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Seca que afetou a Amazônia em 2023 causou a maior queda nos níveis dos rios já registrada, e está relacionada a mudanças climáticas, mostra estudo

Imagem puramente ilustrativa

1 de maio de 2024

 

Jornal da Unesp

A Amazônia experimentou em 2023 uma das piores secas de sua história. A baixa acentuada dos níveis dos rios afetou a vida de todos os habitantes da região, dificultando o deslocamento das populações ribeirinhas, e o transporte de água, alimento e outros suprimentos essenciais. Junto com a seca vieram fortes ondas de calor. No lago Tefé, a temperatura da água chegou a impensáveis 39,1 graus Celsius (ºC) no dia 28 de setembro, provocando a morte de peixes e dezenas de botos e tucuxis. A busca por explicações para eventos tão extremos mobilizou uma rede internacional de pesquisadores, entre eles docentes e discentes do Programa de Pós-graduação em Desastres Naturais, que é uma parceria entre o Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de São José dos Campos, e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). As análises sugerem que tanto o calor quanto a seca que atingiram a maior floresta tropical úmida do mundo já refletem o panorama das mudanças climáticas, tanto em nível local como global. Os resultados do estudo foram publicados em artigo publicado em abril na revista científica Scientific Reports.

Sob coordenação do climatologista peruano Jhan-Carlo Espinoza, do Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), a equipe de pesquisadores analisou dados hidrológicos do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos, operado pela Agência Nacional de Águas e pelo Serviço Geológico do Brasil, além de dados atmosféricos do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF) e de chuvas, baseados em informação pluviométrica de estações meteorológicas e observações de satélite.

Pior seca já registrada?

A Amazônia já registrou neste século outros episódios de estiagem extrema e prolongada, quase sempre associados à ocorrência do fenômeno climático El Niño: a primeira em 2005, a segunda em 2010, a terceira em 2015 e 2016 e a mais recente em 2022-2023. Estes eventos afetam o bioma sob diversos aspectos. Segundo determinados quesitos, a seca que ocorreu ano passado foi a maior da história. Um destes indicadores é o nível do rio Amazonas e de seus tributários, como o rio Negro, a margem do qual fica a cidade de Manaus. Quando o nível da água no porto de Manaus cai abaixo dos 15,80 m, os estudiosos consideram como um caso de seca severa. Nos anos de 2010, 1963, 1997 e 2005 o nível das águas baixou, respectivamente, a 13,63 m, 13,64 m, 14,37 m e 14,75 m. Pois em 26 de agosto do ano passado, as águas em frente à capital manauara alcançaram apenas 12,70 m, o menor índice desde o começo da série histórica, em 1902. “Do ponto de vista do nível dos rios, esta foi a seca mais forte já registrada”, diz o pesquisador peruano. Ele diz que outros estudos em andamento podem vir a mostrar se esse episódio também foi o mais intenso do ponto de vista, por exemplo, da disponibilidade de água para a floresta, ou de sua duração. “Na verdade, ainda não estou convencido de que a seca tenha chegado ao fim”, diz.

O La Niña dá início à seca

As análises indicam que a porção sul e sudoeste da Amazônia experimentou uma diminuição significativa de chuvas a partir de novembro de 2022. Este já era um evento atípico, pois, historicamente, este período se caracteriza pelo início da época úmida na região. Essa queda nas chuvas estaria relacionada ao esfriamento das águas da região equatorial do oceano Pacífico, fenômeno conhecido como La Niña.

Espinoza explica que a ocorrência de anos consecutivos de La Niña costuma resultar na diminuição da umidade no sul da América Sul, sobretudo na faixa entre o sul do Brasil, norte da Argentina e Paraguai, propiciando longos períodos de estiagem. “No entanto, o La Niña nos últimos anos foi tão intenso que o resultado foi que a diminuição dos níveis de precipitação se estendeu até a Amazônia boliviana, próxima à fronteira com os estados de Rondônia e Acre, e os Andes tropicais”, diz o climatologista, que é o autor principal do artigo. Entre os autores está também José Antônio Marengo, que é pesquisador titular e coordenador geral de pesquisa do Cemaden.

A seguir, o déficit nos níveis de chuva nessas regiões intensificou-se com a chegada do verão austral, entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023. A umidade que chega à bacia amazônica é trazida por ventos que sopram do Atlântico Tropical Norte em direção ao continente. “Esse vapor de água gera chuva sobre a floresta”, explica Espinoza.

Em um primeiro momento, a vegetação e o solo absorvem a água. Em seguida, ocorre um fenômeno conhecido como evapotranspiração: parte da chuva evapora dos solos e as plantas transpiram. Essas ações devolvem uma grande fração da umidade inicial à atmosfera, que produz mais pluviosidade sobre a mata. “Essa interação gera um ciclo perene muito eficiente de reaproveitamento da água”, afirma o climatologista.

Porém, entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023a umidade trazida pelo Atlântico Tropical Norte ficou concentrada no norte da América do Sul, entre a Colômbia e a Guiana. “O esperado era que ela descesse até a Amazônia boliviana, o que não aconteceu”, afirma o pesquisador. A combinação desses fatores impulsionou a seca, fazendo com que atingisse uma área maior da Amazônia e perdurasse por mais tempo.

Entra em cena o El Niño

A situação se agravou entre abril e maio de 2023 com a chegada do El Niño. O fenômeno é caracterizado por um aquecimento acima da média nas águas do Pacífico, na região da linha do equador. Isso acontece quando os ventos que sopram de leste para oeste na região tropical perdem intensidade, e não dão conta de empurrar, em direção à Ásia e à Oceania, a água que apresenta temperaturas mais elevadas, pois foi aquecida pelos raios solares. A água quente permanece parada nesse trecho do Pacífico, evapora mais e favorece o surgimento de chuvas naquela região.

Águas aquecidas tendem a ficar nas regiões mais superficiais do oceano por serem mais leves, ou menos densas, que as frias, que se acumulam na parte mais profunda. Em situações “normais”, isto é, na ausência do El Niño, os ventos que correm de leste para oeste levam as águas quentes e superficiais do Pacífico Tropical das Américas para a Oceania. Esse movimento abre espaço para que as águas frias, mais profundas, subam e ocupem seu lugar. Esse afloramento, denominado ressurgência, ocorre usualmente perto da costa equatorial da América do Sul.

No Brasil, o El Niño provoca um aumento das chuvas no Sul, e seca no Norte. Dessa forma, ao longo de 2023, à medida que o El Niño se intensificou, a Amazônia central e norte ficou mais seca e quente do que o normal. “Com menos chuvas, os níveis dos rios tributários provenientes do sul da bacia, que já estavam abaixo da cota mínima histórica para aquela época do ano, tiveram mais dificuldade para se recuperar”, explica Espinoza.

Os efeitos da seca na Amazônia foram visíveis em todos os grandes rios, como o Negro, Solimões, Purus, Juruá e Madeira. O nível do Negro chegou a descer 20 centímetros por dia entre agosto e início de setembro, segundo o Serviço Geológico do Brasil. É o dobro do registrado em 2022, mas menos do que nas grandes secas amazônicas de 2005 e 2010.

O aquecimento global também intensificou os efeitos da seca, aumentando o calor e diminuindo a quantidade de água disponível para a manutenção da floresta e seu ecossistema. Soma-se a isso o desmatamento e a degradação florestal. “Como a floresta contribui para a formação de nuvens de chuva por meio da evapotranspiração das árvores, a diminuição da cobertura florestal e a piora na saúde da mata podem resultar em menos precipitações”, diz o engenheiro ambiental João Vitor Marinho Ribeiro, aluno de doutorado no Programa de Pós-graduação em Desastres Naturais, e um dos autores do artigo na Scientific Reports.

A proximidade do ponto de não retorno

A intensidade que observamos nos fenômenos El Niño e La Niña no ano de 2023 não pode ser explicada apenas por variações naturais. No texto do artigo, os autores discutem outros fatores que podem ter contribuído para esse ganho de intensidade, e sugerem dois: aquecimento global e desmatamento. A Amazônia fornece uma parte considerável da umidade — por meio dos chamados rios voadores — para as demais regiões do país, como o Centro-Oeste e o Sudeste e o Sul, e da América Latina, atuando como uma espécie de ar-condicionado do clima no âmbito regional. “À medida que é desmatada, ela perde progressivamente a capacidade de retirar mais carbono da atmosfera, o que agravaria o aquecimento global, e de fornecer vapor de água para que a chuva se forme sobre ela mesma e outras regiões”, comenta Espinoza.

“O artigo não chega a fazer prospecções de cenários futuros. Porém, lamentavelmente, se esses dois fatores não forem controlados, a tendência é que tendam a crescer com o tempo. E muitas publicações que analisam cenários futuros sugerem que as condições mais secas e mais quentes, por volta do ano 2050, se tornem algo normal na Amazônia”, diz.

Todos esses eventos ocorrem em um momento em que a Amazônia já perdeu cerca de 18% de sua cobertura florestal e caminha para o que os cientistas chamam de “ponto de não retorno”, o que indicaria o colapso parcial ou total da floresta e a aceleração do aquecimento global.

Se isso acontecer, parte considerável da floresta pode virar uma mata degradada, com menos espécies, ou até um cerrado, com poucas árvores e mais gramíneas. Este processo é chamado pelos teóricos de savanização da Amazônia. “O crescimento das condições secas e de calor vão levar a floresta até o chamado tipping point, ou ponto de não retorno, em que se inicia a savanização. E isso teria implicações muito sérias. A floresta amazônica tem funções muito importantes em umedecer a atmosfera e modular a circulação atmosférica. Sem ela, o clima vai mudar, e o resultado será, por sua vez, uma piora das secas, num processo que se retroalimenta”, diz.

João Vitor Marinho Ribeiro é aluno da primeira turma do Programa de Pós-graduação em Desastres Naturais, onde cursou primeiro o mestrado e agora, o doutorado. É também por esta perspectiva de estudioso dos desastres que ele interpreta os resultados da pesquisa. “Num episódio de seca dessa magnitude, é possível indagarmos de que forma determinar o momento em que os impactos começaram a ocorrer, e também, quando se pode dizer que terão cessado. Afinal, não é porque deixamos de ler notícias sobre esses efeitos que isso seja garantia de que terminaram”, avalia. “Os impactos se dão sob os mais diferentes aspectos: econômico, social, ambiental… E mesmo no lado ambiental há efeitos distintos sobre a fauna, a flora, as propriedades físicas do ambiente. É até difícil quantificar tais impactos, tamanha a escala do evento”, avalia

Ribeiro pondera que as mudanças climáticas estão se mostrando mais intensas, e ocorrendo numa velocidade maior do que sugeriam alguns estudos conduzidos não muito tempo atrás. “É muito importante discutirmos estratégias de mitigação das mudanças climáticas e de combate ao efeito estufa. Mas, uma vez que eventos como estas secas poderão se tornar mais frequentes, fica patente a urgência de investimento em formas que permitam adaptar nossa sociedade a esse novo cenário. E ainda se fala pouco sobre este aspecto da adaptação”, diz.

Fonte
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Curta-metragem vai mostrar como ditadura afetou crianças no Brasil

Quando estava fazendo pesquisas para o curta de animação que está desenvolvendo, o diretor e roteirista Gustavo Amaral chegou a perder o sono. Foram algumas noites intranquilas, e a razão para isso não foi relacionada à produção do curta-metragem, mas ao tema. Isso porque o novo projeto de Amaral, chamado Câmbio, Desligo!, que está em fase de captação de recursos para desenvolvimento, mostra como a ditadura militar brasileira deixou marcas violentas também nas crianças.

Gustavo Amaral, roteirista do curta-metragem – Rovena Rosa/Agência Brasil

 

Ele logo identificou o sofrimento vivenciado por essas crianças com o que poderia ser enfrentado pelos seus dois filhos, de 5 e 8 anos, caso o país ainda vivesse uma ditadura. E isso o aterrorizou. “Ele sempre conseguiu dormir a vida inteira, nunca perdeu o sono. Daí começou a embarcar nessas histórias. E eu acho que foram as únicas noites em que ele perdeu o sono”, disse Lia Calder, mulher de Gustavo Amaral.

Nas buscas sobre o tema, Amaral se deparou com dois livros: Infância Roubada – Crianças Atingidas pela Ditadura Militar no Brasil, que foi elaborado durante os trabalhos da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, e Cativeiro sem Fim: as Histórias dos Bebês, Crianças e Adolescentes Sequestrados Pela Ditadura Militar no Brasil, do escritor e jornalista Eduardo Reina.

O livro de Reina, jornalista que trabalha na Agência Brasil, traz testemunhos de cerca de 40 pessoas, que foram ouvidas durante as audiências da Comissão da Verdade e eram crianças na época da ditadura. Os relatos são de histórias reais de crianças que foram afastadas dos pais ou viram os pais serem torturados. Há também casos de crianças [inclusive bebês] que sofreram torturas físicas e psicológicas praticadas por militares. Fala também de sequestros e desaparecimentos forçados de crianças e adolescentes que foram praticados pelos agentes da repressão. Foram esses dois livros que embasaram a ideia do filme que Amaral decidiu roteirizar.

O projeto para o curta, que já conquistou três prêmios importantes no festival Animarkt Stop Motion Forum [evento dedicado para animação em stop motion], na Polônia, começou a ser concebido durante a pandemia de covid-19. Câmbio, Desligo! vai contar a história de uma mãe, dos dois filhos e do pai, que está desaparecido. “O projeto do curta foi o mais premiado da edição de 2023 do festival. Recebeu três prêmios, entre os quais, um de coprodução com um estúdio chamado Wrocław Film Studio, lá da Polônia”, contou o diretor.

O curta

Câmbio, Desligo! é um curta de animação em stop motion, com duração prevista de 13 minutos. Ele está sendo concebido em conjunto com as produtoras Cassandra Reis e Mariana Lopes.

Hoje, trata-se de um projeto em desenvolvimento. “Começamos um pouco da pré-produção, porque já iniciamos a produção de um animatic, que é o storyboard animado. Neste momento, o projeto está na fase de financiamento para levantar o recurso e, finalmente, iniciar a produção do filme”, explicou Amaral.

O curta-metragem, que começa com uma ambientação nostálgica dos anos 70, traz uma temática de abdução alienígena, com essa família atravessando o país. “Eles [a mãe e os filhos] saíram do Sul e estão indo para o Norte porque o pai desapareceu. As crianças não têm respostas, pois a mãe não fala [sobre o assunto]”, conta o diretor e roteirista.

Um dos filhos do casal, Luciano, muito estimulado pelo pai, era amante de ficção científica e de estudo do espaço. “Era uma coisa que os conectava muito. E o Luciano acaba, enfim, acreditando que o pai dele foi abduzido por alienígenas. E o filme vai se desenrolando até que se descobre a verdade: eles não foram abduzidos por alienígenas, foram abduzidos pelo regime militar.”

Segundo Alencar, a decisão de ambientar o curta na época da ditadura militar tem o objetivo de ajudar o país a não permitir o esquecimento de sua história.

“A origem da ideia – e isso passou a ser a missão do filme – era divulgar essa história traumática. E, de alguma maneira, colaborar para que essas coisas não caiam no esquecimento. Acabamos de sair do aniversário do golpe, e o assunto voltou à tona, mas você pode ter reparado também: voltou à tona um dia e, agora, próximo assunto”, afirmou Amaral, que considera muito triste o país ter passado pelo aniversário de 60 anos do golpe de uma maneira tão “pouco impactante”

Stop motion

 

Gustavo Amaral mostra os bonecos do curta-metragem Câmbio, Desligo! às produtoras Cassandra Reis e Mariana Lopes – Rovena Rosa/Agência Brasil

O stop motion, que será usado nesse curta, é uma técnica de animação em que que se filma quadro a quadro para simular movimento. É uma técnica bem artesanal. Para cada movimento que o boneco modelado precisa fazer, como abrir a boca para falar uma só palavra, são exigidas horas de trabalho. Por ser um processo bem trabalhoso, a cada dia, são produzidos cerca de 4 segundos do filme.

O processo começa com o desenho dos bonecos. Para esse curta, o ilustrador escolhido foi Jefferson Costa, quadrinista famoso por trabalhos como Roseira, Medalha, Engenho e Jeremias-Pelé.

Foi com base nos desenhos feitos por ele, que Cassandra começou a modelar os bonecos que serão usados na animação. “O stop motion não é o caminho mais simples de seguir, mas, esteticamente, é o caminho que acreditamos que pode contribuir narrativamente para o filme”, disse ela, em entrevista à Agência Brasil.

Financiamento

Além dos prêmios já recebidos, o projeto do curta foi aprovado pela Lei Rouanet e pelo Programa de Ação Cultural de fomento paulista (Proac). “Tudo agora se encaixou, e a gente precisa levantar financiamento. Porque agora o trabalho é achar financiamento para parte do filme porque, conseguindo assegurar esse financiamento, consegue-se destravar as coproduções internacionais.”

“A gente pensa em coprodução porque, no Brasil, o orçamento para curta é bem limitado. E esse é um curta um pouco mais ambicioso, assim, de orçamento”, explicou Mariana. “Com o dinheiro entrando, a gente prevê 20 meses pra realizar o filme”, acrescentou.

O projeto do curta-metragem entra agora na fase de captação, e Cassandra prevê algumas dificuldades. Principalmente relacionadas ao tema. “É difícil fazer arte, é difícil fazer animação no Brasil. Na fase de captação, acho que a maior dificuldade será encontrar pessoas que queiram se implicar em um assunto tão difícil assim.”

Apesar disso, eles esperam que o Brasil possa se inspirar na experiência de países vizinhos e também europeus. “Na Europa, tem muito filme que trata a perspectiva da criança sobre o nazismo”, ressaltou a produtora Mariana Lopes.

Segundo Gustavo Amaral, existem outros países, outras culturas, outras sociedades que revisitam seus traumas. “E este parece ser o melhor caminho. Não é vantagem para ninguém não revisitar e não falar sobre isso, por mais doloroso que seja”, acrescentou.

Rompimento de mina da Braskem não afetou água da Lagoa Mundaú

As primeiras análises de amostras d´água que técnicos da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e do Instituto estadual do Meio Ambiente (IMA-AL) colheram na Lagoa Mundaú, logo após o rompimento da mina 18 da empresa petroquímica Braskem, não acusaram prejuízos significativos adicionais ao já poluído ecossistema.

Parte da mina 18 se rompeu por volta das 13h45 do último dia 10, em um ponto sob as águas da Lagoa Mundaú. O instante em que o solo cedeu foi registrado por câmeras de segurança que flagraram o redemoinho que se formou quando a água invadiu a caverna subterrânea, resultado de décadas de exploração do sal-gema. Às 15h30, com o apoio da Defesa Civil estadual, os técnicos sobrevoaram o local a bordo de um helicóptero e colheram as primeiras amostras, que se somaram às de outros 16 pontos monitorados há anos.

“Alguns [dados] ainda estão em análise, mas, com base nas informações [já concluídas], não há nada que comprove que [o rompimento da] mina 18 teve impacto [na qualidade da água da lagoa]. Pelo menos não neste momento”, disse o pesquisador do Laboratório de Aquacultura e Ecologia Aquática (Laqua) e professor da Ufal, Emerson Soares, durante entrevista coletiva realizada nesta segunda-feira (18).

“Poderíamos ter encontrado uma elevação dos níveis de cloreto e de sódio, principalmente. E de níveis de cálcio, magnésio, condutividade elétrica e salinidade [mas] não observamos [isso]”, acrescentou Soares, garantindo que os resultados são confiáveis, mas representam um retrato do momento em que as amostras foram coletadas.

“Importante ressaltarmos que pegamos os dados do momento do rompimento. E, em relação ao instante [em que as amostras foram coletadas], não houve mudanças [significativas em comparação a análises anteriores] que demonstrem algum produto da mina na laguna, nenhum dado que comprove que [o desmoronamento da] mina 18 impactou a água. Pelo menos neste momento. Isso pode mudar? Pode. Pode acontecer alguma coisa no futuro? Pode. Por isso é importante continuarmos monitorando”, frisou o pesquisador, destacando que os técnicos da UFAL já monitoram a qualidade das águas da Lagoa Mundaú há mais de dez anos.

“A universidade tem um convênio com a Braskem [por causa do] TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] que [a companhia] assinou com o MP. Por meio da fundação universitária, recebemos recursos para realizar essa pesquisa, mas quero ressaltar que nosso trabalho não sofre influência alguma da empresa ou de quem quer que seja. Nossa pesquisa é revista por pares [outros especialistas independentes] e se virmos alguma deficiência, algum problema, vamos mostrar e atacá-lo”, afirmou Soares, garantindo a independência e transparência dos dados.

Esgoto

Ainda durante a entrevista coletiva, a gerente do laboratório do IMA-AL, Ana Karine Pimentel, atestou os resultados apresentados por Soares, endossando a necessidade da continuidade do monitoramento. “As condições que encontramos para o momento não são fortes o suficiente para dizermos que há qualquer relação com o extravasamento de sal-gema [da mina]”.

Da mesma forma que Soares, Ana Karine ressaltou que um dos maiores problemas da lagoa é a contaminação por esgotos não tratados, lançados indevidamente no complexo estuarino lagunar Mundaú-Manguaba, bem como agrotóxicos que chegam ao curso d´água. “Há uma condição de prejuízo à qualidade da água superficial, mas com uma contribuição [do lançamento] de esgoto doméstico e de outras fontes muito mais fortes. No âmbito da variação do nível de salinidade, por exemplo, o que encontramos [após o rompimento da mina 18] foi em condições muito maiores [anteriormente]”, comentou Ana Karine.

“Aquela laguna é um depósito de problemas oriundos do Rio Mundaú e das fontes de esgoto das cidades circunvizinhas e ribeirinhas ao rio e à própria lagoa. A laguna Mundaú é uma questão de saúde pública”, acrescentou Soares, lembrando que pesquisadores já apontaram que a poluição vem causando a perda de biodiversidade do ecossistema.

“[Anteriormente] já tínhamos identificado, na laguna, alguns compostos altamente tóxicos, incluindo alguns que são cancerígenos, como o DDT, que é proibido no Brasil, e que são levados para a laguna junto com [produtos] agroquímicos lançados [em plantações próximas]. Por isso o sururu está sumindo. Porque a lagoa já não tem alimento [para a espécie de mexilhão], porque está poluída.”, finalizou o pesquisador.