Skip to content

Lula assina acordo e encerra disputa de 40 anos em Alcântara

O governo federal assinou, nesta quinta-feira (19), um termo de conciliação com as comunidades quilombolas do município de Alcântara, no Maranhão, encerrando uma disputa de 40 anos pela área no entorno do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), da Força Aérea Brasileira (FAB). Em cerimônia na cidade maranhense, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também assinou o Decreto de Interesse Social do território quilombola, passo fundamental para a titulação da área.

“A história do povo de Alcântara vai mudar”, disse Lula, destacando a importância dos atos para o acesso da população a benefícios sociais e serviços públicos básicos, como saúde, educação e acesso à água.

“Por que, para fazer uma base de lançamento de foguete, foi preciso desapropriar tanta coisa? Por que os pescadores incomodavam? Por que deixar as pessoas que vivem de pesca sem acesso ao mar? Por que proibir que vocês tivessem acesso aos benefícios que o próprio governo pode oferecer? Por que vocês estavam quase que como marginalizados?”, questionou o presidente.

“Agora, vocês podem olhar na frente do espelho, com toda a família, e dizer ‘nós voltamos a ser cidadãos e cidadãs de primeira classe desse país, nós temos direitos e vamos exigi-los’”, enfatizou Lula.

O presidente afirmou que o Estado tem obrigações e que o governo federal quer trabalhar junto com a prefeitura de Alcântara, com o governo do estado e com as casas legislativas das três esferas para, “com muita urgência, recuperar o tempo perdido”.

Presidente Lula durante a cerimônia de assinatura do Termo de Conciliação, Compromissos e Reconhecimentos Recíprocos, relativo ao Acordo de Alcântara – Ricardo Stuckert/PR

 

O termo assinado concilia os interesses e direitos territoriais das comunidades quilombolas com os interesses e necessidades da União em promover e desenvolver o Programa Espacial Brasileiro e consolidar o CLA. No acordo, o governo federal se comprometeu a criar a Empresa de Projetos Aeroespaciais do Brasil (Alada), para receber investimentos nesse setor estratégico.

O advogado-geral da União, Jorge Messias, que comandou o processo de conciliação, lembrou que, a partir do reconhecimento da área, as comunidades poderão fazer o uso produtivo das terras, ter acesso a benefícios, como crédito rural, e a programas como o Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Mais cedo, em visita à comunidade quilombola de Mamuna, Lula se comprometeu a atender às demandas locais.

“Ser advogado é fazer justiça e é isso que estamos fazendo aqui hoje. Como um povo desse tem tanta terra, tanto mar e não pode pescar e produzir porque não tem a terra?”, questionou Messias.

“O acordo coloca só as bases da casa, a gente precisa construir as paredes, o telhado, que é trazer posto de saúde, escola, MCMV pra esse povo. Só que nos só poderíamos trazer tudo isso depois do decreto”, disse o advogado-geral da União.

Messias agradeceu a parceria do Ministério da Defesa e do comando da FAB na construção do acordo. Segundo ele, é desejo do comandante da Aeronáutica, Marcelo Damasceno, que os quilombolas tenham oportunidades de trabalho na nova empresa, a Alada.

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, afirmou ainda que, a partir de agora, os quilombolas de Alcântara têm direito a acessar recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e participar dos programas de aquisição de alimentos do governo federal e de alimentos nas escolas.

“Aqui é uma entrega para Alcântara, mas também é uma entrega para os quilombos do Brasil”, disse.

Durante o evento, Lula também entregou 21 títulos de Domínio a comunidades quilombolas de todo Brasil e assinou 11 decretos de Interesse Social. “As entregas representam a garantia de direitos a 4,5 mil famílias, com a destinação de mais de 120 mil hectares para 19 comunidades de nove estados”, informou a Presidência.

Presidente Lula visita a comunidade quilombola de Mamuna – Ricardo Stuckert/PR

 

Resistência

Alcântara é o município com a maior proporção de população quilombola do país, com 84,6% dos moradores autodeclarados. O Território Quilombola de Alcântara tem 152 comunidades, com cerca de 3.350 famílias, e foi ocupado por populações negras escravizadas a partir do século 18.

A dirigente da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas Maria Socorro Nascimento lembrou a resistência quilombola ao longo dos anos e a relação dos povos quilombolas com a terra.

“É muita honra a gente poder receber esse título para que a gente possa viver. A terra para nós quilombolas é um bem imensurável. O que temos dela é a posse e precisamos que o nosso direito seja respeitado”, afirmou a dirigente quilombola.

“Trouxeram nossos antepassados escravizados e quando falo daqui, de Alcântara, como berço é porque foram nossos antepassados que colocaram as pedras nessas ruas”, continuou Maria, que pediu que o público presente repetisse as palavras de ordem: “Resistência quilombola: nenhum quilombo a menos!”.

O presidente do Sindicato Trabalhadores Rurais de Alcântara, Aniceto Araújo Pereira, disse que o momento sela 40 anos de luta pelo direito à terra. “Não basta só assinar o decreto e ele ficar escondido na prateleira. Precisa assinar o decreto, mas precisa a concretização da titulação”, pontuou.

Durante sua fala, Pereira citou algumas comunidades quilombolas de Alcântara, como Canelatiua, Areia, Manuma, Brito, Tapera, Retiro e Ponta de Areia, situadas no litoral, e que sofriam com a dificuldade de acesso em razão da disputa pela terra coma base espacial de Alcântara.

“As comunidades de Alcântara são comunidades simples, trabalhadoras, e precisamos que a gente desenvolva a questão da pesca”, disse o quilombola, cobrando melhorias na educação, na saúde, a construção de estradas para interligar as comunidades e também ligá-las à área urbana do município. “Precisamos de qualidade e da qualificação profissional e, para isso, precisa melhorar a educação da pré-escola até a capacitação profissional”, cobrou.

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, disse que a cerimônia para firmar o acordo com as comunidades quilombolas foi resultante de um trabalho iniciado desde o início do governo Lula. Para ela, mais do que o caminho para a titulação da terra, a conciliação representa “trazer sonhos, trazer dignidade de vida” para a população quilombola.

“Eu estou muito feliz e emocionada, o que eu tenho de idade é o que esse conflito tem também de tempo. São 40 anos que a gente batalha e luta para ter dignidade e manter a resistência, a ressignificação desse lugar. Mas todas as organizações, todos os envolvidos e envolvidas nesses espaços aqui sabem que nós temos um compromisso de projeto político de país, que dá momentos como esse”, disse Anielle.

Conflito histórico

O Termo de Conciliação, Compromissos e Reconhecimentos Recíprocos, relativo ao Acordo de Alcântara, põe fim a um conflito histórico. O CLA foi construído na década de 1980 pela FAB como base para lançamento de foguetes. O local foi escolhido por ser considerado vantajoso para operações dessa natureza, pela proximidade à Linha do Equador, mas, para viabilizar a obra, 312 famílias quilombolas, de 32 povoados, foram retiradas do local e reassentadas em agrovilas em regiões próximas. Ainda assim, a titulação das terras nunca foi efetivada, e as comunidades sofreram com a insegurança jurídica e a constante ameaça de expulsão para a ampliação da base.

O processo de regularização de terras quilombolas é composto por quatro grandes fases: a publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), a Portaria de Reconhecimento, o Decreto de Interesse Social e o Título de Domínio.

Presidente Lula durante visita à comunidade quilombola de Mamuna – Ricardo Stuckert/PR

 

Em 2004, a Fundação Palmares certificou o território como quilombola. Em 2008, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou o RTID identificando como território tradicionalmente ocupado a área de 78.105 hectares.

Ainda assim, a FAB planejava ampliar o território da base de 8,7 mil hectares para 21,3 mil hectares, avançando sobre comunidades do litoral maranhense. Após a publicação do relatório, o Ministério da Defesa manifestou a existência de interesses do Programa Espacial Brasileiro.

No ano passado, o governo brasileiro chegou a reconhecer a violação de direitos de propriedade e de proteção jurídica de comunidades quilombolas, durante a construção da base, e pediu desculpas oficiais, em meio a um processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que determinou a titulação da área para as famílias remanescentes de populações negras escravizadas.

Acordo

Ainda em 2023, foi instituído um grupo de trabalho (GT) interministerial para buscar solução sobre o impasse, coordenado pela Advocacia-Geral da União. O acordo celebrado hoje, então, permite a titulação integral do território quilombola de Alcântara, com a área reconhecida no RTID, e consolidação da área atual do Centro de Lançamento de Alcântara.

O Ministério da Defesa, A FAB e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação se comprometem a não apresentar novos questionamentos quanto a esse tema e a respeitar a afetação da área quilombola feita pela União. As comunidades, por sua vez, representadas por suas entidades, ficam de acordo com a existência e o funcionamento do CLA na área onde está instalado.

Em até 12 meses, o Incra iniciará a titulação do território identificado e declarado, outorgando o título de domínio das áreas que já se encontram registradas em nome da União e, dentro dessas, priorizando as áreas limítrofes e situadas ao norte da área da base de lançamentos.

O ministro Jorge Messias destacou a presença no evento de juízes e defensores que deverão, a partir de agora, atuar na conciliação nos diversos processos em andamento sobre a área. “Com o decreto, vamos começar o processo de regularização fundiária e precisamos dessa parceria para que esses títulos sejam efetivados”, disse.

Foi assinado acordo para acelerar a tramitação dessas ações judiciais de desapropriação de territórios quilombolas em Alcântara.

Lula promete acordo entre FAB e quilombolas em Alcântara, no Maranhão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta sexta-feira (21), em São Luís, que o governo está perto de concluir um acordo para resolver um impasse histórico envolvendo a Centro de Lançamento Aeroespacial de Alcântara, na região metropolitana da capital maranhense, com as comunidades quilombolas da região, que dura mais de 30 anos.

“Estamos perto de concluir um acordo que a gente vai resolver, de uma vez por todas, o quilombo aqui em Alcântara. Está tendo um acordo com a FAB [Força Aérea Brasileira], com a Advocacia-Geral da União, acho que vamos contemplar todo mundo e vai viver em paz aquela região, com as pessoas podendo pescar no mar sem atrapalhar os foguetes e sem o foguetes atrapalhar a gente”, afirmou o presidente em entrevista à rádio Mirante News FM. Lula chegou a São Luís no início da tarde para uma série de lançamentos envolvendo o programa Luz para Todos, renovação da concessão do Porto de Itaqui e obra de ampliação da Avenida Litorânea.

O Centro Espacial de Alcântara, antes chamado Base de Lançamento, foi construído pela Força Aérea Brasileira na costa atlântica do Maranhão, para lançamento de foguetes, em 1982. O local foi escolhido por ser considerado vantajoso para operações dessa natureza, pela proximidade à Linha do Equador, mas, para viabilizar a obra, foram retiradas de suas terras 312 famílias quilombolas, de 32 povoados.

Alguns grupos permaneceram no local e, há décadas, denunciam ameaças constantes de expulsão para ampliação da base. Em 2004, a Fundação Palmares certificou o território e, em 2008, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificou e delimitou a área.

A FAB, que comanda a base, quer ampliar o território de 8,7 mil hectares para 21,3 mil hectares, avançando sobre o território quilombola, mas comunidades são contrárias ao movimento. No ano passado, o governo brasileiro chegou a reconhecer a violação de direitos de propriedade e de proteção jurídica de comunidades quilombolas, durante a construção da base, e chegou a pedir desculpas oficiais, em meio a um processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que determinou a titulação da área para as famílias remanescentes de populações negras escravizadas.

Ainda no ano passado, foi instituído um grupo de trabalho (GT) interministerial para buscar solução sobre o impasse que dificulta a titulação das terras.

Mais cedo, em agenda no Piauí, Lula participou do encerramento da 10ª Caravana Federativa, e fez anúncios de cessão de terrenos da União, investimentos para o setor portuário e para a transformação digital, além da contratação de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida.

Parceria quer fortalecer sistema produtivo quilombola em Alcântara

O Instituto Federal do Maranhão (IFMA) e o Ministério da Igualdade Racial firmaram nesta segunda-feira (26) uma parceria para o fortalecimento dos sistemas produtivos das comunidades quilombolas em Alcântara, no Maranhão. Inicialmente, serão investidos R$ 5 milhões, de um total de R$ 30 milhões. Além da garantia de segurança alimentar, o Termo de Execução Descentralizada (TED), também prevê a instalação de usinas fotovoltaicas para atender os moradores e a geração de créditos de carbono a partir da produção de energia limpa.

O TED utilizará o método “Sisteminha” da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que integra diversas atividades como criação de galinhas e peixes, compostagem e vermicompostagem, hortaliças e frutas diversas com economia significativa de água e proteção ambiental. 

Cada módulo inicial será composto com uma pequena usina fotovoltaica que permitirá autonomia energética por meio de um conversor capaz de medir a energia limpa gerada. No total, serão instaladas 31 usinas fotovoltaicas, beneficiando cerca de 150 famílias quilombolas.

O projeto faz parte da implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ), cujo objetivo é fortalecer os mecanismos de governança e gestão ambiental e territorial feito pelas comunidades quilombolas. 

Em relação a Alcântara, a iniciativa prevê a elaboração de planos locais para a gestão territorial, voltado para a construção participava do planejamento das políticas públicas nas comunidades quilombolas do município até o ano de 2025. Para tanto, haverá a oferta de 23 bolsas para estudantes quilombolas atuarem no desenvolvimento do projeto junto às equipes de coordenação e na produção dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola com as comunidades. Um comitê será criado com a participação do IFMA, o Ministério da Igualdade Racial e as entidades representativas de quilombolas de Alcântara.

Titulação territorial

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, participou do evento, após a decisão das entidades representativas das comunidades quilombolas de Alcântara se retirarem do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para tratar da titulação territorial das comunidades, no final de janeiro. Criado em abril do ano passado, o grupo tem por objetivo encontrar uma solução para o impasse entre as comunidades quilombolas e a Base Espacial de Alcântara, que já dura 40 anos.

A Aeronáutica, que comanda a base, quer ampliar o território de 8,7 mil hectares para 21,3 mil hectares, avançando sobre o território quilombola.

As comunidades são contrárias ao movimento. As entidades argumentam que não houve a apresentação de qualquer estudo de viabilidade econômica apresentando “as reais vantagens econômicas geradas pela aludida política de privatização espacial a ser desenvolvida a partir de Alcântara e que, segundo o governo, demandaria a expansão da Base espacial. Elas apontam ainda que a expansão atingirá ao menos 27 comunidades quilombolas do litoral, afetando cerca de duas mil pessoas.

“A nossa pauta principal, titulação integral do território étnico quilombola de Alcântara. Esse é o nosso maior coletivo. É isso que buscamos, é isso que a gente tem ido buscar junto ao governo federal quando nós vamos até Brasília”, disse a coordenadora geral do Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (Mabe) Dorinete Serejo Moraes.

A Advocacia-Geral da União, responsável por coordenar os trabalhos do GTI, disse que está em contato com as entidades quilombolas e que está buscando convencer os representantes das comunidades a retornar ao grupo. Segundo a pasta, a “manutenção do diálogo entre todos os atores envolvidos segue representando a melhor possibilidade de que seja encontrada uma convergência entre as propostas em discussão, bem como uma solução definitiva que compatibilize as legítimas pretensões de titulação territorial com a preservação e desenvolvimento do programa espacial brasileiro.”

As entidades não descartam a possibilidade de reconsideração do gesto de retirada do GTI, mas afirmam que é preciso que governo brasileiro ofereça as condições justas e equilibradas para o debate e, “principalmente, disponibilize estudos técnicos e científicos que permitam às comunidades formar opinião e tomar decisões, a partir de dados reais e concretos, bem como apresente o planejamento das ações pretendidas”.

Durante o lançamento do TED, a ministra fez um apelo para que as entidades retornem ao GTI. Segundo Anielle, somente as entidades têm autoridade para falar pelas comunidades.

“Ninguém pode falar por vocês, a fala tem que ser de vocês, a construção tem que ser coletiva e com vocês”, afirmou. “Isso [a solução para o conflito] não vai ser construído só pela gente, tem que ser construído com todas as mãos. Não tem como fazer nenhuma política sem que vocês estejam presentes, falando as demandas primordiais e emergenciais desse local, porque quem sabe isso são vocês. Ano passado, quando começam os encontros dos grupos ministeriais e a gente consegue sentar com a Base, com a FAB e com todo mundo que a gente precisa, para que a gente possa ouvir e, a partir dali, ter um encaminhamento mais concreto, a gente sabe que é um avanço. A gente está falando de 40 anos atrás, a gente sabe que não vai ser fácil, também não tem sido nada, nunca foi fácil para a gente, mas a gente precisa estar juntos, eu acredito muito na luta coletiva”, acrescentou a ministra.

No lançamento do projeto também estiveram presentes os ministros do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira e da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, além do governador do estado, Carlos Brandão, o chefe-geral da Embrapa Cocais, Marco Bomfim e o reitor do IFMA, Carlos César Teixeira Ferreira.