Você acha que, finalmente, teremos mais ações concretas?

Maikee Arts – Sim, eu acho. Porque cada vez encontramos mais evidências de quão grande é o impacto das mudanças climáticas. As pessoas entendem que esta é uma questão importante para a vida de seus filhos e netos. Só que, atualmente, todos os dias vemos como enchentes, secas e furacões estão afetando a vida das pessoas. Vemos também o impacto das mudanças climáticas no dia a dia e que alguns problemas estão piorando, como a poluição ambiental, e que todas essas coisas estão interligadas. Eu realmente acho que as pessoas vão entender o impacto das mudanças climáticas e que precisamos agir e acelerar as ações. E também, a cada dia, encontramos mais soluções, como, por exemplo, a energia solar. Acho que, se a sociedade entender a gravidade da situação, com todas as opções que temos agora, e se os países aprenderem mais uns com os outros, será possível agir a tempo.

EBC – E tudo isso está diretamente ligado ao conceito de One Health (Uma Saúde), não é? Pode explicar melhor para a gente?

Maikee Arts – Temos aprendido muito nos últimos anos como a saúde dos animais, das plantas e do ambiente está ligada à saúde humana. No contexto das mudanças climáticas, por exemplo, precisamos de certas plantas para fabricação de medicamentos, e se essas plantas não conseguirem mais crescer, teremos menos acesso a esses medicamentos. Além disso, algumas bactérias ou vírus podem proliferar mais por causa das mudanças climáticas. Em certas condições ambientais, quando há poluição, por exemplo, nossa saúde sofre com isso. Quando muitos medicamentos, especialmente antibióticos, são usados para tratar animais, as bactérias podem se tornar resistentes a esses antibióticos e, então, não seremos mais capazes de tratá-las. A resistência microbiana é outro tema global relacionado a esse equilíbrio. Todas essas questões estão conectadas, e precisamos garantir que essas discussões sejam feitas de forma interligada.

EBC – Nós acabamos de sair de uma pandemia e muitos especialistas falam que há risco de novas pandemias no futuro. É possível se preparar para isso? 

Maikee Arts – Há uma emergência de saúde pública de importância internacional, que é a mpox, que já está afetando muitos países na África. Portanto, precisamos aprender as lições da pandemia de covid-19, e algumas iniciativas interessantes que surgiram na reunião do G20 foram as sugestões para o financiamento. Como os países podem ter acesso a financiamento para a preparação e a resposta a pandemias? E como podemos estimar quais países estão mais em risco? Quais são os fatores específicos para determinar quais países estão mais vulneráveis a um surto ou epidemia? Além disso, foi bastante discutida a questão de tornar os testes, tratamentos e vacinas disponíveis mais rapidamente. Houve muito progresso nessa área.

EBC – Outro resultado da reunião ministerial que teve bastante destaque foi a criação de uma coalizão global para produção local e regional de insumos, como vacinas e medicamentos. Qual a importância disso, inclusive no caso de ocorrerem novas pandemias? 

Maikee Arts – É sempre muito importante as famílias, as comunidades e os países terem acesso, ainda mais em situações de epidemia ou pandemia, a diagnóstico, tratamento, medicamentos. Felizmente, já temos vacinas para prevenir muitas doenças, mas, claro, é necessário ter acesso a essas vacinas a bom preço. Além disso, é preciso também garantir o transporte. Durante a pandemia de covid-19, nós vimos que havia um número limitado de produtores e muitos países precisaram esperar pela produção e pelo transporte. Se houver uma produção maior e também mais produtores locais, claro que isso vai facilitar o acesso às vacinas, mas também a medicamentos e testes, com um preço melhor. O que esperamos é que os países possam aprender uns com os outros e se apoiar dessa forma… Mostrar solidariedade internacional. O Brasil mesmo tem experiências muito boas nessa área e outros países podem aprender com vocês. 

EBC –  Por falar em vacinação, o Brasil está batalhando para recuperar os índices vacinais que caíram bastante em anos recentes, e o Unicef aqui tem se envolvido bastante com essa questão. Vocês também observam o mesmo problema em outros países da região?

Maikee Arts – Antes da pandemia, em muitos países da América Latina e do Caribe, a cobertura de várias vacinas importantes estava caindo, por diferentes razões. Aí, com a covid, muitos serviços de saúde ficaram fechados, as pessoas não podiam de sair de casa, tinham medo de ir a um centro de saúde, e claro, muitas ficaram doentes, a cobertura vacinal caiu ainda mais. Mas isso também serviu como um alerta. Quando vimos esses índices de vacinação, e em vários países tivemos mais casos de sarampo, por exemplo, muitos países começaram a tomar medidas, mas não é uma solução fácil. Precisamos olhar para o lado da demanda e garantir que as famílias saibam a importância de vacinar seus filhos. Se tiverem dúvidas, precisamos respondê-las, mas elas também precisam ter acesso a um ponto de vacinação ou a uma clínica de atenção primária de saúde próxima, a clínica precisa estar aberta quando os pais levarem seus filhos, e claro, as vacinas também precisam estar disponíveis e em boas condições. Portanto, todas essas coisas precisam estar em funcionamento. Muitos países estão fazendo seu trabalho em todos esses aspectos, desde estimular a demanda por vacinas até garantir o fornecimento. 

EBC – E a gente também tem o desafio da desinformação, não só na área de vacinas, mas na saúde como um todo. Isso também foi discutido na reunião ministerial?

Maikee Arts – Sim, a desinformação é uma grande preocupação para todos nós, inclusive para o Unicef. E o que precisamos fazer é entender de onde ela vem. Por que as pessoas têm essas dúvidas? Uma coisa que sabemos sobre as vacinas, por exemplo, é que, felizmente, muitas doenças não são mais vistas justamente porque há vacinas contra elas… Então, muitas pessoas não sabem o que é o sarampo e se perguntam: “Por que eu preciso vacinar meu filho contra essa doença?” Talvez as pessoas tenham medo de que seu filho sinta dor ou podem querer entender o que é uma vacina, de onde ela vem. Portanto, é importante compreender exatamente qual é a preocupação das pessoas, qual é a informação que elas receberam, para poder iniciar uma discussão com elas. Também ouvimos em uma das reuniões que algumas plataformas de redes sociais estão trabalhando para reduzir e não permitir que certas informações sejam publicadas. Isso também é muito importante, que informações incorretas não sejam espalhadas ainda mais, e precisamos do apoio dos jornalistas e da mídia para lidar com isso. Mas as pessoas não recebem informações apenas de jornais. Então, também precisamos usar outros meios de comunicação para informar corretamente as pessoas.

EBC –  As novas tecnologias também podem contribuir muito, não é? 

Maikee Arts – Sim. Um exemplo é a telemedicina, que permite que as pessoas sejam tratadas por telefone. Mas também é muito importante a digitalização de todo o sistema de saúde. Assim, todas as informações coletadas podem ser armazenadas de forma digital, o que permite uma análise mais eficiente dos dados, e você pode vincular as informações de saúde a outros dados, como os de educação. Por exemplo, se houver uma criança com deficiência, a escola já é informada de que essa criança precisa de apoio. O Unicef tem realizado trabalhos muito interessantes em alfabetização digital, basicamente treinando agentes comunitários de saúde para usar seus celulares e ter acesso às informações de maneira fácil. Em comunidades remotas, por exemplo, o agente de saúde pode ir até lá e verificar no próprio celular: “uma criança com esses sintomas, o que isso significa? Qual é o tratamento?” e ele pode tratar a pessoa sem que ela tenha que ser levada a uma clínica. Então, há muitas oportunidades para a saúde digital, e isso pode facilitar muito o trabalho dos profissionais de saúde.

EBC – A situação dos trabalhadores da saúde também foi bastante discutida nas reuniões temáticas. Quais foram as conclusões? 

Maikee Arts – Os profissionais de saúde trabalham na linha de frente da prevenção e do tratamento de doenças, e percebemos que precisamos fazer muito mais para atrair trabalhadores, mantê-los em seus empregos e apoiá-los para desempenhar bem suas funções. Sabemos que, muitas vezes, eles não recebem o suficiente para sustentar suas famílias, às vezes trabalham em condições inseguras, o trabalho pode ser fisicamente pesado. E, às vezes, vemos que grande parte da força de trabalho na saúde é composta por mulheres, mas os líderes são homens. Então, as mulheres não se sentem interessadas em permanecer no emprego, porque não veem como podem ser promovidas ou como o trabalho pode continuar sendo interessante. O Unicef está muito interessado também no grupo de agentes comunitários de saúde, porque eles frequentemente são os primeiros a perceber que as pessoas estão doentes. Eles conhecem as famílias e também são os melhores para informá-las sobre tratamentos, sobre vacinas. Em muitos países, eles fazem trabalho voluntário, não são reconhecidos como profissionais. Isso foi incluído especificamente na declaração de saúde do G20, que precisamos fazer mais pelos trabalhadores da saúde.

EBC – Falando um pouco da nossa região, quais os problemas de saúde que estão preocupando mais nesse momento? 

Maikee Arts – Na verdade, há várias questões, mas uma que ainda está perto de se transformar em surto é a dengue. O Brasil foi bastante afetado por isso. Estamos trabalhando na prevenção, para garantir que os mosquitos não se reproduzam, e também que as pessoas possam ser diagnosticadas e recebam tratamento rapidamente. Há muitos problemas também relacionados a inundações e secas. Outras preocupações estão relacionadas à saúde materna e dos adolescentes. Por exemplo, a sífilis. É uma doença que pode ser facilmente tratada, mas precisa ser identificada cedo. Também temos casos ainda de crianças vivendo com HIV e o grande desafio da gravidez na adolescência. E, claro, as doenças mais tradicionais, como as respiratórias, continuam presentes e, infelizmente, em situações de emergência, são problemas que tendem a se agravar. Perigos ambientais, como a poluição do ar, podem piorar doenças como a pneumonia, por exemplo. Também estamos mais conscientes da importância da saúde mental. Para o Unicef, a preocupação, em primeiro lugar, é com as mães no período do parto e pós-parto, e também as crianças e adolescentes. Precisamos quebrar tabus sobre isso, falar sobre tais questões. E, quando alguém precisar de apoio, esse apoio tem que estar disponível. Indo para a questão da nutrição, em nossa região, temos alguns países com muitas crianças que são menores do que deveriam ser para sua idade. Isso ocorre especialmente em comunidades indígenas e em outras comunidades marginalizadas, e não está melhorando tão rápido quanto gostaríamos. Outra grande preocupação na área de nutrição é o excesso de peso. Parece uma contradição, mas não é. As razões pelas quais as crianças não crescem bem ou têm excesso de peso, muitas vezes, são as mesmas: muitos alimentos ultraprocessados disponíveis e mais dificuldade de praticar atividades físicas. E, com as mudanças climáticas, a disponibilidade de alimentos saudáveis está em risco, então pessoas com menos recursos terão cada vez menos acesso a alimentos saudáveis.

EBC – Uma das principais propostas desse ciclo do Brasil na presidência do G20 é justamente a formação de uma aliança global pelo fim da fome e da pobreza. Como isso pode contribuir para as pautas de saúde?

Maikee Arts – A pobreza afeta todos os aspectos da vida, incluindo a saúde. Por isso, a redução da pobreza é importante para tudo. E, às vezes, são coisas muito básicas. Em primeiro lugar, as pessoas que vivem na pobreza podem ter condições de vida piores: suas casas não têm isolamento adequado para a chuva, para o frio, para o calor. Assim, as crianças têm mais chance de adoecer. Além disso, elas podem não estar bem nutridas, o que as torna, novamente, mais vulneráveis a doenças. Além disso, são pessoas que podem não ter frequentado a escola por tempo suficiente e talvez não entendam como prevenir doenças ou como cuidar de problemas básicos. Em alguns países, o atendimento de saúde é gratuito, mas, em outros, não é, ou as pessoas precisam comprar medicamentos, e podem não ter dinheiro suficiente para isso. Então, sim, a redução da pobreza ajudaria muito na diminuição de doenças e no impacto que elas causam.

EBC – O G20 reúne as maiores economias do mundo, mas questões como essas impactam mais os países mais pobres, ou seja, que não fazem parte do grupo. Como garantir mudanças globais? 

Maikee Arts – Em primeiro lugar, também em alguns dos países mais ricos, incluindo na nossa região da América Latina e Caribe, o Brasil e o México, existem desigualdades internas. Portanto, muitos dos pontos da declaração também são válidos para esses países. Nós estamos prontos para ajudar os governos a ver como podem transformar as palavras das declarações em ações práticas para reduzir a distância entre os mais ricos e os mais pobres. Além disso, alguns países do G20 são países doadores. Então, quando forem apoiar outros países, esperamos que apliquem algumas das sugestões e recomendações feitas nas declarações, para que possam se expandir para além dos países que participaram do encontro, porque são medidas muito relevantes.

CNC pede reforma administrativa para barrar avanço da dívida pública

O crescimento descontrolado da dívida pública provocará, nos próximos 50 anos, impactos profundos no Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos no país). E esse movimento pode atingir a saúde financeira das empresas brasileiras. O alerta está em um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), divulgado nesta terça-feira (1º). 

A CNC avalia que sem medidas estruturais, como a reforma administrativa, em 50 anos o prejuízo acumulado poderá ser superior a R$ 1,375 trilhão, o que resultará em risco à sustentabilidade dos negócios.

Os cálculos do estudo indicam que para cada ponto percentual (1 p.p.) de aumento na dívida pública em relação ao PIB, o Brasil perde cerca de R$ 1,3 bilhão ao ano. “O que reduz a capacidade de investimentos do setor privado, eleva o custo do crédito e compromete a competitividade do país”, alerta a entidade.

Como forma de evitar um cenário de estagnação econômica e crescente pressão fiscal sobre as empresas, a CNC identifica a reforma administrativa como uma solução indispensável. “Não é apenas uma questão de eficiência, mas de sobrevivência do setor empresarial brasileiro”, disse o presidente do Sistema CNC-Sesc-Senac, José Roberto Tadros, na publicação.

Conforme a entidade, na última década, o Brasil apresentou um crescimento de 84%, com taxa média de 7% ao ano. Apesar disso, o aumento significativo dos gastos públicos, que avançaram a uma taxa média de 53% ao ano nos últimos 20 anos, se contrapõe à ampliação de apenas 35% nas receitas. “Essa discrepância tem alimentado déficits consecutivos, forçando o governo a buscar mais endividamento e pressionando o setor produtivo com juros elevados e uma carga tributária crescente”, apontou a CNC.

Pressão

O estudo indica um cenário preocupante para os empresários brasileiros e destaca que sem a reforma administrativa, o desequilíbrio das contas públicas exigiria um aumento de até 9% do PIB na carga tributária. Para o presidente da CNC, se isso ocorrer, o setor produtivo sofrerá efeitos devastadores.

“A situação fiscal não só ameaça o crescimento econômico, mas impõe um fardo adicional às empresas, que já lidam com uma das mais altas cargas tributárias do mundo. Sem uma revisão urgente nos gastos públicos, o setor privado será diretamente afetado pela alta dos impostos, comprometendo sua capacidade de competir e crescer”, avalia.

No entendimento da CNC, atualmente o Brasil tem uma carga tributária equivalente a quase 33% do PIB, uma das maiores do mundo. “Isso é considerado alto para padrões internacionais e afeta diretamente a competitividade do setor empresarial. Além disso, mais de 96% das despesas do governo federal são obrigatórias, o que significa que há pouco espaço para ajustes discricionários, dificultando ainda mais a gestão fiscal”, observou a entidade.

Sem as reformas estruturais, segundo a CNC, na expectativa de atingir 100% do PIB até 2033, o aumento da dívida pública vai elevar o custo de financiamento e limitar os investimentos em áreas estratégicas como infraestrutura, saúde e educação, que a entidade classifica como “pilares essenciais para a competitividade das empresas no mercado global”.

As contas da CNC indicam que as despesas do governo cresceram a uma taxa média de 5,3% ao ano desde 2002, ao mesmo tempo em que a receita subiu somente 3,7%. “Esse descompasso alimenta déficits primários consecutivos, obrigando o governo a financiar sua dívida com mais endividamento, o que pressiona o setor produtivo com juros altos e instabilidade econômica. Para as empresas, isso se traduz em maior custo do crédito, retração de investimentos e perda de competitividade”, aponta o estudo.

Ainda conforme os números da pesquisa, a dívida pública passou de 45,3% do PIB em 2008 para 77,8% em 2023, com tendência de crescimento contínuo. “Esse aumento gera um círculo vicioso de endividamento, elevando o custo financeiro e limitando a capacidade do país de fazer investimentos públicos que impulsionariam o setor privado”, explica o economista-chefe da CNC, Felipe Tavares.

Reforma

A CNC estima que, em 10 anos, a reforma administrativa poderia gerar uma economia de R$ 330 bilhões, aliada à atração de novos investimentos por meio de privatizações e concessões. 

“A falta de uma solução, no entanto, implicaria mais perdas para o setor empresarial. Cada 10 p.p. de aumento na dívida pública resulta numa queda de 0,12 p.p. no crescimento econômico anual, comprometendo tanto o desempenho das empresas quanto sua capacidade de inovar e competir globalmente”, ressalta o economista.

O estudo sugere também a importância de corrigir a distorção na alocação de gastos públicos, principalmente na educação, setor que na avaliação da CNC, o Brasil investe mais por aluno no ensino superior do que no ensino fundamental, “o que contribui para um desempenho insatisfatório em testes internacionais como o Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Alunos]”.

“O empresariado será o mais prejudicado se não houver uma solução imediata para a questão fiscal, pois a deterioração econômica eleva o risco-país, inibe novos negócios e afasta investidores”, alerta o presidente da CNC, José Roberto Tadros.

No reforço em defesa da necessidade das medidas estruturais, a CNC lançou, no domingo (29), a campanha, veiculada na TV aberta e fechada, além das suas redes sociais, chamando atenção para a urgência de reduzir a dívida pública para garantir que o país se desenvolva.

Pandemia da covid-19 dificultou avanço da Agenda 2030, aponta Fiocruz

Os impactos econômicos decorrentes da pandemia da covid-19 trouxeram dificuldades para a implementação da Agenda 2030, que fixou em 2015 um conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) assumidos pelos 193 estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). A conclusão é de uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto René Rachou, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Belo Horizonte.

Os pesquisadores envolvidos no estudo avaliaram a evolução de 43 indicadores que teriam relação com as metas de saúde associadas aos ODS. A análise foi feita com dados de 185 países. Foi realizada uma projeção do desempenho de cada um deles para o período entre 2021 e 2030, com base em previsões de crescimento econômico antes e depois da pandemia. Eles observaram uma desigualdade nos resultados.

“As análises mostraram que os países com rendimentos mais baixos poderão ter um retrocesso de 16% em todos os indicadores avaliados, um declínio bem mais significativo do que o estimado para os países de rendimento elevado, que é de 3%”, aponta a Fiocruz, em nota divulgada nesta quarta-feira (14), em que apresenta as principais conclusões do estudo.

De acordo com os pesquisadores, os impactos econômicos decorrentes da pandemia da covid-19 aprofundam as desigualdades. Isso ocorreria porque os países de economia mais potente tendem a se recuperar mais rapidamente das crises e se reestruturam em menos tempo.

A pesquisa resultou em um artigo científico publicado há três semanas na revista Plos One, editada pela Public Library of Science (Plos), uma iniciativa fundada em 2001 nos Estados Unidos que se dedica a apoiar publicações que adotam um modelo de licenciamento de conteúdo aberto.

Metodologia

De acordo com a Fiocruz, a análise se deu a partir de um modelo econométrico que levou em conta três indicadores econômicos de cada país: o Produto Interno Bruto per capita (PIB per capta), o índice de Gini – que mede a distribuição de renda – e os investimentos em saúde. Houve comparações entre as projeções econômicas feitas antes da pandemia, em janeiro de 2020, e as atualizadas em outubro de 2021, cerca de 1 ano e meio após a eclosão da crise sanitária.

As medidas que envolvem doenças infecciosas estão entre as mais impactadas: há previsão de desaceleração no ritmo de implementação nos quatro grupos de países de baixo rendimento, de rendimento médio-baixo, de rendimento médio-alto e de alta renda. Entretanto, os efeitos não são homogêneos. Nos países de baixo rendimento a desaceleração prevista é de, em média, 33,8%, contra uma média de 6,4% nos países de rendimento elevado. Desempenhos ruins também foram constatados envolvendo lesões e violência; saúde materna e reprodutiva; cobertura de sistemas de saúde; e saúde neonatal e infantil.

Os resultados do índice de Gini apresentaram forte associação com 15 indicadores, entre eles o atraso no crescimento de crianças, a cobertura vacinal infantil, a incidência de malária, o número de pessoas infectadas por doenças tropicais negligenciadas, a mortalidade por doenças crônicas não-transmissíveis, a prevalência de tabagismo, os homicídios e os gastos diretos com saúde. “Quanto maior a desigualdade pior a performance nesses indicadores”, apontam os pesquisadores.

No artigo científico, são apresentadas algumas reflexões para a política internacional de saúde pública. Os pesquisadores apontam a importância da cooperação global para apoiar os sistemas de saúde nos países de baixo rendimento e assim garantir um progresso equitativo, bem como um futuro mais saudável para todos.

Pesquisadores buscam conhecimentos tradicionais para avanço científico

Uma competição para desenvolver a melhor inovação de mapeamento de biodiversidade das florestas tropicais, com um prêmio de US$5 milhões (mais de R$25 milhões) tem reunido tecnologia de ponta e pessoas de diferentes partes do mundo e áreas do conhecimentos há quase cinco anos. Entre os pesquisadores e cientistas estão integrantes de comunidades tradicionais que conhecem profundamente esses ecossistemas.

A desenvolvedora de jogos e liderança Inhaã-bé, Marina Mura e o biólogo Gabriel Nunes são dois exemplos de cientistas que vivem próximos e conhecem profundamente a Floresta Amazônica, onde fica a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, no Amazonas. Foi nesta reserva que ocorreram as avaliações finais da competição global XPrize Florestas Tropicais, neste mês de julho.

Como representantes regionais da equipe suíça ETH Biodivix, eles participaram ativamente do aperfeiçoamento das soluções tecnológicas usadas pelo grupo durante a prova.

“Quando soubemos que a final aconteceria no Brasil, sabíamos que tínhamos que ir até as comunidades o mais cedo possível, conhecer as comunidades o mais cedo possível”, relembra David Dao coordenador das áreas de inteligência artificial e conhecimentos tradicionais da equipe ETH Biodivix.

Assim como as outras equipes, o grupo desenvolveu soluções tecnológicas para coletar amostras digitais e físicas de imagem, som e DNA ambiental. Foram usados drones e veículos robóticos para conduzir os equipamentos por terrenos desafiadores de 100 hectares da Floresta Amazônica.

O principal diferencial do equipamento utilizado pelo grupo foi uma inteligência artificial que tem em sua base de dados a contribuição da ciência-cidadã e utiliza um algoritmo desenvolvido por meio da união de expertises científica, tecnológica e do conhecimento tradicional.

IAs Amazônidas

A Tainá e a Poli são inteligências artificiais (IAs) que conversam em língua portuguesa e reúnem conhecimentos culturais, regionais e científicos da Amazônia. As ferramentas são resultados alcançados pela equipe, após oito workshops realizados na região, que viabilizaram a aproximação e a conquista da confiança da comunidade.

“Porque uma das coisas que a gente aprendeu nos nossos workshops com as comunidades foi que a maior parte dos relacionamentos [das comunidades com pesquisadores], as relações são traídas. As pessoas vão lá, usam o que aprendem, vão embora e não voltam”, conta Kamila Camilo, ativista ambiental e também integrante brasileira na equipe.

Kamila conheceu a competição e a iniciativa por meio de um site cidadão criado pelos integrantes da ETH Biodivix para debater as soluções e frentes tecnológicas que poderiam ser implementadas pelo grupo durante a competição. Logo ela foi integrada na equipe com o objetivo de facilitar a interlocução com as comunidades locais.

O grupo crescia a cada momento em que uma nova expertise alinhada aos objetivos da equipe era identificada. “Quando a gente viu que a Marina tinha essa inteligência lógica e que ela se interessava por tecnologia, pareceu óbvio pra gente que ela era mais do que uma pessoa participando do workshop, mas que ela podia ser parte do time”, relembra Kamila.

Competidores do Xprize Rainforest fazem apresentação de suas tecnologias em Manaus, no Amazonas – Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Inteligência Artificial

Logo que foi apresentada ao protótipo do que seria a inteligência artificial guardiã dos conhecimentos tradicionais, Marina passou a contribuir com o desenvolvimento da Tainá e logo virou curadora do conteúdo da tecnologia. Ao mesmo tempo foi aprendendo como a ferramenta poderia contribuir com as pessoas e o lugar onde vive.

“A minha aldeia é multiétnica, então a gente tem vários aspectos culturais ali dentro e nem todas as aldeias têm os mesmos rituais, utilizam as mesmas coisas. Se a gente puder colocar esses dados e compartilhar com as outras comunidades e ter acesso aos dados de outras comunidades, a gente vai começar a fazer com que essas diversidades culturais caminhem juntas e sejam preservadas”, diz Marina.

Ciência em Português

O manauara Gabriel também chegou ao grupo pelos workshops e logo foi integrado à equipe que desenvolve a Poli, a versão científica da Tainá. Entre as atividades que passou a desempenhar está a adaptação de todos os experimentos científicos desenvolvidos pela equipe à realidade amazônica, inclusive das descrições científicas à Língua Portuguesa.

“Se eu vou tratar cientificamente com um aplicativo, eu preciso que ele reconheça as realidades do universo. Então essa literatura tem que ser em português, porque a Amazônia é escrita em português”, diz.

Coleta de dados

Na fase de treinamento das inteligências artificiais, tanto Marina, quanto Gabriel mostraram os caminhos na floresta para a instalação dos sensores de captura de sons e imagens e também participaram das incursões com drones que complementam as informações das imagens de satélite.

“A gente faz um plano, uma rota, para eles fazerem o mapeamento e a gente usa isso lá na comunidade, para saber se a floresta está saudável ou não, ou se está tendo desmatamento dentro da nossa área protegida. Então, a gente faz esse mapa e o drone sozinho vai tirando várias fotos de cima das copas das árvores e depois a gente faz uma montagem no aplicativo, nos dados e aí a gente tem um grande mapa preciso”, explica Marina.

De acordo com David Dao, a ideia é exatamente essa: que as comunidades possam se beneficiar da tecnologia desenvolvida e que haja um compartilhamento dos benefícios.

“Nós nos comprometemos com as comunidades a continuar essa parceria. Isso é parte de algo maior capaz de empoderá-las não apenas a levantar essas informações, mas de construir essa capacidade de também gerar renda com isso.”

Os integrantes da equipe contam que ficaram surpresos com a baixa valorização dos conhecimentos tradicionais da Amazônia. “Um mateiro que entra na floresta com um pesquisador ganha R$150 por dia para ficar 12 horas em uma trilha guiando um pesquisador no meio da mata. Se esse mesmo cara for com o celular dele, gravar o canto do pássaro, for com a mochila do sequenciamento de DNA, fizer a coleta da amostra, tudo vai ficar registrado no ID dele, que está no blockchain [banco de dados transparente], que não pode ser mudado, ele vai receber a partilha de benefícios e vai ser pago tanto quanto o pesquisador”, conclui Kamila.

*Repórter e fotógrafo Fábio Pozzebom viajaram a convite do Instituto Alana

Médicos comemoram avanço da vacinação infantil no Brasil

Especialistas em vacinação e no cuidado de crianças e adolescentes apontam que avanços recentes na cobertura vacinal são resultado de ações do governo, sociedades médicas e de pais e responsáveis. E garantem que o maior grau de imunização tem o efeito imediato de salvar vidas e evitar doenças graves.

Pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgada nesta segunda-feira (15) revelou que diminuiu o número de crianças não vacinadas no Brasil. Os números tiram o Brasil da lista dos 20 países com mais crianças não imunizadas

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, atribuiu a melhoria brasileira na vacinação ao Movimento Nacional pela Vacinação, lançado pelo governo em fevereiro de 2023, primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ao comentar o resultado do estudo global, Nísia disse que 2023 marcou uma inflexão no comportamento da cobertura vacinal do país.

“Desde 2016, o Brasil enfrentava quedas crescentes nas coberturas vacinais de vários imunizantes do calendário infantil. Depois de conquistas tão importantes como a erradicação da varíola e a eliminação da circulação do vírus de poliomielite, o Programa Nacional de Imunizações encontrou forte risco”, assinalou.

“Mas conseguimos reverter esse cenário”, comemorou a ministra. “O movimento pela vacinação venceu com a volta da ciência e da confiança da população brasileira nas vacinas do SUS [Sistema Único de Saúde]”, afirmou.

A ministra disse que recebeu com “alegria e esperança” a notícia do aumento da cobertura vacinal de 13 das 16 principais vacinas do calendário infantil. Nísia destacou ainda o empenho das “famílias que levaram as crianças para atualizar a caderneta de vacinação”.

Entre os destaques de crescimento estão as vacinas contra a poliomielite (VIP e VOP), pentavalente, rotavírus, hepatite A, febre amarela, meningocócica C (1ª dose e reforço), pneumocócica 10 (1ª dose e reforço), tríplice viral (1ª e 2ª doses) e reforço da tríplice bacteriana (DTP).

Nos 13 imunizantes que apresentaram recuperação, a média de alta foi de 7,1 pontos percentuais.

Efeito imediato

A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), Flávia Bravo, explicou à Agência Brasil que a reversão da queda na cobertura vacinal tem um efeito imediato e direto. “Aumentar a chance de melhorias de saúde, evitar doenças infecciosas preveníveis. Proteção é salvar vidas, evitar doenças graves”.

A integrante do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) Melissa Palmieri destacou que a maior proporção de vacinados se reflete também na maior proteção das crianças que, por algum motivo de saúde, não podem tomar determinadas vacinas.

“Esse aumento da cobertura vacinal também impacta naquelas – que é um percentual muito pequeno – que por algum motivo médico não podem ser vacinadas para algumas doenças. Isso faz com que a alta cobertura diminua a circulação desses agentes infecciosos e haja uma proteção indireta para aquelas crianças que não puderam se vacinar”, explicou à Agência Brasil.

Confiança

Flávia Bravo, da Sbim, aponta três agentes responsáveis pelos números positivos de 2023, o Ministério da Saúde, as sociedades médicas e as famílias, que, destaca, recuperaram a confiança nas vacinas mesmo estando expostas a notícias falsas e comentários não verdadeiros sobre riscos e efeitos adversos dos imunizantes.

A diretora da Sbim entende que um dos motivos que fizeram com que a cobertura vacinal tivesse caído nos anos anteriores a 2023 foi a junção de notícias falsas e um desconhecimento da gravidade das doenças.

“É muito complicado para a população lembrar do impacto dessas doenças que a gente tinha controlado exatamente com a vacinação. Você não tem o medo da doença, você tem um desconhecimento, não sabe sequer o que essas doenças são”, disse.

Essa “falta de medo da doença” se associava, segundo ela, “ao medo da vacina, a ver os eventos adversos falsos e a risco propagados que não são verdadeiros”.

Melissa Palmieri, da SBP, também reconhece os efeitos negativos da circulação de informações falsas. Ela recomenda que país e responsáveis busquem informações confiáveis sobre a importância dos imunizantes.

“Eles devem se informar com pediatras, que estão atualizados com as recomendações do Programa Nacional de Imunizações e da SBP, bem como agências ou instituições idôneas, as secretarias municipais e estaduais de Saúde e o Ministério da Saúde, que vem trabalhando para disseminação de informações importantes para que os pais tenham a melhor decisão em vacinar”, orienta.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, destacou o papel do personagem Zé Gotinha. “O Zé Gotinha viajou pelo Brasil levando a mensagem de que vacinas salvam vidas”.

O Ministério da Saúde e Flávia Bravo, da Sbim, apontam que uma das estratégias adotadas em 2023 e que permitiram a expansão da vacinação pelos mais diversos cantos do país foi o microplanejamento, método recomendado pela OMS que leva em conta as diferentes características das cidades. Consistem em atividades com foco na realidade local, desde a definição da população alvo, escolha das vacinas, definição de datas e locais de vacinação, até a logística.

“Quem executa as ações de imunização, no fim das contas são os municípios”, esclarece Flávia Bravo. Ela exemplifica regiões em que a grande parte dos pais e responsáveis trabalham no horário comercial, e a campanha de vacinação precisa ser realizada em horário diferenciado.

De acordo com o Ministério da Saúde, R$ 150 milhões foram repassados em 2023 aos estados e municípios, em apoio às ações de imunização, com foco no microplanejamento, ou seja, nas ações de comunicação regionalizadas. Para este ano, está sendo destinado o mesmo valor.

Programa

A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações disse que o avanço do Brasil no cenário global é também um recado para o mundo. “É uma comprovação que o programa nacional sabe trabalhar, tem vontade e, tendo condições e apoio, a gente recupera aquilo que a gente sempre soube fazer e voltar a ser uma história de sucesso”, afirmou, se referindo ao protagonismo do Brasil na imunização da população.

Flávia Bravo enfatizou ainda que as imunizações para cada doença devem ser todas tratadas como prioridades. “Qualquer uma delas, se você não atinge a meta cobertura, que para algumas vacinas é 80%, para outras é 95%, você vai acumulando suscetíveis”, disse.

“Basta um caso para virar um surto, um aumento no número de casos de doenças que são preveníveis, então não existe um calcanhar de Aquiles”, alerta.

Ela cita algumas doenças que podem voltar ao cenário epidemiológico, caso haja baixa da cobertura de imunização. “A poliomielite tem o vírus derivado do vírus vacinal circulante e fazendo surtos ao redor do mundo, que pode chegar ao Brasil e encontrar suscetíveis. O sarampo e a coqueluche são a mesma coisa”, assinala.

A especialista lembra que, recentemente, o Ministério da Saúde emitiu uma nota de alerta para a coqueluche em território brasileiro.

Melissa Palmieri, do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, lembra que, assim como o governo, pais e responsáveis têm a obrigação de atuar para garantir a segurança das crianças.

“Além da garantia em legislação pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, os pais devem assegurar de oferecer todas as ferramentas para manutenção de saúde de seus filhos, prevenção e manutenção”, afirma.

Apesar de avanço do Pix, dinheiro físico resiste em 30 anos de real

Na feira do Largo do Machado, na zona sul do Rio de Janeiro, o pagamento eletrônico não é unanimidade. Com medo de taxas de maquininhas de cartão ou sem tempo para tirar o celular do bolso e abrir o aplicativo do Pix, há consumidores que ainda preferem pagar as compras com cédulas e moedas, apesar do avanço de meios eletrônicos de pagamento.

“Tenho usado muito [cartão de] débito e Pix, mas hoje terei de sacar dinheiro no banco. A mulher botou um real em cima dos limões que comprei porque o preço aumentou R$ 1 por causa da taxa de cartão”, diz a servidora pública Renata Moreira, 47 anos. “Há lugares estratégicos em que vou com dinheiro, cédula. Às vezes, o Pix dá trabalho porque tem de tirar o telefone da bolsa [em lugares de risco] e tem de ter acesso à internet”, completa.

Segundo o Banco Central (BC), a circulação de papel-moeda persiste em 30 anos de criação do real. Na última sexta-feira (28), conforme as estatísticas mais atualizadas da autoridade monetária, existiam R$ 347,331 bilhões de cédulas e de moedas em circulação na economia, o equivalente a 3,13% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos no país).

A proporção está diminuindo após a pandemia de covid-19. Em informações exclusivas repassadas à Agência Brasil, o Departamento de Meio Circulante do BC informa que o percentual de papel-moeda em circulação subiu de cerca de 2% em meados dos anos 1990 para um valor ligeiramente abaixo de 4% em 2007. A proporção manteve-se ao redor desse nível até 2019, disparando para 5% do PIB em 2020, com a criação do auxílio emergencial durante a pandemia.

Segundo o BC, após a pandemia de covid-19, o valor de cédulas e de moedas em circulação tem se mantido estável em torno de R$ 345 bilhões, com a proporção em relação ao PIB caindo. “Apesar do surgimento de novos meios de pagamento, como o Pix, para apresentar impactos sobre os hábitos de uso dos meios de pagamento anteriormente existentes será necessário algum tempo, a fim de que a evolução desses impactos possa ser claramente mapeada”, informou o Departamento de Meio Circulante em nota.

Comparação

Em maio, o Pix movimentou R$ 2,137 trilhões, o equivalente a 19,26% do PIB. A quantia e o percentual, no entanto, não podem ser diretamente comparados com os 3,13% do PIB em cédulas e em moedas. Isso porque o Banco Central mede o valor de todas as transações eletrônicas, enquanto o dinheiro físico é calculado com base no estoque fora dos bancos, sem considerar as movimentações.

Segundo BC, o sistema de transferências instantâneas, que funciona 24 horas por dia, tem favorecido a inclusão financeira da população. Conforme dados da Gerência de Gestão e Operação do Pix, ao considerar transações até dezembro de 2022, mais de 71,5 milhões de pessoas que não faziam transferências eletrônicas antes do Pix passaram a fazer esse tipo de operação.

Em relação às faixas de renda, o sistema é usado por pessoas de todos os estratos financeiros. Conforme a edição mais recente do Relatório de Gestão do Pix, possuem pelo menos uma chave Pix 71% das pessoas com um salário mínimo, 85% entre um e dois salários mínimos, 86% das pessoas de dois a cinco salários mínimos, 90% entre cinco e dez salários mínimos e 89% a partir de dez salários mínimos.

Idade

O principal fator de resistência ao Pix e de preferência pelo papel-moeda e pelo cartão de plástico, no entanto, é a idade. Segundo o mesmo relatório, 93% das pessoas de 20 a 29 anos possuem uma chave. A proporção permanece em níveis semelhantes nas demais faixas etárias: 91% de 30 a 39 anos e 92% de 40 a 49 anos. Nas faixas seguintes, o percentual cai: 79% de 50 a 59 anos e apenas 55% na faixa acima de 60 anos.

Frequentadora da feira do Largo do Machado, a aposentada Marina de Souza, 80 anos, personifica a reticência com o Pix, preferindo cartões e dinheiro físico. “Não pago com Pix. Não gosto. Pago mais com cartão de débito, menos na feira, onde só uso dinheiro porque eles anotam uma coisa, a gente se distrai, e eles cobram outra. Então tenho sempre aquele dinheirinho sacado, que fica reservado para a feira. As outras compras, só com cartão”, justifica.

“Ainda estou na fase do dinheiro e do cartão. Não sou muito de Pix ainda não. Tenho [uma chave], mas não aderi muito. Estou sempre com o dinheirinho para pagar as contas”, diz a dona de casa Hilda Pereira, 65 anos, também consumidora da feira do Largo do Machado.

Segundo o BC, parte da decisão de criar as modalidades de Pix saque e de Pix troco, onde o consumidor transfere um valor por Pix a um comércio e saca a diferença em espécie, deve-se à predileção pelo papel-moeda por parte da população. Conforme a autoridade monetária, a preferência é maior em municípios do interior com pouca cobertura bancária.

“A possibilidade de sacar dinheiro usando o Pix teve como objetivo propiciar melhores condições de oferta do serviço à sociedade, principalmente em regiões em que a cobertura da rede bancária é insuficiente. Parte da população brasileira ainda tem hábito de uso do dinheiro em espécie e carecia de uma rede adequada”, explicou o Banco Central em nota à Agência Brasil.

Endividamento

Professora de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), Virene Matesco diz que a preferência pelo papel-moeda é desigual conforme a região do país. “Temos um país extremamente heterogêneo. Quero saber se nesse interiorzão do país alguém fala de Pix. Porque muita gente não tem celular moderno”, constata. Segundo ela, o maior avanço de transferências eletrônicas como o Pix, e futuramente o Drex (versão digital do real), está na redução de custos de transação e no aumento da velocidade de circulação da moeda.

Virene, no entanto, admite que o avanço dos sistemas eletrônicos de pagamento tem um risco associado: a ampliação da tendência de o cidadão endividar-se. “A velocidade da circulação aumenta violentamente, assim como a capacidade de o correntista entrar no vermelho. O problema piora com as apostas virtuais de joguinhos online. A tecnologia beneficia muita gente, mas também traz perigos”, adverte.

Avanço da extrema-direita na Europa pode impactar agenda ambiental

O avanço da extrema-direita no Parlamento Europeu, ainda que limitado em número e focado em alguns países, pode influenciar a agenda ambiental em todo o mundo, avaliam especialistas ouvidos pela Agência Brasil.

Isso porque as legendas de extrema-direita negam o quase consenso científico de que o aquecimento da Terra é consequência da ação dos seres humanos sobre a natureza, postura semelhante à do Partido Republicano dos Estados Unidos, hoje liderado por Donald Trump, que vai tentar a Presidência novamente em novembro deste ano.

Professora de relações Internacionais do Ibmec de São Paulo Natalia Fingermann – Arquivo pessoal

A professora de relações Internacionais do Ibmec de São Paulo Natalia Fingermann avalia que mudanças na Europa e nos Estados Unidos em relação à pauta ambiental devem ter consequências para o Brasil, uma vez que o atual governo tenta se posicionar no plano global como uma liderança nessa agenda.

“A gente pode ter dificuldades de fazer com que esse tema, que é caro para o Brasil na política externa brasileira, tenha vazão no sistema internacional”, disse a especialista.

Nos últimos meses, mobilizações de fazendeiros paralisaram a França contra, entre outras pautas, mudanças em regras ambientais que poderiam prejudicar a produtividade da agricultura local.

O professor de relações internacionais e economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) Giorgio Romano Schutte afirmou que mesmo antes das eleições a pauta ambiental começou a retroceder na Europa.

“A mensagem é clara: sem considerar a questão social e a questão de soberania energética, a pauta ambiental vai provocar resistência, na Europa, nos EUA, aqui ou na China. A extrema-direita mobiliza essa resistência, não inventou ela”, ponderou Giorgio Schutte.

Professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni – Arquivo pessoal

O professor de relações internacionais da UFABC Gilberto Maringoni tem dúvidas em relação ao impacto do avanço da extrema-direita na Europa em relação à pauta ambiental, apesar de haver negacionismo climático nesses partidos.

“Não me parece que o negacionismo verbal possa ser traduzido em um perigo maior, até porque o que está em pauta é o protecionismo, o que está em pauta é o nacionalismo econômico e a xenofobia contra os imigrantes”, disse.

Já o professor Giorgio Romano destaca que, para combater a extrema-direita, os partidos de centro-direita e centro-esquerda da Europa têm adotado pautas mais duras contra a imigração e reduzido as regras de proteção ambiental.

“A centro-direita e até o centro-esquerda começaram a apoiar as mesmas pautas, ser mais dura com a migração e mais devagar com as legislações ambientais. Esse é o risco. A centro-esquerda da Dinamarca tem a mesma bandeira com relação à migração que a extrema-direita e conseguiu ganhar com essas pautas. Então, esse é o problema”, avaliou.

Algo semelhante ocorre com o recém-constituído partido alemão de esquerda BSW, que estreou nessa eleição com 6,2% dos votos, computando seis cadeiras. Liderado pela deputada Sahra Wagenknecht, a legenda defende restrições à imigração por entender que ela favorece a redução dos salários na Alemanha ao aumentar a oferta de mão de obra, beneficiando os empresários.

Multilateralismo e Gaza

Para a professora Natália Fingermann, o avanço da extrema-direita, ainda que limitado, pode impactar também o apoio aos mecanismos internacionais como Banco Mundial e Organização das Nações Unidas.

“Talvez vejamos uma derrocada das organizações internacionais com essas frentes articulando cortes de recursos para o financiamento dessas organizações que atuam buscando a segurança coletiva mundial, a paz mundial, e financiando também vários projetos de cooperação em países em desenvolvimento”, disse.

Outro impacto do avanço da extrema-direita na Europa pode ser o fortalecimento da posição do primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, com consequências para a guerra na Faixa de Gaza.

“A extrema-direita tem uma relação intrínseca e uma organização internacional própria e está muito relacionada ao governo de Netanyahu. Então, essas lideranças dialogam muito com Netanyahu e provavelmente vão dar continuidade a um apoio europeu ao conflito”, completou Natália Fingermann.

Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na França – ONU/Rick Bajornas

Parlamento Europeu

O Parlamento Europeu, em comparação aos parlamentos nacionais, tem funções mais limitadas e se posicionam apenas para as leis em comum a todos os 27 Estados. Com 702 cadeiras, o Parlamento da União Europeia não tem poder de influenciar mais diretamente o cotidiano dos países do bloco.

O professor Gilberto Maringoni destacou que o resultado dessas eleições tem mais um efeito de termômetro “das relações internas da Europa do que algo efetivo”.

“São 27 países com leis eleitorais distintas, [em] alguns países o voto é obrigatório, outros não. Claro que eles podem ter legislações comuns na questão especial da imigração, que é o que mais pega”, disse.

A professora Natália Fingermann lembrou que o Parlamento Europeu também atua nas relações comerciais e diplomáticas do conjunto da Europa com os países de fora do bloco.

“Entrada e saída de pessoas, entrada e saída de comércio, relações com outros países fora da União Europeia e com outras instituições internacionais. Esse Parlamento tem uma competência que é muito diferente daquela do parlamento de um país”, explicou.

Conselho leva à ONU alerta sobre avanço do neonazismo no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) apresentou à Organização das Nações Unidas (ONU) preocupações acerca do crescimento de grupos neonazistas no Brasil ao longo dos últimos anos. Um relatório preliminar, entregue no último sábado (6), reuniu dados presentes em diferentes levantamentos. O documento classifica o cenário atual como “alarmante”.

A pesquisa da antropóloga Adriana Dias, falecida no ano passado é apontada como uma das referências. Ela constatou que as células de grupos neonazistas cresceram 270,6% no Brasil no período entre janeiro de 2019 e maio de 2021, se espalhando por todas as regiões do país. Esse fenômeno teria sido impulsionado pela disseminação dos discursos de ódio e de narrativas extremistas. Sem punição, eles se propagam com mais facilidade. Segundo a pesquisa, no início de 2022, haviam mais de 530 núcleos extremistas no país. Seus participantes compartilham o ódio contra feministas, judeus, negros e população LGBTQIAP+.

Outro levantamento citado é o da agência Fiquem Sabendo. O documento aponta que de janeiro de 2019 a novembro de 2020 foram abertos 159 inquéritos pela Polícia Federal por apologia ao nazismo. Esse número, referente a um período inferior a dois anos, supera o total de 143 investigações abertas ao longo de 15 anos, entre 2003 e 2018.

O documento do CNDH destaca ainda que, no ano de 2021, foram recebidas e processadas 14.476 denúncias anônimas pela Central Nacional de Crimes Cibernéticos, canal mantido pela organização não governamental SaferNet com o apoio do Ministério Público Federal (MPF). Também há menção ao levantamento do Observatório Judaico sobre eventos antissemitas e correlatos ocorridos no país entre 2019 e 2022.

Além dos dados, foram citados alguns casos concretos em que foram apreendidos artefatos ligados ao nazismo como fardas, armas e bandeiras, além de artigos e peças decorativas com imagens e símbolos como rosto de Hitler e a suástica. O CNDH também chama atenção para o crescimento dos ataques em escolas, lembrando que em diferentes ocorrências o agressor fazia uso de simbologia neonazista. É citado, por exemplo, o episódio ocorrido em dezembro de 2022, quando um estudante de 16 anos matou quatro pessoas em escolas em Aracruz (ES). Ele vestia farda militar acompanhada de uma braçadeira com um símbolo nazista.

Prevenção e reparação

Criado pela Lei Federal 12.986/2014, o CNDH deve promover e defender os direitos humanos no país através de ações preventivas, protetivas e reparadoras. Embora seja vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, atua com autonomia.

Dos 22 conselheiros, 11 são representantes da sociedade civil, eleitos em encontro nacional convocado por edital público. Os outros 11 são representantes do poder público, que são indicados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, pelo Ministério das Relações Exteriores, pela Polícia Federal, pelo MPF, pelo Conselho Nacional de Justiça, pela Defensoria Pública da União, pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, dentre outros.

A expectativa do CNDH é de que o relatório contribua para as discussões do 55ª Reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que deverá ocorrer em Genebra, na Suíça, entre o final de junho e o início de julho. Na ocasião, uma nova edição do relatório sobre os esforços mundiais para o combate à glorificação do nazismo e do neonazismo será apresentado pela indiana Ashwini K.P., relatora especial sobre as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias conexas.

O documento traz informações específicas de diferentes países. Na edição apresentada durante a 53ª Reunião Ordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU ocorrida no ano passado, o Brasil é citado pelo seu quadro preocupante envolvendo o aumento da violência contra as mulheres, a discriminação contra afrodescendentes e as ameaças à população indígena.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU é composto por 47 Estados-membros, eleitos na Assembleia Geral das Nações Unidas para mandatos de três anos. Anualmente, são realizadas três reuniões, nos quais são discutidos diversos temas. Embora suas resoluções não sejam de cumprimento obrigatório, elas contribuem para pressionar os países por medidas.

Relatório final

O CNDH informa que vem mantendo diálogo institucional com a relatora especial Ashwini K.P. e trabalha produzir um relatório final. Com o intuito de avançar nos dados sobre o crescimento do neonazismo no país, a partir desta quarta-feira (10), uma comitiva de conselheiros estará em Santa Catarina. Eles estarão acompanhados ainda de parlamentares, de lideranças da sociedade civil e de integrantes da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que é vinculada ao Ministério do Direitos Humanos e da Cidadania.

Durante a passagem por Santa Catarina, a comitiva do CNDH irá visitar as cidades de Florianópolis e Blumenau. O estado do sul do país é um dos que mais gera preocupações. Somente no município de Blumenau, foram mapeadas 63 células neonazistas na pesquisa de Adriana Dias.

A agenda da comitiva da CNDH inclui reuniões com autoridade públicas municipais e estaduais, com representantes institucionais e com especialistas que pesquisam o tema. Uma das questões a ser discutida será a aplicação de um Questionário de Evidências, para identificar elementos envolvendo a propagação da ideologia nazista.