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Concurso vai escolher arquiteto negro para projeto na Pequena África

Traços de um arquiteto negro vão definir como será o Centro Cultural Rio-África, que ficará na região carioca conhecida como Pequena África, por reunir fragmentos físicos e culturais da presença negra no Rio de Janeiro e no país.

Um concurso de arquitetura promovido pela prefeitura do Rio e pelo departamento fluminense do Instituto dos Arquitetos do Brasil vai selecionar, em uma concorrência internacional, um profissional negro para elaborar o projeto arquitetônico.

O novo centro cultural será erguido em uma área de cerca de 2,8 mil metros quadrados onde funcionava uma maternidade, na Avenida Venezuela, a cerca de 150 metros do Cais do Valongo, principal porta de entrada de africanos escravizados nas Américas, nos séculos 18 e 19.

Podem participar da seleção arquitetos negros de qualquer parte do Brasil e de países africanos com assento no Conselho Internacional de Arquitetos de Língua Portuguesa (Cialp): Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

O projeto arquitetônico vencedor sediará um espaço pensado para valorizar a arte e a cultura afro-brasileiras por meio de ações que produzam e provoquem interpretações sobre a ancestralidade e a herança da diáspora africana. Também haverá conteúdo sobre personagens históricos e o desenvolvimento urbano da zona portuária do Rio, além de perspectivas para o futuro da região.

Concurso

Serão premiados os três melhores trabalhos. O primeiro colocado receberá um prêmio de R$ 60 mil e terá o projeto executado. O segundo lugar ganhará R$ 30 mil; e o terceiro, 15 mil.

O projeto arquitetônico tem orçamento de R$ 3 milhões. O custo total da construção é de R$ 30 milhões. O investimento é uma contrapartida da empresa Cury Construtora e Incorporadora, que desenvolve empreendimentos imobiliários na região. Ou seja, sem custo para a prefeitura.

As inscrições ficam abertas até 30 de agosto e podem ser feitas por este site. As propostas serão recebidas até 30 de setembro. O regulamento prevê banca de heteroidentificação.

Os trabalhos serão selecionados por um júri de nove pessoas, a maioria negra. Uma delas é a arquiteta e urbanista Gabriela de Matos, fundadora do projeto Arquitetas Negras, que mapeia a produção de profissionais negras. Um dos nomes será um estrangeiro, indicado pelo Cialp.

Para o arquiteto Marllon Sevilha, coordenador do concurso, direcionar a concorrência para profissionais negros faz parte de uma busca por representação e pertencimento. “Ter o projeto de um profissional negro ou negra é reforçar nosso compromisso com a inclusão nos espaços de tomadas de decisões, até porque, historicamente, a arquitetura é embranquecida. Precisamos ocupar espaços que também são nossos por direito”, disse.

Na opinião de Sevilha, a participação exclusiva de arquitetos negros pode amplificar e mobilizar “de maneira mais sensível e respeitosa as representações, tanto arquitetônicas, quanto histórico-sociais da cultura afro-brasileira e afrodiaspórica”.

O resultado da concorrência será conhecido no dia 29 de outubro.

Pequena África

Um passeio pelas ruas da Pequena África se transforma em uma aula sobre a influência negra na construção das identidades carioca e brasileira. Na região, além de sítios arqueológicos, como o Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos, ficam pontos marcantes do legado africano na cidade, como o Quilombo da Pedra do Sal, a Casa da Tia Ciata – matriarca do samba – e o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab).

Estima-se que cerca de 1 milhão de escravizados tenham desembarcado nas Américas pelo Cais do Valongo. O sítio é considerado Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

A prefeitura entende que o Centro Cultural Rio-África não concorrerá com outros museus da região, pois se propõe a valorizar a arte contemporânea negra e estará centrado em valores do afrofuturismo.

Na cerimônia de lançamento do concurso, o prefeito Eduardo Paes fez uma relação entre o futuro centro cultural e a desigualdade racial no país. “Esta cidade não vai melhorar, o Brasil não vai melhorar enquanto a gente não entender que a nossa tragédia é essa desigualdade que bate principalmente no povo preto.”

Eduardo Paes disse que a nova atração servirá para que “essas vísceras e essa história sejam expostas, para que o povo possa conhecer, e a gente possa, a partir disso, corrigir as injustiças”.

Enchentes e alagamentos ‘farão parte de nossas vidas’, diz arquiteto e urbanista brasileiro

Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre é alagado pelas águas do Guaíba

10 de maio de 2024

 

O Rio Grande do Sul atravessa o pior desastre climático de sua história. A partir de 28 de Abril, uma grande parte do seu território, aproximadamente do tamanho do Reino Unido, ficou submersa. As fortes chuvas logo se transformaram em violentas enchentes, impactando mais de 1,4 milhão de pessoas, com pelo menos 100 mortos confirmados, segundo relatórios publicados em 8 de maio. Entrando no sexto dia de enchentes, a capital do estado, Porto Alegre, enfrenta agora uma escassez de água potável.

Sob circunstâncias tão críticas, é crucial compreender como esta situação se agravou tão rapidamente e considerar como o planeamento urbano intencional pode evitar que esta se repita.

Mariana Bernardes é arquiteta e urbanista natural de Passo Fundo, zona norte do Rio Grande do Sul. A cidade também está entre as afetadas, com inundações isoladas em determinadas regiões da cidade.

O trabalho de Bernardes tem como foco a humanização dos problemas estruturais com planejamento, responsabilidade técnica e compromisso social. Numa entrevista ao Global Voices, ela falou sobre o que poderia ter sido feito para evitar as enchentes no Brasil e o que pode ser feito enquanto as comunidades buscam a reconstrução coletivaː

‘‘Desastres socioambientais serão cada vez mais frequentes e os alertas foram dados há décadas. Porém, as cidades brasileiras não se prepararam para enfrentar a emergência climática. Costumo dizer que o planejamento urbano caminhou no sentido oposto, tendo em vista que nossas cidades ampliaram o cinza e reduziram o verde. E o que isso significa?

Em um país em que transporte público não é prioridade, as pessoas lutam pela conquista do carro próprio, e isso exige que a administração pública invista cada vez mais em ruas. Com o aumento do asfalto, diminui a permeabilidade — a chuva que antes era absorvida pela terra ou entre paralelepípedos, precisa escorrer para algum lugar. Isso se agrava tendo em vista que o sistema de drenagem urbana não dá conta da quantidade de água.

Da mesma forma que se investe alto no cinza, o asfalto, se investe baixo no verde, a natureza. Faltam parques urbanos, jardins de chuva, valas de infiltração, bacias de retenção, para absorver a água das chuvas, que recebem menos atenção da administração pública do que o asfalto.

Além disso, como o governo não investe em alternativas de moradia para a população de baixa renda, as ocupações aumentam, e comumente isto se dá com casas em locais ambientalmente frágeis, como nas margens dos nossos rios. O que leva ao desmatamento, diminuindo a capacidade de absorção de água pelo solo. Como consequência, também, o nível dos rios se eleva mais rapidamente, aumentando o risco de inundações nas casas.

Em relação à arquitetura das moradias em áreas inundáveis, já estudamos a necessidade de se pensar em casas resilientes, com materiais que suportem a água, quem sabe, moradias com dois pavimentos – para que a dinâmica de deslocamento dos móveis para o piso superior seja possível.

É difícil pensar em conviver com inundações e alagamentos, mas eles farão parte da nossa vida, algumas cidades deverão se adaptar, enquanto outras, de fato, precisarão migrar para outros terrenos mais seguros. Por isso que estudos envolvendo a região e cada uma das cidades é fundamental, não há como propor solução para todas elas sem avaliar uma a uma.’’

‘‘A prioridade deve ser reconstruir moradias para que estas pessoas possam voltar para suas casas, mas com um cuidado: como serão adaptadas para enfrentar o próximo evento?

É preciso repensar a arquitetura destas casas, mas não só. As famílias moradoras de áreas de preservação precisam ser realocadas para que as matas ciliares nas margens dos rios sejam revitalizadas.

Além disso, do ponto de vista urbano, quais serão os investimentos em infraestrutura verde e baseados em soluções na natureza (SBN) adotados? Não podemos seguir com cidades sem plano de mobilidade urbana, plano de arborização, plano de drenagem urbana sustentável e planos de contingência. Os investimentos deverão envolver uma séria de iniciativas pautados especialmente com base em cidades sustentáveis.’’

‘‘Nossa população não está adaptada para conviver com este cenário, mas as ações para enfrentar são urgentes. Plano de contingência salva vidas, mas para isso, devemos exigir que governos destinem recursos para ampliar a defesa civil, assim como precisamos de servidores preparados, voluntários capacitados e abrigos estruturados.

A questão não é mais ”será que as cidades enfrentarão mais desastres relacionados às chuvas?”, mas sim ”quando ocorrerá o próximo desastre, e quão preparados estarão os governos para antecipar a resolução destes problemas?”’’

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