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Fundação Casa de Jorge Amado: personagens do autor ganham vida em peça

Pedro Arcanjo, Tieta, Quincas Berro d’Água, Gabriela ou pai Jubiabá – alguns dos personagens mais conhecidos do universo de Jorge Amado vão ganhar vida em peça que vai celebrar a reinauguração da Fundação Casa de Jorge Amado, que passou recentemente por reforma. Chamada de A Casa de Jorge Amado, a peça é concebida por Edvard Passos e será apresentada a partir de janeiro na instituição.

E esta não será uma peça comum. O próprio Jorge Amado deverá ser um guia do público, já que ela será apresentada em diversos cenários, percorrendo os novos espaços recém-reformados da fundação. “Tenho já uma experiência de dez anos com a obra de Jorge Amado sendo encenada. O primeiro trabalho foi uma adaptação de O Compadre de Ogum, que é daquele livro Os Pastores da Noite. Ela fez muito sucesso e rendeu um musical de rua itinerante pelas ruas do Pelourinho, chamado A Cidade da Bahia é Nossa, que passeia por dez obras de Jorge Amado. Disso surgiu esse convite para desenvolver um espetáculo – que a gente chama em teatro de site-specific – que é desenhado para explorar os espaços da casa”, explicou Passos, em entrevista à Agência Brasil.

Salvador (BA), 10/12/2024 – Reabertura da Fundação Casa de Jorge Amado. – Guilherme Weber de Lima/Fundação Casa de Jorge Amado

A peça será encenada à noite para manter, segundo o diretor, “uma ambiência de mistério”. A ideia será explorar cada um dos espaços da casa, com o próprio Jorge Amado e também o personagem Pedro Arcanjo, um dos preferidos do autor, servindo como guias do lugar.

“A gente vai ter uma dimensão épica, narrativa, dos personagens entregando, em síntese, suas trajetórias. Mas vamos ter também uma espécie de crossover [quando personagens, cenários ou universos de ficção distintos são colocados no contexto de uma única história]. Então, a questão do território será fundamental para poder amalgamar obras idênticas”, disse.

Os personagens populares e tão conhecidos de Amado vão então ganhar vida e percorrer os novos espaços da instituição, criada para preservar a obra do autor e também para ser um ponto de encontro cultural. “Jorge Amado tem um papel muito importante de trazer um perfil populacional para o centro, para o protagonismo da cena. Ele foi uma das primeiras pessoas a realizar isso, causando, inclusive, no começo, muita reatividade. Você tem obras como Capitães da Areia em que a reatividade foi tão grande que as pessoas queimavam o livro em praça pública. Hoje você tem uma outra realidade em que esse movimento de você preencher o protagonismo do palco com personagens populares é mais do que bem-vindo”, ressaltou o diretor.

A peça é mais um dos projetos que a Fundação Casa de Jorge Amado tem pensado para o futuro, após uma reforma de nove meses que a modernizou e a deixou mais segura. A Fundação foi reaberta ao público na última quinta-feira (12) e, como parte dessa celebração, será gratuita até sábado (14). Depois, a gratuidade ocorrerá sempre às quartas-feiras. Nos demais dias, haverá cobrança de ingressos.

Novidades

Além da peça, a Fundação Casa de Jorge Amado tem trabalhado em outros dois projetos. Um deles prevê a criação de um aplicativo que deve aproveitar uma pesquisa já pronta, feita pela instituição, sobre espaços da capital baiana que foram citados nas obras de Jorge Amado. A intenção é produzir um aplicativo em que a pessoa, estando nestes espaços, consiga captar trechos das obras do escritor em que eles são citados.

“Já temos o aplicativo Casa de Jorge Amado. Com ele, a pessoa pode mirar para uma foto da exposição e, o que estiver escrito ali pode vir em áudio em português, inglês, francês ou espanhol. Além dos textos da exposição, você pode utilizar este aplicativo no Mirante da Fundação Casa de Jorge Amado, onde você pode mirar o celular para alguns espaços do Pelourinho, como a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Aí tem um áudio do Jorge Amado falando sobre a igreja”, explicou Angela Fraga, diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado.

Salvador (BA), 10/08/2024 – Diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado, Angela Fraga- Rovena Rosa/Agência Brasil

Além desse novo aplicativo que funcionaria para além do espaço da instituição, a Fundação também está desenvolvendo um transporte para fazer uma ligação entre a sede e a Casa do Rio Vermelho, onde o escritor viveu com Zélia Gattai e onde repousam as cinzas do casal. Chamado de Vou Daqui, Venha de Lá, o projeto está em fase de captação de recursos.

“Nas quartas-feiras a gente tem uma van que sai da estação do Campo da Pólvora, que é uma estação de metrô aqui pertinho, e traz as pessoas para o Pelourinho, gratuitamente. Diante disso, a gente teve a ideia de tentar ampliar esse trajeto, de forma com que a van possa ir também até a Casa do Rio Vermelho, fazendo um link entre a vida e a obra de Jorge Amado. Isso está em fase de captação”, disse.

Salvador (BA), 09/08/2024 – Fachada da Casa do Rio Vermelho onde viveram os escritores Jorge Amado e Zélia Gattai- Rovena Rosa/Agência Brasil

O novo aplicativo que está sendo desenvolvido, espera a diretora, poderia ser também utilizado durante esse percurso, com a van tendo como destino a Casa do Rio Vermelho, mas parando antes em diversos outros espaços que foram citados em obras de Jorge Amado. “A gente espera, com a entrega do equipamento já reformado, que tenhamos fôlego para trabalhar em tudo isso”, afirmou Angela. 

Reforma

A instituição cultural passou pela maior restauração desde a inauguração em 7 de março de 1987. A sede, que era composta pelas casas de números 49 e 51 – as conhecidas Casas Azul e Amarela do Largo do Pelourinho – foi agora conectada a mais um prédio, o de número 47, a chamada Casa Branca. Com a reforma, novos espaços expositivos foram criados. Além disso, o local ficou mais acessível, mais moderno e mais seguro, com a instalação de um novo e moderno sistema anti-incêndio e de monitoramento.

Após essa reforma, as escritoras Zélia Gattai (que foi companheira de Jorge Amado) e Myriam Fraga (que ajudou a criar e foi a primeira diretora da fundação) receberam exposições exclusivas e permanentes no espaço. Há também uma exposição que apresenta ilustrações presentes nos livros de Jorge Amado e uma sala dedicada a Exu, o orixá que foi escolhido pelo próprio Jorge Amado como guardião da casa.

Salvador (BA), 10/12/2024 – Reabertura da Fundação Casa de Jorge Amado – Guilherme Weber de Lima/Fundaç

Visitas 

No primeiro dia de sua reabertura, ocorrido ontem (12), a Fundação recebeu grupos escolares e muitos turistas. Entre eles, a professora Ana Elisa Dinunci de Sá Costa, 23 anos, de Niterói (RJ). Pela primeira vez em Salvador, ela aproveitou a visita para conhecer a Fundação Casa de Jorge Amado, no Largo do Pelourinho. “Estou adorando a exposição. Jorge Amado fala muito bem da cultura da Bahia. Quando temos acesso aos livros dele, às artes dele e a todas as suas obras temos mais acesso à intimidade da Bahia. Conseguimos ver um pouco do cotidiano baiano. Também acho muito linda a forma como ele retrata os orixás e como isso se insere de forma tão natural no cotidiano baiano”, disse à Agência Brasil.

Um dos espaços que a professora mais gostou na Fundação foi o primeiro andar, que apresenta uma linha do tempo do escritor. “Esse espaço fala da vida do Jorge Amado e da história de como ele começou a escrever. Achei isso muito interessante”, disse, que já leu Tieta do Agreste, Gabriela Cravo e Canela e seu favorito do autor, Tenda dos Milagres.

Quem também esteve na Fundação na tarde de quinta-feira pela primeira vez foi o consultor público José Siqueira, 32 anos. Acompanhado de parentes, ele gostou da junção que a instituição faz entre o moderno e o antigo. “Achei esse espaço bem diferente, bem acolhedor, bem moderno e, ao mesmo tempo, rústico”, disse.

Até sábado (14), a Fundação Casa de Jorge Amado estará aberta gratuitamente ao público, das 10h às 18h. A partir do dia 16 dezembro, ela estará aberta de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h e, aos sábados, das 10h às 16h, com entrada gratuita às quartas-feiras.

* A repórter viajou a convite da Fundação Casa de Jorge Amado

Feira Gastronômica celebra, em Salvador, sabores de Jorge Amado

A gastronomia sempre foi parte importante do universo do escritor Jorge Amado. Em meio a histórias, sempre aparecem os aromas, os sabores e as delícias da Bahia. Seus personagens são frequentemente retratados preparando e apreciando pratos típicos baianos como o acarajé, o vatapá, as moquecas e os carurus.

Tieta, por exemplo, quando voltou a Santana do Agreste, preparou uma moqueca deliciosa. A moqueca também foi a última refeição de Quincas Berro d’Água. Dona Flor ganhava a vida dando aulas de culinária para mulheres. Gabriela, por sua vez, era grande cozinheira de bolinhos típicos e acarajés.

A comida, na obra de Jorge Amado, é um espaço de comunhão, de relacionamentos, de prazeres, de histórias e de tradições. “Os personagens, como o papai dizia, são vivos, têm sangue, carne e osso e precisam comer para se manter em pé. Esses personagens traduzem exatamente a importância da comida na vida das pessoas”, disse a escritora Paloma Jorge Amado, filha de Jorge.

Paloma é autora de dois livros que descrevem essa união entre a literatura e a gastronomia no universo amadiano: a comida baiana de Jorge Amado e As Frutas de Jorge Amado.

“O papai costumava dizer, e eu concordo plenamente com ele, que dar de comer é o primeiro ato de amor que uma pessoa recebe. Como a mãe que leva o bebê para o peito e mostra que comer tem a ver com aconchego, com carinho e com o que existe de mais profundo”, afirmou ela.

Durante suas pesquisas para os livros, Paloma se deparou com a personagem Mariana, da trilogia Os Subterrâneos da Liberdade, que aborda a ditadura militar no Brasil. E um trecho do livro chamou sua atenção.

“A Mariana tem um encontro com um dirigente comunista, um homem baiano. E aí, depois de conversarem sobre política, ele diz para ela: ‘vem cá, você já comeu um vatapá?’ E ela diz, ‘não, eu nunca comi’. Ele diz ‘não é possível, você tem que comer, é uma delícia, minha mulher faz’. O papai escreveu esse livro no exílio. Ele morava na Tchecoslováquia. Ele já estava na Europa há cinco anos, sem comer um vatapazinho. Aí eu fiquei pensando, ‘meu Deus, que saudade que papai tinha para, nesse momento de uma conversa política, botar um vatapá”.

Festival Uma Casa de Palavras

Para ressaltar essa ligação de Jorge Amado com a gastronomia baiana e também celebrar a reinauguração da Fundação Casa de Jorge Amado, que passou por uma reforma e reabriu ao público nessa quinta-feira (12), o Pelourinho está recebendo o Festival Uma Casa de Palavras.

A iniciativa apresenta uma programação musical e também uma feira gastronômica, chamada de Merendas de Dona Flor e é realizada até este sábado (14), no Largo do Pelourinho. “São comidas inspiradas na obra de Jorge Amado”, ressalta Angela Fraga, diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado.

A meta do festival é promover a obra de Jorge Amado unindo literatura, gastronomia e música e também estimular a leitura de livros do maior escritor baiano por meio do paladar.

Comidas da Bahia

Algumas das delícias presentes nos romances de Jorge Amado, como o acarajé, ficam à disposição do público nas barracas montadas em frente à fundação. As comidas e bebidas são produzidas e vendidas por moradores do Centro Histórico, valorizando, assim, os saberes e fazeres da comunidade.

Esse é o caso de Dona Dica, 65 anos, que vende seus deliciosos acarajés há 30 anos na frente da fundação. Sua barraquinha está sempre cheia. “Jorge Amado já comeu no meu outro ponto. Ele comia minhas cocadas. E só gostava da branca”, disse ela à Agência Brasil. “E ele dizia que era diabético. Ele comia escondido da Zélia (Gattai, escritora que foi sua companheira)”, brinca ela.

Os acarajés de Dona Dica são muito elogiados por aqueles que param em sua barraquinha. E despertam a curiosidade do público sobre qual seria o seu ingrediente secreto. “O segredo do meu acarajé é o coração da baiana”, responde ela, sob uma forte gargalhada.

O Festival Uma Casa de Palavras terminará neste sábado (14) e promove também atrações musicais: hoje (13), às 19h, Gerônimo; e, no sábado (14), às 16h, é a vez do PUMM-Por Um Mundo Melhor, com uma programação especial para o público infantil.

Fundação Casa de Jorge Amado é reaberta com homenagens a escritoras

“Se for de paz, pode entrar”. É com essa mensagem que o público é recebido na Fundação Casa de Jorge Amado, localizada no Largo do Pelourinho, em Salvador. E quem entrar na instituição a partir desta quinta-feira (12) verá muitas novidades: após a reforma, a Fundação está maior e mais moderna, com novos espaços expositivos que celebram não só Jorge Amado, mas também as escritoras Zélia Gattai e Myriam Fraga.

“Após a reforma, a gente conseguiu ampliar as exposições. Isso é um benefício muito bacana para o grande público, uma forma de contemplarmos diferentes aspectos da obra do escritor Jorge Amado”, contou Ticiano Martins, coordenador de projetos da fundação.

A visita começa pela famosa escadaria, que leva ao primeiro andar e que simula, em seus degraus, as lombadas dos livros escritos por Jorge Amado, em ordem cronológica. A escadaria começa com O país do Carnaval, publicado em 1931, e passa por outros grandes sucessos do escritor tais como Gabriela, Cravo e Canela; Dona Flor e seus Dois Maridos; Mar Morto; Tieta do Agreste e Capitães da Areia.

As salas do primeiro andar, por sua vez, criam uma linha do tempo e celebram o escritor brasileiro que é um dos mais adaptados e também um dos mais traduzidos em todo o mundo: seus livros já foram lidos em 49 línguas e são conhecidos em pelo menos 57 países.

A história do escritor se inicia nas terras cacaueiras da Bahia, onde nasceu, perpassam sua militância política e se eternizam no famoso banco de cacos de azulejos da Casa do Rio Vermelho, que fica ao lado de uma mangueira, onde estão depositadas as cinzas do casal Jorge Amado e Zélia Gattai. Os cenários do primeiro andar destacam esses aspectos e detalham toda a vida do escritor, apresentando também itens do seu acervo pessoal, como as famosas camisas coloridas e a máquina de escrever que ele utilizava.

“A gente conseguiu agregar uma linha do tempo mais interativa e colorida, como tem que ser Jorge Amado. Sua tropicalidade tem que ser representada. Antes [da reforma] aqui era muito branco, era muito institucional. Mas agora a gente trouxe o colorido e trouxe aspectos na linha do tempo dele, como a delicadeza do pé de cacau, que vai transitando por todas as salas, chegando até a mangueira, que é uma representação da Casa do Rio Vermelho, onde estão depositadas as cinzas dos dois, tanto de Jorge quanto de Zélia”, explicou Martins, em entrevista à Agência Brasil.

Os andares superiores, por sua vez, expõem parte do acervo da escritora e fotógrafa Zélia Gattai, companheira de Jorge Amado, e também da jornalista e poeta baiana Myriam Fraga, que foi a primeira diretora da instituição e uma de suas criadoras. Há também uma exposição permanente que apresenta ilustrações presentes nos livros de Jorge Amado. “Temos uma sala toda dedicada a Myriam Fraga, falando de suas poesias e dela como mulher e como gestora desse espaço por 30 anos. Temos também um espaço todo dedicado a Zélia e o Café Teatro Zélia. A gente traz um espaço todo dedicado a ela, às suas obras, fotos e objetos pessoais. Zélia foi uma figura muito relevante na vida de Jorge Amado, mas também para a criação da fundação”, disse Angela Fraga, diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado e filha da poeta e jornalista Myriam Fraga.

Outro grande homenageado pela instituição é Exu, o orixá que foi escolhido pelo próprio Jorge Amado como guardião da casa. “O orixá não é do mal. Isso vem em conformidade ao próprio Jorge Amado que, enquanto deputado federal, criou a lei que garantia a liberdade religiosa no país. A gente quer promover essa discussão. Aqui tem espaço para todo mundo, para qualquer segmento político ou religioso. Essa é a casa, como queria Jorge Amado, do povo da Bahia”, disse Martins.

Após a reforma, Exu terá uma exposição permanente composta por várias obras pertencentes ao acervo da Fundação Casa de Jorge Amado, que foram doadas por artistas plásticos como Mário Cravo, Carybé e Calasans Neto para ilustrar as capas de uma revista chamada Exu e que foi editada e publicada pela fundação. “A gente tem muitas obras de arte que foram doadas por artistas plásticos, que eram as capas da revista Exu, que foi uma edição que a gente teve durante alguns anos. Foram 35 números dessa revista cultural que a gente não conseguiu mais viabilizar. Mas aí a gente ficou com as obras e agora a gente dedica todas elas ao Exu, que é o nosso guardião”, explicou Angela.

Já o mirante, que tem uma bela vista para o Pelourinho, foi todo reformado e agora irá abrigar também exposições temporárias. “Vamos manter o mirante aberto para que as pessoas vejam a Bahia e todos os telhados do Pelourinho e para que, de uma certa forma, elas notem como isso representa geograficamente a distribuição social de Salvador. Jorge Amado não escolheu a fundação à toa. Aqui é o principal cenário de sua obra. Daqui vemos a parte mais alta da cidade, onde estão as casas melhores e mais coloridas. Olhando para a parte mais baixa, você observa as casas mais simples. Você consegue ter toda essa percepção aqui, por uma janela”, falou Ticiano.

Reforma

Neste ano, a instituição cultural passou pela maior restauração desde a sua inauguração em 7 de março de 1987. A sede, que era composta pelas casas de números 49 e 51 – as conhecidas Casas Azul e Amarela do Largo do Pelourinho – foi agora conectada a mais um prédio, o de número 47, a chamada Casa Branca.

Com isso, o acervo de pesquisa, composto por mais de 350 mil documentos de Jorge Amado e Zélia Gattai, foi todo transferido para este novo espaço e agora está preservado com equipamentos modernos e arquivos deslizantes, o que facilita também o acesso por pesquisadores ou curiosos.

Agora, afirma Angela Fraga, a instituição está mais preparada para lidar com suas missões de preservação do acervo do casal e também de ser um ponto de encontro literário, estimulando o público à leitura e à escrita.

“A Fundação é uma instituição cultural privada, sem fins lucrativos, que foi instituída em 1986, ainda na presença de Jorge Amado, com o fim de guardar o seu acervo de documentos, todas as edições de seus livros, as correspondências, os manuscritos e as fotos produzidas por Zélia (Gattai), que foi fotógrafa e companheira dele por muitos anos”, explicou Angela. “A verdadeira missão é a guarda do acervo. Só que o escritor mesmo declarou, quando da inauguração da casa, que ele gostaria que a casa não fosse só um centro de documentos ou um arquivo morto, uma espécie de museu. Ele queria que ela fosse um centro vivo, produtor de cultura e de literatura, incentivando jovens escritores e jovens leitores. Então, a gente está nessa missão”, acrescentou.

 

* A repórter viajou a convite da Fundação Casa de Jorge Amado

 

Fundação Casa de Jorge Amado é reaberta com festival no Pelourinho

É no coração do Pelourinho que se encontra um imponente casarão colonial azulado que há 37 anos guarda um grande tesouro da cultura brasileira: o acervo do casal de escritores Jorge Amado e Zélia Gattai. Ali funciona a Fundação Casa de Jorge Amado, que foi idealizada para preservar e estudar os acervos bibliográficos e artísticos do escritor, mas que ele nunca quis que se transformasse apenas em um museu.

“O que desejo é que nesta casa o sentido da vida da Bahia esteja presente e que isto seja o sentimento de sua existência, que ao lado da pesquisa e do estudo, seja um local de encontro, de intercâmbio cultural entre a Bahia e outros lugares”, dizia Jorge Amado.

Após nove meses de sua maior reforma, a Fundação Casa de Jorge Amado reabriu nesta quarta-feira (11) para convidados e para a imprensa. E a partir desta quinta-feira (12) ela reabre ao público, que poderá visitá-la gratuitamente até sábado (14). Nestes dias, o público também poderá aproveitar uma programação especial que acontece no Pelourinho, na frente da Fundação: o Festival Uma Casa de Palavras, que promove uma feira gastronômica e apresentações musicais. O objetivo deste festival é promover a obra de Jorge Amado unindo três grandes marcos da cultura de Salvador: a gastronomia, a literatura e a música.

A reforma

A instituição cultural passou pela maior restauração desde a sua inauguração em 7 de março de 1987. A sua sede, que era composta pelas casas de números 49 e 51 – as conhecidas Casas Azul e Amarela do Largo do Pelourinho – foi agora conectada a mais um prédio, o de número 47, a chamada Casa Branca. Com a reforma, novos espaços expositivos foram criados. Além disso, o local ficou mais acessível, mais moderno e mais seguro, com a instalação de um novo e moderno sistema anti-incêndio e de monitoramento.

“É a maior reforma, que começou em março deste ano”, afirmou Angela Fraga, diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado. “O orçamento foi de mais ou menos R$ 2 milhões. A gente contou com a curadoria da própria equipe: somos 13 funcionários, todo mundo trabalhando nessa criação, nessa concepção”, acrescentou.

Segundo ela, a reforma foi resultado de muita luta. Principalmente por recursos. “As instituições culturais no nosso país, infelizmente, são difíceis de se manterem. Mas a gente tem contado com parcerias relevantes. O Ministério da Cultura abre essa brecha de, por exemplo, aprovar planos anuais de manutenção de espaços como esse, o que é fundamental, porque é muito difícil no Brasil um aporte direto para manutenção de acervos ou de exposições. A Lei Rouanet vem para ajudar a gente e a gente tem se beneficiado disso”, falou.

Após a reforma, o imenso acervo de Zélia Gattai e Jorge Amado – formado por cerca de 350 mil documentos, entre eles, fotografias tiradas por Zélia, livros e também cartas trocadas com amigos – foi todo transferido para a Casa Branca. Este novo espaço também abriga agora a parte administrativa e uma sala para cursos que sempre são oferecidos pela instituição. As demais casas, que já existiam no projeto anterior, agora se dedicarão aos espaços expositivos, que foram ampliados e modernizados. Já o mirante, que oferece uma grande vista para o Pelourinho, passará também a sediar exposições temporárias.

Nesta nova concepção da Fundação, a escritora e fotógrafa Zélia Gattai terá um espaço exclusivo sobre sua vida e obra, assim como a poeta e escritora Myriam Fraga, que ajudou a criar a fundação e também foi sua primeira diretora. “Essa fundação foi feita já há quase 40 anos. Começou de uma maneira bem mais modesta, foi incorporando e funcionou tão bem que recebeu outras casas que compuseram com esse original. Um todo harmônico, mas que precisava ser bem incorporado. Agora foi feita essa reforma e ficou uma coisa maravilhosa”, disse Paloma Jorge Amado, filha dos escritores.

Casa de cultura

Na tarde desta quarta-feira (11), Paloma esteve na Fundação junto a seu irmão, João Jorge Amado. “Essa é uma casa para movimentar. Não só a coisa literária, mas a coisa culinária, a coisa plástica, todos os aspectos culturais da cidade e do estado”, disse João.

“Essa é uma casa de cultura. É uma casa que detém os acervos do meu pai e da minha mãe e que há 40 anos estão à disposição de quem quiser vir para consultar. Só de entrar nessa casa já tem a alma deles. Mas a casa é, sobretudo, o que o papai queria que fosse, uma casa de cultura da cidade de Salvador, do Pelourinho, da Bahia. Então, aqui não é só Jorge Amado e Zélia Gattai. Aqui são todos os escritores baianos, são todos os jovens escritores, são todos os que vêm e que absorvem uma cultura maravilhosa, que é a cultura da nossa terra”, afirmou a também escritora.

Para marcar essa reinauguração, apresentações musicais vão ser realizadas na frente da Fundação até o próximo sábado. Nesta quarta-feira, a apresentação foi das Ganhadeiras de Itapuã. Na quinta-feira (12), se apresenta Claudia Cunha. Na sexta-feira, o show será realizado por Gerônimo. Nestes dias, os shows acontecem a partir das 19h. No sábado (14), será a vez do PUMM-Por Um Mundo Melhor, com uma programação especial ao público infantil a partir das 16h.

Já a partir da próxima segunda-feira (16), a instituição cultural voltará a cobrar ingressos, mas terá entrada gratuita sempre às quartas-feiras.

*A repórter viajou a convite da Fundação Casa de Jorge Amado

 

“Jorge Amado mudou a vida de muita gente por seus livros”, diz neto

No último sábado (10), o escritor Jorge Amado (1912-2001) completaria 112 anos de nascimento. Há oito anos, como forma de celebrar a sua memória e o seu legado, a Fundação Casa de Jorge Amado realiza a Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), sempre em seu aniversário.

Autor de livros como Dona Flor e Seus Dois Maridos, Tenda dos Milagres, Tieta do Agreste, Gabriela, Cravo e Canela e Tereza Batista Cansada de Guerra, Jorge Amado é a tradução da Bahia. “Meu avô sempre dizia que não tinha criado os personagens que lhe deram fama e notoriedade. Ele apenas tinha reconhecido aqueles personagens prontos no povo da Bahia”, contou o neto do escritor, Jorge Amado Neto.

Os romances escritos por Jorge Amado apresentam as ruas, os casarios, o povo, os cheiros e os costumes baianos, mas em sua obra também sempre esteve muito presente a reflexão sobre os problemas sociais brasileiros. “A partir do momento em que Jorge Amado começa a escrever e à medida em que vai desenvolvendo sua literatura, ele vai demonstrando que é necessário, sim, por meio da cultura e da literatura, enfrentar questões sociais. Ele coloca esses problemas em uma situação de evidência para chamar as pessoas a repensar e a criar uma consciência social”, acrescentou Neto.

“Ele fez parte de uma geração de notáveis, que foi responsável pela própria construção da identidade do baiano. Aquilo que a gente hoje chama de baianidade – da forma de falar, de resolver questões, de se posicionar, a forma de se comunicar, de se vestir e de externar a cultura por meio da alegria, da dança, da música e das artes – ele, juntamente com outras pessoas da época, como Calasans Neto, Carybé, João Ubaldo Ribeiro e Dorival Caymmi, foi responsável por dar uma identidade ou consolidar essa identidade muito marcada da Bahia”, afirmou.

Memórias de família

Jorge Amado Neto tinha 16 anos quando seu avô morreu. “Eu tinha uma ligação muito grande com ele, que me chamava de meu compadre. Ele falava: ‘meu compadre, vem aqui para eu conversar com você’. Aí eu ia lá, eu devia ter uns cinco para seis anos. Minha avó vinha atrás de mim e ele falava: ‘Zélia, isso aqui é uma conversa de homens. Aqui sou eu e meu compadre aqui’. E eu ficava todo chique, me achando”, contou.

“Tem uma história que é famosa, que eu já contei até algumas vezes, que foi quando eu saí pra colher uns jambos aqui [na casa do Rio Vermelho]. No jardim, colhi um cesto de jambos. Cheguei com esses jambos pra ele, que estava assistindo televisão. Eu falei: ‘tudo bom, meu amor? Quer comprar uns jambos aqui na minha mão?’ Aí ele respondeu: ‘mas, vem cá, você vai no meu jardim, pega meus jambos, e vem aqui pra me vender?’. E eu respondi: ‘mas tive trabalho de colher, subi no jambeiro podendo cair, tá tudo lavadinho aqui pra você’. Ele achava o máximo essas coisas e dizia: ‘Pegue lá minha carteira. Qual é o preço dessa cesta aqui de jambos?’. Eu dizia um valor e depois chegava nele e falava: ‘me dá um desses jambos aí?’. E ele respondia: ‘mas você acabou de vender!’. E eu acrescentava: ‘Pois é, agora são seus. Estou lhe pedindo um porque não comi antes de lhe vender’. E ele então me deixava pegar os jambos”.

Legado

Em entrevista à Agência Brasil na Casa do Rio Vermelho, em Salvador, onde seu avô e sua avó Zélia Gattai viveram, Jorge Amado Neto refletiu sobre o legado deixado por ele. “Repare que muitas pessoas que não conheciam o Brasil, que nunca tinham vindo à Bahia, vieram nos visitar a exemplo de [Jean-Paul] Sartre, de Simone de Beauvoir, de Nicolas Guillén e tantas outras personalidades, porque leram Jorge Amado. Como foi muito divulgado e publicado em outros países, ele deu a oportunidade de as pessoas do outro lado do mundo experimentarem um pouco dos cheiros e dos sabores da nossa terra. Ninguém mais do que Jorge Amado trouxe mais gente de outros países pra cá, a fim de conhecer aquilo que só estava nas folhas dos livros”.

Esse legado, contou Neto, perpassa os romances escritos pelo avô e sua importância para a cultura brasileira. Há também, muito fortes, as memórias que ele deixou dentro da família. “Meu avô foi uma das melhores pessoas que conheci porque era amoroso, brincalhão, presente. Ele fazia tudo que um avô faz com seus netos: levava pra passear, brincava, tomava sorvete. Sinto muita saudade dele e digo que as pessoas que reconhecem Jorge Amado como um grande escritor, muitas vezes não o conhecem na sua intimidade”.

Para a família, o escritor deixou valores como honestidade, hombridade e justiça. “Eu tenho certeza que esse foi o maior patrimônio que ele deixou pra gente”, disse. Já para o Brasil, analisou o neto, ficou como herança o exemplo de escutar os marginalizados pela sociedade.

“Meu avô foi um dos maiores escritores do Brasil e o responsável por uma mudança de paradigma na literatura brasileira, porque começou a dar voz a vários segmentos sociais que eram totalmente colocados à margem como a figura da mulher, do negro, do pobre e dos desvalidos”, disse o neto. “Em um período em que você não tinha os direitos reconhecidos para essas pessoas, ele teve papel muito importante em dar voz e visão para elas. Acho que ele foi um grande mestre de literatura, mas teve também importância social muito grande. Mudou a vida de muita gente por meio de seus livros”.

*A repórter e a fotógrafa viajaram a convite do Instituto CCR, patrocinador da Flipelô.