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COP30 deverá destacar financiamento climático e participação social

A 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA) em novembro de 2025, deverá priorizar a discussão do financiamento climático para países em desenvolvimento e também a participação social. A avaliação é da diretora da Fundação Europeia do Clima, Laurence Tubiana, que está no Brasil para participar de eventos paralelos ao G20. 

Ela apresentou a representantes brasileiros os detalhes da força-tarefa criada para debater a necessidade de mobilizar recursos financeiros para apoiar a transição dos países em desenvolvimento e vulneráveis ​​para uma economia de baixo carbono. O grupo é liderado pela Fundação Europeia do Clima, em parceria com os governos da França, do Quênia e de Barbados e já tem o apoio de países como Espanha e Colômbia. Segundo a diretora, a ideia foi bem recebida no Brasil.

“Existe a questão do financiamento internacional, essa é uma das razões da minha vinda aqui, para buscar novas fontes de financiamento, inclusive trabalhando a partir de novas formas de tributação internacional. Sabemos que existem fluxos de atividades que não têm contribuído no âmbito fiscal e que deveriam contribuir, pois se trata de um problema coletivo, sobretudo para os países em desenvolvimento que precisam desses recursos adicionais”, disse Laurence em entrevista na Embaixada da França. 

Na última quinta-feira (22), a diplomata se reuniu com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Um dos temas tratados foi a necessidade da participação da sociedade civil nas discussões da COP30, inclusive com as comunidades indígenas. 

“Acredito que as comunidades indígenas da Amazônia têm muito para contribuir, sobretudo no combate às mudanças climáticas e na proteção da biodiversidade. Elas precisam ocupar um espaço não apenas simbólico na definição de um plano nacional”, disse. 

A diretora elogiou o Plano de Transição Ecológica do Brasil, que busca impulsionar o desenvolvimento baseado em preservação ambiental e combate às mudanças climáticas. Segundo ela, além de combater as mudanças climáticas, o plano traz propostas para o desenvolvimento econômico, o combate à pobreza e às desigualdades. “Até agora, acredito que o plano é bastante convincente e coerente, é claro que precisa ser implementado”. 

Laurence Tubiana também criticou a participação do setor petroleiro nas últimas conferências do Clima, especialmente na última edição realizada nos Emirados Árabes. “É importante que eles contribuam, mas não precisam estar no centro dos debates”. 

Em Brasília, a diretora também esteve com o assessor especial do presidente da República, Celso Amorim, com representantes do Ministério da Fazenda, de Minas e Energia, do Itamaraty e do Banco Central, além de representantes de entidades da sociedade civil. Na próxima semana, ela vai participar do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas, em São Paulo, em painel sobre as últimas tendências para o fortalecimento dessa agenda.

Antes de entrar para a Fundação Europeia do Clima, Laurence foi embaixadora da França para Mudanças Climáticas e representante especial para a COP21, atuando como uma das principais articuladoras do Acordo de Paris.

Planejamento antecipa R$ 30,1 bilhões de precatórios para 2024

Os R$ 30,1 bilhões em antecipação de precatórios em 2024 foram repassados ao Poder Judiciário e dependem apenas da gestão dos tribunais para serem pagos, informou, em Brasília, o Ministério do Planejamento. O processo foi concluído no último dia 20, com o crédito suplementar que remanejou R$ 10,7 bilhões do Orçamento para a quitação dos débitos.

Neste sábado (24), o Ministério do Planejamento publicou o detalhamento dos R$ 30,1 bilhões antecipados. A maior parte – R$ 14,75 bilhões – corresponde a precatórios relacionados a despesas de custeio (manutenção da máquina pública) e capital (como investimento e amortizações).

Um total de R$ 11,85 bilhões refere-se a precatórios do extinto Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef). Esses recursos se destinam à educação, sobretudo para valorização do pessoal do magistério nos estados e municípios.

Existem ainda R$ 2,74 bilhões em precatórios de grande valor, R$ 541 milhões relacionados à Previdência Social e R$ 223 milhões para despesas judiciais com o funcionalismo público.

A antecipação não impactará a meta do governo de zerar o déficit primário, resultado negativo das contas do governo sem os juros da dívida pública, em 2024. Isso porque os recursos já estão previstos no Orçamento Geral da União deste ano.

Dívidas do governo com sentença judicial definitiva, os precatórios foram antecipados para zerar o passivo aberto com a emenda constitucional de 2021 que permitiu o parcelamento dos débitos acima de 60 salários mínimos. Caso não fosse feita a antecipação, o passivo chegaria a R$ 200 bilhões no fim de 2026.

Passivo zerado

Em novembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal autorizou a antecipação dos precatórios fora do limite de gastos do novo arcabouço fiscal e do cálculo do resultado primário. No mês seguinte, uma medida provisória autorizou o pagamento de R$ 93,1 bilhões.

Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, dos R$ 93,1 bilhões totais, R$ 15,8 bilhões referiam-se ao passivo acumulado desde 2022 e R$ 44,3 bilhões eram relativos a valores não pagos este ano. Havia ainda R$ 32,3 bilhões não previstos no Orçamento de 2024 e R$ 714 milhões relativos ao recolhimento da contribuição patronal (contribuição para a Previdência do serviço público) originada do pagamento de precatórios a servidores públicos.

Mesmo com a antecipação dos R$ 32,3 bilhões no fim do ano passado, faltavam R$ 30,1 bilhões previstos no Orçamento deste ano. De acordo com o Ministério do  Planejamento, com a antecipação executada nesta semana, os passivos da emenda constitucional dos precatórios estão zerados.

Segundo o Orçamento de 2024, existem ainda R$ 36,3 bilhões em cumprimento de sentenças judiciais a serem quitados neste ano, mas esses recursos se destinam a requisições de pequeno valor (RPV), precatórios de até 60 salários mínimos não abrangidos pela emenda constitucional de 2021.

Plano da Light prevê pagamento de até 60% dos credores em 90 dias

A Light SA protocolou nessa sexta-feira (23), nos autos de sua recuperação judicial, um aditamento ao plano apresentado em julho de 2023. O novo plano preserva a capacidade de investimentos da companhia nos 31 municípios do Rio de Janeiro. A proposta também assegura a sustentabilidade econômico-financeira da Light, com a previsão de pagamento em condições vantajosas aos credores apoiadores que aderirem ao plano. O documento prevê pagamento integral de até 60% dos credores em 90 dias.

O plano prevê o aporte de novos recursos de até R$ 1,5 bilhão, sendo intenção dos acionistas de referência o aporte de R$ 1 bilhão.

“Nos últimos seis meses, a Light e seus assessores jurídicos e financeiros estiveram abertos a ouvir e negociar com todos os seus credores. “A companhia está apresentando um plano que visa maior alinhamento aos interesses de seus credores, sem colocar em risco a qualidade da prestação dos serviços de distribuição de energia a 4,5 milhões de clientes do Rio de Janeiro e uma população de 12 milhões habitantes”, diz a Light.

A conclusão do processo de recuperação judicial da Light tem como premissa uma condição econômico-financeira que garanta a sua sustentabilidade. No entender da companhia, as propostas apresentadas pelos credores até agora não levaram em consideração as reais necessidades de investimento da empresa, que deverão aumentar, sobretudo, depois das novas regras para a renovação da concessão que ainda serão anunciadas. Por isso, a Light optou por apresentar um novo plano, onde atende às demandas apresentadas por credores e garante o cumprimento dos compromissos setoriais e com a sociedade.

Peça, documentário e música homenageiam mortos da Vila Socó

“Não devemos esquecer os nossos irmãos da Vila Socó, transformados em cinzas, lixo em pó. A tragédia da Vila Socó mostra como o trabalhador é explorado, esmagado sem nenhum dó”.

Foi assim que, em 1984, o compositor Gilberto Mendes (1922-2016) descreveu a peça que compôs para coro chamada Vila Socó Meu Amor. A peça foi sua forma de homenagear as vítimas do incêndio ocorrido na madrugada dos dias 24 e 25 de fevereiro de 1984, em Cubatão, e que devastou a população que vivia no bairro.

Em depoimento ao pianista, professor e amigo José Eduardo Martins, publicado na edição de dezembro de 1991 da revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Mendes destacou ter escrito a música não só como uma homenagem, mas também como denúncia. “O descaso não tem fim”, escreveu o compositor na época.

“Com minha música, pretendi ter feito alguma coisa in memoriam dos mortos por aquela verdadeira bomba de Hiroshima que foi a explosão da Vila Socó. Por isso a lembrança, no título, do [diretor francês] Alain Resnais, da imensa piedade pelo destino dos homens, que seu extraordinário filme [Hiroshima meu amor] comunica. Meu colega Celso Delneri dirigia um coral feminino no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP e me havia pedido uma música. O horror diante da terrível notícia deu-me o impulso”, comentou Mendes.

Vila Socó Meu Amor não é a única expressão cultural que procura manter viva a memória daquele incêndio que, oficialmente, vitimou 93 pessoas, mas pode ter realmente matado 508. Outras manifestações culturais como o teatro e o cinema também têm buscado resgatar essa memória.

Teatro

Esse é o caso, por exemplo, da peça Vila Socó, do coletivo 302, que estreará ainda neste ano. A peça é parte de uma trilogia industrial sobre a cidade de Cubatão, que teve início com uma peça sobre a Vila Parisi, passou pela Vila Fabril e que se encerra com a Vila Socó. “Essa história representa a gente contar um pouco sobre nossos antepassados, sobre nossa cidade e entender como chegamos nesse ponto em que estamos hoje na cidade de Cubatão. Para nós, artistas, é uma maneira de se fazer Justiça nessa cidade e sermos contemporâneos de teatro”, explicou Matheus Lípari, 29 anos, performer e iluminador da peça.

Essa memória vem sendo reavivada há mais de um ano pelo coletivo por meio de pesquisas e depoimentos de pessoas que viveram o incêndio. E contará até mesmo com uma experiência pessoal. Um dos atores e diretores do coletivo, Douglas Lima, 34 anos, por exemplo, nasceu pouco tempo depois do incêndio e passou sua infância na Vila Socó. “Minha mãe e meu pai moravam na Vila São José (antiga Vila Socó) na época do incêndio. São sobreviventes”, contou ele à Agência Brasil.

Cinema

Antes da peça, o curta documental Uma Tragédia Anunciada, dirigido pelo produtor audiovisual Diego Moura e que pode ser assistido gratuitamente no YouTube, já buscava reavivar as lembranças e consequências daquele incêndio. Exibido pela primeira vez em 2014, quando a tragédia completou 30 anos, Uma Tragédia Anunciada entrevista diversas pessoas que presenciaram o incêndio.

“Eu cresci no bairro de Vila São José, a poucos metros de onde a tragédia aconteceu. Então, eu cresci ouvindo histórias, vendo vídeos registrados nas antigas fitas VHS e, em 2010, ingressei na faculdade de cinema. Com o tempo, percebi que a memória dessa lembrança estava se perdendo, os jovens não conheciam a história. O curta fez parte inicialmente de um mero trabalho para faculdade, mas acabou se tornando o impulsor para que a memória das vítimas da tragédia e da cidade fossem relembrados e, mais do que isso, para que fosse aberta uma nova discussão sobre os efeitos da industrialização desenfreada que aconteceu na cidade de Cubatão, nas décadas de 60 e 70, e que culminou nessa tragédia na década de 80”, disse Moura, à Agência Brasil.

Durante a produção do documentário, Moura se surpreendeu com os depoimentos das vítimas do incêndio. “Durante as gravações, conheci muitas histórias impactantes e, se há algo que me revolta até hoje, foi como esse processo foi conduzido na época da tragédia. Houve omissão total das autoridades: nos dados oficiais dizem que morreram ‘apenas 93 vítimas’, porém os relatos das pessoas do local dizem que foi muito mais que isso”, aponta.

Conhecer o passado

A intenção da música, da peça e do documentário para cinema sobre a Vila Socó é impedir o apagamento de um incêndio que pode ter sofrido uma tentativa de abafamento durante a ditadura militar. “Reduzir o impacto da tragédia tinha três objetivos básicos: evitar a repercussão nacional e internacional para a empresa [Petrobras], reduzir o custo das indenizações e garantir a impunidade. E isso tudo foi feito”, avaliou o advogado e jornalista Dojival Vieira, durante depoimento à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, em 2014.

Brasília (DF) 22/02/2024 – Vila Socó (hoje Vila São José), em Cubatão. O incêndio foi causado por vazamento de combustíveis de oleodutos que ligavam a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC) ao terminal portuário da Alemoa. Foto: Biblioteca Municipal de Cubatão/Divulgação – Biblioteca Municipal de Cubatão/Divulgação

Mas levar a Vila Socó para os palcos e para a tela grande é também uma forma de buscar entender o passado e evitar sua repetição no futuro. “O papel da arte em contar uma história é, para mim, sempre trazer à tona as histórias em si para que elas não sejam esquecidas, para que o apagamento não aconteça. O papel da arte é fazer com que essa história não seja esquecida e para que as futuras gerações possam lembrar disso e saber sobre o que aconteceu, de fato, nesse dia. Com essa história, vamos tentar resgatar memórias, resgatar a ancestralidade e fazer com que isso não seja esquecido e para que não aconteça nunca mais”, disse Sandy Andrade, 30 anos, atriz e produtora da peça teatral.

“Cada vez mais, a arte e o cinema são usados para trazer para a atualidade temas que foram deixados de lado. Cada vez mais são produzidos conteúdos sobre nosso passado. E especialmente nesse caso da Vila Socó, o cinema foi a ferramenta que tínhamos para trazer essa memória tão desagradável. Eu acho que as vítimas mereciam isso, como uma forma de homenagem. Essas mesmas vítimas que foram esquecidas e negligenciadas pelas autoridades. Acredito que um dos papéis da arte é esse: mostrar e lembrar os nossos erros para que não sejam cometidos novamente”, acrescentou Moura.

Fiocruz alerta para aumento da taxa de suicídio entre criança e jovem

A taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% por ano no Brasil entre 2011 a 2022, enquanto as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 anos de idade evoluíram 29% ao ano no mesmo período. Os números apurados superam os registrados na população em geral, cuja taxa de suicídio apresentou crescimento médio de 3,7% ao ano e de autolesão de 21% ao ano, no período analisado.

Os resultados foram apurados na análise de quase 1 milhão de dados pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard, e constam de estudo recém-publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas. Para chegar às conclusões, a equipe analisou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.

A pesquisadora do Cidacs/Fiocruz e líder da investigação, Flávia Jôse Alves, verificou que as taxas de notificação por autolesões aumentaram de forma consistente em todas as regiões do Brasil no período citado. “Isso também aconteceu com o registro geral de suicídios, que teve um crescimento médio de 3,7% ao ano”, explica Flávia.

Raça e etnia

Apesar da redução de 36% no número de suicídios em escala global, as Américas fizeram o caminho inverso, apontou Flávia. No período compreendido entre 2000 e 2019, a região teve aumento de 17% nos casos, enquanto, no Brasil, o número subiu 43%. Em relação aos casos de autolesões no Brasil, a pesquisa do Cidacs/Fiocruz constatou que, em 2022, houve aumento das taxas de notificação em grupos de todas as faixas etárias, desde os 10 anos até maiores de 60 anos de idade.

A pesquisa avaliou também os números de suicídios e autolesões em relação à raça e etnia no país de 2000 a 2019. Enquanto há um aumento anual das taxas de notificação por essas lesões autoprovocadas em todas as categorias analisadas, incluindo indígenas, pardos, descendentes de asiáticos, negros e brancos, o número de notificações é maior entre a população indígena, com mais de 100 casos a cada 100 mil pessoas.

Embora tenha apresentado maior número de notificações, a população indígena mostrou menores taxas de hospitalização, apontou a pesquisadora. “Esse é um indício forte de que existem barreiras no acesso que essa população tem aos serviços de urgência e emergência. Existem diferenças entre a demanda de leitos nos hospitais e quem realmente consegue acessá-los, e isso pode resultar em atrasos nas intervenções”, segundo Flávia.

Covid-19

O estudo confirma que durante a pandemia da covid-19, aumentaram as discussões sobre transtornos mentais como ansiedade e depressão, decorrentes da mudança da dinâmica nas relações sociais. Porém, de acordo com Flávia Jôse, o registro de suicídios permaneceu com tendência crescente ao longo do tempo, sem alteração no período da pandemia. “Outras pesquisas já relataram que as taxas de suicídio no período se mantiveram estáveis. O principal aqui é que, independentemente da pandemia, o aumento das taxas foi persistente ao longo do tempo”, explicou.

De acordo com os pesquisadores do Cidacs/Fiocruz Bahia, ter dados de qualidade disponíveis é uma estratégia importante de prevenção e monitoramento do suicídio, apesar de o acesso a esses dados ainda ser um problema grande no mundo todo, seja por estigma ou por questões legais: “O Brasil sai na frente nesse sentido, porque tem três diferentes bases de dados com essas informações e elas podem ser usadas para revelar evidências que a gente pode não ver ao analisar um banco único”, disse Flávia.

Estudos anteriores do Cidacs/Fiocruz já associaram o aumento do número de suicídios com o aumento das desigualdades sociais e da pobreza e com o crescimento da prevalência de transtornos mentais, que causam impacto direto nos serviços de saúde, além de relatar as variações nas taxas em relação a cada região. Segundo Flávia, o estudo atual enfatizou a importância de mais políticas e intervenções: “Estamos reforçando a necessidade de mais estratégias de prevenção ao suicídio ao trazermos estes resultados”, sustentou.

Alarme

A psiquiatra Alessandra Diehl, membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), vê com bastante preocupação o resultado do estudo do Cidacs/Fiocruz Bahia. “São dados alarmantes que vão sinalizando que essa população (crianças e jovens) é de fato mais vulnerável a transtornos psiquiátricos e, entre eles, o espectro da automutilação e o sintoma de suicídio dentro de vários quadros psiquiátricos”, comentou a doutora Alessandra nesta quarta-feira (21), em entrevista à Agência Brasil.

Avaliou que isso tem um reflexo multifatorial. “Acho que um deles, muito preocupante nesse cenário, é que, apesar dessas estatísticas imensas, nós não temos hoje, no Brasil, na rede pública principalmente, serviços de atenção mais capilarizados para a infância e a adolescência”. Admitiu que existem iniciativas em todo o país, mas acredita que a saúde mental do adolescente e da criança ainda está sendo negligenciada.

Segundo Alessandra Diehl, existe um estigma de que as crianças estão sendo “psiquiatrizadas”. “Eu acredito que, se a gente pudesse ofertar tratamento de uma forma mais precoce, a gente minimizaria essas estatísticas”. Na opinião da psiquiatra, esse é o grande “pulo do gato”, envolvendo tratamento precoce e, principalmente, medidas preventivas, que “são salutares, necessárias e urgentes para essa população”. Em relação aos adolescentes, em especial, Alessandra chamou a atenção que, na fase de transição da sexualidade, enfrentam mudanças que podem levar também ao uso de álcool e drogas, o que requer o olhar atento dos pais e da sociedade.

Informação

Para a psicóloga Paula Zanelatto, que atua em projeto na Rocinha procura estimular o debate sobre o suicídio entre jovens da comunidade, como forma de promoção da saúde mental, afirmou à Agência Brasil que, de modo geral, há fatores de risco que influenciam bastante crianças e adolescentes na questão do suicídio. Entre eles, citou o isolamento; o tabu de conversar sobre o assunto, “como se falar sobre isso fosse gerar mais vontade de fazer. Escutando tanto as famílias como os jovens, eu acredito que tem esse inconsciente coletivo de que falar influencia, o que é muito pelo contrário. É tabu”. Outros fatores incluem o bullying, casos de violência sexual e doméstica. “Tem diversos fatores que vão influenciar para esse índice crescente do suicídio ou da tentativa de suicídio”.

Paula explicou que a principal razão diagnóstica que leva ao suicídio é o transtorno de humor, traduzido por bilaporidade ou depressão. Informou que 35% das pessoas que tentam o suicídio têm algum tipo de transtorno de humor. Aí se encaixa o borderline, que é um transtorno mental grave, caracterizado por um padrão de instabilidade contínua no humor, em que um dos critérios de diagnóstico são as autolesões, ou cortes, muito fortes entre os jovens. “Eles relatam para mim que marcar o corpo ou cortar o corpo é uma forma de aliviar a dor”. Não se trata, porém, de uma dor física, mas de uma dor emocional. “É uma angústia que eles não sabem definir de onde vem. Eles não conseguem dar nome a essa angústia ou a esse vazio enorme”.

O trabalho na Rocinha resulta de parceria entre a Clínica Jorge Jaber e a Associação Sociocultural Semearte, que promove teatro e dança na região, e envolve cerca de 140 alunos na faixa etária de 13 a 22 anos que participam de encontros com profissionais da área de psiquiatria, englobando palestras, rodas de conversa e arte. Paula Zanelatto informou que, na verdade, o projeto fala de prevenção ao suicídio. “Para mim, a grande forma de ajudar é levando informação, fazendo palestras, rodas de conversa, conversando sobre o assunto, desmistificando esse assunto. E, com isso, abrindo um canal para que eles (crianças e jovens) possam falar sobre (o suicídio), tirar dúvidas e pedir ajuda”. Cerca de 70 alunos do Semearte já se tornaram multiplicadores das informações sobre o suicídio.

Paula afirmou que suicídio, ou tentativa de suicídio, é uma doença. “Não é frescura, não passa sozinho e é classificado em todo o mundo como uma doença. Quando você leva essa informação para o jovem, você começa a abrir a sua mente”. O projeto da Rocinha será apresentado em Budapeste, na Hungria, em abril deste ano, durante o 32º Congresso Europeu de Psiquiatria.

Ajuda

Formado exclusivamente por voluntários, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional e prevenção do suicídio gratuitamente. A pessoa que procura o CVV porque está se sentindo solitário pode conversar de forma sigilosa, sem julgamentos, críticas ou comparações com os voluntários da instituição, que atua em todo país. O atendimento é realizado pelo telefone 188 (24 horas por dia e sem custo de ligação) e pelo chat nos seguintes dias e horários: domingos, de 17h à 1h; de segunda a quinta-feira, de 9h à 1h; na sexta-feira, de 15h às 23h; e nos sábados, de 16h à 1h.

Outros canais receber atenção e auxílio são o Mapa da Saúde Mental, que traz uma lista de locais de atendimento voluntário online e presencial em todo país, e o Pode Falar, canal lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de ajuda em saúde mental para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. Funciona de forma anônima e gratuita, indicando materiais de apoio e serviço.

Governo agiliza ações para reduzir impacto das chuvas no estado do Rio

Os efeitos das fortes chuvas que atingiram o estado do Rio de Janeiro preocupam autoridades. Secretários do governo do estado se reuniram nessa sexta-feira (23), na Câmara Municipal de Japeri, na Baixada Fluminense, com representantes do governo federal e prefeitos de cidades atingidas pelas fortes chuvas desta semana, visando facilitar e agilizar a redução dos impactos causado pelos temporais.

Os secretários de Estado de Governo, Bernardo Rossi, e de Defesa Civil, coronel Leandro Monteiro, receberam as demandas dos municípios para aprimorar as ações iniciadas de apoio à população.

Eles destacaram o investimento de R$ 4,3 bilhões em obras, por meio do programa Pacto-RJ, lançado em 2021, cujo objetivo é a retomada econômica e social do estado.

O programa prevê investimentos de R$ 17 bilhões para garantir o crescimento sustentável em todos os 92 municípios do Rio de Janeiro nas áreas de infraestrutura, desenvolvimento social, saúde, educação, segurança, desenvolvimento econômico, meio ambiente, cultura e lazer.

Apoio para as prefeituras

Segundo informou Rossi, a determinação do governador Cláudio Castro é que os secretários acompanhem de perto e coloquem à disposição toda a estrutura estadual para apoiar os prefeitos das cidades prejudicadas pelas fortes chuvas.

Chuvas derrubaram árvores em várias cidades do estado do Rio  – Reuters/Direitos Reservados

“Sobrevoamos várias áreas atingidas pelas chuvas e em todas há maquinários do estado. Temos mais de 100 máquinas e centenas de homens trabalhando para o retorno da normalidade”, garantiu Rossi.

Participaram da reunião o secretário Especial de Assuntos Federativos, André Ceciliano; o secretário nacional de Proteção e Defesa Civil, Wolney Wolf; e o diretor do Departamento de Emergências em Saúde Pública do Ministério da Saúde, Márcio Henrique de Oliveira Garcia. Prefeitos e representantes de Nova Iguaçu, Barra do Piraí, Mendes, Engenheiro Paulo de Frontin, Paracambi, Japeri, Queimados e Varre-Sai estavam presentes.

Insumos

Desde as primeiras chuvas de janeiro, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos entregou 33 mil insumos e 30 mil refeições prontas nas áreas impactadas pelas chuvas. Nos últimos dois dias, 1.600 refeições foram distribuídas em Japeri, Paracambi e Nova Iguaçu.

A secretária de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Rosangela Gomes., comunicou que  equipes estão trabalhando incansavelmente desde as chuvas de janeiro. “Produzimos alimentos para agilizar o atendimento às famílias. Já foram entregues até hoje mais de 30 mil refeições prontas. E seguimos à disposição das prefeituras para dar suporte e apoiar de forma integral”, salientou.

Bombeiros

Militares do Corpo de Bombeiros foram acionados para mais de 160 ocorrências relacionadas às chuvas. Cerca de 100 vítimas foram salvas pelas equipes em todo o estado, desde a noite de quarta-feira (21). Sete mortes foram confirmadas pela corporação, embora o governo do estado tenha divulgado oito óbitos até o momento.

O secretário de Estado da Defesa Civil, coronel Leandro Monteiro, disse que o governo vem trabalhando firme há mais de 44 horas, sem interrupção, em todos os municípios atingidos. “Ambulâncias, barcos de alumínio para socorro a pessoas ilhadas por inundações e alagamentos, drones e aeronaves auxiliam o trabalho dos nossos militares”, assegurou.

Mega-Sena pode pagar hoje prêmio de R$ 110 milhões

O concurso 2.692 da Mega-Sena pagará neste sábado (24) R$ 110 milhões aos apostadores que acertarem as seis dezenas a serem sorteadas.

As apostas podem ser feitas até as 19h (horário de Brasília) nas casas lotéricas credenciadas pela Caixa em todo o país ou pela internet.

O jogo simples – com seis dezenas marcadas – custa R$ 5. O sorteio será realizado no Espaço da Sorte, em São Paulo.

 

 

Ucrânia: guerra completa 2 anos com fracasso de sanções contra Rússia

A invasão da Ucrânia pela Rússia completou 2 anos neste sábado (24) com o fracasso, ao menos até o momento, da estratégia dos Estados Unidos e aliados de, por meio de sanções econômicas, forçar a Rússia a retirar as tropas do campo de batalha. Para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, a situação da Rússia hoje é mais confortável do que a da Ucrânia na guerra.

Após retrair 1,2% em 2022, no primeiro ano da guerra, a economia russa cresceu 3,6% em 2023, mostrando que o conflito e as sanções ainda não tiveram os efeitos esperados pelos adversários de Moscou. No terceiro trimestre de 2023, a economia russa registrou crescimento de 5,5%.

Para o Fundo Monetário Internacional (FMI), esse é um crescimento frágil porque é sustentado pelos gastos militares impulsionados por recursos do Estado, segundo noticiou a Reuters.

De toda forma, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, redobrou a aposta e anunciou, na véspera do aniversário do conflito, mais 500 sanções econômicas contra o gigante euroasiático. 

O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni destacou que a expectativa do Ocidente, no começo da guerra, era a de vencer o conflito por meio do isolamento econômico e político de Moscou. 

Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni – Foto: Arquivo Pessoal

“Esperava-se que a Rússia logo entraria em recessão e não teria condições de financiar uma guerra muito prolongada, e que as sanções econômicas, especialmente as contra a exportação de petróleo e gás, junto com a retirada da Rússia do sistema de pagamentos internacional, iriam isolar o país e ele seria estrangulado econômica e financeiramente. Isso não só não aconteceu, como a Rússia teve um crescimento surpreendente”, afirmou.

O professor, que também é coordenador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil, acrescentou que a Rússia conseguiu contornar o bloqueio econômico se aproximando do mercado asiático, especialmente o chinês.

“Se dá uma inédita aliança entre a Rússia e a China, que foi sacramentada num acordo feito entre o presidente [da China] Xi Jinping e o presidente [da Rússia] Vladimir Putin, dia 4 de fevereiro de 2022, ou seja, 18 dias antes do início da guerra”, explicou Maringoni.

Sanções

O professor de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Robson Valez destacou também que as sanções não foram capazes de deter o objetivo de Vladimir Putin de anexar as províncias do leste da Ucrânia.

“As sanções econômicas são uma arma muito utilizada pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Temos o exemplo das sanções contra Cuba, desde a década de 60, sanções econômicas contra Venezuela, sanções econômicas contra o Irã. E em nenhum desses países a gente viu uma mudança de regime, uma mudança do poder Executivo por conta dessas sanções”, avalia.

Valdez acrescentou que as pesquisas sobre sanções econômicas têm mostrado, ao contrário, que “são pouco efetivas e acabam sendo instrumentalizadas por esses líderes para colocar a população local contra os países que apoiam esse tipo de sanção”.

Outra consequência das sanções e da guerra, para o especialista, foi a maior união dos principais adversários de Washington, China, Rússia e o Irã. “Os principais adversários dos Estados Unidos no campo internacional acabaram se beneficiando desse contexto de conflito na Ucrânia”, acrescentou.

Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) Robson Valdez – Foto: Arquivo Pessoal

Favoritismo

A situação da Rússia hoje na guerra está mais favorável do que a da Ucrânia e de seus aliados, na avaliação do professor Robson Valdez, que também é pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-americanos da Universidade de Brasília (UnB).  

“As evidências apontam, passado esses 2 anos, que os custos políticos e econômicos dessa guerra têm sido mais desfavoráveis à Ucrânia e seus aliados do que a Putin e a economia russa”, disse.

Por isso, o professor acredita que será difícil para a Ucrânia evitar, com o fim da guerra, a perda de territórios. “Não vejo um cenário possível de negociação de paz, encerramento do conflito, sem perda territorial e sem algum tipo de desmilitarização por parte da Ucrânia”, acredita.

Posição semelhante tem o professor da UFABC Gilberto Maringoni, para quem a Rússia está vencendo a guerra. O especialista lembra que as eleições na Europa e nos Estados Unidos podem reduzir ainda mais o apoio militar e financeiro ao governo da Ucrânia.

“A guerra tornou-se um mau negócio, e impopular [na Europa e Estados Unidos]. E isso é que pode ser fatal para a Ucrânia, para a economia ucraniana”, explicou Maringoni, lembrando que a indústria alemã tem sofrido bastante com o aumento do custo da energia, que é resultado também da guerra e das sanções contra a Rússia.

Nos Estados Unidos, uma ajuda financeira bilionária para a Ucrânia está parada no Congresso por oposição da maioria republicana. “Se a guerra realmente for um fator decisivo na campanha eleitoral [dos Estados Unidos], ela pode causar dificuldades para a reeleição de Joe Biden”, comentou.

Vila Socó: há 40 anos, incêndio matou pelo menos 93 pessoas

Naquele dia 24 de fevereiro de 1984, Neigila Aparecida Soares da Silva e sua irmã, Márcia, foram deixadas por seus pais na casa da avó para passar o fim de semana. Ela tinha apenas quatro anos de idade na época. Foi a última vez que  viu a mãe e o pai.

Algumas horas depois, seus pais e um tio morreram carbonizados em um dos maiores incêndios já ocorridos na história do Brasil: o da Vila Socó, em Cubatão, município encravado entre a capital paulista e o porto de Santos, no litoral sul do estado. Oficialmente, 93 pessoas morreram naquele incêndio, mas levantamentos independentes e que incluíram as crianças que deixaram de frequentar escolas e famílias inteiras que desapareceram sem deixar notícia poderia elevar o número a 508.

As irmãs Neigila e Márcia perderam os pais no incêndio que matou pelo menos 93 pessoas na Vila Socó, em 24 de fevereiro de 1984 – Neigila e Márcia/Arquivo Pessoal

“Fui criada por meus avós porque, no dia do incêndio, a minha mãe foi levar minha irmã para passar o final de semana na casa dos meus avós. E eu acabei ficando por lá também”, contou Neigila, em entrevista à Agência Brasil. “Só sei que eles estavam na casa dos meus pais quando o incêndio começou e que eles não conseguiram se salvar. Perdi meu pai, minha mãe e meu tio, que tinha 19 anos na época”.

Neigila e a irmã foram criadas pelos avós e pelas tias. “Isso não me afetou porque eu tinha quatro anos de idade, e minha irmã, cinco anos. Éramos crianças e não entendíamos muito. Mas sabíamos que a vila tinha pegado fogo e que a mamãe e o papai não iriam mais voltar para pegar a gente. Crescemos sabendo disso. Tenho memórias ativas daquele dia. Lembro de tudo. Mas não tenho uma lembrança de rosto de pai e mãe, a não ser por fotos. Não cresci revoltada porque fui muito amada por meus avós e tias. Mas não tive a presença física de pai e mãe”, relata Neigila.

O fogo foi provocado pelo vazamento de combustível de uma tubulação que ligava a Refinaria Presidente Bernardes, da Petrobras, ao terminal portuário da Alemoa, em Santos. Essa tubulação passava pela Vila Socó, uma região alagada e de mangue onde havia um aglomerado de palafitas. O vazamento ocorreu durante a transferência de combustíveis por essa tubulação, que não aguentou a pressão e espalhou gasolina pelo mangue. Com a movimentação das marés, o produto se espalhou por toda a área alagadiça e provocou o incêndio, destruindo as moradias, feitas madeira.

Apesar do forte cheiro que foi sentido por famílias que viviam no local horas antes da explosão, nenhuma providência de evacuação foi tomada pela empresa ou por autoridades da época. “Passados 40 anos, o que ficou desse incêndio foi a ausência de pai e de mãe”, ressaltou Neigila.

Segurança nacional

Cubatão era, em 1984, um dos cinco municípios do estado paulista considerados pela ditadura militar como área de segurança nacional Isso ocorria porque a cidade é um grande parque industrial. Além dela, as cidades paulistas de Santos e São Sebastião (por causa do porto), Paulínia (polo petroquímico) e Castilho (que abriga a hidrelétrica Engenheiro Souza Dias, mais conhecida como Usina Jupiá) também eram consideradas áreas de interesse da segurança nacional e, por isso, seus prefeitos não eram eleitos democraticamente, mas nomeados pelo governador de São Paulo mediante aprovação do presidente da República.

Advogado Dojival Vieira dos Santos era vereador de Cubatão na época do incêndio na Vila Socó – Dojival Vieira /Arquivo Pessoal

“A despeito do regime enquadrar Cubatão como área de segurança nacional por ser um polo petroquímico e de fertilizantes dos maiores do país, o povo era privado do direito de votar para prefeito. A preocupação com a segurança nacional não se estendia à população e não se estendia aos moradores que, desde o primeiro momento, nunca tiveram acesso a direitos básicos como moradia, saúde e saneamento básico”, disse Dojival Vieira dos Santos, jornalista, advogado e criador do Coletivo Cidadania Antirracismo e Direitos Humanos. Dojival era também vereador de Cubatão quando ocorreu o incêndio.

No meio dessa área de segurança estava a Vila Socó, também chamada de Vila São José, que em 1984 era um aglomerado de palafitas, habitada principalmente por migrantes nordestinos.

“A Vila Socó era um bairro, uma favela em que moravam cerca de 6 mil pessoas na época. Em sua imensa maioria, pretos, pobres e migrantes nordestinos que chegaram dentro daquele período em que os empregos na área industrial [da cidade] eram abundantes”, contou.

“Havia emprego mas, embora a cidade fosse considerada área de segurança nacional pelo regime militar desde 1968, não havia local para moradia. Então, os trabalhadores iam morar em palafitas nos mangues. Aliás, o nome Socó é porque era muito comum naquele mangue uma ave chamada Socó”, relata Dojival. “Toda vez que as marés enchiam, as palafitas ficavam praticamente dentro da água”, acrescentou.

“O vazamento aconteceu coincidindo com a subida das marés. Havia a péssima manutenção das tubulações, a gasolina sendo bombeada e a trágica coincidência das marés estarem subindo. Há relatos de que o cheiro forte da gasolina começou a ser sentido por volta das 11h30 do dia 24 [de fevereiro], que era uma sexta-feira. A explosão ocorreu por volta das 23h30 daquele dia”, explicou o advogado e ativista.

Nesse intervalo, a prefeitura de Cubatão e a Petrobras foram informadas sobre o cheiro forte, mas não fizeram nada para evitar a tragédia. “Havia tempo hábil para que toda a população fosse evacuada e, portanto, se salvasse, porque o vazamento ocorreu entre 11h30 da manhã e 23h30 da noite”, acrescentou. “Passaram-se pelo menos 12 horas entre o início do vazamento, em que a população se queixava do forte cheiro de gasolina, e a explosão do incêndio. Então, há aí omissões em série, responsabilidades em série”, reforçou.

Operação Abafa

Para Dojival, o que ocorreu na Vila Socó foi crime, e além disso, houve tentativa de abafamento pelos ditadores para que o impacto fosse diminuído.

Foi por isso que, em 2014, a Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo reabriu o caso para apurar as responsabilidades. “Reduzir o impacto da tragédia tinha três objetivos básicos: evitar a repercussão nacional e internacional para a empresa [Petrobras], reduzir o custo das indenizações e garantir a impunidade. E isso tudo foi feito”, avaliou Dojival Vieira em depoimento à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, em 2014.

Na mesma audiência da Comissão da Verdade, Shigeaki Ueki, presidente da Petrobras na época, negou a existência de uma operação para abafar o episódio. “Não houve, dentro da Petrobras, um envolvimento em acobertamento ou desvio ou sumiço de documentos ou [tentativa de] evitar o andamento do processo. Não houve nenhum movimento para abafar [o caso]”, disse o ex-presidente da Petrobras. “O número de 500 pessoas [mortas], a empresa nunca admitiu e nem vai admitir porque não há como comprovar isso. Não há provas”, disse Ueki, na ocasião.

Dojival, no entanto, insiste que houve abafamento do caso para diminuir as consequências do que lá ocorreu. Segundo ele, houve inclusive uma tentativa de incinerar os processos físicos sobre o incêndio para que jamais se soubesse o que de fato ocorreu. “Depois de 30 anos, os processos físicos são incinerados. Pois bem, os 22 volumes do caso da Vila Socó estavam na fila da incineração. Foi a partir da intervenção feita em conjunto com a Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa, que nós conseguimos fazer carga desses 22 volumes e digitalizá-los, porque senão toda essa história e documentos simplesmente teriam virado cinzas, que era o que se pretendia para garantir de vez o silêncio e a impunidade”.

O advogado ressalta que, enquanto o Ministério Público contabilizava de 500 a 700 mortes na tragédia, a Petrobrás e o governo apontavam 93. “Esta redução do número de mortes foi para reduzir os impactos sobre a empresa. Estamos falando de uma estatal gigante como é a Petrobras e obviamente isso tem reflexos no mercado. E, depois, houve a garantia da impunidade dos responsáveis. Ninguém jamais foi punido [pelo incêndio]”, disse Dojival.

Para Dojival, o incêndio não foi um acidente, o incêndio é um crime que precisa ser apurado e punido.

“Seus responsáveis ainda precisam responder à justiça porque é sabido – desde sempre se soube – que a Petrobras não fazia manutenção das tubulações que passavam ao lado da Vila Socó. Então era muito previsível que, sem fazer manutenção, essas tubulações estivessem corroídas”, afirmou. 

Incêndio foi causado por vazamento de combustíveis de oleodutos que ligavam a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC) ao terminal portuário da Alemoa – SINDPETRO-LP/Divulgação

Memória

Para impedir que essas cinzas do passado sejam soterradas pela história, Dojival destaca que é preciso fazer o resgate dessa memória. “Se nós não preservarmos essa memória, essa história poderá se repetir, como tem se repetido em muitas coisas e em muitas situações neste país. Uma das vitórias e um dos objetivos dos opressores e dos que se beneficiam pela ganância de situações como a Vila Socó é sempre apagar a história. Porque apagando-se a memória, apagando-se a história, eles impõem o discurso e a narrativa que justificam esses crimes”. 

Para não permitir o esquecimento dos 40 anos deste incêndio, neste domingo (25) a Comissão da Verdade da Organização dos Advogados do Brasil (OAB) de Cubatão vai realizar um ato ecumênico, às 9h, no Centro Comunitário da Vila São José. Depois disso, uma coroa de flores será colocada em frente ao marco para relembrar as vítimas da tragédia. Já na segunda-feira, no final do dia, será feita sessão solene por memória, verdade e justiça, no auditório da OAB.

A comissão também pretende lutar para que se decrete um feriado municipal para marcar a data. “Queremos um feriado municipal e um monumento digno em memória das vítimas e que ele comporte uma biblioteca e uma sala de audiovisual para que as novas gerações não permitam que essa história morra”, defende o advogado.

A comissão também estuda levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Queremos ainda ganhar força para levar esse caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, levantando elementos concretos para demonstrar que o Estado brasileiro é cúmplice  desse crime. Não julgou, não condenou e não pagou indenizações”.

Condenação e Indenização

Neigila conta que chegou a receber uma indenização na época pela morte dos pais. Ela não se recorda bem do valor que foi recebido, mas se lembra que não foi um valor justo. “Não foi justo porque eu e minha irmã perdemos nossos pais. Não tivemos nossos genitores para cuidar da gente”.

Hoje ela tenta reabrir esse inquérito. “Alguns receberam mais, outros receberam menos. Meu avô, que recebeu a indenização do meu tio, foi bem inferior ao que eu e minha irmã recebemos. Éramos menores [de idade] na época, mas sei que não foi um valor justo”, disse Neigila.

Na audiência na Comissão da Verdade, em 2014, Ueki não revelou valores, mas disse que as indenizações pagas pela empresa às famílias não foi contestado na época. “Todos ficaram satisfeitos”, disse ele, na ocasião.

Apesar do grande número de mortes, ninguém foi responsabilizado ou cumpriu pena. Oito funcionários da empresa chegaram a ser condenados em primeira instância, mas foram absolvidos depois de recursos. “No caso de Cubatão, ninguém sentou no banco dos réus. Houve até uma condenação em primeira instância que depois foi anulada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Condenação de algumas figuras técnicas, sempre técnicas, sempre do baixo escalão”, conta Dojival.

Prefeitura

Procurada pela Agência Brasil, a Petrobras não se manifestou sobre o tema. Já a prefeitura de Cubatão disse, por meio de nota, que a tragédia marcou profundamente a cidade. “ Apesar do número oficial de vítimas apurado à época, 93 pessoas, há que se respeitar a Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Cubatão (constituída em 2014) que desenvolve trabalho, além de social, em busca de elementos que possam comprovar a realidade do número de vitimados naquela ocasião”, diz a nota da administração municipal.

Aprendizado

De acordo com a nota, o incêndio, além de um enorme pesar, trouxe lições para o município. “Referem-se, especialmente, à proteção da vida humana e à preservação do meio ambiente, uma vez que as medidas tomadas após o incêndio entrelaçam-se com as ações assumidas em prol da recuperação ambiental do município que culminou, inclusive, no reconhecimento mundial de Cubatão como Cidade Símbolo de Recuperação Ambiental na ECO-92, conferência das Nações Unidas (ONU) pelo Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro, em 1992″..

A prefeitura acrescentou que, após o incêndio, a Petrobras promoveu o aterro de toda a área da Vila Socó, atualmente denominada Vila São José. Também foi aterrada a tubulação e feito “um controle rigoroso da tubulação por meio de sofisticados equipamentos que monitoram a pressão e resistência dos tubos de maneira diária, incluindo as condições climáticas, além da ampla sinalização da área. Vale destacar que, à época do incêndio, a tubulação passava sobre o mangue e se misturava às águas que passavam embaixo das palafitas da Vila Socó”.

A administração municipal também relatou que a empresa construiu, por meio de um convênio com a prefeitura, um núcleo residencial na Vila São José, com 400 casas. “Sobreviventes da tragédia da Vila Socó foram indenizados e passaram a habitar o local que foi totalmente urbanizado, recebendo escola, creche, posto de saúde, infraestrutura urbana e calçamento. A partir de 2017, o bairro passou por processo de regularização fundiária e em 2019, essas 400 famílias iniciaram o processo de recebimento das escrituras definitivas de seus imóveis”.

A Secretaria Municipal de Segurança Pública e Cidadania de Cubatão informou ainda que a tragédia definiu novas diretrizes na cidade para situações de emergência. “A partir desse incidente, foram intensificados sistemas de apoio para respostas mais rápidas e eficientes envolvendo não apenas a refinaria, mas todas as indústrias do Parque Industrial. O Plano de Auxílio Mútuo (PAM) – que, embora existisse desde 1978, só passou a funcionar efetivamente na década de 80, tornando-se referência regional – mantém um sistema de combate a acidentes de qualquer natureza que possam colocar em risco vidas, meio ambiente, patrimônio público ou privado no Polo e na Baixada Santista. Já o Plano de Contingência envolve todas as secretarias municipais da prefeitura de Cubatão, que estão preparadas para responder a eventuais emergências do tipo”.

* Colaborou Eliane Gonçalves, da Radioagência Nacional

Vasco busca vitória para se garantir nas semifinais do Carioca

Tentando assegurar a presença nas semifinais do Campeonato Carioca, o Vasco mede forças com o Volta Redonda, a partir das 17h30 (horário de Brasília) deste sábado (24) no estádio Kleber Andrade, em Cariacica (Espírito Santo). A Rádio Nacional transmite o jogo ao vivo.

O Gigante da Colina inicia a rodada ocupando a 4ª posição da classificação da Taça Guanabara do Campeonato Carioca, com apenas dois de vantagem sobre o Botafogo, o 5º colocado. Mas o Cruzmaltino chega à partida deste sábado muito motivado, em especial após a goleada de 4 a 2 justamente sobre o time de General Severiano em clássico disputado no último domingo (18).

De olho nos 𝕕𝕖𝕥𝕒𝕝𝕙𝕖𝕤 do treino de hoje, antes da viagem rumo ao Espírito Santo! 📷💢

📸: Leandro Amorim | #VascoDaGama pic.twitter.com/KacaMwyYfQ

— Vasco da Gama (@VascodaGama) February 23, 2024

Esse bom momento foi evidenciado pelo auxiliar técnico Emiliano Díaz em entrevista coletiva após o jogo com o Botafogo: “O grupo está animicamente muito bem. A vitória sempre dá confiança e marcar quatro gols também dá confiança. Este é um grupo muito forte, que passou por muita dificuldade. Acho que a cabeça deste time é uma das mais fortes com as quais já trabalhamos. Então é tratar de aproveitar”.

Para sair com a vitória diante do Volta Redonda, a torcida vascaína deposita suas esperanças no meia-atacante francês Payet, que tem vivido o seu melhor momento pela equipe. Em 2024 ele já disputou seis partidas (quatro como titular), contribuindo diretamente com três gols (duas assistências e um gol marcado). Segundo Emiliano Díaz, “um jogador muito importante, diferenciado, que, quando pega na bola, algo diferente acontece”.

Se o Vasco sonha com as finais do Carioca, o Volta Redonda tem uma meta mais modesta, se garantir nas semifinais da Taça Rio (competição que envolve as equipes que terminarem entre a 5ª e a 8ª posição da Taça Guanabara). Com nove pontos na 9ª posição, o Voltaço sabe que não pode sair de mãos vazias da partida deste sábado.

O Esquadrão de Aço realizou o último treino em Volta Redonda nesta quinta-feira, antes da viagem para Cariacica-ES 👊💛🖤🤍

Saiba mais em: https://t.co/u23anVovAf#EuSouVoltaço #EsquadrãoDeAço pic.twitter.com/u9vCLlruoB

— Volta Redonda FC (@VoltacoFC) February 22, 2024

Transmissão da Rádio Nacional

A Rádio Nacional transmite Vasco e Volta Redonda com a narração de André Marques, comentários de Waldir Luiz e reportagem de Rafael Monteiro. Você acompanha o Show de Bola Nacional aqui: