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Seca do Rio Madeira pode se agravar ainda mais, aponta SGB

Sem previsões para um volume significativo de chuvas na Amazônia, o Rio Madeira continua batendo recordes no registro dos níveis mais baixos da cota da série histórica do Serviço Geológico do Brasil (SGB). Desde a última semana, a cota já havia superado a mínima registrada em 2023, de 1,10 metro e, na manhã desta terça-feira (10), a medição na estação de Porto Velho atingiu 71 centímetros, a menor registrada desde 1967.

De acordo com o engenheiro hidrólogo do SGB Guilherme Cardoso, a maior preocupação do momento é o prolongamento do período de estiagem, como ocorreu em 2023, quando somente no final de outubro as chuvas foram significativas. 

“Os modelos de previsão do GFS [Global Forecast System, do Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos] não apresentam chuvas significativas para os próximos 15 dias”, informou Cardoso.

As projeções para os próximos 3 meses também não apresentam volumes de chuva significativos e, segundo Cardoso, isso desenha um cenário de seca semelhante ao de 2023, mas agravado pela antecipação da vazante do Rio Madeira. 

“Esse atraso [nas chuvas] vai fazer com que a gente tenha um período de estiagem muito maior do que estamos acostumados porque a gente já começou a observar níveis muito baixos em julho, em níveis que normalmente só ocorrem antes do final de setembro”, explica.

Apesar da adoção de medidas como a suspensão da navegação no período noturno, desde o dia 11 de julho, e a declaração de escassez hídrica pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), no final do mesmo mês, a população da região ainda enfrenta dificuldades como o isolamento de algumas comunidades.

De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), o plano de manutenção aquaviária da hidrovia do Rio Madeira já prevê cronograma de dragagens regulares para evitar a interrupção por completo de trechos do rio.

Cardoso explica que, apesar da cota do Rio Madeira já ter atingido níveis muito baixos, até esta semana a vazão do rio ainda não foi impactada de forma crítica. 

“Nesses termos, a gente ainda tem uma vazão útil bem significativa. Na quinta-feira da semana passada, nós fizemos uma medição de vazão e medimos 2.800 metros cúbicos por segundo, que é uma vazão bastante representativa”, disse.

De acordo com o engenheiro, com a estiagem prolongada, a tendência é que a vazão também seja impactada, podendo chegar ao ponto de interromper a geração de energia elétrica nas usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, ambas em Rondônia. Em 2023, as duas unidades, que têm capacidade instalada de 3.750 Megawatts (MW) e 3.568 MW, respectivamente, foram desligadas em outubro, após a queda de 50% na vazão do Rio Madeira. 

“Hoje a operação dessas hidrelétricas já está com muita restrição. Daqui a pouco pode haver uma parada, e não conseguirão ter a capacidade de gerar energia. E aí a gente começa a ver, não só um cenário de escassez hídrica, como de restrição energética”, disse Guilherme Cardoso.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou por meio de nota que desde o dia 3, sete unidades geradoras da UHE de Santo Antônio estão em funcionamento com uma capacidade de apenas 490 MW. A capacidade da UHE de Jirau também foi reduzida a operação de dez unidades geradoras, com capacidade de 260 MW. O operador descartou qualquer risco de insegurança energética. 

“A afluência abaixo da média vem sendo um ponto de atenção desde dezembro de 2023. Porém, cabe ressaltar que o Sistema Interligado Nacional dispõe de recursos suficientes para atender as demandas de carga e potência da sociedade”, diz o ONS.

Rótulos sobre gangstalking podem agravar problema, diz pesquisadora

 

Ao longo da última década, um fenômeno complexo e controverso ganhou espaço no ambiente digital quase que imperceptivelmente. Em diferentes países, pessoas que se denominam indivíduos-alvo (ou target individual) passaram a se reunir em grupos e fóruns digitais onde denunciam a ação orquestrada de pessoas e organizações para desacreditá-las, prejudicá-las e, no limite, levá-las à morte.

Psicoterapeuta e assistente social Liz Johnston, professora da Universidade Politécnica da Califórnia – Gina N. Cinardo/Divulgação

Com a validação de quem acredita ser vítima do mesmo tipo de assédio, algumas dessas pessoas deixaram o espaço virtual para atuar também no ambiente analógico. Criaram associações e passaram a encher assembleias estaduais e câmaras municipais de pedidos de informação e sugestões de leis de iniciativa popular para proteger as vítimas do chamado gangstalking – a crença de que se é alvo de uma perseguição organizada por um grupo desconhecido de pessoas com acessos a modernos dispositivos capazes de interpretar os pensamentos e modificar o comportamento de suas vítimas.

Professora da Universidade Politécnica da Califórnia, a assistente social e psicoterapeuta Liz Johnston se interessou pelo tema ao constatar que dois de seus pacientes compartilhavam a mesma convicção. “Buscando meios de ajudá-los, comecei a pesquisar”, contou Liz, que não tardou a perceber a relevância do tema e suas implicações: embora incerto, o número de pessoas que se autodeclaram indivíduos-alvo não é irrelevante.

Liz está finalizando um livro que deve ser publicado em breve, pela editora inglesa Ethics Press, com artigos inéditos escritos por pesquisadores que já publicaram trabalhos acadêmicos sobre o gangstalking. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que a professora concedeu à Agência Brasil, por e-mail.

Agência Brasil: Primeiramente, o que é gangstalking? Quais suas especificidades?
Liz Johnston: Gangstalking é um conceito emergente no campo das crenças persecutórias. Caracteriza-se pela crença pessoal de ser perseguido ou vigiado por um grupo difuso de pessoas. Ao contrário do que acontece nos casos de perseguição individual [stalking], as vítimas do gangstalking não identificam claramente seus perseguidores, acreditando tratar-se, na maioria das vezes, de pessoas associadas a agências governamentais ou autoridades policiais. Essas pessoas se identificam como indivíduos-alvo (TIs) e relatam invasões domiciliares, vigilância aberta ou encoberta, dor infligida por dispositivos remotos e controle eletrônico da mente. O conceito abrange áreas como criminologia, psicologia, redes sociais e serviço social, mas, como não se encaixa perfeitamente em uma única categoria de investigação, há, ainda, uma escassez de pesquisas acadêmicas.

Apesar disso, os TIs são frequentemente considerados paranoicos. Um diagnóstico que pode criar mais problemas do que ajudar a resolver a questão. Há, inclusive, um debate sobre o quão ético é rotular pessoas com diagnósticos estigmatizantes como paranoia, especialmente diante da ausência de tratamentos efetivamente eficazes. Outra questão ética é: por que médicos e psicólogos têm o poder e o privilégio de decidir se os clientes estão delirando? A definição de “ideia delirante” é complexa. Basta ver que muitas pessoas acreditam em fenômenos como fantasmas ou ovnis [objetos voadores não identificados] e não são taxadas de delirantes.

Agência Brasil: Fazer essa ressalva em relação ao diagnóstico não pode ser compreendido como uma validação da crença persecutória dessas pessoas?
Liz Johnston: Este é um ponto-chave no meu livro. Muitos pesquisadores acreditam que os TIs são delirantes porque o controle mental, hoje, seria algo impossível, ou porque outras ações relatadas seriam extremamente caras. Há, contudo, um histórico de programas de vigilância governamental voltados contra cidadãos norte-americanos, como, por exemplo, o Projeto MK-Ultra [programa experimental por meio do qual a Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) financiou experimentos de controle mental sem o conhecimento das “cobaias involuntárias”] que envolveu experimentos com o uso de drogas, eletrochoques, isolamento, abuso e tortura.

Já o Departamento Federal de Investigação [FBI] infiltrou agentes secretos em organizações políticas, conduzindo projetos secretos e ilegais de vigilância como parte do seu programa de contrainteligência. De ativistas dos direitos civis a integrantes da Ku Klux Klan foram alvo da vigilância e de ações para desacreditá-los. As informações a respeito desses fatos estão disponíveis na internet, e os TIs acabam recorrendo a elas para fundamentar a crença de que eles também estão sendo perseguidos. Minha tese é que os indivíduos-alvo têm pouco ou nenhum apoio [social]. E que, talvez, nesses casos, a ideia de que um grupo de pessoas se importa com você a ponto de persegui-lo acabe funcionando como uma espécie de comunidade de apoio. Da mesma forma como os grupos sobre gangstalking, nos quais esses indivíduos encontram outras pessoas que creem neles que não os rotulam como paranoicos ou delirantes.

Agência Brasil: Evitar termos diagnósticos é para não estigmatizar as pessoas?
Liz Johnston: Qual o benefício de rotularmos alguém com um problema de saúde mental dizendo “você é paranoico”? Creio não ser construtivo rotular pessoas sem uma teoria válida e sem um tratamento eficaz. Insisto: muitas pessoas acreditam em fantasmas. Por que não rotulamos isso como um delírio persecutório? Houve casos documentados de perseguição governamental nos EUA — e se alguns TIs estivessem realmente sendo visados pelo governo? O objetivo do livro que lançaremos em breve é revisar as discussões e os pontos de vista atuais sobre o gangstalking, destacando a falta de pesquisa, identificando aspectos desconhecidos e recomendando mais investigações acadêmicas sobre o tema.

Agência Brasil: Em suas pesquisas, a senhora conseguiu identificar a origem dos termos gangstalking e indivíduos-alvo (TIs)? Desde quando esse tema e vem despertando o interesse de profissionais da saúde e acadêmicos?
Liz Johnston: Os termos gangstalking e indivíduos-alvo tiveram origem em grupos online, criados pelos próprios TIs para terem espaços onde descrever suas experiências. O primeiro artigo acadêmico sobre o assunto foi publicado em 2015. Nele, a autora, a psicóloga Lorraine Sheridan, usa a expressão group-stalking (perseguição em grupo).

Agência Brasil: Há registros de que esse fenômeno esteja ocorrendo em outros países além dos Estados Unidos e do Brasil? Há pessoas estudando o gangstalking a sério em outras partes do mundo?
Liz Johnston: Só tenho conhecimento de artigos de pesquisa publicados nos Estados Unidos e na Austrália. Mas, mesmo entre profissionais de saúde dos Estados Unidos, o tema ainda tem pouca visibilidade. Há pouco tempo, fui convidada a fazer uma apresentação sobre gangstalking em hospitais locais, e os profissionais de medicina na audiência mal tinham ouvido falar do assunto.

Agência Brasil: O que a motivou a estudar o tema? Por que a senhora crê ser importante identificar, descrever e compreender o gangstalking quando alguns especialistas tratam o assunto como uma típica manifestação psicótica, fenômeno já bastante estudado?
Liz Johnston: Tive dois clientes que acreditavam ser alvos de perseguição organizada. Buscando meios de ajudá-los, comecei a pesquisar e concluí que a paranoia em geral ainda não é bem compreendida, que não há uma teoria coerente sobre o tema, conforme sustento em um dos meus artigos. Hoje, acredito que o gangstalking é um tema relevante por vários motivos. Nos EUA, por exemplo, ele poder estar associado a comportamentos violentos, conforme apontou a doutora Christine M. Sarteschi. Apesar disso, há, hoje, menos de 15 artigos resultantes de pesquisa escritos em inglês. Em contraste, uma pesquisa recente no Google por gangstalking me devolveu 632 mil resultados sobre o assunto, incluindo muitos relatos em primeira pessoa.

Agência Brasil: Considerando o pequeno número de estudos sérios, é possível traçar um perfil das pessoas que se identificam como “vítimas” de gangstalking? A senhora crê que as principais características se mantenham, independentemente da nacionalidade ou cultura, ou tendem a variar?
Liz Johnston: Penso que ainda não há estudos suficientes para estabelecer um perfil detalhado dos chamados indivíduos-alvo. Com base na minha revisão da literatura e na observação de postagens sobre gangstalking em redes sociais, posso tecer algumas considerações. Geralmente, eles têm mais de 40 anos. Em geral, enfrentaram situações difíceis na vida, como divórcio, racismo, pobreza, demissão ou dificuldades para encontrar emprego, além de experiências de abuso ou trauma na infância. Costumam estar distantes dos familiares e isolados dos vizinhos. Os homens parecem mais propensos a postar sobre suas experiências do que as mulheres. Muitos descrevem sintomas físicos como dores agudas e dor de cabeça, o que me leva a questionar se esses sintomas podem indicar problemas de saúde não diagnosticados. Para eles, no entanto, não há dúvidas: os sintomas são causados por seus perseguidores.

Agência Brasil: No Brasil, há indivíduos-alvo que manifestam a crença de que seus perseguidores são grupos a serviço de forças malignas ou diabólicas que pretendem corrompê-los e desviá-los do caminho do bem. Algumas dessas pessoas sustentam que os indivíduos-alvo são escolhidos por Deus, e daí os esforços para desacreditá-los, adoecê-los e levá-los à morte. O que a senhora pensa sobre isso? Esse aspecto religioso poderia tornar o delírio persecutório mais preocupante?
Liz Johnston: Isso também ocorre nos Estados Unidos – cerca de um terço dos posts no Reddit e no Quora [redes sociais] faz referência a ideias religiosas e aconselha outros TIs a se voltarem para Deus e orarem para conseguirem lidar com o gangstalking. Não vejo esse aspecto como algo tão preocupante, pois estou convencida de que as crenças religiosas são realmente úteis para alguns TIs.

Agência Brasil: No Brasil e nos EUA, há associações legalmente constituídas para promover a crença e defender os interesses dos indivíduos-alvo. Petições, pedido de informações e propostas de leis de iniciativa popular vêm sendo apresentadas a legisladores de diferentes cidades e estados com base na atuação dessas entidades. A senhora conhece a abrangência das organizações norte-americanas? Até que ponto elas podem propagar esse sistema de crenças persecutórias e mobilizar pessoas?
Liz Johnston: Sei que existem vários grupos nacionais nos Estados Unidos e que eles estão organizando petições para legisladores. De fato, com base no pedido de uma dessas associações, o Conselho Municipal de Richmond (CA) aprovou, em 2015, uma resolução que estabelece que o município é uma zona-segura onde cidadãos não podem ser alvo de armas espaciais (saiba mais aqui).

Agência Brasil: A senhora pode falar um pouco mais sobre seu livro?
Liz Johnston: Enviei uma proposta para a editora Ethics Press, do Reino Unido, que a aceitou. Em seguida, enviei e-mails para todos os autores que publicaram artigos sobre gangstalking e pedi que contribuíssem com capítulos para o livro. A maioria aceitou. No momento, estou editando os rascunhos de capítulos e supervisionando meus alunos de graduação e pós-graduação na escrita dos capítulos de conexão. Pretendo enviar o rascunho final para a editora até meados de setembro. Espero que o livro seja publicado no início de 2025.

É importante procurar ajuda de um profissional capacitado para lidar com situações difíceis a fim de manter a saúde mental. O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece um serviço de escuta acolhedora e apoio emocional, disponível no telefone 188. Há também o Mapa da Saúde Mental, ferramenta que permite a busca de serviços públicos e gratuitos por localidade.

Efeitos das mudanças climáticas podem agravar fome, revela estudo

O último relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo, elaborado por cinco agências especializadas das Nações Unidas, apontou que, em 2023, 2,33 bilhões de pessoas enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave e que 733 milhões passaram fome no mundo.

O estudo sinaliza que a insegurança alimentar e a má nutrição estão piorando devido a uma combinação de fatores, que incluem a inflação dos preços dos alimentos, desacelerações econômicas, desigualdade,  dietas saudáveis inacessíveis e mudanças climáticas.

Só no Brasil, segundo o Atlas Global de Política de Doação de Alimentos, 61,3 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar, o que representa quase um quarto da população.

“O que vimos é que, entre 2019 e 2020, houve um grande aumento na fome e na insegurança alimentar em todo o mundo. Pensávamos que, à medida que a pandemia de Covid-19 terminasse, esses números diminuiriam. Mas o que realmente aconteceu é que, nos últimos três anos, eles permaneceram persistentemente elevados. Tivemos a guerra na Ucrânia, mudanças climáticas e uma superinflação. E tudo isso significa que há milhões e milhões de pessoas que ainda lutam para ter acesso a alimentos suficientes”, disse Lisa Moon, CEO [diretora-executiva] da The Global FoodBanking Network.

Lisa deu entrevista para a Agência Brasil durante o seminário internacional Sistemas Alimentares: Oportunidades para Combater a Fome e o Desperdício no Brasil, realizado hoje (6) pelo Sesc e pelo The Global FoodBanking Network (GFN), uma entidade internacional que trabalha com organizações locais para apoiar bancos de alimentos em mais de 50 países. O evento foi realizado no Sesc Belenzinho, em São Paulo.

“Esse seminário traz a abertura das comemorações dos 30 anos do programa Sesc Mesa Brasil e também traz à tona toda essa discussão das mudanças climáticas,  desperdícios, vulnerabilidade e fome. É importante a gente estar sempre debatendo esse cenário e buscando novos caminhos para mitigar os efeitos tão severos que a gente encontra, com tantas pessoas em situação de insegurança alimentar”, disse Cláudia Roseno, gerente de assistência do Departamento Nacional do Sesc.

Um dos temas das discussões promovidas pelo seminário engloba os efeitos da crise climática sobre a fome e a insegurança alimentar no mundo.

“As mudanças climáticas impactam no circuito de produção e de distribuição [dos alimentos]. Um exemplo muito emblemático e recente é a tragédia no Rio Grande do Sul”, disse Cláudia. No Sul, lembrou ela, as enchentes atingiram toda a produção de agricultura familiar e de subsistência e também a produção de arroz, o que afetou o abastecimento em todo o país.

Questionada sobre esses impactos, Lisa destacou que as comunidades que mais têm sofrido com as mudanças climáticas são também as mais afetadas pela fome. “Vemos taxas mais elevadas de fome crônica e taxas mais elevadas de insegurança alimentar em comunidades que estão sofrendo os impactos das alterações climáticas. Ao mesmo tempo, o nosso sistema alimentar está produzindo alimentos mais do que suficientes para que todos tenham o suficiente, mas estamos descartando cerca de um terço de todos os alimentos produzidos a nível mundial, aumentando as emissões de gases de efeito de estufa”, observou. “Com o desperdício de alimentos, estamos agravando o problema das mudanças climáticas”, acrescentou.

No caso específico do Brasil, destacou Carlos Portugal Gouvêa, professor de Direito na Universidade de São Paulo (USP) e professor visitante na Harvard Law School, essa questão do desperdício de alimentos está relacionada também à pecuária. “Se a gente for olhar, o Brasil está entre os maiores produtores de carne do mundo. Temos as maiores companhias produtoras de proteína do mundo, mas a gente também tem um nível muito elevado de desperdício de animais e de desperdício de carne no mundo. E qual é a questão com a sustentabilidade? Se formos olhar quem é o maior poluidor brasileiro, quem mais contribui de uma forma negativa para a emissão de gases, que tem impacto no aquecimento global, é a indústria de carne. A gente consegue perceber que existe uma direta conexão entre o desperdício e a indústria”, afirmou ele, durante o seminário. “O desperdício, muitas vezes, está ligado a um sistema econômico no qual você precisa dar vazão a uma produção, a um certo nível de produção”, salientou.

Soluções

As respostas para enfrentar a fome e os impactos das mudanças climáticas sobre a insegurança alimentar não são fáceis, nem imediatas. Mas são urgentes.

Exigem também esforço coletivo e “muita discussão”, destacou Cláudia Roseno. “É preciso colocar à mesa pesquisadores, governos, sociedade civil e iniciativas como o Sesc Mesa Brasil para discutir esse problema. Precisamos encontrar outros caminhos para reduzir os efeitos das mudanças climáticas, do desperdício e também da vulnerabilidade e da fome no Brasil”, disse ela.

Em muitos países, 733 milhões passaram fome em 2023, revela estudo. – Marcello Casal/Agência Brasil

Para Lisa Moon, a redução da fome passa, por exemplo, pelo apoio aos bancos de alimentos. “Para as pessoas que estão na pobreza, se não tiverem dinheiro suficiente para sobreviver, a comida é muitas vezes a última coisa que comprarão. Elas terão que comprar suas moradias, remédios e outras coisas. E isso significa que a fome é muito, muito prevalente, mesmo entre as pessoas que têm emprego. E a função dos bancos alimentares é ajudar a fornecer esse apoio às pessoas necessitadas. E eles não só fornecem alimentos para satisfazer as necessidades básicas, como também fornecem nutrição vital”, sustentou.

Lisa destaca outras ações importantes para reduzir a fome e a insegurança alimentar no mundo, principalmente relacionadas às doações para os bancos alimentares. A primeira delas, afirmou, diz respeito à proteção de responsabilidade. “Se as empresas e os produtores de alimentos doarem de boa-fé deverão ter a certeza de que não terão qualquer tipo de problemas jurídicos”, opinou.

Outros pontos que Lisa ressaltou como importantes são os incentivos fiscais, a rotulagem e os investimentos no terceiro setor.

“Em muitos lugares é mais caro doar alimentos do que jogá-los fora. Com incentivos fiscais podemos ajudar a incentivar as empresas a conseguirem, pelo menos, aliviar alguns dos seus custos quando fazem essa doação. Outra coisa é a rotulagem de validade [dos alimentos]. A rotulagem de validade é muito confusa e causa confusão sobre se esses rótulos de qualidade ou de segurança alimentar. Adotar uma rotulagem realmente focada na segurança alimentar pode ser muito útil para a doação. A última coisa é pensar realmente em como investir no terceiro setor que vai recuperar esse excedente alimentar. Descobrimos que, com pequenos investimentos em subsídios para infraestruturas, podemos realmente aumentar a capacidade dos bancos alimentares para receber mais produtos excedentes e redistribuí-los às pessoas necessitadas”, frisou Lisa.

Para o professor Carlos Portugal Gouvêa, da USP e da Harvard Law School, a questão da fome precisa ser enfrentada não só com políticas públicas eficientes, mas também com assistência social. Ele lembra que não adianta ter uma boa política pública, se ela não chega a quem mais necessita. “Você precisa ter pessoas que vão onde a pobreza está. A gente precisa ter pessoas que descobrem o problema daquelas famílias especificamente e aí usam o aparato estatal para dar uma resposta especificamente para aquela família”, observou.

“Se o Brasil é um país desigual e você faz uma política pública que, no fim, está atendendo uma classe média, você, eventualmente, está perpetuando essa desigualdade”, disse Carlos. “Os desafios, no caso da sociedade brasileira, são efetivamente imensos. Mas como eu digo para os meus alunos, se a gente conseguir resolver esses problemas no Brasil, a gente cria exemplos para o mundo”, argumentou.

Mesa Brasil

Para celebrar os 30 anos do programa Sesc Mesa Brasil, maior rede privada de bancos de alimentos da América Latina, o Sesc, em São Paulo, está promovendo uma programação especial, que foi chamada de Festival Sesc Mesa Brasil.

Nos dias 10 e 11 de agosto, as unidades da capital, litoral e interior paulista terão mais de 80 apresentações artísticas gratuitas, além de abrir seus espaços para receber doações de alimentos não perecíveis. Os itens arrecadados serão doados a instituições sociais. Mais informações sobre a programação podem ser obtidas no site.   

Ciclone tropical ameaça agravar a crise humanitária na inundada África Oriental

5 de maio de 2024

 

Agência VOA

A Organização Meteorológica Mundial alerta que o ciclone tropical Hidaya, que deverá atingir a Tanzânia e o Quénia neste fim de semana, ameaça agravar a crise humanitária desencadeada por chuvas torrenciais nestes e noutros países fortemente inundados na África Oriental.

“Hidaya é o primeiro sistema documentado a atingir o estatuto de ciclone tropical nesta parte do mundo. Não estamos falando do Sudão. Estamos a falar da África Baixa e Oriental”, disse a porta-voz da OMM, Clare Nullis, aos jornalistas em Genebra, na sexta-feira.

“É historicamente significativo. Também terá um impacto muito grande, especialmente na Tanzânia, onde o solo já está totalmente encharcado. A Tanzânia, que sofreu inundações, está prestes a ser atingida por mais fortes chuvas que caem… deste sistema.

“E a humidade deste ciclone tropical também terá impacto no Quénia, onde também há inundações muito, muito fortes”, disse ela, observando que “as alterações climáticas estavam a sobrecarregar condições meteorológicas extremas”.

O El Nino, que provocou fortes chuvas e graves inundações que varreram a África Oriental, está a diminuir. Apesar disso, a OMM afirma que este evento climático ainda tem um grande impacto e está a provocar mais chuvas fortes, inundações devastadoras e deslizamentos de terra na região da África Oriental.

Embora o número de vítimas continue a aumentar, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários informa que este desastre já matou mais de 400 pessoas. Isto inclui pelo menos 210 no Quénia, mais de 150 na Tanzânia e outros no Burundi, Ruanda e Somália.

O OCHA relata que fortes chuvas e inundações nestes cinco países afectaram mais de 637 mil pessoas, incluindo 234 mil deslocadas. Afirma que os governos e as agências humanitárias ainda estão a avaliar os danos e a destruição das infra-estruturas, que são extensos.

“Em termos de perdas económicas, ainda é cedo para dizer. Quando você olha as imagens de pontes e estradas sendo destruídas, vai ser imenso”, disse Nullis. “A perda de gado, a perturbação da agricultura. É um investimento enorme, enorme.”

Num discurso dirigido à sua nação na sexta-feira, o presidente queniano, William Ruto, delineou uma série de medidas para lidar com esta emergência, observando que nenhum canto do país “foi poupado desta destruição”.

“Infelizmente, não vimos o fim deste período perigoso, pois espera-se que esta situação se agrave”, disse ele. “Os relatórios meteorológicos pintam um quadro terrível. As chuvas persistirão, aumentando tanto em duração como em intensidade durante o resto deste mês e possivelmente depois.”

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Chuvas fortes e inundações na África Oriental causam pelo menos 155 mortesFonte
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PEC das Drogas é inconstitucional e deve agravar cenário de violência

O Senado aprovou, nesta terça-feira (15), em dois turnos, a proposta que inclui no artigo 5º da Constituição Federal a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga ilícita.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam que a medida, além de inconstitucional, deve agravar o cenário atual de violência, encarceramento e desigualdade social. A avaliação é que descriminalizar as drogas e promover uma regulamentação seria uma solução mais eficiente.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) teve 53 votos favoráveis e nove contrários no primeiro turno, e 52 favoráveis e nove contrários no segundo turno.

“É a demonstração de que o Senado Federal deu as costas para a Constituição e abraçou essa política de drogas racista, genocida, super encarceradora e que fortalece facções criminosas”, avalia o advogado Cristiano Maronna, diretor do Justa, centro de pesquisa que atua no campo da economia política da justiça.

Para o especialista, a descriminalização e a regulamentação seriam mais eficientes do que a alteração aprovada no Senado. “É essa a direção em que países com democracias de alta densidade estão seguindo. Já o Brasil está no rumo seguido pelas autocracias e ditaduras”, disse o advogado, que é mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP).

A PEC, que agora será avaliada pela Câmara dos Deputados, foi articulada após o Supremo Tribunal Federal (STF) voltar a pautar o julgamento da descriminalização do porte da maconha para uso pessoal, determinando a diferenciação entre usuário e traficante. Um pedido de vista do ministro Dias Toffolli suspendeu o julgamento em março. A matéria está em 5 votos a 3 para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal.

Cristiano Maronna defende que o Supremo, ao votar o tema, está exercendo uma função típica de corte constitucional, que é declarar inconstitucional uma norma jurídica. “Além disso, o Supremo também exerce uma função contramajoritária ao impedir a ditadura da maioria política, quando a maioria política está alinhada para violar direitos fundamentais”, acrescentou.

Proibição

O advogado Erik Torquato, membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, avalia que a proibição é ineficaz. Segundo ele, a criminalização gera um efeito colateral muito maior do que as próprias substâncias em circulação na sociedade. O especialista defende que a regulamentação é o caminho mais eficiente e racional. “As substâncias que mais causam danos sociais nas famílias e na sociedade, prejuízo ao atendimento público de saúde, não são criminalizadas. E uma política pública eficiente de controle de substância, que é o controle do tabagismo, passou longe da criminalização”, disse.

Membro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e integrante da Rede Reforma, a advogada Cecilia Galicio destaca que não há no mundo precedentes de criminalização constitucional do uso de substâncias.

“Acredito e torço por uma mobilização social não só capaz de reconhecer a indignidade da criminalização, como também em ações que discutam o movimento global de lidar com a questão do uso de substâncias sob a ótica dos direitos humanos, afinal, o tráfico de drogas é internacional, e não há solução local possível sem compreendermos esse fenômeno como um todo”, disse.

A conselheira do Conad ainda ressalta que a PEC trata de um tema que o STF já sinaliza como inconstitucional. “Com a iminência da decisão do STF, a princípio, dependendo do andamento do julgamento e da votação final na Câmara, viveremos um período de vacância, no qual podemos estar tanto sob a égide de uma lei mais justa, que seria a descriminalização, para rapidamente voltarmos à regência de uma lei injusta e retrógrada como pretende o Senado”.

STF

Erik Torquato afirmou que a PEC das drogas é inconstitucional e uma afronta ao artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea de proteção de direitos e garantias fundamentais, que se dedica a proteger os cidadãos contra arbítrios do Estado. Ele explica que o artigo só poderia ser alterado para expandir tais proteções e garantias, jamais para restringi-las. Isso porque a Constituição não permite a diminuição e o retrocesso de direitos.

“Essa alteração que está sendo proposta [pelo Senado] insere no artigo 5º a restrição a um direito, a uma garantia fundamental, ele viola frontalmente o direito à intimidade, à vida privada, à dignidade, previsto na Constituição. Então o Supremo poderá ser chamado a se manifestar sobre isso, e ele pode se manifestar já dentro do recurso extraordinário [sobre descriminalização de drogas]”, disse.

Em 2015, quando o julgamento começou, os ministros começaram a analisar a possibilidade de descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para uso pessoal. No entanto, após os votos proferidos, a Corte caminha para restringir a decisão somente para a maconha. A legislação atual, além de prever penas, ainda que atenuadas, para quem for pego portando drogas para consumo próprio, não define a quantidade que difere o traficante do usuário. 

Conforme os votos proferidos no STF até o momento, há maioria para fixar uma quantidade de maconha para caracterizar uso pessoal, e não tráfico de drogas, que deve ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de Cannabis. A quantidade será definida quando o julgamento for finalizado. No caso concreto que motivou o julgamento no STF, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com três gramas de maconha.

Violência policial

Para o especialista da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, uma vez incluída a criminalização dos usuários na Constituição, haverá um aumento da repressão. “Sem sombra de dúvida, com a promulgação dessa emenda constitucional que criminaliza os usuários, aqueles que atuam na repressão ao varejo e ao consumo se sentirão ainda mais legitimados para implementar a política que já é implementada de combate às drogas”, disse Torquato.

Além disso, ele aponta que a PEC das Drogas representa a garantia do comércio de substâncias ilícitas centralizado no crime organizado. “É a constitucionalização do monopólio do tráfico de drogas na mão do crime organizado. Ou seja, é um desserviço à sociedade o que o Congresso Nacional está prestes a fazer.”

O advogado ressalta que o desdobramento mais natural da PEC é o acirramento de uma disputa de narrativa, no âmbito da criminalização de usuários e da perseguição violenta ao varejo de tais substâncias, o que tem o potencial de impactar uma população já vulnerável, residente em áreas de pouca assistência social, de baixo desenvolvimento humano, como as periferias das grandes cidades e o interior dos estados.

“[Locais] onde o Poder Público se mostra muito deficiente na garantia dos direitos e garantias fundamentais – saneamento básico, educação, segurança – e onde os grupos armados têm uma presença mais efetiva, que é também onde o combate violento ao comércio dessas substâncias ocorre. Certamente, os jovens pretos periféricos que moram nessas zonas de baixo desenvolvimento humano, nas periferias, nas favelas, eles se tornarão ainda mais vulneráveis a uma política de repressão que é violenta, estigmatizante e criminalizante”, alerta.

Cristiano Maronna enfatiza que o voto do ministro do STF Alexandre Moraes, neste caso da descriminalização, escancarou o modo disfuncional como a lei de drogas é aplicada atualmente, já que a mesma quantidade para um jovem negro periférico caracteriza tráfico e para pessoas brancas em bairros nobres caracteriza uso pessoal.

“O ministro faz um verdadeiro libelo contra o sistema de justiça – polícia, Ministério Público e judiciário – ao reconhecer que, depois que a lei de drogas entrou em vigor, usuários negros, pobres, periféricos e com baixa instrução passaram a ser tratados como traficantes em comparação com pessoas brancas flagradas com a mesma quantidade de drogas. Para o Senado Federal, essa situação não é um problema, isso não sensibilizou os senadores”, disse.

Saúde

Em relação a pessoas que fazem uso abusivo de drogas, Maronna aponta que a PEC fala em tratamento e avalia que isso se configura “um risco de massificação das comunidades terapêuticas, de implementação de medidas higienistas, como a internação forçada, que tem um índice baixíssimo de eficácia”.

Erik Torquato reforça que o tratamento de pessoas que fazem uso abusivo de substâncias jamais poderia estar previsto numa norma de cunho criminal. “Tratar pessoas que são doentes dentro de uma norma penal é um contrassenso, é criminalizar a condição de saúde da pessoa. É dizer que uma pessoa está doente porque ela é criminosa, ou é criminosa por estar doente”, disse.

Segundo ele, a criminalização dessas pessoas, promove, na verdade, seu afastamento dos equipamentos de saúde, cuidado e atenção. “Nós estamos afastando essas pessoas de uma atenção humanizada, de uma política pública humanizada. É inadmissível tratar aquilo que é assunto de saúde pública numa norma criminalizante.”

Diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias aponta que a lei de drogas aprovada em 2006, embora tenha problemas, muda o olhar em relação ao usuário, passando a ter uma perspectiva mais humanista e integrativa, além de despenalizar.

“Quando se traz a criminalização de novo, novamente afasta esse cidadão da política de saúde pública. Tem aí um recado de que aquilo que ele faz é crime. E joga-se para debaixo do tapete um problema que é super importante de ser enfrentado a partir de uma perspectiva de saúde, a partir de uma perspectiva de educação, de conscientização”, avalia.

Ela reafirma a inconstitucionalidade da proposta de emenda à Constituição sobre as drogas, já que restringe as garantias fundamentais e individuais.

“São vários passos atrás, é um retrocesso tremendo e não existe nenhum precedente em outro país democrático de levar para a Constituição Federal a criminalização de qualquer droga”, finaliza.

A Agência Brasil pediu posicionamento do Ministério da Justiça e do Ministério dos Direitos Humanos sobre desdobramentos e impactos da PEC das Drogas em políticas públicas e no contexto de violação de direitos, mas não obteve resposta até a conclusão da reportagem.

Egito teme que ataques dos EUA e do Reino Unido aos Houthis possam agravar o conflito em Gaza

14 de janeiro de 2024

 

Após os últimos ataques aéreos dos Estados Unidos (EU) e da Grã-Bretanha contra alvos huti no Iémen, em resposta aos ataques de drones huti a navios comerciais no Mar Vermelho, alguns analistas no Egito disseram que mais ataques poderiam reduzir o tráfego no Canal de Suez e prejudicar a economia egípcia e mundial. O antigo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio, Hussein Haridi, disse à imprensa árabe que os ataques dos provavelmente prejudicariam a já em dificuldades economia do Egito e reduziriam o transporte marítimo através do Canal de Suez ainda mais do que o declínio de 30% que ocorreu em dezembro.

Ele disse que se os ataques continuarem, isso não vai resolver o problema, mas agravá-lo e causar um alargamento do conflito a outras frentes na região e afectar tanto a segurança como as economias do [Oriente Médio] e Europa. Haridi observou que uma escalada do conflito poderia resultar num ataque a um navio de guerra dos EU ou da Grã-Bretanha, o que forçaria uma resposta mais robusta dos dois países.

Khattar Abou Diab, que ensina ciências políticas na Universidade de Paris, disse à VOA que os ataques dos EU e da Grã-Bretanha contra os hutis ocorrem depois de dezenas de ataques huti à navegação internacional no Mar Vermelho e têm como objectivo dissuadi-los de realizar mais ataques. Ele disse que os ataques dos EU e da Grã-Bretanha ocorrem depois de 32 ataques huti, não apenas contra navios que se dirigem para Israel, mas também contra navios internacionais, além de um grande ataque em 9 de janeiro usando 13 drones e uma carga de mísseis, fazendo com que mais de 2.000 navios desviassem do Mar Vermelho e do Canal de Suez [para fazer a rota mais longa ao redor do Chifre da África].

O professor Said Sadek, da Universidade Japonesa do Egito em Alexandria, disse à VOA que acha que os EU teriam matado líderes ou comandantes huti se realmente quisessem agravar a situação e que a sociedade tribal do Iémen teria pressionado os hutis a procurar vingança. O Egito, sugeriu ele, também pode ter feito vista grossa ao ataque dos EU. “[O Egito] pode ter feito vista grossa [ao ataque] porque fica a 3.200 quilômetros do Chipre [onde há uma base britânica] até o Iêmen”, disse ele.

O especialista iraniano Ali Nourizadeh, baseado em Londres, disse à VOA que acha que os comandantes da Guarda Revolucionária Iraniana estão trabalhando em estreita colaboração com os hutis para coordenar ataques de drones e outros ataques aos navios do Mar Vermelho. “Os iranianos, de uma forma ou de outra, insistiram que não estavam envolvidos [nos ataques aos navios do Mar Vermelho]”, disse ele. “Embora eles estivessem envolvidos, [o Irã] não quer encurralar os EU e forçá-los a atacar, então eles disseram que não estavam envolvidos e continuam dizendo isso”.

Nourizadeh também disse acreditar que Israel também não quer expandir o âmbito do seu conflito por procuração com o Irã. “Uma frente é suficiente para [Israel]”, argumentou. “Israel nem sequer lutou com o grupo de milícias Hezbollah [do Líbano] da forma como pensavam que iriam lutar”.

No entanto, Israel atacou forças milícias pró-iranianas na Síria em diversas ocasiões desde o ataque do Hamas, em 7 de outubro no sul de Israel, que desencadeou o conflito em curso entre Israel e Gaza.

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Mudanças climáticas podem agravar quadro de doenças como dengue e zika

Os riscos apresentados pelas mudanças climáticas no Brasil podem levar à proliferação de vetores, como o mosquito Aedes aegypti e, em consequência, ao agravamento de arboviroses, como dengue, zika e chikungunya. O alerta é de levantamento na área da saúde feito pela plataforma AdaptaBrasil, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). As projeções indicam também expansão da malária, leishmaniose tegumentar americana e leishmaniose visceral.

O trabalho levou em conta as temperaturas máxima e mínima, a umidade relativa do ar e a precipitação acumulada para associar a ocorrência do vetor, que são os mosquitos transmissores das diferentes doenças em análise. A AdaptaBrasil avalia também a vulnerabilidade e a exposição da população a esses vetores.

“Uma temperatura maior, com uma precipitação maior, pode levar a uma maior proliferação de diferentes mosquitos, insetos que são transmissores dessas doenças, conhecidas como arboviroses”, explicou à Agência Brasil o coordenador científico da plataforma, Jean Ometto. “Normalmente, a gente tem ocorrência maior de dengue e chikungunya no verão”, observou.

Outro elemento analisado na plataforma é o quanto a população está exposta e o quão vulnerável ela é à ocorrência dessas doenças. “A gente percebe que, em determinadas regiões, pode haver um aumento da ocorrência dessas enfermidades e populações mais vulneráveis e expostas ficam mais suscetíveis a adoecerem por essas diferentes doenças”,disse Ometto, acrescentando que a identificação de que regiões poderão ser mais atingidas depende do tipo da doença.

Problema social

O coordenador científico da AdaptaBrasil esclareceu que, normalmente, essas doenças acontecem quando há uma pessoa ou outro organismo animal que possa estar infectado. Em geral, populações mais vulneráveis, que apresentem condições de saúde e habitação mais precárias, tendem a ficar mais suscetíveis a uma ocorrência maior da doença.

“Hoje já é assim. Mas a tendência é que isso se agrave. A gente vê hoje que muitas dessas doenças não são exclusivas de populações menos favorecidas. Mas a ocorrência maior é nessas populações. E isso tende a se agravar”, explicou.

Ometto alertou que se trata de um problema social “super dramático”, que precisa ser resolvido.

De acordo com Ometto, condições melhores de vida, saúde e infraestrutura ajudam e contribuem bastante para que a população fique menos exposta a essas doenças, de modo a que possam ser atacadas de forma sistêmica, a partir do planejamento territorial, de atendimento e de emergência em saúde.

O Brasil, segundo Ometto, tem uma estrutura de apoio à saúde muito importante, que é o Sistema Único de Saúde (SUS), bastante singular no mundo. “Só que a gente não está preparado para situações emergenciais. Quando ocorre um pico de doença, o país não tem estrutura física que possa atender a todos que estão doentes. Os postos de atendimento ficam sobrecarregados. Isso tende a se agravar”.

Atuação ampliada

O coordenador da AdaptaBrasil defende que essa estrutura precisa ser pensada dentro de um contexto de amplitude de atuação e de acesso, e melhorada em termos de infraestrutura, capacidade de atendimento, qualificação das pessoas que estão atendendo nesses locais, além de planos para que situações emergenciais possam ser atendidas.

“É preciso olhar para o sistema de saúde de forma sistêmica, desde a população em si até os sistemas de atendimento”.

Outra coisa importante para Ometto, é olhar de maneira preventiva todo o processo, de modo a identificar quais são os elementos em que pode atuar, seja no controle de proliferação dos insetos, seja na infraestrutura e qualidade das habitações, até a situação de atendimento às ocorrências.

“Esse olhar sistêmico para a saúde é superimportante. E o que vai acabar acontecendo com as mudanças climáticas é o agravamento. A gente está caminhando para um outro nível de impacto associado às mudanças do clima”, alertou.

O coordenador da Adapta Brasil lembra da falta de estrutura observada recentemente durante a pandemia da covid-19. “Era algo que as pessoas diziam que podia acontecer mas, quando aconteceu, não tinha infraestrutura, nem capacitação dos profissionais, dos equipamentos. Essa analogia é muito importante e muito válida”, ponderou Ometto.

Ele chama a atenção que, durante a covid-19, as populações mais impactadas e que mais sofreram foram as menos favorecidas de alguma forma, as mais carentes. “Estratos da sociedade que são mais vulneráveis realmente pelas condições sociais e econômicas”.

O pesquisador informou que a plataforma está trabalhando, no momento, dados referentes à dengue e à zika. Os resultados deverão ser divulgados no início de 2024. Já os dados da chikungunya estão previstos para lançamento ao longo do próximo ano.

Impacto

Ometto explicou que a plataforma apresenta um risco de impacto. “Ela não apresenta uma situação emergencial nem de ocorrência efetiva. Aponta as condições de infraestrutura, sociais, econômicas e ambientais em determinado município em que, em um evento associado às mudanças climáticas, a ocorrência de determinada arbovirose possa ser maior ou não”.

A AdaptaBrasil pretende ser uma ferramenta para o planejamento territorial de ações setoriais, como saúde, considerando a mudança climática como algo que já está afetando a sociedade brasileira. A plataforma permite ver o risco de que isso possa acontecer. Dentro dos elementos que compõem, na realidade, o risco de impacto, como vulnerabilidade e exposição, o gestor municipal pode identificar os indicadores que levam a um potencial agravamento da situação de ocorrência de determinada enfermidade. Também a sociedade civil pode se basear nos dados da plataforma para tomar decisões sobre ações, ou seja, tomar atitudes para reduzir o nível de risco.

A AdaptaBrasil trabalha junto com o MCTI e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) para que a plataforma seja uma das ferramentas de apoio ao Plano Nacional de Adaptação, de planejamento de ações de adaptação, em decorrência das mudanças climáticas no país.

Expansão

Jean Ometto esclareceu que, no momento, nesse trabalho feito em parceria com a Fiocruz, o foco são as arboviroses. A ideia, porém, é ampliar a pesquisa para ondas de calor, que afetam sistemas cardiovascular e respiratório. “Estamos entrando esta semana em mais uma onda de calor e devemos passar 70 dias com temperatura acima da média para o período e que pode afetar, sem dúvida, a saúde das pessoas”.

O tema será trabalhado ao longo de 2024, anunciou Ometto.

O objetivo é trazer informação científica mais atualizada sobre a temática. A plataforma se baseia em informações científicas para que possa ter um lastro importante a fim de que as decisões sejam tomadas com base na melhor ciência existente no país.

Jean Ometto é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde atua na Divisão de Impactos, Adaptações e Vulnerabilidades, que estuda a questão das mudanças climáticas em diversos setores, e um dos maiores especialistas em impacto e vulnerabilidade de adaptação atualmente no Brasil. Ele também é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) nessa temática.