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Em apenas um ano, Rio Grande do Sul enfrentou dez episódios de chuvas extremas, analisa especialista em recursos hídricos da Unesp

9 de maio de 2024

 

Nesta terça-feira, 7 de maio, a Defesa Civil do Rio Grande do Sul atualizou para 95 o número de mortes em razão dos temporais que atingem o estado. O boletim também aponta que há outros 4 óbitos sendo investigados. O estado registra 131 desaparecidos e 362 feridos. Cerca de 204 mil pessoas estão fora de casa. Desse total, são 48,2 mil em abrigos e 156 mil desalojados (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos). Dos seus 497 municípios, o RS tem hoje 401 com algum relato de problema associado ao temporal, com mais de 1,4 milhão de pessoas afetadas.

O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), recomendou que moradores dos bairros Cidade Baixa e Menino Deus deixem a região. O aviso foi feito na tarde da segunda-feira (6), após a água começar a subir novamente no local. A Arena do Grêmio, em Porto Alegre, afirmou que não tem mais estrutura para acolher desabrigados. Além do gramado alagado, a administração afirma que está sem água e luz e, por isso, faz o translado de mais de 300 pessoas a abrigos municipais. Em meio ao caos que tomou conta da região, inúmeros moradores têm fugido às pressas para o litoral em busca de água

Segundo a nova atualização, são 451 mil pontos sem luz no estado. Na área da CEEE Equatorial, são 206 mil imóveis sem energia. A RGE Sul tem 245 mil imóveis afetados. De acordo com os institutos meteorológicos, a previsão de chuva persiste durante a semana em áreas já atingidas por temporais e volta a deixar o estado em alerta.

A Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) totaliza 649 mil clientes sem abastecimento de água no estado. Em Porto Alegre, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) informou que religou a Estação de Tratamento de Água (ETA) São João na manhã desta terça (7). Trinta e cinco bairros da Zona Norte são abastecidos. Outras quatro estações estão fora de operação.

A operadora Tim afirma que há 20 municípios sem serviços de telefonia e internet. A cobertura da Vivo está prejudicada em 172 cidades. Na Claro, são 19 municípios sem sinal. As operadoras liberaram pacotes de internet grátis para clientes no Rio Grande do Sul para permitir que a comunicação seja mantida em meio aos temporais que atingem o estado desde 29 de abril.

O governo do RS afirmou que 790 escolas de 216 municípios foram afetadas: 388 sofreram danos e 52 servem de abrigo. Também foram registrados problemas de transporte e de acesso, e estima-se que 273 mil estudantes foram impactados. As regiões de Porto Alegre, São Leopoldo, Estrela, Guaíba, Cachoeira do Sul e Canoas não têm previsão de retomada das aulas.

O governo decretou estado de calamidade, situação que foi reconhecida pelo governo federal. Dessa forma, o estado fica apto a solicitar recursos federais para ações de defesa civil, como assistência humanitária, reconstrução de infraestruturas e restabelecimento de serviços essenciais. A Defesa Civil colocou a maior parte das bacias hidrográficas do estado com risco de elevação das águas acima da cota de inundação.

Rodrigo Lilla Manzione, professor e especialista em gestão de recursos hídricos da Unesp em Ourinhos, faz um panorama do estado de devastação que o Rio Grande do Sul enfrenta, e aponta aspectos geográficos, climáticos e administrativos que geram desastres dessa magnitude.

Dez eventos extremos em um ano

Manzione relata que o Rio Grande do Sul, especificamente, sofreu dez eventos de chuvas extremas apenas no último ano, entre junho de 23 e maio de 24, sendo um em junho, um em julho, dois em setembro, um em outubro, dois em novembro, um em janeiro e outro agora em abril / maio. Porém, as centenas de municípios afetados na última semana equivalem a três vezes o montante impactado pelo evento ocorrido em setembro, que já foi catastrófico.

“Existem cidades que estão passando pela quarta vez consecutiva por eventos como esse, de chuvas extremas e consequentes alagamentos. Os eventos que eu citei primeiro ocorreram em regiões específicas, alguns mais concentrados. Mas, o que chama atenção nesse evento que está ocorrendo agora é a dimensão. Ele se espalhou por vários municípios. Já são, infelizmente, quase 100 óbitos segundo números oficiais, e muitos desaparecidos. Esses óbitos são por diferentes razões: soterramento, afogamento, choque elétrico. É realmente uma barbaridade o que está acontecendo no RS. Sem contar as 12 barragens sob pressão, duas em estado de emergência, cinco em estado de alerta e cinco em atenção. Uma delas, a Barragem 14 de Julho, rompeu parcialmente, e houve necessidade de evacuar dez municípios.”

De acordo com o pesquisador da Unesp, a calamidade ocorre porque a região possui muitos rios meandrantes e também muitos rios de serra. Essas características acabam dando uma velocidade para essas águas maior do que rios de planície. E quando eles encontram a planície, ali próximo da Baía dos Patos, na região de Porto Alegre, a água para, pois os rios de planície tem uma vazão menor. E quando a água para, a tendência é que ela se espalhe.

“Vários municípios do Rio Grande do Sul acabaram sendo criados nas curvas desses rios. Com as barragens e as benfeitorias ao longo do tempo, foi passada uma falsa sensação de segurança para a população. E esses municípios foram aumentando sem que medidas próprias e adequadas para a contenção das cheias fossem feitas. E nesse evento específico vemos um daqueles cenários em que vários componentes se unem para aumentar sua potência”, explica.

“Nesse caso, esse centro de alta pressão que se formou no centro do Brasil acabou criando o bloqueio atmosférico. A gente aqui no Estado de São Paulo sentiu essa onda de calor nos últimos dias, e continua sentindo. E esse calor bloqueou a passagem das frentes frias. Então, a frente fria avança da Antártica, chega à Argentina. E quando chega ali, na região do Rio Grande do Sul, ela encontra a massa de ar quente. Nesse sentido, a chuva não só acontece como ela para e fica persistente por vários dias. Então, isso tem acontecido. É por isso que há previsão de novas chuvas para os próximos dias, começando provavelmente a partir desta quarta feira. Não há trégua. Vários municípios isolados, várias pessoas passando por resgates cinematográficos, cenas muito tristes”, diz.

O pesquisador compara os acontecimentos no estado gaúcho à destruição ocasionada pelo furacão Katrina nos EUA, em Nova Orleans, em 2005. “Só que o Katrina teve em torno de 2000 óbitos oficiais e foi concentrado numa região. Esse evento no Rio Grande do Sul, embora não tenha causado tantas vítimas fatais, acabou destruindo a infraestrutura do Estado. Devido ao imenso impacto gerado na economia, agricultura e indústria, as cidades vão demorar para serem reconstruídas, e o custo será muito alto”, diz.

Falsa sensação de segurança

Até a última semana, a maior enchente registrada em Porto Alegre ocorreu entre os meses de abril e maio de 1941. De acordo com registros da época, a cidade enfrentou 24 dias de chuvas ininterruptas. Na ocasião, segundo as publicações, o nível do lago Guaíba elevou-se entre 4,75 e 4,76 metros.

No atual episódio, a situação é mais grave. Em 4 de maio, o nível do Guaíba subiu 5 metros pela primeira vez na história, tendo alcançado 5,3 metros no dia seguinte. Registros levantados pelo museu Joaquim Felizardo, apontam que, em 1941, cerca de 70 mil pessoas ficaram desabrigadas. Isso equivalia a cerca de um quarto da população da época. Um terço dos estabelecimentos comerciais ficaram embaixo d’água por cerca de 40 dias.

“A gente tem cheias históricas registradas naquela região, principalmente a registrada em 1941. Só que, desde então, essas barragens conseguiram, bem ou mal, controlar essa vazão, e também o sistema de comportas. Inclusive na região metropolitana de Porto Alegre, que contribui em toda a defesa do município contra as cheias. Mas quando se soma um El Niño poderoso, como esse que se apresentava, o qual também faz parte do cenário crescente de aquecimento global, esses efeitos acabam sendo potencializados. Eles acabam causando mais estragos do que causavam anteriormente”, diz.

Ele pondera que a comparação com a cheia histórica de 1941 é inevitável, pois também ocorreu entre abril e maio e colocou a cidade debaixo d’água. “Só que agora a situação é outra. Atualmente, a cidade é muito maior, tem muito mais gente e o nível de prejuízo econômico tende a ser muito maior. Vai custar muito mais para o RS colocar a casa em ordem, vamos dizer assim. Então, essas regiões precisam realmente de planos eficazes e estratégias para lidar com esses efeitos climáticos extremos. É fundamental pensarmos nas adequações das cidades em relação aos impactos das mudanças climáticas, isso tende a ocorrer com mais frequencia”.

Ainda de acordo com o especialista em recursos hídricos da Unesp, a atual catástrofe é reflexo de um descaso antigo, ausência de medidas políticas, onde gestores de diferentes esferas administrativas deixam as comunidades habitar determinadas regiões de áreas de riscos, o que aumenta a vulnerabilidade das populações e não aplicam verba para a infra estrutura necessária das cidades. Não são problemas que se pode resolver da noite para o dia: é preciso investimento em planos de emergência e de evacuação. Muitos deles já estão sendo discutidos, ideias estão surgindo, mas durante a crise é difícil achar uma solução.

Sistema político não favorece grandes obras necessárias

“Não existe bala de prata nesse tipo de evento. É necessário adotar várias combinações de ações, de medidas estruturais para enfrentar uma catástrofe como essa. É praticamente impossível você se precaver contra algo assim. Porém, uma vez que ocorre, você precisa oferecer soluções rápidas. Falta investimento em projetos que consigam contornar essas situações. Isso também é um dos problemas do nosso atual sistema político, o orçamento. Ele tem sido pulverizado em emendas parlamentares. Então, não sobra dinheiro para grandes obras. Por mais que o pessoal faça planos de aceleração do crescimento, etc. ainda há essa situação de os deputados pegarem as suas emendas parlamentares e dividirem o orçamento. Não sobra muita margem para os próprios governos estaduais receberem dinheiro do governo federal e tocarem essas obras para frente.”

Manzione ressalta a necessidade de um debate lúcido entre parlamentares e sociedade, inclusive com os negacionistas, que se recusam, por razões ideológicas, a aceitar a mudança climática. “Eles têm que perceber que haverá mais de 1 milhão de pessoas diretamente afetadas. Elas vão procurar votar em pessoas que se preocupem com essas causas. Os políticos precisam fazer sua parte e começar a aceitar que o Brasil precisa de investimentos pesados nessa área de contenção de riscos e desastres. Nós temos uma população imensa habitando as costas do país e áreas de riscos. A questão não é se vai acontecer, nem quando vai acontecer, é onde vai acontecer? A situação está ficando cada vez mais preocupante”, diz.

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Polícia Militar do Rio analisa origem de 492 fuzis apreendidos em 2023

Mais de 90% dos fuzis apreendidos no ano passado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro foram fabricados em outros países. O maior número de apreensões ocorreu em áreas do estado onde há disputas de território entre facções criminosas rivais. As duas constatações fazem parte de um estudo da Subsecretaria de Inteligência (SSI)da Secretaria de Estado de Polícia Militar, que analisou a apreensão de 492 fuzis em 2023.

Um aspecto abordado no estudo da SSI diz respeito à marca dos fuzis apreendidos. Dos 492, 199 são da marca norte-americana Colt. Foram registrados no estudo 194 fuzis sem marca, ou seja, armas que entram no país ou no estado separadas por peças e montadas por armeiros envolvidos com as organizações criminosas. As demais armas apreendidas são de 43 marcas diversas, praticamente todas de países do Hemisfério Norte.  

O estudo da SSI mostra que as apreensões se concentraram com maior intensidade nas áreas integradas de segurança pública (AISPs) da zona oeste da capital e da Baixada Fluminense. Das dez AISPs com maior número de apreensões, oito estão situadas nessas regiões do estado. As únicas exceções são a AISP 3 (região do Méier e adjacências) e a AISP 16 (Olaria e adjacências). Das 492 apreensões de fuzis no ano passado, 377 foram registradas nessas dez regiões.

Ainda sob o aspecto geográfico, o estudo destaca a expansão do crime organizado para o interior do estado. Na região do 5º Comando de Policiamento (5º CPA), Sul Fluminense e Costa Verde, foram apreendidos 13 fuzis no ano passado. Já na região do 6º CPA, Norte e Noroeste do estado, ocorreram sete apreensões.

“Compartilhado com a Polícia Federal, o estudo indica que o tráfico internacional de armas representa um dos maiores desafios para a área de segurança pública do Rio de Janeiro, cuja solução depende de uma ação articulada entre as polícias do estado e as forças federais”, diz nota da Polícia Militar.

Ipea analisa alinhamento entre Brasil e EUA em cooperações militares

“Os Estados Unidos figuram como o principal destino dos postos e missões militares brasileiras no exterior”, diz estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Segundo a análise do Ipea, relativa ao período de 2020 a 2023, “a alta recorrência de capacitações e de cooperações militares nos Estados Unidos (EUA) aponta para um desalinhamento entre os objetivos gerais apresentados na PND [Política Nacional de Defesa] e na END [Estratégia Nacional de Defesa], uma vez que concentra as influências políticas, estratégicas e doutrinárias preponderantemente em um único país.”

De acordo com o texto para discussão O Setor de Defesa Brasileiro no Exterior: Desafios, Oportunidades e Subsídios para a Revisão dos Documentos de Defesa, a preferência é um resquício do alinhamento do Brasil com os Estados Unidos como ocorria à época da Guerra Fria (1947-1991).

“A presença norte-americana tem sido grande historicamente desde o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), assinado em 1947, criação da OEA [Organização dos Estados Americanos], em 1948, a assinatura do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos em 1952 – denunciado [extinto] em 1977 –, a existência das Comissões de Aquisições do Brasil em Washington, e a expansão dos mecanismos institucionais regionais liderados pelos EUA na área de defesa como a Conferência de Ministros da Defesa das Américas, criada em 1995, o William J. Perry Center for Hemispheric Studies, criado em 1997, e a própria Junta Interamericana de Defesa [criada em 1942, antes da OEA].”

Cenário multipolar

A predileção pelos EUA nas cooperações militares fica mais remissa quando considerado o cenário internacional multipolar atual. “Daí defronte a um aumento da competição entre grandes potências, com crescente influência de China, Índia e Rússia, um excessivo e assimétrico vínculo pode não ser tão produtivo quanto buscar diversificação de parcerias, característica tradicional da política externa brasileira.”

O estudo foi elaborado com base em registros publicados no Diário Oficial da União, de informações coletadas na Biblioteca da Presidência da República e da base de dados “Concórdia”, acervo de atos internacionais do Brasil mantido pelo Ministério das Relações Exteriores. A partir dessas informações, a análise contempla mais de uma dezena de indicadores sobre a atuação internacional do setor de defesa.

Segundo o material apurado, os Estados Unidos são o país em que os militares brasileiros mais fazem cursos de pós-graduação: 27 estudantes nos três anos observados – o triplo do Reino Unido que fica em segundo lugar. No período, 134 militares brasileiros frequentaram algum curso nos EUA, e 97 eram oficiais superiores (com patente a partir de major).

Conselho de Segurança

A aglutinação das cooperações militares nos EUA desfavorece interesses da política externa do Brasil, assinala a publicação. “Ao concentrar em um único parceiro, da forma como verificamos nesse período, perdemos a oportunidade reunir conhecimento sobre países que são importantes no cenário internacional e que estão em espaços de decisão multilaterais, como o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas”, descreve o economista Pedro Silva Barros, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, em nota publicada pelo instituto. O economista também tem formação na Escola Superior de Defesa (ligada ao Ministério da Defesa) e escreveu o texto para discussão em parceria com os pesquisadores Paula Macedo Barros e Raphael Camargo Lima

Publicado no fim de fevereiro, o texto “busca contribuir para o debate público”, diz Pedro Barros à Agência Brasil. Até o fim deste semestre, o Poder Executivo deverá encaminhar para apreciação do Congresso Nacional a nova Política de Defesa Nacional, a nova Estratégia Nacional de Defesa e o novo Livro Branco de Defesa Nacional – um documento público sobre modernização das Forças Armadas, o suporte econômico da defesa nacional, a participação em operações de paz e ajuda humanitária  e outras informações públicas, “que o Brasil apresenta ao mundo, sobre visão e os seus interesses e a sua política de defesa”, informa Barros.

Após as conclusões, o estudo traz 14 recomendações políticas para a atuação internacional do setor de defesa, entre as quais a de dar prioridade ao “entorno estratégico brasileiro”, que inclui a América do Sul, o Atlântico Sul, os países da costa ocidental africana e a Antártica; a reativação sob novas bases, da Escola Sul-Americana de Defesa”; e “propor mecanismos de colaboração em ensino e capacitação de defesa no âmbito de outras áreas estratégicas para o Brasil”, como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e países banhados pelo Atlântico Sul.