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ONU e movimentos voltam a denunciar detenções arbitrárias na Venezuela

O alto comissário de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Volker Türk, voltou a denunciar, nesta terça-feira (13), o “alto e contínuo número de detenções arbitrárias, bem como o uso desproporcional da força relatado após as eleições presidenciais” da Venezuela. Ele pediu ainda ajuda para a libertação imediata “de todos os que foram detidos arbitrariamente e garantias de julgamento justo para todos”.

Nos primeiros dias após a eleição presidencial do país sul-americano, Türk já havia manifestado preocupação com as prisões em massa. Segundo a organização não governamental (ONG) venezuelana Foro Penal, ocorreram 1,3 mil prisões no contexto dos protestos pós-eleitorais. Segundo as autoridades venezuelanas, o número é ainda maior: 2,2 mil prisões no período.

O comunicado da ONU diz que, na maioria dos casos documentados pelo Escritório de Direitos Humanos da organização, “os detidos não foram autorizados a nomear advogados de sua escolha ou a ter contato com suas famílias. Alguns desses casos equivaleriam a desaparecimentos forçados”.

Por outro lado, o governo afirma que luta contra grupos criminosos pagos para promover o caos e abrir caminho para um golpe de Estado. O Ministério Público venezuelano apresentou, nessa segunda-feira (12), dois informes detalhando as ações das forças policiais, destacando os casos de 25 assassinatos de policiais ou lideranças chavistas desde o dia 28 de julho, além de 192 feridos por esses supostos grupos criminosos.

“Mais da metade, 97 feridos, pertencem às forças de segurança do Estado: 58 à Polícia Nacional Bolivariana, 32 à Guarda Nacional Bolivariana, seis à Polícia Estadual e um à Polícia Científica”, afirmou o fiscal-geral da Venezuela, Tarek William Saab.

Desde que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela anunciou a vitória do presidente Nicolás Maduro na eleição do dia 28 de julho sem apresentar os dados detalhados da votação por urna, protestos foram registrados em várias partes do país e denúncias de fraude têm questionado a reeleição de Maduro dentro e fora da Venezuela.

Movimentos sociais

Organizações sociais venezuelanas também se manifestaram nos últimos dias sobre as prisões desde o dia 28 de julho.  A Frente Democrática Popular – que reúne nove organizações, entre elas o Partido Comunista da Venezuela (PCV) – divulgou comunicado ontem (12), condenando a repressão policial e militar dos últimos dias. 

“Detenções arbitrárias e ativistas sociais e dirigentes políticos incomunicáveis se tornaram notícia diária nas duas últimas semanas”, diz o informe, que também pede que o governo “se abstenha de seguir reprimindo o povo, seja através de armas ou de acusações infundadas”.

Para o Coletivo de Direitos Humanos Surgentes, a maioria dos protestos foi pacífica. “Perante esses acontecimentos, a resposta do governo nacional tem sido, em termos gerais, criminalizar o protesto, sem diferenciar entre protestos majoritários e pacíficos e protestos minoritários e violentos”, afirma. 

O Comitê de Familiares e Amigos pela Liberdade dos Trabalhadores Presos se manifestou, também nessa segunda-feira (13), afirmando que há detidos que não podem se comunicar com seus familiares por vários dias, além de relatos de prisões realizadas em domicílios sem ordem judicial.

“Graças às informações publicadas nas redes sociais e aos depoimentos de familiares das vítimas, pudemos saber que durante e após as manifestações pós-eleitorais, os detidos não foram autorizados a ter defesa privada, sendo imposta em todos os casos uma defesa pública. Além disso, foram violados os lapsos processuais, o que representa clara violação do devido processo legal, da presunção de inocência e do direito de ser julgado livremente”, afirma a organização.

O comitê condenou a repressão estatal, que “ainda não acabou”, e criticou a versão do governo de que os atos contra o resultado eleitoral são terrorismo. “Na maior parte, [os protestos] tiveram natureza espontânea e pacífica. Acusam os jovens que deles participam de serem viciados em drogas, bandidos e terroristas”.

As três organizações citadas também condenaram os assassinatos e a violência contra lideranças do PSUV (partido do governo), além dos ataques às sedes do partido governista, a rádios comunitárias e outros prédios públicos por parte de manifestantes.

“Há relatos de casas chavistas que foram marcadas por opositores. Isso é inaceitável e repudiamos totalmente, assim como repudiamos qualquer expressão de ódio contra o setor do povo trabalhador que se diz chavista”, destacou o Comitê pela Liberdade dos Trabalhadores Presos.

Falso Positivo?

Na última sexta-feira (9), o defensor de direitos humanos Koddy Campos filmou o que seria sua prisão por policiais e transmitiu a cena ao vivo em uma rede social. Campos pede a ordem de captura contra ele. Ao final, ele não foi detido. O caso viralizou nas redes venezuelanas e foi compartilhado pela liderança da oposição María Corina Machado. 

Ontem (13), o dirigente chavista Diosdado Cabello acusou Campos de produzir um “falso positivo” e afirmou que não havia operação policial naquele local no momento. Segundo Cabello, Koddy Campos encenou uma suposta tentativa de prendê-lo. “Puseram um capuz em alguém como se fosse membro de organismo de segurança”, disse.  

“Terroristas”

O governo de Nicolás Maduro sustenta que as prisões são justificadas e que, na maioria dos casos, são grupos pagos para atacar lideranças ligadas ao governo ou prédios públicos, escolas, e sedes do PSUV, com o objetivo de promover um golpe de Estado.

O chefe do Ministério Público venezuelano, Tarek William Saab, fez um balanço nessa segunda-feira (12) e disse que, nos últimos dias, foram atacadas 28 escolas, além de 12 universidades, 10 sedes do Poder Eleitoral, 10 sedes do PSUV, além de prefeituras, 38 paradas de ônibus, 10 comandos de polícias, entre outros bens públicos e privados, o que incluiria 27 monumentos e estátuas públicas, entre outros locais.

“Nesses dois relatórios com anexos – que estou convencido que [apresentá-los] é nosso dever institucional, não só mostrar perante este conselho, mas perante o mundo, perante as organizações internacionais – obviamente têm os seus meios de prova com a sua expertise em vídeos, fotos e depoimentos que nos fala claramente sobre esse plano [insurrecional]”, destacou.

O fiscal-geral da Venezuela destacou o caso do assassinato de Mayauri Coromoto Silva Vielma, de 49 anos, liderança popular chavista que trabalhava no município de Mariño, no estado Aragua. Ele voltava de uma marcha de apoio ao governo no dia 3 de agosto com sua filha, neta e vizinhos, quando foi alvejado por três tiros.

De acordo com Tarek, cinco pessoas foram presas acusadas de participar do homicídio. “Um crime de ódio baseado no ataque e na tentativa de exterminar pessoas devido à sua orientação política”, afirmou.

ONG relata torturas, execuções e prisões arbitrárias no Equador

Desde que o governo do Equador decretou que o país vive um “conflito armado interno”, em 9 de janeiro deste ano, há denúncias de execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias e torturas supostamente promovidas pelas forças de segurança e militares do país, segundo investigação da Human Rights Watch (HRW).

A organização não governamental (ONG) internacional de direitos humanos enviou, nesta semana, uma carta ao presidente equatoriano Daniel Noboa relatando os supostos casos de abusos e pedindo medidas para evitar violações de direitos humanos.

Policiais mostram os detidos após invadirem um estúdio de televisão e fazerem jornalistas reféns – REUTERS/Vicente Gaibor del Pino

A HRW ainda questionou o decreto de “conflito armado interno”, argumentando que não há elementos suficientes para afirmar que o país vive um conflito interno, devido a falta de organização e de poderio militar dos grupos criminosos. 

“O governo equatoriano tem sistematicamente falhado na apresentação de provas suficientes de que o combate com qualquer um dos 22 grupos criminosos constitui um conflito armado não internacional”, disse a ONG.

O Equador viu a violência explodir no país nos últimos anos. Entre 2019 e 2023, os homicídios na nação sul-americana cresceram 574%, de acordo com o Observatório Equatoriano do Crime Organizado. Em janeiro deste ano, uma onda de violência colocou o país nas manchetes mundiais, quando narcotraficantes promoveram sequestros, explosões e até a invasão de um telejornal ao vivo.

Prisões

O governo então declarou guerra ao crime organizado e passou a classificá-los como “terroristas”. Desde de janeiro até 11 de março, o governo informou ter detido mais de 13 mil pessoas. 

“Os militares, que controlam as prisões do Equador desde janeiro, mantiveram os detidos incomunicáveis, dificultando por vezes o seu direito de consultar advogados ou de obter assistência médica. Os soldados parecem ser responsáveis por vários casos de maus-tratos e alguns casos de tortura na prisão”, diz a organização.

Presidente do Equador Daniel Noboa – Santiago Arcos/Reuters/direitos reservados

A HRW disse que recebeu denúncias de que pessoas eram presas por simplesmente estarem passando por locais de operações da polícia. “De acordo com organizações de direitos humanos e advogados, estas detenções afetaram especialmente os jovens dos bairros pobres”, informou.

Um dos processos analisados pela organização é o da prisão de 22 pessoas no dia 20 de janeiro, todas acusadas de “terrorismo”. Os familiares relataram que passaram dias sem saber para onde os presos foram levados, até descobrirem que estavam em uma penitenciária há 180 quilômetros de distância do local onde moram. 

“O processo, que a Human Rights Watch analisou, não fornece provas que liguem esta pessoa ao ‘terrorismo’ ou a qualquer outro crime. Em 4 de março, um promotor alterou as acusações para ‘tráfico de armas’”, destacou o comunicado.

A HRW entrevistou supostas vítimas de abuso, advogados e familiares, solicitou informações das instituições do país, analisou fotografias e vídeos e participou de audiências judiciais, além de revistar arquivos de vários casos.

“A militarização das ruas e prisões do Equador levou a graves violações dos direitos humanos por parte das forças de segurança”, afirma a ONG, que diz ter verificado vídeos “que mostram espancamentos e outros tratamentos abusivos durante as detenções”.

Execuções

Até 19 de abril, a Procuradoria-Geral havia aberto oito investigações sobre execuções extrajudiciais e a HRW analisou três casos, sendo que em um deles considera que há provas indicando que se tratou de execução extrajudicial.

É o caso do assassinato do jovem Carlos Javier Veja, de 19 anos, e do ferimento do seu primo Eduardo Velasco, em Guayaquil, no dia 2 de fevereiro. Ambos foram rotulados como “terroristas” pelo Exército. Segundo a ONG, os relatos colhidos e as imagens analisadas do incidente “contradizem o relato do Exército”.

“O caso aberto contra Eduardo, que foi analisado pela Human Rights Watch, não mostra nenhuma evidência de que eles pertencessem a um grupo criminoso ou mesmo portassem armas naquele dia”, disse a carta da HRW enviada ao presidente Noboa.

“No dia 22 de março o promotor pediu a um juiz que encerrasse a investigação contra Eduardo. O caso foi encerrado em 10 de abril e Eduardo foi libertado”, completou.

Forças de segurança nas ruas de Guayaquil – REUTERS/Vicente Gaibor del Pino

Impunidade

A organização internacional disse ainda que está preocupada com a impunidade dos casos de violação de direitos humanos promovidos pelo Estado devido às declarações do presidente Noboa e da Assembleia Nacional do Equador.

Em comunicado, o Parlamento do país informou que daria anistia e indulto para membros das forças de segurança “sempre que necessário para garantir o trabalho”. Já Noboa atacou um juiz que afirmou que militares teriam violado os direitos de sete pessoas presas.

“Que nenhum antipatriótico nos venha dizer que nós estamos violando os direitos de ninguém quando estamos protegendo os direitos da grande maioria”, afirmo Noboa em evento público no dia 15 de fevereiro.

Governo do Equador

A Agência Brasil entrou em contato com assessores do governo equatoriano e aguarda o retorno sobre a posição oficial do país em relação ao comunicado da Human Rights Watch.