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Dino determina recolhimento de livros acadêmicos discriminatórios

Em uma decisão individual, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que quatro livros acadêmicos de Direito sejam recolhidos por conterem trechos considerados homofóbicos e discriminatórios contra grupos minoritários, em particular mulheres e a comunidade LGBTQIA+.

Tornada pública nesta sexta-feira (1º), a decisão de Dino atende, parcialmente, a um pedido do Ministério Público Federal (MPF). O órgão recorreu à Suprema Corte depois que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) recusou um primeiro pedido para que a Justiça determinasse que os livros fossem retirados de circulação.

Segundo o STF, o MPF ingressou com a ação após ter sido acionado por alunos de uma universidade de Londrina que identificaram e denunciaram o que entenderam ser um conteúdo claramente homofóbico contido nos livros disponíveis na biblioteca da instituição.

Após analisar as considerações do MPF e trechos das obras em questão, Dino concluiu que as publicações excedem o direito à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento, “configurando tratamento degradante, capaz de abalar a honra e a imagem de grupos minoritários e de mulheres na sociedade brasileira”.

Com a sentença, todos os exemplares já impressos das obras Curso Avançado de Biodireito; Teoria e Prática do Direito Penal; Curso Avançado de Direito do Consumidor e Manual de Prática Trabalhista deverão ser “retirados de circulação”, inclusive de qualquer biblioteca do país e, posteriormente, destruídos.

“Essas publicações não estão protegidas pela liberdade de expressão, porquanto, nas palavras do Ministério Público Federal, ‘apenas servem para endossar o cenário de violência e preconceito já existente contra essas minorias’”, sustenta Dino em sua decisão.

“Não se pode utilizar do altar da liberdade de expressão de forma ilimitada, sacrificando direitos pessoais, em especial a honra e dignidade humana de toda a população LGBTQI+ e/ou feminina”, acrescentou o ministro, para quem “a hostilização e ofensas gratuitas não estão acobertadas pela liberdade de expressão”.

Conforme a decisão de Dino, as editoras responsáveis pelas quatro publicações poderão reeditá-las e oferecê-las ao público em geral, “desde que expungidos [eliminados] do seu teor os trechos incompatíveis com a Constituição Federal e decisões deste Supremo Tribunal Federal”. O ministro ressaltou que sua decisão não se confunde com censura prévia.

Rede Global de Acadêmicos da Liberdade é lançada em São Paulo

“A maioria das vezes quem escrevia as cartas era eu.” Da comunidade de Realengo, no Rio de Janeiro, Cristiano Silva de Oliveira trabalhava em uma empresa pública e foi acusado de cometer um crime de ordem econômica e sentenciado a 14 anos e 8 meses. Entrou no sistema prisional com 33 anos e ensino médio e hoje, já fora dele, tem o ensino superior completo e mantém o EuSouEu, que tem duas frentes: uma de facilitação da comunicação entre presos e familiares e outra de educação.

 Casa de prisão Provisória em Aparecida de Goiânia. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Sua evolução, contudo, não tem o dedo de agentes de segurança nem resulta da chamada ressocialização ou da indulgência de outra figura semelhante. Pelo contrário, Oliveira terminou a graduação porque contestou contra o sistema, e fez isso coletivamente. É essa a meta, de reduzir a distância entre os presos e o canudo de diploma universitário, que a Rede Global de Acadêmicos da Liberdade será lançada neste sábado (31), na capital paulista.

A iniciativa é da organização Incarceration Nations Network, que conta com o apoio do projeto Nova Rota, criado em 2019 por ex-alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Pioneira no Brasil, a iniciativa oferece bolsas de estudo, mentoria e apoio multidisciplinar a pessoas egressas do sistema prisional. Atualmente, 22 alunos estão matriculados em cursos de graduação de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Com a prisão, Oliveira começou a refletir mais criticamente sobre as condições do sistema carcerário do país, o terceiro maior do mundo, com mais de 642 mil pessoas no segundo semestre de 2023, das quais 615 mil eram do gênero masculino.

Ainda de acordo com os dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no período, apenas 8.381 detentos tinham ensino superior incompleto e 4.851 ensino superior completo. Uma parcela pequena, de 434 presos, tinha ido além da graduação.

Na época em que Oliveira ficou detido, seu encarceramento se dividiu em dois momentos: primeiro, em uma cela da Polícia Civil. Segundo, quando foi transferido para uma unidade prisional que ficava a cargo da Secretaria de Administração Penitenciária. Na carceragem da Polícia Civil, havia uma superlotação que chegava a ser de três vezes a capacidade de detentos. “Era algo bárbaro, traumático, que chega a dar arrepio quando essa imagem vem à minha mente. Uma situação muito caótica”, conta o líder comunitário.

“Ainda não existia audiência de custódia quando eu fui preso. Então, fiquei aguardando uma sentença por oito meses, em uma carceragem. E as audiências eram super demoradas, não saía nenhum veredito ali e aí ficava nesse ir e voltar. Quando saiu a sentença, saiu de 14 anos e 8 meses para um crime de baixa potencialidade [baixo potencial ofensivo]. Mas, já que se tratava de um crime de patrimônio, em que você fere as instituições financeiras, a pena foi elevada ao máximo”, acrescenta, observando que é equiparável à pena imposta a alguém que comete homicídio, questão discutida entre especialistas do abolicionismo penal.

Conforme ressalta Oliveira, “o direito está diretamente ligado à proteção do patrimônio”. “Não sou pesquisador da cadeia, mas sou essa pessoa que vivenciou a cadeia e conseguiu observar as diferenças, as discrepâncias de artigos [do Código Penal]”, pontua.

Oliveira acabou cumprindo 5 anos e 8 meses e recebeu a extinção de punibilidade no final de 2021. Assim, experimentou o que é o regime fechado e o semiaberto e a condicional. Durante um ano, teve o benefício extramuro, em que ia trabalhar de dia e voltava à noite para dormir na unidade.

O líder do EuSouEu lembra que viu uma bandeira quando foi transferido de unidade, que dizia “Ressocializar para o futuro conquistar”. “Aquela frase foi um divisor de águas para mim, para eu querer entender como essas engrenagens do aprisionamento funcionam. Por que ‘ressocializar’, se nem a socialização foi disponibilizada a uma população vulnerabilizada, que tem histórico de escravidão? Como é que é isso?”, indaga.

Ainda aprisionado, obtinha livros com a ajuda de familiares que levavam para que ele lesse, sendo que não necessariamente chegavam até o destino, já que dependia da boa vontade dos agentes que estivessem no plantão. “É muito subjetivo. Tem as resoluções do sistema, mas quem define o que vai entrar ou não é o plantão do dia”, explica.

Oliveira define sua trajetória na crítica ao sistema como uma observação de “todo esse método de reprimir, de fazer esses corpos permanecerem nesse sistema, em um ciclo viciante”. “Antes eu via o sistema como algo extremamente necessário, algo que tinha que ser brutal mesmo, punitivo mesmo, dentro dessa perspectiva da ordem, da classe social, ser severo mesmo, para que houvesse uma recuperação”, reconhece, destacando que também repensou sobre o que fazem os programas de TV sensacionalistas.

Nova Rota

A advogada Katherine Martins, que coordena o Nova Rota há quatro anos, também assume que mudou de opinião, deixando para trás a visão punitivista que tinha ao pisar em uma prisão pela primeira vez. De classe média alta, compreendeu que se trata de um espaço que perpetua desigualdades que prejudicam, sobretudo, os jovens, negros e pobres.

“Educação não é para remissão, para conseguir emprego. Educação é para si mesmo, se formar, se potencializar e modificar a si e o que está ao redor”, afirma a coordenadora.

A cada semestre, há cerca de 200 inscritos disputando duas ou três vagas que o Nota Rota disponibiliza para ajudar com os planos de cursar graduação, o que prova que há grande interesse dos egressos em construir uma nova vida. “São muitas iniciativas voltadas à empregabilidade, mas poucos para a educação”, pondera, adicionando que o modelo foi sendo alterado para atender melhor às demandas, como oferecer alimento aos participantes, internet, acompanhamento psicológico, mentoria, vale-transporte, vale-alimentação, bolsas para a alfabetização, cursos técnicos, supletivo.

“Quando você sai, estudar não é o mais importante? Não, comer é o mais importante”, justifica.

A egressa Patrícia Rodrigues do Nascimento desempenhou uma função essencial na hora de identificar e conseguir atender as necessidades dos participantes do projeto, quebrando vergonha e outros sentimentos que impediam a coordenação de chegar. Ela se tornou a pessoa que nota quem está constrangido e não quer dizer que está passando fome em casa ou que tem dificuldade de mexer no computador.

“Patrícia é bolsista. Fez toda a diferença no acompanhamento do projeto ela ter ingressado”, afirma Katherine.

Katherine ainda menciona o rumo de outro bolsista, Eder Henrique Dourado, outra “Fernanda Montenegro da prisão” (referência ao filme Central do Brasil, em que a atriz interpreta a personagem de uma ex-professora, Dora, que escrevia cartas para pessoas analfabetas na Estação Central do Brasil, no Rio), porque, como Oliveira, escrevia as cartas de colegas de cela que não sabiam ler e escrever. Ele entrou no projeto durante a pandemia e conseguiu fazer supletivo e, em seguida, engenharia da computação. “Ele fala: ‘Meus filhos vão ser a primeira geração que não passou por cárcere.”

Kaio Nunes, analista de projetos da ONG Ação pela Paz, parceira do Nova Rota, ressalta que a maioria dos detentos não reincide na criminalidade, algo comprovado estatisticamente e que se deve abandonar o discurso que enfatiza a minoria que retorna a esse contexto. Ele cita, ainda, outras histórias parecidas com a de Cristiano da Silva Oliveira, como a de um egresso que permaneceu quase oito anos em regime fechado e, quando saiu, começou a fomentar e organizar uma organização social, com o apoio da família.

“A gente sabe que o mundo de fora não está preparado, pensando em família, amigos, o meio social onde vai ela vai estar inserida, e isso se reflete também nas empresas, que acabam replicando esse olhar que toda a sociedade tem. A pessoa tem, infelizmente, um carimbo nas costas de que egressa”, diz ele, que atua na área de pessoas egressas do sistema prisional. 

Segundo Nunes, é importante também que as pessoas tenham em mente que têm simetrias com os egressos. “Eles também são pais de família, responsáveis pelos seus e que trabalham dentro da unidade para pagar algo para sua família.”

Lei institui licença para mães e pais concluírem cursos acadêmicos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, nesta quarta-feira (17), o projeto de lei que prorroga os prazos para estudantes concluírem cursos de graduação ou programas de pós-graduação, como mestrado e doutorado, em caso do nascimento de filhos ou adoção legal de crianças. Pela nova lei, as instituições de educação superior deverão assegurar a continuidade do atendimento educacional e fazer os ajustes administrativos para prorrogar os prazos por, no mínimo, 180 dias. No caso de parentalidade atípica, a lei prevê a ampliação desse prazo. A medida abrange mães e pais.  

“Chamamos esse projeto de Mães Cientistas, porque a gente sabe que, muitas mulheres, quando chegam numa determinada fase da vida, têm que decidir se seguem suas pesquisas acadêmicas ou se cuidam dos seus filhos. É uma vitória da ciência brasileira, da educação e das mulheres brasileiras”, destacou a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), autora do projeto de lei na Câmara dos Deputados.

A prorrogação abrange a conclusão de disciplinas e dos trabalhos finais, como monografias, teses e dissertações, bem como o adiamento das sessões de defesa e a entrega de versões finais dos trabalhos ou realização de publicações exigidas pelos regulamentos das instituições de ensino.

Desafio

Em uma carreira competitiva, como a carreira acadêmica no Brasil, a constante cobrança por produtividade acaba expulsando as mães das universidades e da linha de frente da construção do conhecimento no país.

Segundo dados da Plataforma Sucupira, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a maioria dos estudantes de pós-graduação (54,54%) é mulheres. Mas, os homens são a maioria entre os professores (57,46%), ou seja, são maioria entre os que conseguem chegar ao topo da carreira e assumir um cargo público como docente e pesquisador. As mulheres também são minoria entre os pesquisadores que recebem bolsa produtividade, concedidas no topo da carreira pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), representam 36%.

“As mulheres, quando optam por ser mães, são punidas na entrega de seus trabalhos acadêmicos e perdem pontuação”, destacou a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos. De acordo com a ministra, a pasta instituiu, recentemente, que a avaliação de produtividade do CNPq foi estendida por dois anos no caso da maternidade.

Presidente da Capes, Denise Pires de Carvalho saudou a sanção da lei, “que reconhece a maternidade, durante um período, que é, por si só, muito difícil na vida de qualquer um, que é o desenvolvimento de dissertações e teses”. Segundo Carvalho, no último dia 12 de julho, a Capes retomou o funcionamento do Comitê Permanente sobre Equidade de Gênero. “Para que possamos discutir outras ações relacionadas ao papel da mulher na ciência brasileira e como avançar em políticas mais inclusivas”.

Educação ambiental

Lula também sancionou o projeto que inclui o tema das mudanças do clima, proteção da biodiversidade e riscos e vulnerabilidades a desastres socioambientais na Política Nacional de Educação Ambiental.

“Sobretudo na questão ambiental, nós temos que ter muito cuidado com o livro didático, porque quem vai salvar o planeta não somos nós, é a juventude que vai ter que aprender na escola a importância da questão ambiental”, destacou o presidente, após assinar a sanção, que transforma o projeto em lei federal.

Segundo o governo, entre as principais diretrizes propostas, está o desenvolvimento de instrumentos e metodologias para garantir a eficácia das ações educadoras relacionadas às questões ambientais, às mudanças climáticas, desastres socioambientais e à perda de biodiversidade, além da inserção obrigatória desses temas nos projetos institucionais e pedagógicos das instituições de ensino da educação básica e superior.

Autor do projeto de lei, o deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR) destacou que a inclusão dessas temáticas na Política Nacional de Educação Ambiental é uma forma de mobilizar a sociedade para um problema que ameaça a vida da humanidade. “É um projeto que, por incrível que pareça, é mais atual agora do que quando foi apresentado [há nove anos]. Tem a grande motivação de buscar uma transformação da sociedade através da educação”, afirmou.