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Poeira decorrente da tragédia em Brumadinho afeta saúde de crianças

A poeira presente nas áreas de Brumadinho atingidas pelo rompimento de uma barragem da mineradora Vale trouxe impactos para a saúde das crianças, diz  estudo produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O trabalho é parte do Projeto Bruminha, criado para avaliar a saúde das crianças com idade até 6 anos nas comunidades impactadas ao longo de um período de quatro anos, entre 2021 e 2024.

Nas áreas atingidas pela tragédia, houve 75% mais relatos de alergia respiratória em comparação com uma localidade não afetada. Além disso, o estudo mostra que as crianças das comunidades expostas à poeira decorrente do rompimento de barragem apresentaram três vezes mais chance de desenvolver alergia respiratória do que as demais. Os resultados constam de artigo recém-publicado nos Cadernos de Saúde Pública, revista científica da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.

A faixa etária acima de 4 anos foi a que mais apresentou problemas de saúde envolvendo alergias respiratórias e comprometimento das vias aéreas superiores e inferiores. De acordo com os pesquisadores, crianças nessa idade tendem a ter mais acesso a ambientes externos, o que resulta em maior exposição à poeira. Nesse grupo, 68,3% tiveram rinite, sinusite ou otite; 72,2% desenvolveram pneumonia, asma, sibilos ou bronquite, além de 59,4% terem se queixado de alergias.

Ainda conforme os dados da pesquisa, problemas envolvendo as crianças do sexo masculino foram relatados com mais frequência. “Podem estar associados a características culturais dos territórios, que determinam maior acesso dos meninos aos espaços externos e comunitários, por meio de jogos coletivos nas quadras de escolas e associações, praças e campos de futebol”, registra o artigo.

A tragédia no município mineiro ocorreu em 25 de janeiro de 2019. O rompimento da barragem liberou uma avalanche de rejeitos que gerou grandes impactos nos municípios da bacia do Rio Paraopeba. Ao todo, foram perdidas 272 vidas, incluindo nessa conta dois bebês de mulheres que estavam grávidas.

Em fevereiro de 2021, acordo de reparação foi firmado entre a Vale, o governo estadual, o Ministério Público de Minas Gerais, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública do estado. A Vale se comprometeu com aportes que somam R$ 37,68 bilhões, incluindo investimentos socioeconômicos, ações de recuperação socioambiental, ações voltadas para garantir a segurança hídrica, melhorias dos serviços públicos e obras de mobilidade urbana, entre outras.

Em janeiro deste ano, populações atingidas realizaram um ato para marcar os cinco anos de tragédia e criticaram o processo reparatório.

Questões de saúde ainda devem demandar recursos adicionais. Estão em andamento os Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico, sob responsabilidade do Grupo EPA e custeio da Vale, tal como definido em decisão judicial. O trabalho trará conclusões sobre a saúde humana, a fauna e a flora e embasará o julgamento dessas questões. Medidas estabelecidas com base em achados da pesquisa deverão ser asseguradas pela mineradora com novos aportes, não sendo descontados dos R$ 37,68 bilhões fixados pelo acordo.

Segundo os pesquisadores da UFRJ e da Fiocruz, os novos resultados obtidos por meio do Projeto Bruminha fornecem subsídios para fixar ações de assistência desenvolvidas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

O estudo foi realizado em três comunidades: Córrego do Feijão, Parque da Cachoeira e Tejuco. Para comparação, também foram coletados dados na comunidade de Aranha, também impactada na tragédia. No total, 217 crianças de até 6 anos foram avaliadas. O trabalho de campo e a coleta de informações ocorreu em julho de 2021, cerca de um ano e meio após a ruptura da barragem.

O estudo levantou ainda dados sobre a rotina da população após a tragédia. De acordo com os resultados, 89,3% dos moradores de comunidades atingidas relataram limpar com mais frequência suas residências por causa da poeira. Além disso, 89,4% afirmaram consumir água mineral.

Um ano após tragédia, moradores de São Sebastião buscam recomeço

Um ano após deslizamentos de terra deixarem 64 pessoas mortas em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, os moradores que viviam nas áreas afetadas buscam recomeçar a vida. Pessoas que moravam nas regiões atingidas voltaram para suas casas e dizem preferir enfrentar o risco de novos problemas a ter de abandonar a casa construída com muito sacrifício.

“No primeiro momento, eu tive que sair, até mesmo porque eu tenho crianças, eu tenho dois filhos menores, e eu não posso colocar eles em risco. Mas, no decorrer dos meses, a gente ficou em um lugar muito longe, que é [a cidade vizinha] Bertioga, e tudo nosso é aqui: é trabalho, é escola. Então, imagina você ter que acordar às cinco horas da manhã, todos os dias, acordar a criança, que tem uma dificuldade imensa, que toma medicamento para dormir, para poder vir”, conta a assistente social Leidecleire Siqueira da Silva, que morava na Vila Sahy, a mais atingida pela tragédia.

A casa dela não foi diretamente afetada pelos deslizamentos, mas a região ainda é considerada de risco. Mesmo assim, ela preferiu voltar a habitar a construção. “A gente não estava tendo mais vida [em Bertioga]. Então, eu decidi voltar para a minha casa e recomeçar aqui. Devido ao muro de contenção, as barreiras que estão fazendo, as drenagens, a gente está com muita esperança que possamos ficar na nossa casa”, diz, referindo-se às obras que estão sendo feitas pela prefeitura de São Sebastião e que têm o objetivo de evitar novos deslizamentos.

Leidiclere da Silva que teve sua casa atingida em São Sebastião (SP), há um ano. Ela decidiu voltar ao local após um período morando em Bertioga. “A gente não estava tendo vida mais”. Foto – Paulo Pinto/Agência Brasil

No fim de 2023, uma ação do Ministério Público Federal (MPF) evitou que 900 imóveis da Vila Sahy fossem demolidos e seus moradores removidos do local. O MPF acionou um convênio mantido com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colocou engenheiros da instituição de ensino para esclarecer dados técnicos e amparar a Justiça Estadual a decidir sobre a necessidade das remoções e as demolições. A Justiça estadual autorizou então a permanência de boa parte da comunidade. Em janeiro, o governo de São Paulo desistiu de recorrer da ação.

“Se realmente eles comprovarem que eu tenho que sair, eu vou sair. Aí eu não vou ter escolha. Vou ter que deixar minha casa que eu lutei por 20 anos. Para alguns, olhando assim, não é nada, mas para mim é tudo que eu pude dar para meus filhos. A gente fica pensando assim, poxa, a gente lutou tanto, trabalhei tanto, sou só eu e eles, para, no fim, perder tudo. Se a chuva não levou, é porque é para ficar”, diz Leidecleire.

Ademilton Santos, diretor social da Associação de Moradores da Vila Sahy afirma que, com anos de atraso, obras de contenção estão sendo feitas nos morros, o que está gerando uma sensação de segurança na comunidade. “A gente sempre brigou para que se fizesse melhorias, para dar uma tranquilidade nessas áreas de risco, que é o que está acontecendo só agora. Essas obras eram nosso sonho, a gente está brigando há anos para que se fizesse esse tipo de melhoria, se fizesse a regularização fundiária do bairro, para que a comunidade pudesse viver com mais tranquilidade”, diz.

Há um ano, casas foram destruídas em deslizamentos na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo. Foto – Rovena Rosa/Agência Brasil

Prevenção

Vagner Barroso, coordenador municipal da Defesa Civil de São Sebastião, destaca que o município está realizando as obras de contenção e drenagem nas encostas, e o governo do estado implementou a sirene de alerta e instalou um novo radar na região. Ele ressaltou também que a população local passou a respeitar mais as orientações do órgão.

“As pessoas começaram a procurar a Defesa Civil, começaram a aceitar a Defesa Civil como parceira. Isso mudou bastante. As pessoas hoje já veem a Defesa Civil como algo que realmente está ali para ajudar e nos aceitam quando a gente pede alguma coisa”.

No total, 704 famílias perderam suas casas nas chuvas que atingiram, no início de 2023, o Litoral Norte de SP. O governo do estado de São Paulo entregou nesta segunda-feira (19) 518 moradias no bairro Baleia Verde, em São Sebastião. No início do mês, outras 186 famílias também foram beneficiadas na região de Maresias. O investimento estadual totalizou R$ 260 milhões nos dois empreendimentos.

*Com informações da TV Brasil

Salgueiro focará na essência yanomami e não na tragédia, diz enredista

 

Há um ano, uma série de ações governamentais foi anunciada para fazer frente a uma tragédia humanitária que se arrastava há alguns anos na Terra Indígena Yanomani, no extremo norte do Brasil. A crise, relacionada com o avanço do garimpo ilegal na região, se traduzia em fome, contaminação e alarmante aumento de diferentes doenças, sobretudo a malária. Segundo dados do Ministério dos Povos Indígenas, apenas em 2022, morreram 99 crianças da etnia com menos de cinco anos, na maioria dos casos por desnutrição, pneumonia e diarreia.

Rios contaminados têm coloração e margem afetadas pela atuação de garimpo ilegal na região do Surucucu, dentro da Terra Indígena Yanomami, Oeste de Roraima Foto:  Fernando Frazão/Agência Brasil

A repercussão da tragédia gerou comoção nacional e sensibilizou lideranças do Salgueiro. A escola de samba do Rio de Janeiro levará para o desfile do carnaval deste ano o enredo Hutukara. Será a terceira agremiação a atravessar a Marquês de Sapucaí no domingo, 11 de fevereiro. Mas Igor Ricardo, enredista do Salgueiro, adverte: o foco não será a crise humanitária.

“Nós até vamos abordar a tragédia em um momento específico do desfile, mas o desfile não é sobre a tragédia. O desfile é sobre a essência do povo Yanomami. Quem é verdadeiramente o povo Yanomani? Na televisão, os yanomamis só aparecem quando veiculam notícias sobre a malária ou sobre os impactos do garimpo nas suas terras. Aquilo não é o indígena. É o resultado que a ação de garimpeiros e forasteiros gera nos indígenas. Mas o que esse povo faz? Do que se alimenta? Como trabalham?”.

A Terra Yanomani ocupa mais de 9 milhões de hectares e se estende pelos estados de Roraima e do Amazonas. É a maior reserva indígena do país. Os resultados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que mais de 27 mil indígenas vivem nessa área.

Mulheres e crianças yanomami em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A principal referência para o desenvolvimento do enredo foi o livro A Queda do Céu, assinado pelo xamã yanomani Davi Kopenawa e pelo antropólogo francês Bruce Albert. A obra foi lançada na França em 2010 e teve sua primeira edição traduzida para o português em 2015.

“O yanomami é um povo desconhecido pra gente. Quem lê o livro vai descobrir um universo fantástico. Traduzir isso para o desfile é difícil, foi complexo. O carnaval já tem muita tradição de falar sobre o povo negro, os povos de raiz africana. E com o tempo, fomos nos familiarizando. A gente tem maior conhecimento, por exemplo, sobre Oxum, sobre Ogum. Mas ainda somos muito carentes de conhecimento sobre os povos indígenas. Desenvolvendo esse enredo do Salgueiro, percebi na verdade que a gente não conhece quase nada da cultura indígena”, observa Igor.

O enredista afirma que, no Dia do Índio, celebrado anualmente em 19 de Abril, as escolas costumam organizar apresentações das crianças vestidas com cocares ou sainhas com penas. Segundo ele, essas representações ocorrem muitas vezes a partir de estereótipos. Também tem ocorrido nos últimos anos, sobretudo nas redes sociais, discussões acaloradas em torno da tradição de se usar fantasias com adereços indígenas durante o carnaval. Críticos veem desrespeito à cultura desses povos, enquanto outros consideram se tratar de uma homenagem.

Para o enredista, umas das missões do Salgueiro é mostrar que há uma diversidade entre os indígenas, destacando as especificidades. Para isso, há uma esforço em ser o mais fidedigno possível à representação yanomami. O próprio Davi Kopenawa esteve no barracão para dar o seu parecer sobre as fantasias.

“A gente está tentando ao máximo respeitar os yanomamis como eles são. É a pintura corporal específica deles, é o cocar deles, são os adereços que eles usam no braço. O Salgueiro está se preocupando muito com relação a isso. A gente está muito seguro porque a gente buscou o tempo inteiro se guiar pelo olhar do próprio yanomami. Esculturas que estarão no carro do Salgueiro foram referenciadas em imagens feitas na própria aldeia”, conta Igor.

Mulheres e crianças yanomami em Surucucu. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O desfile também irá apresentar a mitologia yanomami, as práticas culturais, as atividades cotidianas. “O Davi Kopenawa fala que para você respeitar um povo, é preciso conhecê-lo verdadeiramente. Então é um convite ao mundo para conhecer verdadeiramente o povo yanomami, que tanto tem sofrido pela ação do homem branco”.

No final do desfile, esse convite será estendido para que o público procure conhecer também as populações de outras etnias. “São povos que lutam para preservar a língua, lutam contra o desmatamento, contra o tráfico de drogas, contra o risco de despejo. Mas a gente busca mostrar cada esses povos pelas particularidades de cada um deles. Não pela tragédia, mas pela beleza única e exclusiva que eles têm”.

Igor dá um exemplo. “Os Xoklengs têm aparecido muito na mídia por conta do seu protagonismo na resistência contra a tese do Marco Temporal. Mas as notícias não destacam quem são os Xoklengs? Então, por exemplo, eles têm a tradição de fazer um manto de urtiga. Como eles estão em Santa Catarina, eles precisam no inverno de muita proteção contra o frio. E eles produzem um manto bem característico. E nós vamos representá-los no desfile com esse manto”.

Mundo Yanomami

Carnavalesco Edson Pereira (e), enredista Igor Pereira (d) e xamã yanomani Davi Kopenawa (c) Foto: Divulgação/Salgueiro

A palavra Hutukara, título do enredo, é traduzido por Igor como terra-floresta. Ele alerta, porém, para a complexidade do significado do termo. Em 2013, durante uma conferência realizada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e documentada em uma publicação da instituição, Davi Kopenawa ofereceu um explicação mais aprofundada.

“Nós, povo Yanomami, conhecemos há muitos anos, mais de quinhentos anos, o que nosso pai colocou como Hutukara. Hutukara é uma terra, o branco chama de ‘mundo’, outros falam a palavra ‘universo’. É assim que o branco fala, branco fala que o mundo é redondo. Para nós, povo indígena aqui do Brasil, outros povos indígenas, cada um chama diferente: alguns chamam Hutukara, outros chamam Tupã, outros chamam diferente, mas é uma só. É uma Hutukara só. E nós estamos aqui sentados na barriga da nossa terra mãe. A Hutukara fica junto com a pedra, terra, com a areia, o rio, o mar, o sol, a chuva e o vento. Hutukara é um corpo, um corpo que é unido, ela não pode ficar separada”, disse o xamã.

Para retratar o mundo yanomami de forma mais fidedigna, a linguagem tem sido uma aposta do Salgueiro. A sinopse do enredo faz uso de diversas palavras do idioma yanomami, muitas das quais foram levadas também para o samba-enredo Ya temi xoa! Aê, êa! Ya temi xoa! Aê, êa!.

música é assinada por oito compositores. “Tem gente que tem mais facilidade para mexer com melodia, outros mais facilidade para poesia. Mas todo mundo faz um pouquinho de cada coisa. Nossa parceria, graças a Deus, é bem servida de tanto poetas quanto de músicos”, explica um deles, Marcelo Motta.

Em sua visão, a composição soa como um manifesto. “Não podemos mais aceitar que seres humanos sejam vítimas da exploração em suas terras, ocasionando danos à sua vida e às suas famílias. A mensagem é um verdadeiro manifesto a favor dos povos originários e contra a ganância do homem branco, contra a mineração destrutiva, contra a exploração das terras que pertencem àquele povo”, diz.

De acordo com Marcelo Motta, o processo de produção do samba-enredo envolveu uma imersão no mundo yanomani. “Cada um dos compositores foi se aprofundando mais individualmente também. Eu assisti documentários, entrevistas do Davi Kopenawa nas redes sociais. E depois fizemos reuniões onde cada um trazia suas ideias.”

O resultado agradou o enredista Igor. “O yanomami não fala português na aldeia. O yanomami tem a própria língua. E o samba-enredo foi muito feliz em trazer expressões yanomamis que pouquíssimas pessoas conhecem. E pela visibilidade que o carnaval possui, vai gerar interesse nessa língua”, avalia.

Desfile

Igor destaca que esse trabalho de pesquisa foi encampado com entusiasmo por todos envolvidos na construção do desfile deste ano. Embora o livro A Queda do Céu tenha sido seu principal guia, outros conteúdos também se tornaram referência para a elaboração da sinopse do enredo.

Ele afirma já ter lido 15 obras e cinco artigos, além de ter assistido diversos vídeos. Igor precisa entregar ao corpo de jurados com a defesa do enredo e, por isso, continua lendo outros materiais para fundamentar seus argumentos.

“Hoje eu considero que consigo entender, que consigo dialogar com as pessoas sobre a cultura yanomami. Foi um processo intenso de pesquisa e de estudo porque foi tudo muito novo. E nós vamos mostrar isso. Será um passeio pelo universo yanomami, que tem uma mitologia riquíssima. O desfile começa mostrando o Omama, que é o Deus da criação”, conta.

O Salgueiro também destacará a importância da pesca e da caça como práticas cotidianas, bem como o trabalho das mulheres na roça e na colheita de frutos e principalmente da pupunha, que é característica da Amazônia. “Vamos retratar a Festa da Pupunha. Mas é importante destacar que iremos mostrar o dia a dia de uma aldeia, a maior de Terra Yanomani. Porque são mais de 200 aldeias espalhadas por todo o território”, ressalta Igor Ricardo.

A chegada do garimpo e a cobiça pelo metais preciosos serão representadas em um setor específico. A forma como os yanomamis veem essa situação, a partir da sua mitologia, também será apresentada. “Se tem o Deus da criação que é o Omama, eles acreditam no Deus da destruição que é o Yoasi”, explica o enredista.

Fatos relevantes relacionados com a história e a cultura destes povos também serão apresentados ao público. Será feita referência a artistas plásticos yanomamis que estão expondo fora do Brasil, em diferentes países da Europa e também na China e nos Estados Unidos. Haverá também menção ao livro Ana Mopö: Cogumelos Yanomanis, resultado de um trabalho de pesquisadores indígenas e não indígenas. A obra foi premiada em 2017 na 59ª edição do Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria Gastronomia. “Isso deu muito orgulho a eles. Mas recebeu pouco destaque. Foi notícia? Foi. Mas não com tanta repercussão quanto a tragédia humanitária”, destascA Igor.

Jornalista britânico Dom Phillips e indigenista Bruno Pereira – Reuters/Ueslei Marcelino

O desfile reservará ainda espaço para homenagear o indigenista Bruno Pereira e o repórter britânico Dom Phillips, mortos no ano de 2022 em uma emboscada no Vale do Javari, no Amazonas. “Como diz o Davi Kopenawa, não é que os brancos não possam conhecer verdadeiramente os indígenas. É que a gente realmente não conhece. Mas existem alguns brancos que entenderam quem são verdadeiramente os indígenas. E o Bruno e o Dom foram dois deles. Eles conheceram profundamente os povos Matis que vivem no Vale do Javari. E o Salgueiro está fazendo agora esse movimento: é uma escola de samba não-indígena que está tentando entender quem são os indígenas”.

Cruzes na Esplanada lembram vítimas de tragédia em Brumadinho

Duzentos e setenta e duas cruzes de madeira foram instaladas, nesta quinta-feira (25), no gramado central da Esplanada dos Ministérios, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. A iniciativa, do deputado federal Pedro Aihara (Patriota-MG), pede justiça para as vítimas do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, localizada em Brumadinho (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte.

Considerado uma das maiores tragédias ambientais e trabalhistas do Brasil, o rompimento da barragem – pertencente à mineradora Vale – completou cinco anos às 12h28min de hoje. Entre as 270 vítimas fatais, havia duas mulheres grávidas, totalizando 272 vidas perdidas. Os corpos de três das vítimas ainda não foram localizados.

Em cada cruz colocada diante do Congresso foi escrito o nome de uma das vítimas fatais do rompimento da barragem I (B1) – evento que causou o rompimento de outras duas barragens (B-IV e B-IV-A) da mesma mina e, segundo o governo de Minas Gerais, despejou aproximadamente 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos que, além da área ao redor, atingiram rios, cursos d´água e afetaram ao menos 26 cidades, causando prejuízos ambientais e socioeconômicos para todo o estado.

Inquérito sigiloso

Em novembro de 2021, a Polícia Federal (PF) concluiu as investigações sobre o caso e indiciou 19 pessoas, cujos nomes não foram divulgados, já que o inquérito é sigiloso. A corporação entregou o relatório final sobre a apuração ao Ministério Público Federal (MPF), ao qual cabe decidir se encaminha à Justiça Federal a denúncia contra os 19 indiciados. O MPF, contudo, evita comentar os resultados do inquérito alegando o sigilo.

Com 272 mortos, tragédia de Brumadinho completa hoje cinco anos. Foto:  Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em um texto publicado em suas redes sociais, o deputado federal Pedro Aihara, escreveu que o “grito por justiça” para as vítimas de Brumadinho serve também “para que outros não sofram essa dor sem limite. Para que outras famílias não chorem. Para que outras memórias não sejam destruídas pela onda de lama, descaso e negligência de tantos”. Na época do rompimento, Aihara trabalhava no Corpo de Bombeiros de Minas Gerais e atuou nas buscas às vítimas.

Hoje é Dia: aniversário de SP e tragédia de Brumadinho são destaques

Quando falamos em datas importantes na semana entre os dias 21 e 27 de janeiro de 2024, a próxima quinta-feira (25) se destaca. É neste dia que a cidade de São Paulo, maior metrópole do país, completa 470 anos. Cidade que acolhe imigrantes do todos os lugares do Brasil e do mundo, a capital paulista teve a sua relação com a população negra nos primórdios contada em uma edição do Caminhos da Reportagem chamado São Paulo Negra Ancestral em setembro do ano passado:

A reboque da data (que é feriado na capital paulista), há diversas celebrações no 25 de janeiro. Foi neste dia que, há 90 anos, a Universidade de São Paulo (USP), que está entre as 100 melhores do mundo, foi fundada. Há 70 anos, foi inaugurada a Catedral da Sé, localizada no centro de São Paulo. E foi justamente na região que, há 40 anos, um episódio que ficou marcado na história do Brasil ocorreu.   

Em 25 de janeiro de 1984, 300 mil pessoas foram a um comício na Praça da Sé pedir a volta da eleição direta no Brasil. O evento das “Diretas Já” ficou conhecido como um dos momentos cruciais na luta pela redemocratização do Brasil. A luta pelo fim da Ditadura (que perdurou entre 1964 e 1985) foi destaque nesta edição do Na Trilha da História, da Rádio Nacional: 

Passeata pelas “Diretas Já!”, São Paulo-SP, [25 janeiro] de 1984. Foto: CSBH/FPA. – CSBH/FPA

Infelizmente, o 25 de janeiro também é marcado por uma tragédia que abalou o Brasil. Há cinco anos, o país testemunhou o rompimento da Barragem de Brumadinho, uma das maiores tragédias ambientais e industriais do século. Ao todo, 270 vidas foram perdidas e parentes das vítimas ainda buscam por justiça. Em 2019, o Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, fez o especial sobre a tragédia chamado “Brumadinho: Vale de Lama”:

Datas marcantes

Também no dia 25 de janeiro há duas celebrações. Uma delas é o Dia da Bossa Nova, um gênero proveniente da mistura do samba com jazz e de mentes brilhantes como de Tom Jobim. A data, aliás, vem justamente do nascimento (em 1927) de Tom Jobim e foi destaque no Bossamoderna, da Rádio MEC, no ano passado: 

A outra é o Dia do Carteiro. A data resgata a memória da criação, em 25 de janeiro de 1663, do Correio-Mor no Brasil, cujo primeiro titular foi Luiz Gomes da Matta Neto, que já era o Correio-Mor do Reino, em Portugal. No ano retrasado, o Repórter Brasil falou sobre a efeméride: 

Apesar de não parecer (dada a quantidade de datas comemorativas), a semana não se resume apenas ao dia 25 de janeiro quando falamos de datas marcantes. O dia 21, por exemplo, é o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data foi destaque nesta matéria da Agência Brasil em 2023 e desta matéria do Viva Maria em 2021. 

Figuras marcantes

Em 22 de janeiro, celebramos o centenário de nascimento do músico estadunidense J.J. Johnson, renomado trombonista de jazz. Falecido em 2001, ele foi um dos maiores nomes do ritmo na história. O músico foi homenageado em 2022 no Jazz Livre!, da Rádio MEC. Escute: 

No dia 26, a professora e filósofa estadunidense Angela Davis completa 80 anos. Conhecida por sua militância na defesa de direitos civis e igualdade racial, ela foi entrevistada no Programa Espaço Público, da TV Brasil, em 2014.

No mesmo dia, o cantor, compositor, escritor e jornalista paraibano Francisco César Gonçalves, o Chico César, celebra 60 anos de vida. Em 2012, ele falou um pouco sobre a sua carreira ao programa Cantos do Brasil: 

Em 27 de janeiro, o também cantor, compositor, produtor musical e violonista alagoano Djavan Caetano Viana (ou simplesmente Djavan) completa 75 anos. O Clube do Vinil, quadro do Arte Clube da Rádio MEC, para celebrar a data, analisou o álbum dele Bird of Paradise, lançado em 1988. 

Para fechar a semana, há duas datas que celebram a memória de figuras marcantes. No dia 21, a morte do político russo Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lenin, figura central na Revolução Russa, completa 100 anos. Já no dia 24, o futebol brasileiro perdia Leônidas da Silva, conhecido como Diamante Negro, que popularizou a ‘bicicleta’ e deixou um legado imortal no esporte. Em 2013, o Repórter Brasil fez uma matéria especial sobre ele:

Confira a lista semanal do Hoje é Dia com datas, fatos históricos e feriados:

21 a 27 de janeiro de 2024

21

Morte do político russo Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lenin (100 anos)

Morte do cineasta estadunidense Cecil B. De Mille (65 anos) – um dos fundadores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e autor de clássicos como Cleópatra, Os dez mandamentos e O maior espetáculo da Terra

Nascimento do músico, ator e apresentador paulista Paulo Miklos (65 anos) – ex-vocalista da banda de rock Titãs

Morte do cantor e pianista estadunidense Charles Brown (25 anos)

Nascimento da atriz, artista plástica, cantora e vedete fluminense Dorinha Duval (95 anos)

Primeira descoberta de petróleo no Brasil (85 anos) – em um dos poços perfurados na região de Lobato, na Bahia

Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa

Estreia do programa Dalila na Quadra, na Rádio Nacional AM RJ (12 anos)

22

Nascimento da cantora paulista Luciana Mello (45 anos)

Nascimento do músico estadunidense J.J. Johnson (100 anos) – trombonista de jazz

Lançamento do programa “Blim Blem Blom”, na Rádio MEC (13 anos) – criado e produzido por Tim Rescala, com a intenção de apresentar a música clássica, seus compositores e elementos ao público infantil

23

Morte do pintor surrealista catalão Salvador Dali (35 anos)

Morte do pintor expressionista norueguês Edvard Munch (80 anos)

Nascimento do jornalista, escritor, dramaturgo e político maranhense Viriato Correia (140 anos) – autor de extensa obra, foi membro da Academia Brasileira de Letras

Nascimento do jogador de futebol holandês Arjen Robben (40 anos) – recebeu o prêmio Bola de Bronze na Copa do Mundo de 2014

Nascimento do Jornalista, escritor, historiógrafo, dramaturgo e político maranhense Viriato Correia (140 anos) – Manuel Viriato Correia Baima do Lago Filho foi também professor de História do Teatro na Escola Dramátia do Rio de Janeiro, deputado estadual e federal pelo Maranhão e membro das academias brasileira e maranhense de letras

24

Morte do jogador de futebol fluminense Leônidas da Silva (20 anos) – conhecido como Diamante Negro e popularizador da ‘bicicleta’ no futebol

Morte do religioso, orador e poeta luso-brasileiro Frei Santa Rita Durão (240 anos) – seu poema épico Caramuru é a primeira obra narrativa escrita a ter, como tema, o habitante nativo do Brasil

Nascimento do político, tradutor, poeta e publicista maranhense Manuel Odorico Mendes (225 anos) – mais conhecido por ser autor das primeiras traduções integrais para português das obras de Virgílio e Homero, foi também precursor da moderna tradução criativa

Apple Computer lança nos Estados Unidos o computador pessoal Macintosh (40 anos)

Sismo mais mortal na história chilena atinge Chillán, matando cerca de 30 mil pessoas (85 anos)

Dia da Previdência Social – a data é uma homenagem à publicação da Lei Eloy Chaves, em 24 de janeiro de 1923, que instituía a base do sistema previdenciário brasileiro, por meio da criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias

25

Nascimento do cantor e compositor pernambucano Petrúcio Amorim (85 anos)

Morte do harpista e compositor inglês Elias Parish Alvars (175 anos)

Nascimento do musicólogo, professor, historiador e violonista cearense Mozart de Araújo (120 anos) – ocupou diversos cargos públicos ligados à música, como por exemplo o de diretor da Rádio MEC, local onde foi um dos responsáveis pela criação da Orquestra Sinfônica Nacional

Cerimônia de abertura dos primeiros Jogos Olímpicos de Inverno em Chamonix, na França (100 anos)

Dia do Carteiro – a data resgata a memória da criação em 25 de janeiro de 1663 do Correio-Mor no Brasil, cujo primeiro titular foi Luiz Gomes da Matta Neto, que já era o Correio-Mor do Reino, em Portugal

Dia da Bossa Nova

Inauguração da Catedral da Sé com torres inacabadas no aniversário de 400 anos de São Paulo (70 anos)

Comício com 300 mil pessoas na Praça da Sé pelas Diretas Já (40 anos)

Fundação da cidade de São Paulo (470 anos)

Decreto de criação da Universidade de São Paulo – USP (90 anos)

Rompimento da Barragem de Brumadinho (5 anos) – o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo maior desastre industrial do século; foi um dos maiores desastres ambientais da mineração do país, depois do rompimento de barragem em Mariana

26

Nascimento da professora e filósofa estadunidense Angela Davis (80 anos) – alcançou notoriedade mundial na década de 1970 como integrante dos Panteras Negras, por sua militância pelos direitos das mulheres e contra a discriminação social e racial nos Estados Unidos; e por ser personagem de um dos mais polêmicos e famosos julgamentos criminais da recente história dos Estados Unidos

Morte do compositor e instrumentista baiano Clodoaldo Brito, o Codó (40 anos)

Morte do ator paulista Renato Consorte (15 anos)

Nascimento da atriz e dubladora fluminense Miriam Ficher (60 anos)

Nascimento do cantor, compositor, escritor e jornalista paraibano Francisco César Gonçalves, o Chico César (60 anos)

Morte do escritor mexicano José Emílio Pacheco (10 anos)

Holandeses se rendem no Recife (370 anos) – Insurreição Pernambucana

27

Nascimento do cantor e compositor fluminense Marcos Sabino (65 anos)

Nascimento do cantor, compositor, produtor musical e violonista alagoano Djavan Caetano Viana (75 anos)

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto

Dia Internacional do Conservador Restaurador

Tragédia causada pelas chuvas evidencia racismo ambiental

A tragédia causada pelas chuvas que atingiram, neste final de semana, a zona norte da região metropolitana, deixando 12 pessoas mortas, evidencia a desigualdade na cidade em termos de acesso a serviços como saneamento básico e a moradia digna Segundo codiretor-executivo do Observatório da Branquitude, Thales Vieira, trata-se de uma tragédia anunciada, ou seja, que é prevista para esta época do ano e, mesmo assim, medidas efetivas não são tomadas: “Na prática essa população é deixada para morrer”.  

“Uma tragédia que toda hora a gente sabe que vai ocorrer com maior ou menor potencial de produzir vítimas fatais, mas a gente sabe que todo ano vai ocorrer essa tragédia, sobretudo na Baixada Fluminense”, diz, Vieira. As fortes chuvas que caíram no estado do Rio de Janeiro, nesse fim de semana, provocaram inundações e deslizamentos de terra em vários municípios do estado do Rio de Janeiro. Pessoas perderam as casas, que ficaram alagadas, e todos os pertences.  

Vieira ressalta que a tragédia atingiu principalmente um recorte específico da população, a população negra e de baixa renda. “Por isso que a gente fala que o racismo ambiental é produto de uma intenção efetiva de não produção de políticas para essas populações de não participação dessas populações das decisões que são tratadas de políticas que efetivamente são feitas ou não são feitas, que essa também é uma forma de fazer política, a omissão é uma forma também de fazer política, então essas políticas que não são feitas também para benefício dessa população. Então na prática essa população é deixada para morrer, efetivamente”, diz.  

Segundo Vieira, para mudar a situação é preciso garantir, sobretudo às regiões mais pobres, acesso ao saneamento básico e fazer obras para o escoamento efetivo de água, em regiões de alagamento. Para ele, falta vontade política daqueles que acabam se beneficiando com medidas assistencialistas. “Não pode falar que não esperava esse volume de chuva. A gente já sabe que ela vai acontecer. Então essas políticas precisam ser feitas, sobretudo de saneamento básico”, destaca.  

O coordenador de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, Igor Travassos, em nota, também criticou a atuação dos governos. “Mais uma vez, cenas de destruição se repetem no Rio de Janeiro e ainda precisamos lidar com as mesmas justificativas por parte do governo e das prefeituras, que alegam surpresa para este tipo de evento climático”. 

Travassos também ressalta que as vítimas são, na maioria, pessoas negras e periféricas. “Diante de eventos como esse, fica cada vez mais perceptível que não estamos lidando somente com o despreparo dos governos no enfrentamento à emergência climática, mas com uma escolha política que viola o direito constitucional à vida. O que vemos é a inexistência de ações de prevenção, planos de adaptação às mudanças climáticas ou estrutura do Estado para responder aos eventos extremos. E é justamente por causa disso que hoje assistimos pessoas perdendo tudo, inclusive suas vidas”, diz.  

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou, pelo X, que governo federal e poderes locais estão agindo em conjunto pra redução de danos. A ministra também ressaltou que a tragédia evidencia o racismo ambiental. “Quando a gente olha os bairros e municípios que foram mais atingidos, como Acari, São João de Meriti, Anchieta, Albuquerque e Nova Iguaçu, a gente vê algo que eles todos têm em comum, que são áreas mais vulneráveis. Qual a cor da maioria das pessoas que vivem nesses lugares? Que mais uma vez estão ali perdendo suas casas, seus comércios, seus empregos, seus sonhos, sua esperança e sua vida com um todo?”, questiona a ministra.  

O ministério tem agido, de acordo com Franco, para que isso não volte a acontecer e para que as famílias recebam apoio. Segundo a ministra, a pasta está desde cedo em contato tanto com autoridades locais quanto com outras áreas do governo federal como os Ministérios das Cidades, do Desenvolvimento Regional, e do Desenvolvimento Social. A ministra também convoca a população a ajudar os atingidos pela tragédia.  

Sobreviventes de tragédia vivem medo de remoção em São Sebastião

A derrubada das casas ainda assombra os moradores da Vila Sahy. O bairro de São Sebastião, município do litoral norte paulista, foi o mais atingido pelo desastre do carnaval de 2023, quando 64 pessoas morreram devido aos deslizamentos causados pelas chuvas. Mas, o medo que acompanha as famílias nas festas de fim de ano vem do projeto do governo estadual de demolir quase 900 imóveis no bairro, mais de 40 quilômetros distante do centro urbano.

“Agora, é a tragédia pior”, lamenta Delma Queiroz Batista, que está entre os possíveis removidos. Ela fica apreensiva com a possibilidade de perder os imóveis que construiu ao longo de 30 anos vivendo no bairro e atuando como empregada doméstica nas mansões à beira da praia, do outro lado da Rodovia Rio-Santos. Sem poder trabalhar devido a uma doença degenerativa e sem aposentadoria, com 58 anos, Delma se sustenta com o aluguel de duas casas que construiu no seu terreno.

Nessa situação, ela diz que não poderá pagar as prestações dos apartamentos construídos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) para realocar os moradores do bairro. O governo estadual entrou com uma ação pedindo para demolir 893 imóveis na Vila Sahy. Devido aos protestos dos moradores, a procuradoria do estado recuou em relação a solicitação inicial e conseguiu uma liminar que autoriza a derrubada de 198 casas já desocupadas e de outras que estiverem em áreas de risco máximo, desde que um laudo individual ateste essa condição. Na ação, eram estimadas 172 residências nessa situação.

Enxurrada de lama

Apesar da decisão liminar, o Judiciário ainda deve ser pronunciar de forma definitiva sobre a ação. As incertezas afligem Delma, que sofre com a possibilidade de ter deixar a casa que levou tanto tempo para construir e equipar. “Depois de uma tragédia daquela, passar por tanto sofrimento, a gente perder amigos, entes queridos, eles fazem isso com a gente”, desabafa, sem esquecer da noite do dia 19 de fevereiro, quando viu pessoas sendo arrastadas pela enxurrada de lama. “Vi tantas pessoas descendo do morro. Dá para assistir, a rua é longa que dá para assistir”, conta.

A chuva que começou no sábado de carnaval, em 19 de fevereiro de 2023, foi o maior temporal registrado na história do país. O município recebeu na ocasião, segundo o Centro Nacional de Previsão de Monitoramento de Desastres, 626 milímetros de chuva.

Uma enxurrada de lama que arrastava pessoas, carros e derrubava casas, é assim que os moradores da Vila Sahy descrevem as cenas daquele dia. Com a tempestade, as vias de acesso ficaram fechadas, dificultando a chegada das equipes de resgate. No bairro, morreram 64 pessoas. Mas, muitas outras foram salvas pelos próprios moradores. “4h30 da manhã, já estávamos em ação, tentando salvar o máximo de vidas que pudéssemos”, relembra Valdemir Cruz, professor de capoeira e dono de uma padaria no bairro.

Falta de consulta

Sobre os planos do governo estadual e da prefeitura para evitar novos desastres ou mesmo a respeito do futuro da comunidade, Cruz reclama da falta de transparência. “Nunca veio nada, nunca houve diálogo nenhum. Nunca houve. São 10 meses de não informação, de desinformação total. Seu diálogo nenhum”, enfatiza.

Em novembro, o governo estadual entrou com uma ação pedindo uma liminar para remover à força os moradores de 893 imóveis. A medida está justificada por um estudo feito em parceria entre a CDHU e a organização não governamental Gerando Falcões. O trabalho sugere a criação de canais para escoamento das águas das chuvas e a lama das encostas, cortando a área atualmente ocupada por residências. O plano prevê a manutenção de apenas 379 famílias no bairro, com a demolição de casas em pontos não apontados como área de alto risco.

A defensora pública Patricia Maria Liz de Oliveira diz que o pedido para derrubada de quase 900 casas surpreendeu. “Lá atrás, a gente tinha uma avaliação inicial de que seriam necessárias as retiradas das casas já condenadas estruturalmente, que seriam as casas mais próximas ali das encostas. Isso girava em torno de aproximadamente umas 300 a 400 casas”, conta.

Ao representar os interesses dos moradores na ação judicial, a Defensoria Pública de São Paulo conseguiu que fosse realizada uma reunião com a comunidade e representantes do governo estadual para discutir os planos para o bairro. Depois do encontro, realizado no último dia 16 de dezembro, o juiz Vitor Hugo Aquino de Oliveira, da 1ª Vara Cível de São Sebastião, concedeu uma liminar que permitiu a demolição de 198 casas que já estavam desocupadas desde a tragédia e de imóveis que estejam em áreas com classificação de risco muito alto.

Indenização

O Ministério Público de São Paulo e a Defensoria Estadual entraram com uma ação pedindo indenização aos moradores da Vila Sahy. São pedidos R$ 20 milhões de danos morais e R$ 10 milhões de danos sociais contra a prefeitura de São Sebastião. Os órgãos querem ainda o pagamento de 400 salários mínimos às famílias que perderam pessoas na tragédia, além de R$ 10 mil para aquelas que ficaram desalojadas.

No texto, a promotoria e a defensoria afirmam que houve omissão do Executivo municipal em promover medidas para resguardar a população contra os eventos climáticos.

Governo estadual

Em nota, o governo de São Paulo afirma que a “atuação na Vila Sahy tem como único objetivo garantir a segurança das pessoas”. Ainda de acordo com o comunicado “todas as famílias que precisarem sair do bairro por estarem na área apontada por estudos técnicos de risco geológico e hidrológico terão atendimento habitacional garantido”.

Serão entregues, segundo o governo estadual, 704 unidades habitacionais nos bairros da Baleia Verde e Maresias. Em fase de licitação, devem ser construídos conjuntos habitacionais com cerca de 256 moradias na Topolândia, próximo ao centro urbano de São Sebastião. “Temos ainda cerca de 300 moradias em projeto em Camburi e outras 250 que serão erguidas na própria Vila Sahy, no projeto de urbanização em elaboração, totalizando mais de 1,5 mil unidades em um município onde nunca houve, anteriormente, produção de conjunto habitacional”, acrescenta a nota.

A reportagem da Agência Brasil entrou em contato com a prefeitura de São Sebastião e aguarda posicionamento.