Skip to content

Grupo Tortura Nunca Mais homenageia vítimas de violência do Estado

O Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, entregou nesta segunda-feira (1) a Medalha Chico Mendes de Resistência para pessoas e grupos que defendem direitos humanos. O movimento, criado em 1985 para lutar contra a violência do Estado, realizou o evento na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ).

Os organizadores reforçam que a edição é emblemática por conta dos 60 anos de implantação da ditadura militar, quando o Estado brasileiro promoveu perseguições, torturas e assassinatos contra opositores.

“Importante sempre denunciar. A memória precisa ser preservada nesse país. O povo brasileiro tem que saber o que aconteceu há 60 anos. A ditadura matou e torturou muita gente”, disse Victória Grabois, diretora do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ. “O meu irmão tinha 17 anos quando o golpe aconteceu. E nove anos e meio depois disso, ele deu o bem maior dele, a própria vida, para que hoje a gente tivesse democracia. Essa história tem que continuar viva, para a gente compreender o que aconteceu. Porque a violência contra os opositores do regime naquela época, hoje é direcionada para os pobres, negros e favelados”.

Um dos homenageados desse ano foi Norberto Nehring, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Ele foi preso, torturado e assassinado em 1970, no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo. A filha, Marta Nehring, recebeu a medalha em nome da família.

“A versão oficial da morte do meu pai foi suicídio, estava no atestado de óbito. E eu passei a minha infância toda lidando com isso. Depois, houve reconhecimento de que foi uma farsa policial, conseguimos atestado de óbito que falava em ‘mortes não naturais em dependências policiais’. Mas nossa família ainda quer saber quem matou e como matou. Buscamos pela verdade e pela justiça”, afirmou Marta.

Rose Michele Rodrigues, advogada e militante de direitos humanos, veio receber a homenagem em nome da tia Ranúsia Alves Rodrigues. Estudante universitária e militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Ranúsia foi assassinada por agentes da ditadura, mas o corpo nunca foi encontrado.

“Provavelmente ela foi presa e torturada, e inventaram um teatro para encobrir o corpo. Ela saiu perseguida de Pernambuco para o Rio de Janeiro. E aqui, foi pega junto com um grupo do PCBR. Meu pai tentou recuperar o corpo. E eles disseram que se ele viesse, seria preso. Ela foi enterrada em uma vala comum, como indigente, mesmo tendo sido reconhecida. Foi achada a vala, mas nunca se recuperou o material genético. Até hoje é considerada desaparecida política. E eu estou muito orgulhosa de lembrarem da minha tia, que lutava por uma sociedade mais justa e de continuar a luta dela por meio da militância”, ressaltou Rose Michele.

Para os quilombolas de Sapê do Norte, no Espírito Santo, ser homenageado é uma forma de dar mais visibilidade à luta pela terra e pela manutenção de tradições ancestrais. Um problema que foi aprofundado depois do golpe de 1964.

“A nossa luta é pela demarcação e titulação dos nossos territórios no Sapê do Norte. Todos nós somos nascidos e criados lá. E a partir do momento em que papeleiras e empresas de cana de açúcar se instalam no território, começaram o processo de expulsão das nossas famílias e do nosso modo de vida. Na época da ditadura, nos anos 1960, nós éramos mais de 13 mil famílias. E hoje fomos reduzidos a menos de 4 mil famílias. O território vem sendo invadido pelas grandes empresas e pelo grande capital”, explica Olindina Serafim, professora da educação escolar quilombola.

Também foi lembrado na noite dessa segunda-feira o grupo argentino Historias Desobedientes. Ele é formado originalmente por familiares de militares e civis que foram responsáveis pela ditadura militar na Argentina. Em vez de defender os antepassados ou adotar um silêncio cômodo, se mobilizam para expor e denunciar os crimes cometidos no período.

“Somos familiares que repudiam os atos de nossos pais, avôs e tios. Saímos em defesa das vítimas, dos sobreviventes e parentes. Crescemos com uma grande vergonha do lugar de onde viemos. E repudiamos nossos familiares, independentemente do vínculo afetivo que temos com eles. É uma posição que parte de uma decisão ética e humana”, disse Bibiana Reibaldi, psicopedagoga e membro do coletivo Historias Desobedientes.

Os demais homenageados pelo Grupo Tortura Nunca Mais foram:

Maria Criseide da Silva e Wellington Marcelino Romana: casal que, por se envolver na luta por terra e moradia em Minas Gerais, foi preso e torturado.

Boycott, Divestment, Sanctions (BDS) e Stop the Wall: movimentos sociais que buscam apoio internacional para condenar as ações de Israel contra palestinos.

Gonzaguinha (in memoriam): cantor e compositor, morto em 1991, conhecido por ser crítico à ditadura militar e, por isso, ter muitas de suas músicas censuradas.

Leonel Moura Brizola (in memoriam): político trabalhista, governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, que se opôs à ditadura no Brasil.

Pastor Mozart Noronha: era membro da Ação Popular (AP), organização cristã de resistência à ditadura. Teve de exilar-se na Suíça e em Portugal na década de 1970.

A Medalha Chico Mendes de Resistência está na 36ª edição e acontece todos os anos no dia 1º de abril, data que para o Grupo Tortura Nunca Mais é o dia correto do golpe de 1964. Vale reforçar que esse é um debate político. Militares e alguns pesquisadores defendem o 31 de março, quando começou o movimento de tropas golpistas em Minas Gerais. Outros pesquisadores e ativistas apontam o 1º de abril, quando o presidente João Goulart deixa Brasília, a capital federal, e vai para Porto Alegre. Já o 2 de abril é quando o Congresso Nacional declara vaga a presidência da República.

 

Uso de imóveis privados para tortura une civis e militares na ditadura

Uma casa discreta em um bairro residencial, um sítio usado para churrascos em fim de semana e até uma sala do complexo industrial de uma multinacional, lugares com pouco em comum, além de terem sido usados para tortura e execuções. Ao longo dos anos, pesquisadores e ativistas têm lembrado em diversos momentos que a ditadura que comandou o Brasil entre 1964 e 1985 não era apenas militar, mas foi conduzida também por tentáculos civis. Inclusive a violenta repressão contra os opositores teve participação de agentes sem vínculo direto com os quartéis.

Essas conexões ficam claras na existência de diversos pontos onde eram conduzidos interrogatórios e desaparecimentos forçados fora de qualquer estrutura militar ou governamental. Apesar de conhecidos, o caráter completamente não oficial desses imóveis em relação a estruturas públicas deixou poucas evidências para que seja possível saber exatamente quantos eram e o que se passou nesses locais.

“Esses espaços clandestinos possibilitaram uma articulação exatamente para fora das institucionalidades. E isso acho que dava mais margem para organizações paralelas atuarem nesses espaços. Ao mesmo tempo em que também criava laços de participação da sociedade civil nesses processos”, diz a historiadora e pesquisadora do Memorial da Resistência Julia Gumieri.

A existência desses locais surge em diversas investigações feitas sobre os crimes cometidos pela ditadura ao longo dos anos. A Comissão Nacional da Verdade mapeou a existência de centros de tortura em vários estados, como Rio de Janeiro, Pará e Minas Gerais.

Na comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de São Paulo em 1990, as investigações passaram por um sítio apontado como local de tortura e execuções em Parelheiros, extremo sul paulistano.

Ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo – Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência

O alvo inicial dos trabalhos da CPI era a vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte paulistana, onde foram ocultados os restos mortais de opositores assassinados pela repressão. Porém, os trabalhos também investigaram a existência da Fazenda 31 de Março, na região de Marsilac, no extremo sul da capital paulista, próximo à divisa com Itanhaém e Embu-Guaçu.

Difícil identificação

Havia a suspeita de que esse teria sido o lugar para onde o dramaturgo e militante Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, foi levado ao ser sequestrado pelo regime. Ao depor na Câmara Municipal, Segall não reconheceu o local pelas fotos apresentadas pelos vereadores.

“Estou olhando isto aqui e diria que não é a casa onde estive. Por duas razões: a primeira é que, mesmo vendado – isso me lembro perfeitamente – eu desci uma escadinha de onde o carro estava parado para chegar à entrada da casa. Isso me lembro na ida e na volta. Eu ia meio amparado, porque estava vendado. E aqui, me parece pelo menos, não há possibilidade de ter escada, não tem nada”, respondeu ao ver as fotos do local na investigação feita pelos vereadores em 1990, puxando da memória o que havia passado em 1970.

Escritor e ex-preso político Ivan Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo  – Arquivo Pessoal/Memorial da Resistência

A fazenda era de propriedade do empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, que morreu antes de ser ouvido pela CPI. O escritor e ex-preso político Ivan Seixas disse que o filho de um dos militares que frequentavam o sítio contou que o local também servia de ponto de confraternização para os agentes da repressão. “Tinha o filho de um milico, do capitão Enio Pimentel Silveira, que era funcionário da prefeitura. A gente pediu e ele concordou em ir [até a Fazenda 31 de Março], porque ele ia lá para churrascos. O pai dele e o [delegado Sérgio] Fleury faziam churrascos e levavam os filhos”, disse em entrevista à Agência Brasil. Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade.

É provável que Segall não tenha reconhecido o local porque a equipe do delegado Sérgio Fleury o levou para outro sítio, em Arujá, na Grande São Paulo, a norte da capital. Diversos depoimentos relatam que o delegado, um dos mais conhecidos torturadores da ditadura, tinha a sua disposição uma chácara, que nunca teve localização exata identificada.

Durante o tempo que esteve preso nesse sítio, Segall presenciou a morte de Joaquim Ferreira Câmara, conhecido pelo codinome de Toledo, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Segundo relato de outro conhecido agente da repressão, Carlos Alberto Augusto, chamado de Carlinhos Metralha, após ser capturado no Rio de Janeiro e ficar em cativeiro em diversos locais, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, também teria passado pelo sítio usado por Fleury em Arujá.

“O sítio aparentemente tinha dois quartos, uma sala/cozinha e um banheiro. Os choques elétricos aplicados no pau-de-arara eram gerados num aparelho, acionado por manivela manual”, contou Segall em depoimento à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Também estavam presos no local Viriato Xavier de Mello Filho e Maria de Lourdes Rego Melo.

Durante a tortura, o artista viu um homem, que depois identificou como sendo Joaquim Câmara, com sintomas de um ataque cardíaco. Apesar de ter recebido atendimento médico, o líder da ALN morreu no local, o que fez com que os demais presos fossem levados de volta para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro da capital paulista.

Também pertencente ao empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, dono da transportadora Rimet e da Fazenda 31 de Março, a chamada Casa da Mooca era utilizada para manter presos durante dias opositores da ditadura. O relatório final da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo denuncia que o imóvel localizado na Rua Fernando Falcão, no bairro da Mooca, zona leste paulistana, foi colocado a serviço da repressão na década de 1970. Segundo o documento, o local também pode ter sido usado como cativeiro para Bacuri.

Lugares ainda não revelados

Sair vivo de um lugar como esse não era a regra. “Foram poucos sobreviventes desses espaços de modo geral, exatamente porque, como eles não eram parte das estruturas oficiais, o objetivo não era prender. O objetivo era recolher informações, torturar e executar, porque você não pode ter sobreviventes, testemunhas desses espaços não oficiais”, explica Julia Gumieri.

Sem registros e sem testemunhas, é possível, segundo a pesquisadora, que alguns desses locais não tenham sequer sido mencionados nas investigações feitas até agora. “Imaginando o que se perdeu de documentação não localizada e mesmo de falta de sobrevivente que os próprios colegas de militância não souberam, é muito provável que tenha existido muito mais, que seja uma camada ainda pequena que a gente sabe sobre”, acrescenta a historiadora.

 Sítio 31 de Março, onde teriam sido mortos os militantes Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana – Wikipedia

Na Fazenda 31 de Março, teriam sido mortos em 1973 os militantes da ALN Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana. Na CPI de 1990, o ex-deputado Afonso Celso, único sobrevivente conhecido do sítio, contou sobre o que passou lá. Apesar de vendado, ele se lembrava que atravessou uma linha férrea para chegar ao local. “Fui conduzido para um subterrâneo, ou uma sala subterrânea ou coisa assim, porque existiam quatro degraus. Quatro degraus, não, quatro lances de escada, e lá imediatamente me despiram e passaram a me torturar”, relatou aos vereadores.

“Eu provavelmente desmaiei ou qualquer coisa assim, das sevícias de que fui vítima. Depois acordei e vejo que me botaram já num outro tipo de tortura, que não era mais pau-de-arara”, segue a história contada por Celso. “Me puseram no que eles chamavam ‘piscina’, que era uma espécie de poço, de fundo cimentado, mas cheio de lodo. Eu pisava no lodo, e ali eles brincavam de afogamento. Me sufocavam, me afogavam”, disse na ocasião.

Fazenda em Araçariguama, na Rodovia Castelo Branco, usada para tortura e execução de opositores ao regime – Andréia Lago/Memorial da Resistência

Outros lugares só foram conhecidos por revelações dos próprios agentes da repressão, como Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento que atuou no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Mesmo estando dentro de um dos maiores centros de tortura da ditadura, Chaves negou ter participado desse tipo de violência ou operações de repressão na rua. Fez revelações em diversos depoimentos, tanto a CPI da Vala de Perus, como também a Comissão Nacional da Verdade. Foi o ex-agente da repressão que identificou a Boate Querosene, em Itapevi, e o Sítio em Araçariguama como locais usados para tortura e execução de opositores ao regime.

Em outros casos ainda existem dúvidas e lacunas. Até hoje não se sabe o local onde, em 1978, Robson Luz foi torturado e morto após ser preso acusado de roubar uma caixa de frutas. O processo relativo ao caso, que à época causou indignação e levou à formação do Movimento Negro Unificado, só foi desarquivado em 2022.

Ao analisar a documentação, a pesquisadora Renata Eleutério, do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, diz que as informações são de que ele foi preso no 44º Distrito Policial, de Guaianases, zona leste paulistana. Porém, há indícios de que ele foi levado para outro local no período em que esteve sob poder dos policiais. “No processo, em um dos depoimentos, o rapaz indica que ele foi retirado daquela delegacia e levado para outro lugar. E aí depois foi jogado na delegacia, retirado de lá e jogado em qualquer outro canto”, revela a pesquisadora.

Não há clareza, no entanto, do local onde Luz teria recebido pancadas e choques elétricos. Mas existem diversos indícios de que alguns agentes da repressão à oposição política também atuavam na execução de presos por crimes comuns, como no caso da acusação feita contra Luz. “As estruturas e os executores estavam muito em diálogo, eventualmente eram até os mesmos, como o Esquadrão da Morte [grupo de extermínio], que era um grupo de policiais da Polícia Civil vinculados ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social]”, exemplifica Julia Gumieri.

Boate Querosene, em Itapevi, foi identificada como local de tortura por um agente da repressão  – Cacalos Garrastazu/Memorial da Resistência

Não foi identificado, porém, até o momento que as casas e sítios usados pela repressão tenham abrigado outras atividades. “Eu não posso afirmar que o Esquadrão da Morte se utilizou de um desses espaços. Mas, se o Fleury é um delegado da polícia que é ativo nos processos de extermínio, tortura, e compõe o Esquadrão da Morte, assim, eventualmente, ele pode usar o mesmo espaço”, pondera a pesquisadora.

Essa rede de imóveis sem nenhuma ligação formal com o Estado é um aprofundamento dos procedimentos ilegais e clandestinos que já aconteciam no DOI-Codi e outras instalações militares. O que só era possível devido às diversas formas de apoio de empresários ao regime, com cessão de espaços, veículos, financiamento direto e até vigilância sobre os próprios empregados. A montadora Volkswagen reconheceu que ajudou a repressão a perseguir os próprios funcionários. O ferramenteiro Lúcio Bellentani contou que foi torturado dentro do complexo industrial em São Bernardo do Campo. A empresa fez um acordo de reparação com o Ministério Público Federal.

Doutrina de guerra

A tortura não era uma novidade para as instituições brasileiras. Na ditadura de Getúlio Vargas, os opositores também eram perseguidos e presos. “Durante os outros períodos, a repressão política era uma repressão feita por órgãos oficiais. Prendia, torturava e soltava”, diz Ivan Seixas. A ditadura instaurada a partir do golpe de 1964, no entanto, incorporou uma visão de guerra contra a própria população, baseada, em grande parte, nas guerras coloniais da França na Indochina (Vietnã) e na Argélia.

“A doutrina da guerra revolucionária, como os franceses chamavam, foi um elemento-chave para preparar a organização e a estruturação dos serviços de informação brasileiros, que foram calcados nos serviços de informações franceses durante a Guerra da Argélia [1954 a 1962]”, diz o pesquisador Rodrigo Nabuco de Araújo, autor do livro Diplomates en Uniforme [Diplomatas de Farda], que trata da atuação dos militares franceses a partir dos serviços de diplomacia no Brasil entre 1956 e 1974.

O nome mais conhecido por trazer as expertises francesas para o Brasil é o general Paul Aussaresses. Antes de morrer, em 2013, o oficial reconheceu ter utilizado a tortura para combater a insurgência argelina. “Ele disse que torturou, que matou, que formou torturadores, e por isso ele acabou perdendo tudo. Ele perdeu a patente de general, perdeu o salário de aposentadoria de general. Foi um golpe muito grande que ele levou depois de ter dito tudo o que disse”, contextualiza Araújo antes de afirmar que Aussaresses não foi o principal responsável por trazer as estratégias francesas para o Brasil.

“Tem um outro que é muito mais insidioso do que o que o Aussaresses que é o Yves Boulnois”, destaca o pesquisador. Chegando ao Brasil em 1969, o coronel francês ajudou, segundo Araújo, na estruturação do DOI-Codi e esteve presente nas operações contra a guerrilha comandada por Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. “Ele participou da organização da operação e depois da supervisão, da análise dos dados que foram colhidos durante os interrogatórios, durante as torturas”, detalha Araújo a respeito do papel estratégico de Boulnois.

O coronel chegou ao Brasil em 1969 como adido militar. Em correspondência enviada ao então ministro dos Exércitos da França, Pierre Messmer, Boulnois informava sobre os avanços na estruturação das forças da repressão brasileiras. “Com vários meses de treinamento adequado, cada unidade é, agora, capaz, independente de qual seja a missão específica, de participar de uma operação de guerrilha”, escreveu ao superior em correspondência acessada por Araújo e disponibilizada em seu livro.

 

Hierarquias paralelas

A experiência francesa de enfrentar guerrilhas em um ambiente urbano, como aconteceu na Argélia, influenciou, segundo o pesquisador, na criação da Operação Bandeirante, que reprimiu os grupos armados que lutavam contra a ditadura em São Paulo. “Os militares do 2º Exército em São Paulo se inspiraram amplamente das sessões administrativas especiais, que eram organizações civis e militares na Guerra da Argélia, para estruturar a Operação Bandeirantes e transformar essa experiência da guerra colonial francesa, na Guerra da Argélia, em algo possivelmente utilizável no Brasil”, explica Araújo.

“Se inspirou nessa centralização da informação, que é o caso francês, dessa reunião de civis e militares em um só comando, e da organização das operações, o que eles chamavam de hierarquias paralelas. Quer dizer, que você tinha uma rede de comando, uma hierarquia de comando que vem de cima para baixo, mas você tinha uma hierarquia paralela, uma organização e uma estrutura clandestina”, detalha o pesquisador.

As teorias dos militares franceses surgem também da tentativa de entender a derrota para as forças de libertação das antigas colônias. “Tinha a ver com uma negligência dos militares da dimensão política e psicológica do conflito”, diz a respeito das conclusões dos oficiais o coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Acácio Augusto.

O papel da tortura

“Para essa teoria, a sociedade está dividida em três grupos”, explica o professor. Esse pensamento estratégico parte, segundo ele, do princípio de que há uma minoria ativa, que luta contra a dominação colonial, no caso das ex-colônias francesas, ou contra a ditadura, no caso do Brasil. Há os apoiadores dos processos de dominação e há  “uma grande maioria, que eles chamam de neutra e pacífica, e que está à mercê de ser conquistada pela causa revolucionária, que deve ser disputada pelas forças da ordem”.

Por isso, para além do enfrentamento militar, foi feito, de acordo com Augusto, um esforço para evitar que o conjunto da população simpatizasse ou apoiasse os grupos de resistência. Ao mesmo tempo, os grupos de oposição são tratados como inimigos e desumanizados. “A tortura não era um ato de barbárie, não era um excesso do regime, era a própria forma de atuação do regime, inclusive gerida cientificamente. A ideia da tortura era produzir informação”, enfatiza.

O desaparecimento dos torturados, principalmente os que nunca foram registrados em estruturas oficiais do Estado, serve, segundo Araújo, a alguns propósitos. Por um lado, evita a responsabilização e repercussão pública das mortes, enquanto, por outro desestabiliza os opositores do regime.

“É uma forma de você criar uma incerteza muito grande em torno do que aconteceu com essa pessoa e dessa forma de criar uma impunidade em torno das pessoas que cometeram esses crimes”, diz o pesquisador.

O general francês Aussaresses, que ficou conhecido pelos cursos relacionados a tortura que promovia em Manaus, é também, segundo Araújo, protagonista de um evento que ilustra como a violência era instrumentalizada pelos colonialistas. “Ele solicitou o estádio de futebol da cidade. Ele torturou os presos em frente uns dos outros, depois matou todo mundo. Abriu uma vala comum, jogou todos os corpos ali, jogou cal quente em cima, e em cima disso ele jogou concreto armado. Quer dizer que não tem como saber quem está enterrado ali. Todos desapareceram”, conta o historiador sobre os fatos ocorridos na antiga cidade de Philippeville, atual Skikda, na Argélia.

Governo apoiará processo para transformar casa de tortura em memorial

O governo federal irá apoiar a prefeitura de Petrópolis em mais um passo para transformar o imóvel no bairro do Caxambu, conhecido como Casa da Morte – apontado como equipamento usado durante a ditadura militar para tortura e morte de presos políticos -, no Memorial de Liberdade, Verdade e Justiça, que tem como objetivo a preservação da história para que crimes como o que ocorreram naquele período não ocorram mais.

Para que seja criado o centro de memória, é preciso solucionar um impasse com os proprietários do imóvel, que vem desde 2012. Agora, com o apoio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), a prefeitura protocolou uma ação na 4ª Vara Cível da Comarca de Petrópolis, e a primeira audiência está marcada para esta quinta-feira (1º).

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) irá disponibilizar os recursos financeiros necessários para a conclusão do processo, de acordo com nota publicada nessa quarta-feira (31). A pasta informou que por meio de captação de recursos, atua em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) e a prefeitura de Petrópolis a fim de solucionar o processo de desapropriação do imóvel.

Seguindo sugestão do MPF, o ministério também enviou ofício à Universidade Federal Fluminense (UFF) para que a instituição de ensino integre o convênio, na qualidade de gestora do espaço, em razão de sua expertise sobre a temática.

O apoio do MDHC foi formalizado no 19 de janeiro, em ofício. A partir daí, a prefeitura de Petrópolis deu início ao processo de desapropriação, no último dia 22, protocolando ação na 4ª Vara Cível da Comarca da região. Segundo o ministério, o espaço será um símbolo para novas gerações a fim de que crimes do Estado contra brasileiros não se repitam, por meio de esforço entre governo e sociedade civil.

De acordo com o secretário de governo de Petrópolis, Marcus São Thiago, desde 2012, quando o local foi identificado pela Comissão da Verdade, busca-se desapropriar o imóvel, mas isso sempre foi difícil por falta de dinheiro por parte da prefeitura. “Sempre tentamos também desenvolver um projeto onde essa casa fosse resgatada como patrimônio, direcionada ao resgate da memória daqueles tempos sombrios, com a criação de um memorial. Foi uma luta de mais de década que se prendeu aqui em Petrópolis”, disse, acrescentando que agora isso se torna possível com a ajuda do governo federal.

Na audiência, São Thiago diz que a prefeitura pretende buscar uma solução amigável. A intenção é “discutir a possibilidade de um trâmite amigável e a solução vir em curto tempo”.  

Para a ex-presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro Nadine Borges (foto), o apoio do governo federal é um passo importante. “O Estado brasileiro ainda está muito longe de cumprir as recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que obriga a revisar a Lei da Anistia e a investir na política de memória. Um povo sem memória é um povo que repete e está fadado à repetição das violações de direitos humanos”, diz Nadine que atualmente é secretária de Direitos Humanos e Cidadania de Niterói.

Ela participou das investigações que identificaram a Casa da Morte. “As pessoas costumam falar em centro clandestino de tortura. Só que não era um centro clandestino, era um centro extraoficial, era um lugar que quem estava no comando da inteligência do Exército conhecia muito bem, aportava recursos”. Segundo a secretária, transformar o local em memorial tem significado muito grande “para quem luta por memória, verdade, justiça e reparação, sobretudo as pessoas que foram afetadas na ditadura empresarial militar”.

De acordo com Nadine, o memorial é um primeiro passo: “A ideia de revelar para as novas gerações o que foi a ditadura já é um primeiro passo, importante, mas precisa ir além. É preciso, sim, abrir os arquivos das Forças Armadas para a gente saber quem foram as pessoas torturadas e desaparecidas na casa de Petrópolis”.

*Com informações de Priscila Thereso, da Radioagência Nacional

EUA: Alabama executa preso com gás nitrogênio; ONU considerada tortura

27 de janeiro de 2024

 

O estado norte-americano do Alabama executou um preso com gás nitrogênio, um método nunca antes usado que grupos de direitos humanos chamam de cruel.

Kenneth Eugene Smith, 58, foi executado por causa de sua condenação pelo assassinato de Elizabeth Sennett em 1988.

Esta foi a segunda tentativa do Alabama de executar Smith. Sua injeção letal de 2022 foi cancelada abrutamente quando as autoridades não conseguiram achar uma veia.

Os advogados de Smith pediram na quinta-feira ao Supremo Tribunal dos EUA que suspendesse a execução, a fim de avaliar as alegações de que o novo método viola a proibição constitucional de punições cruéis e incomuns.

O grupo de direitos humanos Amnistia Internacional condenou a execução e apelou à governadora do Alabama, Kay Ivey, para que usasse o seu poder para impedir.

A Amnistia também observou que Smith só está no corredor da morte porque um juiz anulou a votação do júri para prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional. Essa prática de anulação judicial foi proibida em 2017 no Alabama, mas nunca foi retroativa, segundo a Amnistia.

O Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas também instou as autoridades do Alabama a suspender a execução de Smith.

O porta-voz do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos disse num comunicado que a execução por asfixia “poderia equivaler a tortura ou outro tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante ao abrigo do direito internacional dos direitos humanos”.

“Em vez de inventar novas formas de implementar a pena capital, instamos todos os Estados a implementar uma moratória sobre a sua utilização, como um passo em direção à abolição universal”, disse Shamdasani no comunicado.

 

Rapaz amarrado com cordas por policiais pede indenização por tortura

A defesa do rapaz amarrado pelos pés e mãos com corda durante uma abordagem policial protocolou pedido de indenização por danos morais de R$ 1 milhão na Justiça paulista, nesta terça-feira (23). A ação pede a condenação do estado de São Paulo pela prática de tortura cometida por policiais militares no exercício da profissão.

“Como um verdadeiro animal, remetendo às imagens degradantes da época da escravatura, o autor foi mantido com seus pés e suas mãos amarrados por mais de três horas, conforme o depoimento da testemunha”, aponta o advogado na ação ajuizada. As agressões contra Robson Rodrigo Francisco começaram após sua recusa em sentar-se, destacou o advogado José Luiz de Oliveira Júnior.

Imagens das câmeras corporais dos policiais militares e do sistema de segurança de um prédio, reunidas e divulgadas pelo G1, revelaram que o então suspeito já estava algemado quando foi amarrado por cordas. Um dos policiais aperta as amarrações, deixando mãos e pés bem juntos, atrás do corpo do rapaz, na altura do quadril.

Com base nas imagens, o advogado reforçou que não houve qualquer agressão por parte de Robson que pudesse desencadear tal conduta dos agentes. “Em razão da violação à sua integridade física e moral, em decorrência de uma abordagem policial excessiva e violenta, baseada em pura tortura ao custodiado, é que o autor propõe a presente”, destaca a ação, que classifica a conduta dos policiais de tratamento desumano e degradante.

A defesa cita ainda a previsão na legislação sobre o direito de Robson em receber tratamento digno mesmo em situação de privação de sua liberdade e o entendimento pela responsabilização do estado nos casos de abuso de autoridade cometido por policiais militares no exercício da profissão.

“Ação é pertinente”

Diretora executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias avalia que a ação indenizatória em favor de Robson é pertinente. Ela acrescenta que é indiscutível que houve dano moral e abuso do estado. “A gente precisa cada vez mais entrar com ações indenizatórias sempre que existe uma situação de violência do estado praticada, porque é uma forma de começar a estabelecer a responsabilidade do estado com relação a essas violações e a importância de mudar essa realidade”, disse.

Ela ressalta que, no Brasil, a política de segurança pública está focada no policiamento ostensivo, o que resulta no uso da abordagem policial como instrumento de controle de determinados territórios e determinados corpos, além de uma presença opressiva do estado. Ela chama atenção para a ocorrência de racismo nas abordagens, revelada na pesquisa “Por que eu?”, do IDDD, que mostrou que, a cada dez pessoas abordadas, oito são negras.

“A abordagem tem que acontecer dentro dos limites da Constituição Federal, em respeito à dignidade da pessoa humana. Jamais, mesmo que a pessoa seja resistente, se pode amarrar uma pessoa. Isso é gravíssimo, existem protocolos para o uso da força, e certamente esses protocolos não foram seguidos por esses policiais”, disse Marina Dias, sobre o caso Robson.

Para evitar casos de excesso de uso da força e práticas violentas cometidas por agentes de estado, ela aponta a necessidade de o Ministério Público exercer o seu dever de controle da polícia e o Judiciário fazer o controle constitucional das ações da polícia. Além disso, ela indica uma capacitação da polícia sobre o tema, inclusive com relação a letramento racial.

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou, em nota, que os policiais envolvidos na ocorrência retornaram às atividades de policiamento ostensivo em agosto de 2023 após período de avaliação psicológica. “O caso em questão foi investigado por meio de Inquérito Policial Militar (IPM) e remetido ao Tribunal de Justiça [Militar] também em agosto”, diz a nota.

Histórico

Em junho do ano passado, o então suspeito foi amarrado pelos pés e mãos com corda por policiais militares durante uma abordagem que resultou em prisão por furto. Robson foi amarrado de forma que não conseguisse ficar em pé nem sentado, após ser encontrado com duas caixas de chocolate, que seriam fruto do crime.

Em outubro do ano passado, em audiência na Justiça paulista, Robson assumiu o furto das duas caixas de chocolate, mas não foi sentenciado. Ele está atualmente em liberdade provisória. Ainda não há data para a próxima audiência, segundo o advogado de defesa.

Em vídeo feito por testemunha na ocasião da prisão, quando o então suspeito foi levado para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), é possível vê-lo no chão, enquanto os policiais estão em pé. Na sequência, o rapaz é arrastado pelo chão por um dos agentes para dentro de uma sala. Depois, Robson é carregado por dois policiais, que o seguram pela corda e pela camiseta. Ainda amarrado, ele é colocado no porta-malas de uma viatura.

No mesmo mês da prisão, o caso já teve desdobramento na Justiça paulista, que o tornou réu, enquanto seis policiais, que estavam afastados das atividades operacionais, ainda passavam por investigação para apurar “eventuais excessos”. Advogados de entidades de direitos humanos ouvidos pela Agência Brasil avaliaram que em nenhum cenário tal conduta dos policiais, durante a prisão de Robson, seria aceitável. As cenas foram comparadas ao período da escravização e barbárie.

Governo cria Dia Nacional de Combate à Tortura

A partir desta segunda-feira (8), todo dia 14 de julho será lembrado como o Dia Nacional de Combate à Tortura, conforme a lei 14.797/2024 publicada no Diário Oficial da União desta segunda-feira (8). A data faz referência ao caso ocorrido no ano de 2013, quando o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza foi sequestrado, levado à Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, no Rio de Janeiro, e submetido a várias formas de tortura até a morte.

Junto com o dia 26 de junho, quando o mundo promove ações de conscientização sobre o tema no Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, a nova data irá compor um calendário de debate sobre direitos humanos, prisões ilegais e arbitrárias, condições carcerárias e outros temas relativos ao crime descrito pela legislação brasileira por meio de lei.

Debates

Como signatário, desde 2007, do Protocolo Facultativo a Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (OPCAT/ONU), o Brasil enfrenta esses tipos de crimes por meio do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão autônomo responsável por, entre outras atribuições, reunir análises, ações e recomendações sobre o tema, em um relatório anual.

O último documento apresentado em 2023,  apontou o caminho a ser desbravado pelas políticas públicas nacionais para combater a tortura no Brasil: os locais de privação de liberdade, que incluem além do sistema prisional, o sistema socioeducativo, os hospitais psiquiátricos e as instituições de longa permanência para idosos são os que concentram a maioria dos casos dessas práticas e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Entre as recomendações estão a realização de um censo do sistema prisional, a elaboração de uma Política Nacional de Combate à Insegurança Alimentar e de Acesso à Água em Estabelecimentos Penais, capacitação de agentes do serviço penal sobre os direitos e às especificidades da população LGBTI+ privada de liberdade, fiscalização sobre os investimentos para a melhoria da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) e o mapeamento das regulamentações que tratam da atuação das polícias penais nos estados.

Governo sanciona lei do Dia Nacional de Combate à Tortura

A partir desta segunda-feira (8), todo dia 14 de julho será lembrado como o Dia Nacional de Combate à Tortura, conforme a lei 14.797/2024 publicada no Diário Oficial da União desta segunda-feira (8). A data faz referência ao caso ocorrido no ano de 2013, quando o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza foi sequestrado, levado à Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, no Rio de Janeiro, e submetido a várias formas de tortura até a morte.

Junto com o dia 26 de junho, quando o mundo promove ações de conscientização sobre o tema no Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, a nova data irá compor um calendário de debate sobre direitos humanos, prisões ilegais e arbitrárias, condições carcerárias e outros temas relativos ao crime descrito pela legislação brasileira por meio de lei.

Debates

Como signatário, desde 2007, do Protocolo Facultativo a Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (OPCAT/ONU), o Brasil enfrenta esses tipos de crimes por meio do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão autônomo responsável por, entre outras atribuições, reunir análises, ações e recomendações sobre o tema, em um relatório anual.

O último documento apresentado em 2023,  apontou o caminho a ser desbravado pelas políticas públicas nacionais para combater a tortura no Brasil: os locais de privação de liberdade, que incluem além do sistema prisional, o sistema socioeducativo, os hospitais psiquiátricos e as instituições de longa permanência para idosos são os que concentram a maioria dos casos dessas práticas e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Entre as recomendações estão a realização de um censo do sistema prisional, a elaboração de uma Política Nacional de Combate à Insegurança Alimentar e de Acesso à Água em Estabelecimentos Penais, capacitação de agentes do serviço penal sobre os direitos e às especificidades da população LGBTI+ privada de liberdade, fiscalização sobre os investimentos para a melhoria da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) e o mapeamento das regulamentações que tratam da atuação das polícias penais nos estados.