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Após seis anos em alta, valor da produção agrícola cai 2,3% em 2023

Em 2023, após seis anos ininterruptos de crescimento, a produção agrícola nacional apresentou retração na geração de valor de produção, em números absolutos, mesmo com a consolidação de um novo recorde na produção de grãos. O valor da produção das principais culturas agrícolas do Brasil alcançou R$ 814,5 bilhões, o que representa uma queda de 2,3%, na comparação com o ano anterior. É o que aponta a Produção Agrícola Municipal (PAM) 2023, divulgada nesta quinta-feira (12) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com a superoferta de algumas das principais commodities agrícolas, como a soja e o milho, que bateram recorde de produção no país, e o arrefecimento de mercados consumidores globais, os preços dos principais produtos agrícolas nacionais sofreram forte correção ao longo do ano, impactando diretamente na receita gerada. Ao todo, as dez culturas com maior valor bruto de produção concentraram 87% de todo o valor bruto gerado pela produção agrícola nacional.

Segundo o IBGE, dentre todas as culturas agrícolas, a soja ainda segue em destaque em termos de valor gerado. A oleaginosa também obteve recorde de produção e exportação em 2023. O volume total produzido chegou a 152,1 milhões de toneladas, um acréscimo de 25,4% no ano. Segundo a pesquisa, a soja apresentou novamente o maior valor de produção entre os produtos agrícolas levantados, totalizando R$ 348,7 bilhões, um acréscimo de 0,4% na comparação com o ano anterior.

De acordo com a Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, em 2023, a soja novamente liderou o ranking de valor gerado com a exportação entre os produtos nacionais.

“Por sua vez, o valor de produção obtido com a produção de milho apresentou substancial queda. Influenciado, principalmente, pela correção dos preços da commodity no mercado global, após anos em elevação, e como reflexo de uma excelente safra em termos de volume colhido, os produtores tiveram dificuldades até mesmo de encontrar armazéns de estoque para recebimento dos grãos que vinham do campo, uma vez que competiam também com uma supersafra de soja”, informa o IBGE.

Segundo o instituto, o volume de milho produzido no ano foi de quase 132 milhões de toneladas, um aumento de 20,2% em relação a 2022. “Porém, com a queda dos preços nas bolsas internacionais, o valor de produção seguiu direção contrária, com retração de 26,2%”, destaca a pesquisa.

Mesmo com registro de adversidades climáticas que afetaram a produtividade no extremo sul do país, houve, em 2023, a maior safra de grãos registrada na série histórica da pesquisa. Foi possível observar a ampliação das áreas plantadas de soja e milho, as duas principais culturas nacionais, impulsionadas pelos bons resultados alcançados nas últimas safras, aliados aos preços das principais commodities, que se mantiveram em patamares elevados nos anos anteriores, estimulando os produtores a investirem nessas culturas.

Ambas, que somadas respondem por quase 90% do volume de grãos produzidos no país, aproveitando-se das condições climáticas favoráveis em boa parte das regiões produtoras, apresentaram incremento no rendimento médio, recuperando-se dos efeitos da estiagem que afetaram as lavouras em 2022.

Em 2023, o Brasil, que já tinha a posição de maior produtor mundial de soja, obteve nova safra recorde, resultado da ampliação das áreas de cultivo e da melhor produtividade em campo. Esse resultado teve impacto direto na elevação da oferta global da oleaginosa, fazendo com que os preços dessa commodity fossem pressionados para baixo. Dentro desse quadro, mesmo em ano de supersafra, houve uma elevação de 0,4% no valor da produção da cultura.

“Com relação aos produtos, destaque para a soja. O peso da soja no valor de produção agrícola em 2023 foi de 42,8%. Temos quase metade do peso do valor da produção agrícola nacional advindo da soja. Soja lidera o peso no valor de produção agrícola em todas as regiões, à exceção do Sudeste”, diz o IBGE.

“Com relação à exportação, tivemos aumento de 29,4%, recorde com quase 102 milhões de toneladas exportadas no ano de 2023. A soja segue sendo o produto com a maior participação na pauta de exportações do país e a China segue sendo o maior parceiro comercial do país. Setenta e seis por cento da soja exportada teve como destino a China”, destaca o supervisor nacional da PAM, Winicius Wagner.

A área plantada, considerando todas as culturas levantadas na PAM 2023, totalizou 96,3 milhões de hectares, o que representou uma ampliação de quase 5 milhões de hectares. O resultado supera em 5,5% o registrada no ano anterior, mantendo o ritmo de crescimento observado ao longo dos últimos anos no território nacional. Dentre os produtos que vêm ganhando mais espaço no campo, a soja se destaca com o acréscimo de mais 3,2 milhões de hectares da área cultivada, seguida do milho de segunda safra, com aumento de 1,2 milhão de hectares.

Em 2023, o Centro-Oeste mais uma vez foi a grande região com maior valor da produção agrícola, totalizando R$ 274,9 bilhões, uma redução de 9,5% frente ao ano anterior, tendo destaque na produção de soja, milho e algodão.

Entre os estados, o destaque foi novamente Mato Grosso, com a geração de R$ 153,5 bilhões, decréscimo de 12,2% no ano, com maior participação da soja, o seu principal produto agrícola, mesmo com registro de queda de 5,9% no valor gerado com a oleaginosa.

O município de Sorriso, em Mato Grosso, apesar do decréscimo de 27,6%, mais uma vez gerou o maior valor da produção agrícola nacional, totalizando R$ 8,3 bilhões, tendo a soja e o milho como as culturas de maior valor.

Venda no comércio varejista cresce 0,6% de junho para julho, diz IBGE

O volume de vendas do comércio varejista avançou 0,6% em julho deste ano, na comparação com o mês anterior. A alta veio depois de uma queda de 0,9% na passagem de maio para junho. Os dados da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesta quinta-feira (12).

O varejo também apresentou altas na comparação com julho do ano passado (4,4%), no acumulado de 2024 (5,1%) e no acumulado de 12 meses (3,7%). O crescimento de 4,4% em relação a julho de 2023 é a 14ª alta consecutiva deste tipo de comparação.

Na passagem de junho para julho deste ano, cinco das oito atividades pesquisadas apresentaram alta: equipamentos e material para escritório informática e comunicação (2,2%), outros artigos de uso pessoal e doméstico (2,1%), tecidos, vestuário e calçados (1,8%), hiper, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (1,7%) e móveis e eletrodomésticos (1,4%).

Dois segmentos tiveram queda de junho para julho deste ano: artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria (-1,5%) e combustíveis e lubrificantes (-1,1%). Já o ramo de livros, jornais, revistas e papelaria teve variação próxima da estabilidade (0,1%).

A receita nominal do varejo cresceu 0,9% na comparação com o mês anterior, 9,2% em relação a julho de 2023, 8,4% no acumulado do ano e 6,5% no acumulado de 12 meses.

Varejo ampliado

O varejo ampliado, que também inclui materiais de construção e venda de veículos e autopeças, variou apenas 0,1% de junho para julho. Veículos e motos, partes e peças teve alta de 3,8% enquanto Material de construção variou -0,2%.

O varejo ampliado teve taxas de crescimento de 7,2% em relação a julho de 2023, 4,7% no acumulado do ano e de 3,8% no acumulado de 12 meses.

A receita nominal desse segmento cresceu 0,4% em relação a junho, 11,1% na comparação com julho de 2023, 7,4% no acumulado do ano e 6,1% no acumulado de 12 meses.

Inca e Fiocruz vão produzir dados científicos sobre cigarro eletrônico

O Instituto Nacional do Câncer (Inca) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) firmaram acordo de cooperação técnica com a finalidade de produzir e divulgar conhecimentos científicos sobre os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), conhecidos como cigarros eletrônicos. Fortalecer as políticas públicas de controle do tabagismo é o objetivo das duas instituições.

O principal desafio é contrapor o marketing da indústria de tabaco com dados científicos sobre os danos causados à saúde pelo cigarro eletrônico. A primeira reunião conjunta ocorreu terça-feira (10).

O diretor-geral do Inca, Roberto Gil disse que o compromisso dos dois órgãos é com a ciência. Estamos alimentando todos os interlocutores com evidências de que esses produtos [dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs)] fazem muito mal e vamos produzir ainda mais dados”, afirmou. Gil destacou que a sustentabilidade do sistema de saúde depende do enfrentamento dos fatores de risco de doenças crônicas, como o tabagismo. “A conta chega lá na frente. Por isso temos que agir agora”.

O presidente da Fiocruz, Mario Moreira, destacou o apoio da instituição à decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir os DEFs no Brasil. Ele considera que a ideia de regulamentação do uso desses produtos atende a interesses apenas do mercado, e não da população e da saúde pública. “A Fiocruz e o Inca são instituições estratégicas nesse debate. Vamos trabalhar juntos para exercer nosso papel técnico na geração de mais evidências científicas sobre a extensão dos malefícios desses dispositivos eletrônicos sobre a saúde humana, especialmente a dos jovens, que têm sido tão impactados”, afirmou Moreira.

Especialistas das duas instituições vão manter um grupo permanente de trabalho para a produção de dados científicos e econômicos sobre o potencial impacto negativo da inserção dos DEFs no mercado.

Tupinambás e artistas circenses fazem ritual de troca de saberes no RJ

Indígenas tupinambás e artistas circenses. Aparentemente, pouco em comum. Um encontro na Quinta da Boa Vista, parque municipal do Rio de Janeiro, mostrou que há muitas convergências. A arte, o lúdico, o lugar da ancestralidade e da família, o peso da cultura oral são alguns exemplos. Para aprofundar relações e interseções, eles fizeram nessa quarta-feira (11) apresentações recíprocas, um tipo de ritual para compartilhar saberes.

O circo se tornou, durante alguns dias, a casa de centenas de indígenas. Uma caravana com tupinambás veio de Olivença, litoral central da Bahia, para o Rio de Janeiro na semana passada, para celebrar o retorno do manto sagrado ao Brasil. E encontraram nos arredores das lonas coloridas um espaço para dormir, comer e cuidar da higiene pessoal. O evento foi um agradecimento e uma despedida. Nesta quinta-feira (12), depois da cerimônia final de recepção do manto no Museu Nacional, os indígenas vão retornar para a terra natal.

“Nossos antepassados eram levados daqui para a Europa e eram colocados em praças públicas. Eu não sei se em lugares semelhantes a circos também, mas para serem exibidos como objetos. E hoje, nós estamos no circo, mas em irmandade. Porque entendemos que os artistas transcendem. E nós somos povos que transcendemos também. E vocês nos receberam aqui, abriram as portas e os corações”, agradeceu Yakuy, uma das lideranças tupinambás, durante o evento.

Na primeira apresentação da noite, trapezistas saltaram e giraram no ar, uma menina fez malabarismo com bambolês e um grupo feminino subiu e deslizou por lenços no picadeiro. A plateia alternou entre aplausos, expressões de espanto e o sacudir de maracás.

Rio de Janeiro – Artistas circenses do Unicirco fazem apresentação no picadeiro para indígenas do povo tupinambá no Museu Nacional – Foto Fernando Frazão/Agência Brasil

“Nós ficamos muito felizes com a apresentação, muito maravilhoso. A gente tem dificuldade na nossa região de ir ao circo. É muito longe para sair da nossa aldeia e ir até Ilhéus. A gente não vê e quase não leva nossas crianças. Às vezes, não temos dinheiro para pagar. Ficamos felizes com esse momento”, disse a líder tupinambá, a cacica Jamopoty.

Na segunda apresentação, dezenas de tupinambás subiram no picadeiro para entoar danças e cânticos religiosos, convidando os demais a participarem do ritual. Luís Frota, uma das lideranças do projeto social Unicirco, se emocionou com o que viu.

Para ele, além da interação afetiva e artística, houve muito aprendizado durante o período de acolhimento aos indígenas.

Rio de Janeiro – Cacica Jamopoty Tupinambá e representantes do seu povo assistem apresentação de artistas circenses do Unicirco – Foto Fernando Frazão/Agência Brasil

“Esse diálogo, que usa a arte e a educação como plataforma, é muito potente e muito necessário no momento que a humanidade está vivendo”, disse Luís.

“A Baía de Guanabara era dominada pelos tupinambás antes da chegada dos ibéricos. Se os ibéricos não tivessem naquele momento, o Brasil poderia ser uma grande nação tupinambá. Lúdica, brincalhona, que valoriza muito a cultura, a criança que existe em cada um, guerreira, afirmativa, liderada por grandes caciques”.

Celebração oficial

A cerimônia desta quinta-feira (12) vai celebrar, em frente ao Museu Nacional, o retorno do Manto Tupinambá. O evento vai ter a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele foi organizado pelos ministérios dos Povos Indígenas, da Educação e da Cultura, com a colaboração do Ministério das Relações Exteriores e participação de lideranças do povo Tupinambá.

Rio de Janeiro – Indígenas do povo tupinambá que vieram receber o Manto Tupinambá no Museu Nacional assistem apresentação de artistas circenses do Unicirco – Foto Fernando Frazão/Agência Brasil

O manto retornou do Museu Nacional da Dinamarca no dia 11 de julho. E está instalado na Biblioteca Central do Museu Nacional. A devolução teve articulações entre instituições de Brasil e Dinamarca, como o Ministério das Relações Exteriores, por meio da Embaixada do Brasil na Dinamarca, museus dos dois países e representantes tupinambás.

Manto tupinambá

O manto tupinambá tem 1,80m de altura e milhares de penas vermelhas de pássaros guará. Estava guardado ao lado de outros quatro mantos no Museu Nacional da Dinamarca. Chegou a Copenhague em 1689, mas foi provavelmente produzido quase um século antes.

Artefatos tupis foram levados à Europa desde a primeira viagem portuguesa ao Brasil e o processo continuou ao longo das décadas seguintes, como evidências da “descoberta” do novo território e como itens valiosos para coleções europeias.

Manto Tupinambá. Divulgação/Museu Nacional da Dinamarca

Além do valor estético e histórico para o Brasil, a doação da peça representa o resgate de uma memória transcendental para o povo tupinambá, já que eles consideram o manto um material vivo, capaz de conectá-los diretamente com os ancestrais e as práticas culturais do passado.

Acredita-se que o povo tupinambá não confeccione esse manto há alguns séculos, já que ele só aparece nas imagens dos cronistas do século 16.

Instituto Unicirco

O Instituto Unicirco foi fundado em 1995 pelo ator Marcos Frota, pensado como um lugar para desenvolver as artes circenses e oferecer oportunidades para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Por isso, se considera também um sistema aberto de educação para crianças, adolescentes e jovens.

A organização defende o circo como instrumento de promoção de cidadania. Nesse sentido, oferece projetos de capacitação, profissionalização, pesquisa e produção de espetáculos. A sede do Unicirco fica no Parque Municipal da Quinta da Boa Vista desde 2010.

Leci Brandão: 80 anos e uma vida dedicada à defesa da cultura negra

Uma mulher negra, com convicções fortes e defensora de pautas sociais. Uma artista, compositora e ativista que teve a vida marcada por dificuldades, mas também por muita disposição em levar adiante a vontade de se expressar de várias formas. Essa é Leci Brandão, que completa 80 anos nesta quinta-feira (12).

Quem conhece a cantora, atriz e deputada estadual Leci Brandão têm uma admiração profunda pela história de vida dela e pelo legado que essa história representa. Desde cedo, já demonstrava inspirações artísticas.

Gostava de samba e se divertia quando ia para a casa da madrinha no Morro da Mangueira. Foi com essa convivência que se tornou a primeira mulher a pertencer à ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira. Essa foi uma das muitas faces do pioneirismo que marcaram sua trajetória.

A relação com a mãe Dona Lecy, considerada melhor amiga, sempre foi firme. Muitas de suas decisões na vida tiveram por trás um conselho da mãe, que também incentivou a sua religiosidade: “Dona Lecy Assunção Brandão é a sabedoria da minha vida.”

A ida ao terreiro do Caboclo Rei das Ervas, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, foi uma sugestão de Dona Lecy, quando a filha enfrentava um momento de depressão, depois de ficar cinco anos sem gravar. Lá, deu novo rumo à carreira e chegou a ganhar um disco de ouro pela vendagem de um disco em homenagem a Ogum, seu santo de cabeça.

Atualmente, Leci está no quarto mandato consecutivo como deputada estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Em 2022, ela recebeu 90.496 votos

O musical Leci Brandão – Na Palma da Mão, que teve estreia em janeiro de 2023 e segue nos palcos, trata de todos esses temas e surpreendeu a artista, que se viu retratada em pequenos detalhes.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Leci Brandão lembrou de vários momentos da sua trajetória e, muito carinhosa, agradeceu por poder contar momentos importantes que vivenciou.

Confira os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil: Todos que participam do musical passam o sentimento de prazer em fazer o espetáculo, o que achou da sua representação no musical?

Leci Brandão: Primeiro gostaria de te agradecer pela oportunidade de dar essa entrevista. Com o que está acontecendo na minha vida nos últimos tempos, o meu coração deve ser muito forte, porque a emoção está sendo muito grande. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo em função desse aniversário de 80 anos. Quando paro para pensar que em 80 anos já fiz tanta coisa, me emociono muito mesmo. Quando fui assistir a peça no Sesc Copacabana [onde teve a estreia] confesso que fiquei impactada. Não esperava que eles fossem construir uma coisa tão bonita e tão legítima.

A atriz [Verônica Bonfim], que representa minha mãe Dona Lecy, eu fiquei encantada com ela. A outra atriz [Tay O’Hanna] que faz a Leci, eu me assustei até. A cor do cabelo, as roupas, eu achei que tinha essa força, essa magia. Nunca poderia imaginar que fosse pegar todos os trejeitos e a forma como eu canto. Tem horas que fico pensando, ‘gente isso está acontecendo mesmo’? As pessoas conseguiram traduzir tudo.

Agência Brasil: Sua religiosidade também é um tema bastante explorado no espetáculo.

Leci Brandão: Eu tenho uma senhora que foi mãe de santo aqui no Rio de Janeiro lá em São Gonçalo. Mãe Alice. Conheci essa senhora e me encantei por ela, muito boazinha e trabalhava com uma entidade chamada Caboclo Rei das Ervas. Eu devo tudo a esse caboclo, que conheci em 84. Estava muito desesperada porque estava sem gravar há cinco anos. Pedi demissão da gravadora que estava e fiquei cinco anos sem gravar. Quando conheci esse terreiro, em São Gonçalo, o caboclo Rei das Ervas disse para mim que eu estava triste, em depressão, ‘mas fique tranquila porque você vai retomar sua carreira’. Cinco anos sem gravar, como? [Ele disse:] ‘Você vai retomar a carreira e antes disso acontecer você vai sair do Brasil’.

Não acreditei em nada. Como pode? Esse tempo todo sem atuar, sem nada. E isso aconteceu: eu saí do Brasil e fui para Angola, em novembro de 1984 (conheci Seu Rei das Ervas no princípio de 84), para uma apresentação em Luanda. Quando desci do avião, me lembro perfeitamente, eu disse ‘meu Deus tenho que bater cabeça na terra para pedir perdão dessa fala do caboclo’. Quando eu voltei recebi realmente um convite da gravadora Copacabana e na última faixa do LP eu coloquei a saudação ao Seu Rei das Ervas.

Fui a São Gonçalo de novo para apresentar a ele o que eu tinha feito, por gratidão. Ele falou: ‘a partir de agora, sempre que você fizer um disco coloque a última faixa em homenagem a um orixá.’ E assim eu fiz. Coincidentemente Ogum, que é o orixá que na verdade comanda a minha cabeça, gravei em 88 e recebo o meu primeiro disco de ouro. Então foram muitas afirmações que foram feitas e cumpridas na minha vida.

Tenho muito respeito e muita gratidão pela religião de matriz africana, porque as coisas foram acontecendo, retomei minha carreira. Tudo que eu faço e agradeço, nunca esqueço daquele dia que fui lá em São Gonçalo pedir força, uma fé, inspiração, sei lá.

Você sabe que a gente está no parlamento na Assembleia Legislativa de São Paulo. Quando houve o convite eu voltei lá para saber o que era isso. Já estava com a carreira reconstruída, tudo direitinho, porque então estavam me chamando para entrar para a política? ‘Isso era uma coisa que está prevista para você fazer. Aceite o convite’. Aceitei e fui eleita em 2010, pelo PC do B, que não tinha nem assento na Assembleia Legislativa.

Agência Brasil: Na última eleição você conseguiu mais votos que nas três anteriores. É uma confirmação do seu trabalho no parlamento?

Leci Brandão: Você falou a palavra correta: confirmação. Está sendo tudo confirmado. Fico muito espantada porque é uma surpresa para mim. Sempre fiz as minhas coisas, mas nunca pela intenção de receber um resultado satisfatório, positivo. Minha vida está tendo uma pequena revolução em tudo e aí vem essa questão também da peça. Quando o [diretor] Pilar ligou para mim e falou ‘estou escrevendo [um projeto], vou entrar em um edital’. Depois ele me contou ‘vencemos o edital e vamos fazer a peça’. Eu falei ‘meu Deus mais uma surpresa para mim’.

São muitas coisas que tenho recebido e chego à conclusão de que estou cumprindo uma missão. Nada é porque eu pensei que queria. Não, é uma missão que Deus me deu e está sendo cumprida aqui na Terra do jeito que eu posso cumprir. Sou uma pessoa muito simples que não tem a escolaridade, ter sido formada em uma Universidade. Sempre tive a preocupação de trabalhar para ajudar a minha mãe, que era servente de escola pública no Rio. Nunca passou pela minha cabeça que eu ia ser a segunda mulher negra a entrar na Assembleia de São Paulo.

Agência Brasil: E a primeira mulher a entrar na ala de compositores da Mangueira.

Leci Brandão: Da Mangueira, exatamente. Foi desse jeito aí. Me emociono muito. Tenho que tomar cuidado com as minhas emoções, porque a minha saúde está um pouco fragilizada. Estive muito doente no ano passado, tive internação inclusive, com problemas de diabetes, pressão alta, arritmia cardíaca… um bolo só que deixou a minha saúde um pouquinho mais abalada, mas a gente está tocando o barco do jeito que pode e dá.

Agência Brasil: Embora você tenha entrado na política oficialmente como parlamentar, a sua vida toda sempre foi política, com posições muito firmes. Ao conversar com os atores do musical, notei que há, em todos eles, um traço de muito respeito pela sua trajetória e sua luta.

Leci Brandão: O que me encantou mais é a forma como conduziram, como foi escrito. Eu parabenizei e agradeci a cada um deles, a luz, as falas, a forma como se colocaram. É um palco simples. Não tem hiper, superprodução, não é isso, mas é carregada de uma intensidade de emoção que me fascinou.

Agência Brasil: Como você avalia o fato de terem levado para a peça a sua defesa da comunidade LGBT? Que foi feita em um período muito difícil para se discutir este tema. Essa foi mais uma causa em que você foi pioneira.

Leci Brandão: Vi de uma forma muito importante. Como você disse, eu fui uma das pioneiras nesta questão da defesa da comunidade LGBT. Eles terem retratado isso, foi mais uma luta contra o preconceito. E a forma de expor essa luta foi feita com muita ternura e respeito à comunidade e à minha pessoa.

Agência Brasil: Onde o espetáculo passa, está fazendo sucesso, desde a estreia, há quase dois anos. E ainda vai entrar em outros circuitos, em vários estados. Isso tudo é um reconhecimento também do seu trabalho, da sua trajetória?

Leci Brandão: Eu fico me perguntando como é que a gente conseguiu construir tudo isso com tanta simplicidade, tanta tranquilidade, foi tudo muito natural. Primeiro que sou uma pessoa que eu não minto. Eu, Leci Brandão da Silva, não consigo mentir. Falo a verdade. Nem sempre a gente é bem interpretada, mas sou verdadeira. Sou incapaz de ‘vou sorrir porque vai ser bom sorrir’. Não! Faço o que o meu coração pede. O que minha cabeça direciona é o que eu faço. O fato da gente ser artista – eu costumo dizer: ‘eu estou deputada, eu sou artista’. Sempre fui artista. Desde quando comecei nos anos 70, quando começo a gravar, sempre procurei transmitir nessa arte de composição, embora não saiba tocar nenhum instrumento de harmonia, nada disso, mas Deus já manda pronto letra e música.

Se você me perguntar, eu digo que isso é coisa de orixá. Não pode ter outra explicação. Às vezes estou em um lugar, já fiz música dentro de ônibus, dentro de trem, varrendo sala de aula, coando um café, tomando uma chuveirada. As músicas vêm nas horas mais incríveis. Não me preparo para compor. Se eu disser segunda-feira vou fazer um samba, mentira, porque não me preparo para isso. Naturalmente que procuro sempre ter um gravador por perto para não esquecer a melodia e quando tenho parceiro em música, geralmente, sou parceira de quem toca algum instrumento.

Agência Brasil: Estamos neste momento que junta os 80 anos da sua vida e sua trajetória contada nesse musical.

Leci Brandão: Principalmente a parte que eles escolheram determinadas músicas e tem tudo a ver com a realidade daquele momento em que eu estava vivendo a situação do país e conseguia traduzir o meu posicionamento político, sem saber. Disseram pra mim: ‘você sempre foi comunista’. Como assim? Nunca fui comunista, mas foram me provando. Nunca fui de política, nem minha família. Quando me perguntam ‘como você costurou esse caminho todo com posicionamentos de luta e questão social, da igualdade, de democracia?’ Digo: ‘olha minha mãe tinha o primário, mas a grande sabedoria que tenho na minha vida é baseada nela’.

Vou dar um exemplo. Quando fiz o samba as Coisas que Mamãe Ensinou, em que eu digo um bom dia, boa tarde, com licença, por favor… tudo isso é resultado das coisas que mamãe me ensinou. Não sei falar nada com ninguém sem dizer por favor, obrigada, sem pedir com licença. Sou bem à moda antiga. Essa coisa do respeito. Não consigo conhecer uma pessoa de idade e chamar de você. Eu não consigo. Ainda, nesse ponto, ouso dizer a você que sou jurássica. Essa modernidade toda de IA, inteligência artificial, não tenho nada a ver com isso. Não entendo essas coisas e fica difícil para mim, nessa altura do campeonato, tentar entender isso. Não dá para mim não.

Agência Brasil: E sobre as músicas selecionadas para o espetáculo? Especialmente Zé do Caroço, que levou você a pedir demissão da gravadora em um posicionamento muito forte.

Leci Brandão: Em todo lugar que trabalhei nunca permiti que ninguém me mandasse embora. Sempre pedi demissão. Quando trabalhei na Companhia Telefônica Brasileira, fui telefonista do setor de consertos e fui ao programa Flávio Cavalcanti, a Grande Chance, na TV Tupi. Como fui a melhor da noite como compositora, a Telefônica me prometeu que eu ia mudar para o setor de burocracia. [O programa] Tinha mais audiência do que o Fantástico. Se você cantasse, ou fosse premiada com alguma coisa, o Brasil inteiro sabia. O tempo passou na primeira, segunda e terceira fase e não fizeram nada por mim [na Telefônica].

Fiquei sabendo que ia haver outra oportunidade de emprego em uma fábrica em Realengo, e eu morava nessa época em Senador Camará. Fiz a prova e passei para trabalhar no setor burocrático. No dia que eu ia me apresentar com os aprovados, o comandante da fábrica, que era do Exército, disse que as vagas tinham sido extintas e quem passou ‘se quiser trabalhar vai ter que ser na oficina da fábrica’. Eu já tinha pedido demissão da Telefônica, então fui ser trabalhadora da oficina de revisão de balas e festins. Ou seja: de telefonista passei a operária de fábrica. Fiquei cheia de calos na mão, mas não tinha outra saída.

Essa história é muito louca, adquiri oito calos, quatro em cada uma das mãos, mas precisava trabalhar para ajudar minha mãe. Aí dona Paulina Gama Filho, filha do ministro Gama Filho, sabia que eu tinha cantado no [programa] Grande Chance. Uma moça que me atendeu conhecia minha mãe e viu o mesmo sobrenome, me deu um cartão para que eu procurasse a filha do ministro que ela tinha uma vaga para mim. Assim as coisas aconteceram. Fui trabalhar no departamento de pessoal da Universidade Gama Filho. Lá teve um festival e me classifiquei. Fui revelação e tive a oportunidade de entrar também para a ala de compositores da Mangueira na mesma época em 71. As pessoas começaram a me ver, fui parar no teatro Opinião e começo a cantar na roda de samba do Opinião. O Sérgio Cabral – o pai e não o governador –, me conheceu e me deu a oportunidade de ir para a gravadora Marcus Pereira, a primeira gravadora na minha história.

As coisas são assim, vão acontecendo. Uma coisa atrás da outra e minha mãe sempre no bolo. Foi minha mãe que me levou para conhecer Seu Rei das Ervas, foi responsável por eu sair da fábrica de Realengo e ir trabalhar na Universidade Gama Filho. Veja que ela esteve sempre espiritualmente nas minhas coisas. Daí essa adoração que eu tenho por ela. Sinto saudade de muitas coisas, mas a saudade da minha mãe é incomparável. Ela se foi em 2019 e estamos em 2024, mas eu penso na minha mãe todos os dias, rezo para o espírito dela, para estar sempre com ela.

Mais de 600 mil pessoas devem visitar Bienal do Livro de São Paulo

Mais de 600 mil visitantes são esperados na 27ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que começou na sexta-feira (6) e vai até domingo (15), no Distrito Anhembi. Com o lema “Quem lê faz grandes amigos”, o evento tem a presença de 83 autores nacionais e 33 internacionais. Entre as novidades desta edição está o foco nos autores e na produção literária nacional.

A presidente da Câmara Brasileira do Livro, Sevani Matos, fala sobre a 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo – Rovena Rosa/Agência Brasil

“O que nós queremos é que todos os autores e autoras, os consagrados e os contemporâneos tenham um espaço na Bienal e possam apresentar seu trabalho, sua literatura, independente do gênero literário e das faixas etárias, porque a bienal é o momento de nós mostrarmos para os visitantes e para o país toda a produção literária que é feita no Brasil”, destacou a presidente Câmara Brasileira do Livro, Sevani de Matos Oliveira.

Além disso, há o Espaço Infância totalmente renovado, onde as crianças poderão ter seu primeiro contato com o livro. Aquelas que já tiveram poderão conhecer livros novos, interagir com autores e assistir à contação de histórias. “Nós temos um totem que monta uma historinha, então a criança pode escolher seus personagens. Tudo isso é uma forma lúdica de motivar as crianças a continuarem a ler porque eles são os leitores do futuro”, disse Sevani. Há ainda o Espaço Educação, que é novo, onde os profissionais da educação têm uma programação oficial para discutir o tema.

Homenagem ao Ziraldo na 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo – Rovena Rosa/Agência Brasil

Ao todo são 13 espaços diferentes, incluindo um estande de homenagem a Ziraldo, autor do livro O Menino Maluquinho, que morreu em abril, aos 91 anos. O espaço é interativo, e as pessoas podem desenhar e pintar os personagens do autor. “Ali há uma pequena amostra de como ele desenhava, de como ele pedia para ser colorido e podem participar pessoas de todas as idades”, explicou a presidente.

Outro destaque, com 300 metros quadrados, é dedicado à Colômbia. Ali os visitantes podem conhecer os autores e autoras colombianos e suas obras. “O estande traz uma exposição sobre o ciclo da borracha na Amazônia, porque o Brasil e a Colômbia dividem o território amazônico. Foi feito um trabalho de pesquisa lindo com recuperação de imagens de mais de um século. Esse filme é exibido diariamente e mostra como foi o ciclo da borracha. Vale a visita”, disse Sevani.

Visitas de alunos e professores

Um dos pontos importantes da bienal é a visita de professores e alunos tanto da rede pública quanto da privada. Segundo Sevani, são esperados em todos os dias da feira mais de 90 mil alunos que se inscreveram. “Essa visitas são importantes porque, no caso dos pequenos, eles começam a ter o contato com o mundo dos livros. E os adolescentes já podem escolher o que eles gostam, conhecer o que tem no mercado, encontrar o autor, pegar autógrafo quando o autor está na programação do dia.”

Contação de histórias na 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo – Rovena Rosa/Agência Brasil

Para a presidente Câmara Brasileira do Livro, estar na bienal também é uma forma de as crianças e adolescentes fazerem novas amizades e interagirem dentro do ambiente de literatura e festa. “A visitação é importante porque descobrir o mundo dos livros, descobrir quantos livros, a blibliodiversidade, os personagens, encanta. Uma visitação dessa é uma motivação para que eles continuem a ler”, reforçou Sevani Oliveira.

Yasmin Stephanie, de 15 anos, é aluna da rede particular e contou que a escola onde estuda organizou a visita à bienal. O interesse em participar do passeio se deve ao fato de gostar muito de ler e por 2024 estar sendo um ano de muitas leituras.

“Eu já vim quando era menor, mas agora eu vejo a bienal como uma experiência mesmo, tenho mais consciência para aproveitar. Eu acho que vim mais por influência das redes sociais que estavam elogiando muito e estou gostando de conhecer. As promoções também valem muito a pena, já comprei dez livros. Gosto muito de romances e fantasia”, afirmou.

A 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo vai até domingo (15) – Rovena Rosa/Agência Brasil

Professora de uma escola particular de São José dos Campos, no interior de São Paulo, Juliana Escobar Rocha Maganha estava com três turmas de 6º ano, um total de 55 alunos. Ela apontou a imersão cultural, com a grande quantidade de livros, como o ponto mais importante de uma visita à bienal.

“É uma variedade de livros e autores que às vezes eles nem conheciam. Tem um grupo que acabou de conhecer um autor ali em um estande e todos se apaixonaram pelo livro dele, compraram, pegaram autógrafo, foi muito legal.”

Para Juliana, estar no evento ajuda a estimular a leitura e propicia um acesso quem eles não têm na cidade onde moram. “Às vezes, na cidade onde moramos, nós não temos tanto acesso, porque não tem tantas livrarias. Onde moramos é um cidade grande, mas, comparada à bienal, não tem tamanho. Estão todos muito animados. Não tem ninguém sem sacola na mão”, festejou.

Musical conta trajetória da cantora, ativista e deputada Leci Brandão

O respeito é o sentimento mais citado pelos artistas que participam do musical Leci Brandão – Na palma da mão. O espetáculo conta a trajetória da cantora, compositora, deputada estadual, ativista, e defensora de pautas sociais, que completa 80 anos nesta quinta-feira (12).

O fio condutor do espetáculo é a relação de Leci com a mãe, além da religiosidade e devoção aos orixás e entidades da umbanda e do candomblé.

A estreia foi em janeiro de 2023, no Teatro Sesc Copacabana, na zona sul do Rio. De lá para cá a peça vem colecionando sucesso por onde passa. Já fez temporadas em vários estados do país e foi até Portugal.

Para o diretor Luiz Antônio Pilar, contar a história da artista é mais que necessário. “O musical tem a força que a Leci Brandão tem”, disse à Agência Brasil.

Ele relembra que a sugestão para um espetáculo sobre Leci partiu da irmã da artista, Iara, durante um encontro com a família Brandão. Luiz Antônio Pilar preparou o projeto e entrou em uma disputa por financiamento: “inscrevi o projeto e ganhei o edital em primeiro lugar. Fui em busca de alguém que pudesse fazer a dramaturgia e convidei o Leo [Leonardo] Bruno.”

Desde a estreia, o espetáculo acumula premiações. Em março deste ano, Pilar venceu a 34ª edição do prêmio Shell como melhor diretor. Além disso, pelo seu trabalho na peça, recebeu o diploma Heloneida Studart [jornalista e ex-deputada estadual], da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

“É um privilégio a gente homenagear uma pessoa em vida. Quando pensei no espetáculo, não pensei em fazer uma efeméride pelos 80 anos. Embora considere o conceito efeméride importante, para a comunidade preta eu evito, porque a gente é muito restrito a tempo, espaço e tema”, disse, completando que foi uma coincidência ter estreado o espetáculo perto da artista Leci completar 80 anos.

Antes do musical as trajetórias de Luiz Antônio e Leci já tinham se encontrado. Ele foi o responsável por uma participação da artista como atriz na novela Xica da Silva, na TV Manchete, em 1996. Assistente do diretor Walter Avancini na produção, ele sugeriu o nome de Leci para fazer uma líder de quilombo. “Desde aí ela brincava que eu a introduzi na televisão como atriz”.

Trajetória

A escolha de Leonardo Bruno para fazer a dramaturgia também não foi por acaso. Ele já tinha uma extensa pesquisa sobre Leci. Dentre os livros de sua autoria, está o Canto das Rainhas, no qual Leonardo Bruno trata da carreira de cantoras como Alcione, Beth Carvalho, Clara Nunes, Dona Ivone Lara, Elza Soares e de Leci. Jornalista e comentarista de desfiles de escolas de samba, Leo recebeu a missão com respeito:

“A história da Leci é fascinante. Essa mulher que nasceu em Madureira nos anos 40, filha de uma servente de escolas. Uma criança com perspectivas de vida, naquela época, muito restritas. Começou a cursar uma faculdade de letras, mas tinha um talento musical que vinha com ela desde cedo e vai para um caminho natural naquele momento, de programas de calouros e festivais de colégios e universitários. Aí ela começa a ver que aquele talento era muito maior do que qualquer caminho que poderia tentar trilhar como carreira. Começa a ganhar programas e vencer festivais” contou à Agência Brasil.

E foi nesse caminho musical que Leci se tornou a primeira mulher a entrar na ala de compositores da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Frequentadora do morro, ela entra no ambiente dominado por homens. Esse momento do espetáculo é um dos que ressaltam os traços de pioneirismo de Leci Brandão.

“Foi assim que em 1972 ela se torna a primeira mulher a entrar na ala de compositores da Mangueira e isso é muito importante para a carreira dela. É uma notícia que corre a cidade e ela começa a ganhar esse reconhecimento. Em 1974, Cartola, que já a conhecia do Morro da Mangueira, a convida para participar de um programa da TV Cultura chamado Ensaio, muito importante na época, e ela fica conhecida no Brasil inteiro. Logo em seguida é chamada para gravar o primeiro disco. Ali ela engrena a carreira dela”, conta Leonardo Bruno.

Temas sociais

O jornalista conta que, também nesta época, em pleno período da ditadura, Leci passa a compor músicas com letras de cunho político.

“A obra de Leci nos cinco discos que lança entre ’75 e ’80, são discos que falam sobre negritude, sobre o lugar da mulher na sociedade, que fala do público LGBT. Na época praticamente não tinha isso nas músicas, e a Leci fez várias voltadas ao público gay, inclusive a Ombro Amigo que entrou em trilha sonora de novela na Globo [Espelho Mágico] e fez muito sucesso.”

Segundo Bruno, a trajetória da artista também é marcada pelos temas que aborda em suas composições, revelando, novamente, o caráter vanguardista e de ineditismo:

“A Leci fala da questão indígena e de todas as questões que, de dez anos para cá, a gente está falando muito na sociedade. Ela fazia música sobre isso nos anos ’70. Fala que o sambista tem que ser valorizado na sociedade. É uma obra muito forte. Ela chegou com um impacto muito forte no cenário da música. Essa caminhada a gente mostra no musical e com um repertório maravilhoso.”

A relação entre Leci e sua mãe, dona Lecy, assim como a religiosidade da artista são temas centrais abordados por Leonardo Bruno, no musical Na Palma da Mão.

“O musical parte dessa relação entre mãe e filha, que é uma relação muito importante para a Leci e acho que o público acaba se identificando um pouco com essa mãe que faz tudo para a filha conseguir um lugar no mudo. Uma mãe que tem muita dificuldade, que trabalhava como servente de escola pública, mas fez tudo para colocar a filha no caminho do estudo e de um futuro melhor. O público sente também como a Leci recebe esse carinho da mãe e tenta o tempo todo retribuir. Leci pauta a vida dela por tentar dar esse orgulho para a mãe”, acentuou.

Em relação à religiosidade, o autor da peça relaciona cinco histórias de Ogum e Iansã com etapas da vida da artista, que é filha desses orixás.

“Foram os dois caminhos que encontrei para escrever a peça. Primeiro, a relação dela com a mãe e segundo, essa devoção dela aos orixás que são muito definitivos de como ela enxerga o mundo. Dos anos 80 para cá, em todos os discos dela tem uma faixa cantando um ponto para um orixá, uma entidade. Na carreira, ela tem uma identidade muito forte com as entidades da umbanda e do candomblé. Achei que era algo que deveria nortear muito nosso espetáculo”, afirmou.

“É um espetáculo musicalmente muito forte porque o repertório da Leci é muito lindo”

Um fato marcante une a carreira de Leci à sua religiosidade. Após ter pedido demissão da gravadora que a impediu de incluir no disco a música Zé do Caroço, que fala de um líder comunitário do Morro do Pau da Bandeira, na zona norte do Rio, ela ficou cinco anos sem gravar. Muito triste e quase em depressão, conversando sobre o assunto com a mãe, foi aconselhada a procurar o Caboclo Seu Rei das Ervas, em um terreiro de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio.

A entidade disse que ela voltaria a gravar, mas antes faria uma viagem ao exterior. Ela viajou para Angola e ao retornar ao Brasil retomou a carreira.

“Quando eu voltei recebi realmente um convite da gravadora Copacabana e na última faixa do LP eu coloquei a saudação ao Seu Rei das Ervas. Fui a São Gonçalo de novo para apresentar para ele o que eu tinha feito por gratidão” disse Leci em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

A reação da artista ao ver o trabalho no palco, deixou o autor com certeza da aprovação de Leci à forma como a história dela é contada no musical. Ela estava presente na estreia em Copacabana e já assistiu a peça em outras ocasiões.

“Quando terminou o espetáculo [na estreia] a Leci subiu no palco pegou o microfone e ficou falando 23 minutos. Ela estava tão emocionada, tão mobilizada, tão mexida, aquela coisa da emoção que a pessoa desanda a falar. Leci chorando no palco, a gente chorando na plateia, o elenco chorando. Foi uma das maiores emoções da minha vida. A prova de que gostou foi que quando a gente estreou em São Paulo ela foi e voltou várias vezes”, observou Leonardo Bruno, acrescentando que no último dia de apresentação em São Paulo, Leci levou objetos pessoais para presentear o elenco.

Elenco

Cena do musical Leci Brandão – Na Palma da Mão, no palco Sergio Kauffmann, Tay O’Hara e Verônica Bomfim – Fernando Frazão/Agência Brasil

Tay O´Hanna interpreta Leci no musical e conta que o especial na história da artista é que ela sempre foi “com a cara e a coragem” em tudo que se propôs a fazer:

“Essa garra e essa coragem. Leci é uma força de vida. A relevância dela em relação ao que é. É uma pessoa de 80 anos, mas que sempre se propôs a estar perto da juventude, de saber o que estava acontecendo em relação a tudo”, contou à reportagem.

Tay, que é uma pessoa trans não binária e prefere ter a referência de linguagem neutra ou no masculino, destacou a importância de Leci sempre levantar temas que muitas vezes se tornaram lutas contra o preconceito e o racismo. Ele também elogiou o trabalho de direção de Luiz Antônio Pilar.

“O Pilar é um diretor de anos e uma referência para a gente, tanto no teatro, como no cinema. Vê-lo ganhar esses prêmios tão merecidos pela sua genialidade e por juntar um elenco para ficar tanto tempo como estamos, é um mérito dele e nosso também que conseguimos captar o que está na cabeça dele”, concluiu Tay.

Benção

Dona Lecy, mãe da cantora, é representada desde pela atriz Verônica Bonfim, que se emociona ao falar de sua participação no musical. Toda vez que vai entrar no palco, ela faz questão de firmar o pensamento em Dona Lecy e pedir a bênção para a sua apresentação. Trata-se de mais uma representação do respeito do elenco à artista homenageada.

“Tenho muita certeza de que Dona Lacy me abençoou desde o início. Toda vez que entro em cena peço licença a ela e peço para ela me abençoar e me cuidar. Não teve um dia nesses dois anos que antes de pisar em cena eu não tenha pedido licença a ela e para ela entrar comigo.”

Verônica conta que é uma honra interpretar a mãe de Leci Brandão, mulher que forjou tudo que a filha é. “Eu me inspirei na minha mãe para fazer dona Lecy e quando Leci Brandão foi nos assistir e chorou e veio me pedir bênção e falou para mim ‘minha filha eu chorei o espetáculo inteiro porque vi minha mãe’, eu ali ganhei um Oscar! Para mim foi o maior prazer que poderia ganhar na minha vida. Eu estava com medo dela não aprovar e quando ela falou isso eu falei: ufa!”.

Processo criativo

O ator Sergio Kauffmann interpreta todos os personagens masculinos da vida de Leci, e revela que o trabalho dos atores começou como um processo criativo. A partir do texto, eles tiveram a oportunidade de criar seus personagens com diversas colaborações.

“Quando a gente chegou já tinha delineado uma dramaturgia pensada pelo Leonardo Bruno”, conta o ator, que complementa: “a gente ficava revirando as músicas improvisando as cenas e muito do que a gente foi construindo foi entrando nesse novo formato de dramaturgia”.

Entre os papéis masculinos que Kauffmann representa está o de Exu que aparece logo na abertura do musical. “Para mim foi muito especial porque eu faço o Zé do Caroço, o Exu e tem uma relação familiar com a religiosidade afro-brasileira. Venho de uma comunidade de terreiro da minha avó e ser um Exu contando aquela história faz me reconectar com as experiências que tive na casa da minha avó, que está ativa até hoje na Vila da Penha”, relatou.

A atriz Verônica Bomfim (de verde) interpreta a mãe de Leci, Dona Lecy. Sergio Kauffmann interpreta todos os personagens masculinos e Tai O’Hara interpreta Leci Brandão – Fernando Frazão/Agência Brasil

Para o ator, ao longo da temporada o elenco entendeu que a história de Leci Brandão vai muito além do que ela viveu.

“Muita gente sai do espetáculo falando ‘caramba eu vi a minha história ali também e a história da minha avó, da minha tia e de diversas outras pessoas negras’, então, para mim, foi muito especial por conta disso. A gente está saudando uma mestra, mas ao mesmo tempo a gente está colocando a nossa vivência e a nossa história. Fazer desde o início deu margem para a gente pensar nesse lugar do quanto a gente também coloca a nossa história ali.”

“Ela é uma pessoa visionária, muito humana e muito conectada com direitos humanos e em muitas camadas. Se debruçando na história dela parece que vai fazendo sentido ver que hoje ela tem uma vida como deputada engajada politicamente, mas já estava em uma luta constante”, diz Kauffmann.

Sergio Kauffmann lembra do dia em que Leci estava presente em uma apresentação do musical, no Itaú Cultural em São Paulo. “No final ela levantou para agradecer e falou que queria mandar um abraço para as pessoas que estavam encarceradas. Eu também penso muito nessas pessoas, já cantei em prisões e aquilo me marcou muito. Ela estava assistindo o espetáculo e lembrou de pessoas que tentam sobreviver em encarceramento, porque em algum momento conectou com a agenda dela. Isso me emocionou muito”, revelou.

“Ela está realmente conectada com as questões históricas, políticas, os dilemas sociais de uma maneira muito ampliada para além do samba dela, do compromisso do samba que é uma luta e também na luta política. É uma artista admirável e completa, muito coerente”, completou.

O ator lembrou da frase que reproduz uma fala de Leci Brandão e simboliza bem o comportamento dela ao longo da vida.

“Fazer da espada, escudo, baqueta e tamborim. Ela realmente faz da luta dela, da espada, escudo, baqueta e tamborim. O samba é a luta primordial dela. Tudo que está fazendo agora como parlamentar nos últimos anos nesses mandatos é uma consequência quase que natural de uma pessoa compromissada com os dilemas sociais.”

Mega-Sena sorteia nesta quinta-feira prêmio acumulado em R$ 50 milhões

As seis dezenas do concurso 2.773 serão sorteadas, a partir das 20h (horário de Brasília), no Espaço da Sorte, localizado na Avenida Paulista, nº 750, em São Paulo.

O sorteio terá transmissão ao vivo pelo canal da Caixa no YouTube e no Facebook das Loterias Caixa. O prêmio está acumulado em R$ 50 milhões.

As apostas podem ser feitas até as 19h (horário de Brasília), nas casas lotéricas credenciadas pela Caixa, em todo o país ou pela internet. O jogo simples, com seis números marcados, custa R$ 5.

Polícia intensifica ação contra roubo de veículos e cargas no Rio

As polícias Civil e Militar iniciaram, nessa quarta-feira (11), a 2ª fase da Operação Torniquete para reprimir roubos de veículos e de cargas no estado do Rio. As diligências ocorreram na Baixada Fluminense e na zona norte da capital.

Cinco pessoas foram presas e uma carga roubada de biscoito, avaliada em cerca de R$ 9 mil, foi recuperada. Na ação também foram apreendidos armas, drogas (maconha, cocaína e crack) e radiocomunicadores.

O governador Cláudio Castro disse que as forças de segurança trabalham para combater o crime no Rio. “As ações integradas entre as polícias Civil e Militar demonstram como nossos investimentos em inteligência têm sido essenciais para enfrentar a violência. Continuaremos fechando o cerco para combater toda e qualquer organização criminosa que atua no estado”, afirmou.

As ações são feitas com base em investigações das delegacias de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) e Roubos e Furtos de Cargas (DRFC). Contam também com informações de inteligência e dados do Instituto de Segurança Pública.

Entre os detidos está um homem com nove anotações criminais e que já foi preso por envolvimento em roubo de cargas, praticado em maio deste ano. A pistola automática encontrada com ele foi roubada de um militar da Marinha no início deste mês, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Durante a primeira fase da operação, entre novembro de 2022 e setembro de 2023, houve queda nos índices criminais. Em julho de 2023, os roubos de cargas e de veículos na região metropolitana registraram os menores números de casos desde janeiro de 2019.

Flamengo e Bahia jogam por vaga na semifinal da Copa do Brasil

Flamengo e Bahia se enfrentam, a partir das 21h45 (horário de Brasília) desta quinta-feira (12) no estádio do Maracanã, em busca de uma vaga nas semifinais da Copa do Brasil. Após vencer o confronto de ida das quartas de final por 1 a 0, o Rubro-Negro da Gávea avança até mesmo com um empate na partida que contará com a transmissão da Rádio Nacional.

Apesar de atuar diante de sua torcida e de contar uma pequena vantagem construída no confronto de ida, a equipe comandada pelo técnico Tite terá um enorme desafio pela frente. Isto porque não poderá com jogadores importantes.

Pedro, Michael, Cebolinha e os uruguaios De La Cruz está e Viña são ausências certas por causa de problemas físicos. Também estão fora os reforços Alex Sandro, Alcaraz e Gonzalo Plata, que ainda não estão regularizados para defender o Rubro-Negro na Copa do Brasil, além de Carlinhos, que defendeu o Nova Iguaçu pela competição.

A expectativa fica por conta do aproveitamento de Varela, Pulgar, Gerson e Fabrício Bruno, que estiveram em ação na Data Fifa. Com isso, o Flamengo deve entrar em campo com: Matheus Cunha; Varela, Fabrício Bruno, Léo Pereira e Ayrton Lucas; Léo Ortiz, Pulgar, Gerson e Arrascaeta; Luiz Araújo e Bruno Henrique.

Já o Bahia terá de exorcizar um incômodo tabu para avançar na competição. Isso porque Rogério Ceni, como técnico, nunca venceu ou empatou com o Flamengo, apenas perdeu. Para tentar alcançar este objetivo o Tricolor vai contar com força máxima, e deve entrar no gramado com: Marcos Felipe; Santiago Arias, Gabriel Xavier, Kanu e Luciano Juba; Caio Alexandre, Jean Lucas, Everton Ribeiro e Cauly; Thaciano e Everaldo.

Transmissão da Rádio Nacional

A Rádio Nacional transmite Flamengo e Bahia com a narração de Rodrigo Campos, comentários de Rodrigo Ricardo e reportagem de Bruno Mendes. Você acompanha o Show de Bola Nacional aqui: